e morreu a 22mar2013
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avante...28dez2017
by Domingos Lobo
Fotobiografia de um mestre
Óscar Lopes – Retrato de Rosto, de Manuela Espírito Santos
Óscar Lopes – Retrato de Rosto, de Manuela Espírito Santos
Não
sei, meu caro Óscar Lopes, a esta distância do seu silêncio, se o que
conta é debruar-lhe, usando os fios das palavras mais nobres, o elogio
(sempre amputado, sempre aquém do seu génio), do notável professor que
foi, do exigente pedagogo, do linguista exímio e perscrutador das
vibrações mais íntimas das palavras, do ensaísta arguto, do crítico
sagaz e, só aparentemente, austero. Tudo isso, a juntar aos anos de
repressão tacanha e ignóbil a que os verdugos e o obscurantismo fascista
o condenou, amputando uma boa parte do País à sua lúcida capacidade de
nos ler, de nos orientar por entre o chão poroso, no clarão das palavras
enxutas, impedindo que a sua vasta cultura nos servisse de esteio mais
amplo, profícuo e atempado para o entendimento deste nosso tempo.
Manuela Espírito Santo tece neste Retrato de Rosto,
que é um prodígio de estudo, busca, recolha e interpretação lúcida do
seu percurso de vida, desde as origens até aos dias do fim, passando
pelos amigos, a obra, os afectos, as cumplicidades, os tempos infectos
da vergonha, a militância no seu Partido de sempre, os esconjuros dos
esbirros do medo, a Festa de Abril e a libertação dos presos políticos, o
retorno, em 1975, à Universidade do Porto, como Professor Catedrático da Faculdade de Letras, a publicação, corrigida e aumentada, da 8.ª edição da História da Literatura Portuguesa, (já
conto 18 edições), acervo do melhor que as palavras, em português, nos
legaram deste o século primeiro da nossa identidade até aos
contemporâneos que o seu labor nos ajudou a amar; a sua eleição, em 1976, para o Comité Central do PCP, a
família, os amigos, entre os quais se salientam Eugénio de Andrade,
cuja obra admirava, o seu cunhado Jorge de Sena, Erico Veríssimo,
Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro e tantos outros.
Tudo isto e muito mais, toda uma vida de trabalho, estudo e luta, está presente nesta Fotobiografia que traça, do autor de 5 Motivos de Meditação, não apenas o Retrato de Rosto, mas um amplo e fecundo retrato de corpo inteiro
descrito com rigor histórico e crítico ao longo de quase 500 páginas,
num belíssimo objecto gráfico, profusamente ilustradas com fotos que
ponteiam e amplificam os sentidos das palavras claras, carregadas de
memórias, de reconhecimento e de afectos, da autoria de Manuela Espírito
Santo: Nunca me ofereceu camélias. Oferecia-me livros. Não tomámos
chá nas tarde que passámos juntos. Dava-me o seu tempo, o bem mais
precioso, e a sua infinita paciência de responder a perguntas que, dia
após dia, lhe colocava. A delicadeza era o seu timbre: abria a porta e
um sorriso, encaminhava-me para a sala do piano. Aí, conversávamos sem
filtros: falou-me da vida, da morte, do amor de amores, de política, das
políticas, da religião, de religiões. Tínhamos o tempo todo – julgava
eu – e a conversa fluía entre duas pessoas de gerações distintas,
convergentes, no essencial, na «aventura de viver».
«A
vida parece-me como que um texto com sentido a decifrar», escreveria
Óscar Lopes, o sentido que tentou decifrar, esse absurdo persecutório,
quando a PIDE o levou para a sinistra cadeia da Rua do Heroísmo, pelo
crime hediondo de pertencer à Comissão do Porto do Movimento da Paz. O Processo dos 52, diz-nos Manuela Espírito Santo, é
um dos mais duros e violentos da história da repressão fascista.
Envolve dezenas de advogados, centenas de testemunhas. O julgamento no
Tribunal Plenário, iniciado em Dezembro de 1956, termina em 12 de Junho
de 1957, com a absolvição de parte dos arguidos e penas de prisão para
mais de duas dezenas. A pena mais gravosa é aplicada ao historiador
António Borges Coelho: 2 anos e 9 meses de prisão efectiva e perda de
direitos cívicos por 15 anos.
Óscar
Lopes será, durante anos, um dos alvos preferidos da Polícia Política
do salazarismo. Impedem-no de leccionar; de assinar os seus textos
críticos com nome próprio, que este substitui pelo pseudónimo Luso do
Carmo, prosseguindo a publicação da sua crítica literária nas páginas do
Comércio do Porto; criam o cerco à sua actividade cívica e
profissional, cerco que se estenderá aos seus amigos e companheiros de
letras e de luta, quando estes tentam homenagear o Companheiro de Tantas Jornadas Difíceis. Mas a homenagem, apesar de indeferida, A Bem da Nação, pelo Secretário do Governo Civil, Dr. Januário Nunes, sairá num número do jornal A Opinião, totalmente dedicado a Óscar Lopes. Estava-se a 20 de Abril de 1974.
Nesse mesmo número do jornal, escreverá Ferreira de Castro: Grande homem num corpo pequeno, grande espírito num pequeno país, Óscar Lopes é uma das mais notáveis personalidades do nosso tempo.
Com este Óscar Lopes – retrato de rosto, de Manuela Espírito Santos, a Câmara Municipal de Matosinhos, que editou este monumento biobibliográfico, presta homenagem merecida a um dos seus mais ilustres filhos, ao senhor de Matosinhos, como lhe chamou Vasco Graça Moura, no ano em que se comemoram os 100 anos do seu nascimento. Senhor de Matosinhos e do mundo, alguém
de voz já rouca que chegava tarde a casa e tinha ainda tempo e talento
para nos deixar abertos sobre a mesa os prodígios das palavras altas num
Álbum de Família.
Óscar Lopes – retrato de rosto, de Manuela Espírito Santo – Edição Câmara Municipal de Matosinhos/2017
http://www.avante.pt/pt/2300/argumentos/148090/***
20ab1974
"Intervenção de Óscar Lopes na sessão de homenagem que lhe foi prestada, em 20 de Abril de 1974, nos arredores do Porto.
Óscar Lopes falou de improviso, mas as suas palavras foram registadas por alguém que não consegui identificar. O texto dessa intervenção, inédito, pertence ao espólio de Óscar Lopes.
Foto de Sérgio Valente"
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1807791452565978&set=gm.1713916455348727&type=3&theater
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22mar2013
O Prof. Óscar Lopes não foi apenas um grande professor e um grande investigador, o que já não seria pouco. Foi também um grande intelectual, no sentido mais nobre, militante e empenhado do termo. Autor de uma obra vastíssima, como historiador da literatura, ensaísta, crítico literário e linguista (faceta talvez menos conhecida, mas não menos relevante do seu labor), Óscar Lopes foi uma personalidade muito marcada, até 1974, pelo de silenciamento e mesmo pela repressão que lhe foi movida pelas instâncias do poder vigente, o que limitou, até então, a projeção da sua atividade como crítico, investigador e professor.
De toda a vasta obra que Óscar Lopes nos lega, destaca-se, certamente como título mais notório, a História da Literatura Portuguesa, que escreveu em co-autoria com António José Saraiva, um manual que conta com um número invulgar de edições e de reimpressões; fica assim bem evidente o amplo acolhimento que aquele manual conheceu, por parte de várias gerações de estudantes e de professores, em Portugal e também no Brasil. Entre muitas outras coisas, a História da Literatura Portuguesa de Óscar Lopes e António José Saraiva (publicada pela primeira vez em 1953 e objeto de sucessivas atualizações), ensinou-nos a olhar de forma diferente para a nossa história literária; muito marcada até então por uma perspetiva biografista e às vezes acentuadamente celebratória, a história literária portuguesa passou, a partir da História da Literatura Portuguesa de que Óscar Lopes foi co-autor, a ser relacionada com os contextos sociais, políticos e económicos em que se enquadrava. A formação marxista de ambos os autores era, em 1953, determinante, mas não contaminava, com uma leitura estreitamente ideológica, os textos e os autores representados na História da Literatura Portuguesa.
Este é um aspeto que quero realçar. Conheci sempre no Prof. Óscar Lopes uma personalidade tolerante e dialogante, aberta a outras ideias e formas de pensar diferentes das suas, interessado e profundo conhecedor da música (o que bem se vê em Uma arte de música e outros ensaios, de 1986), das artes plásticas, da filosofia e do pensamento religioso. Posso dizer, sem exagero, que Óscar Lopes era detentor de uma cultura literária absolutamente impressionante, que sempre levava às intervenções que fazia, em conferências, em congressos e em colóquios, sem exibicionismo, mas com um vigor participativo e com uma abertura ao debate invulgares.
Registo ainda, em evocação necessariamente sumária, mas muito grata ao que aprendi com Óscar Lopes, a importância de títulos como Os Sinais e os Sentidos: Literatura Portuguesa do Século XX(1986), Entre Fialho e Nemésio: Estudos de Literatura Portuguesa Contemporânea (1987) e A Busca de Sentido. Questões de Literatura Portuguesa (1994). Em todos eles fica-nos uma herança de grande sensibilidade crítica, de grande argúcia interpretativa e de enorme dedicação à literatura e à cultura portuguesas.
https://www.publico.pt/2013/03/22/culturaipsilon/noticia/sobre-oscar-lopes-1588789***
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-Geral, Matosinhos, Evocar Óscar Lopes. O homem e o seu tempo
Homenagem justa a quem a cultura portuguesa, a resistência à ditadura fascista e o Portugal democrático muito devem
Sábado 22 de Março de 2014
É com grande alegria que, como Secretário-Geral do PCP, partido em que Óscar Lopes dedicadamente militou até nos deixar fisicamente há um ano atrás, me associo a esta Homenagem promovida pela Direcção da Organização Regional do Porto e do seu Sector Intelectual.
Homenagem justíssima ao homem, ao intelectual, ao democrata, ao patriota e ao comunista, a quem a cultura portuguesa, a resistência à ditadura fascista e o novo Portugal democrático saído da Revolução de Abril muito devem.
As intervenções da Professora Fátima Oliveira e do camarada José António Gomes abordaram em profundidade o perfil do intelectual de excepção que foi Óscar Lopes nas múltiplas vertentes em que se desdobrou: a sua insaciável curiosidade científica, a sua excepcional actividade de pedagogo, publicista, a sua intensa actividade cívica e política. Permitam-me ainda assim algumas notas de carácter biográfico que, embora muitíssimo incompletas, evidenciam que evocamos hoje um homem, um intelectual e um revolucionário comunista de excepção e que, além do seu exemplo de cidadão, nos lega uma obra notável onde o rigor científico, a inspiração criativa e o ponto de vista de classe se fundem naturalmente.
Óscar Lopes nasceu aqui, no concelho de Matosinhos, em Leça da Palmeira, em 1917, ano do maior acontecimento revolucionário do século XX, a Revolução Socialista de Outubro, a cujos ideais libertadores aderiu e a que se manteve fiel até aos seus últimos dias. Da vida modesta e sofrida das gentes da sua terra, dos humildes pescadores, recebeu o impulso de revolta contra a miséria e a exploração e de amor ao povo que moldaram a sua consciência política, a sua identificação com os interesses da classe operária, a sua opção pelo ideal comunista. Foi assim que aderiu ao PCP em 1945, realizou as mais diversas tarefas na clandestinidade e depois do 25 de Abril, tendo sido membro do Comité Central do PCP entre 1976 e 1996.
Professor, investigador, publicista, Óscar Lopes foi autor de uma vasta obra, sobretudo no domínio da Linguística e da Crítica Literária, em que se destaca esse monumento que é a História da Literatura Portuguesa de que foi co-autor, deixa colaboração dispersa em inúmeros jornais e revistas (como a Vértice e a Seara Nova), e o seu nome fica ligado a numerosas colectividades e associações culturais como a Associação Portuguesa de Escritores, a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto ou a Universidade Popular do Porto de que foi um dos fundadores .
Mesmo quando perseguido pela PIDE e impedido de lecionar no nível que a sua elevada competência impunha, soube combinar a sua superior actividade de homem da cultura com uma intensa intervenção social e política.
Profundamente identificado com o sentir e as aspirações do seu povo e os problemas do seu País, ao lado de outros lutadores destacados como Virgínia Moura, Lobão Vital, José Morgado, Ruy Luís Gomes ou Armando de Castro, Óscar Lopes desenvolveu intensa actividade política, participando desde 1942 nas mais diversas acções da Oposição Democrática antifascista tendo pertencido ao MUNAF, ao MUD, ao MND e mais tarde à CDE e à Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Preso pela PIDE duas vezes, a primeira das quais em 1955 no processo dos Partidários da Paz, viria a passar vários meses nas cadeias fascistas. Afastado da Universidade retomou mais tarde o ensino e, logo a seguir ao 25 de Abril, foi eleito Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Letras e exerceu o cargo de Vice-Reitor da Universidade do Porto. Foi candidato do PCP à Assembleia da República em várias eleições, tendo exercido a função de deputado, e eleito na Assembleia Municipal do Porto.
Para o PCP é uma grande honra e motivo de legítimo orgulho que este intelectual de excepcional valor que militou 70 anos nas sua fileiras seja um dos seus, um elo particularmente valioso e querido da cadeia de solidariedade ideológica, política e humana que é este grande colectivo partidário. Colectivo que, graças à firmeza de militantes modestos e dedicados como Óscar Lopes, o fascismo não conseguiu destruir, que se tornou o grande partido da Liberdade e da Revolução de Abril e se afirma hoje como força necessária e insubstituível na luta pela alternativa democrática e patriótica que a grave situação de Portugal reclama.
Não foi certamente por acaso que foi ele o autor inspirado do prefácio do romance “Até Amanhã Camaradas” de Manuel Tiago, como não são de circunstância as palavras com que Álvaro Cunhal se referiu um dia a Óscar Lopes afirmando que “toda essa vida notável, em si mesma, se torna ainda mais notável porque Óscar Lopes a soube e sabe viver com a serenidade e simplicidade que dão a sabedoria e a modéstia”.
Esta homenagem a Óscar Lopes, sem o afirmar explicitamente, integra-se de facto nas comemorações do 40º aniversário da Revolução de Abril, comemorações em que, para que se não esqueça, é necessário lembrar o que foi a longa noite fascista e, sem esquecer ninguém, lembrar e honrar aqueles que se destacaram no combate à ditadura e contribuíram para a conquista da Liberdade e para as grandes transformações revolucionárias que então abriram a Portugal o caminho do socialismo.
Trata-se pois de uma homenagem particularmente oportuna. Óscar Lopes foi um observador atento e um intérprete esclarecido dos problemas do seu tempo e da luta do seu povo, como confirmam os inúmeros artigos e textos de análise que nos legou. Mas foi sobretudo o participante activo, solícito, corajoso, sempre pronto a dar o seu contributo e a emprestar o seu nome prestigiado à indignação, ao protesto, à reclamação, às diversificadas formas de luta que moldaram a resistência anti-fascista, sempre disponível, por cima de todos os perigos, a contribuir para a unidade de quantos, independentemente da sua condição social e opção ideológica, aspiravam à liberdade e, mais tarde, ao fim das guerras coloniais e do colonialismo.
Óscar Lopes, um comunista ideologicamente muito firme e dedicado à construção do seu Partido e à defesa do seu Programa, foi simultâneamente um infatigável promotor da convergência e da unidade democrática e antifascista, área de intervenção em que, fazendo juz à sua grande autoridade moral, política e intelectual, revelou a sua capacidade para juntar na acção, e para a acção, personalidades de diferentes quadrantes e vencer preconceitos em relação ao movimento operário e ao Partido prejudiciais à unidade da Oposição Democrática.
Salientar e valorizar esta faceta da intervenção política e da personalidade de Óscar Lopes é particularmente importante no momento em que a extraordinária gravidade da situação económica, social e política do País torna necessária a mais ampla convergência e unidade de todos os democratas e patriotas, de quantos se não conformam com o rumo de empobrecimento e ruína económica em que quase 37 anos de política de direita e de submissão ao imperialismo mergulharam o país.
Empobrecimento e ruína que se ampliaram de forma dramática nos últimos três anos de intervenção estrangeira do FMI, UE e BCE com a activa conivência dos partidos da troika nacional e que teve no actual governo do País o mais zeloso executor.
Três anos que se traduzem no período mais negro da vida democrática do nosso País e que nos mais variados aspectos da nossa vida colectiva significam um retrocesso de muitos anos, nomeadamente no plano económico e social. Três anos que deixaram um rasto de violência e drama na vida dos portugueses.
É verdade que a convergência e unidade dos democratas se, obviamente, não encerra os perigos dos tempos do fascismo, é hoje bem mais exigente quanto ao seu conteúdo político e social.
A vida já mostrou que não há solução possível sem libertar Portugal do espartilho das políticas que tornam os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, que esbulham o povo do património público para o entregar sem vergonha ao grande capital nacional e estrangeiro, que destroem passo a passo o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública, a Segurança Social, que submetem Portugal aos ditâmes da União Europeia dos monopólios, com ou sem troika, comprometem a independência e soberania nacional, põem em causa o próprio regime democrático.
Uma “unidade” que não tenha isto em consideração apenas serviria para alimentar protagonismos e semear ilusões.
Hoje assistimos por parte das forças que tomaram conta do País a insistentes apelos ao consenso das forças políticas. Fazem-no em nome de um suposto interesse nacional e apresentam-no como uma importante premissa para a solução dos problemas do País.
Trata-se de mais uma tentativa daqueles que, perante o seu isolamento e generalizado repúdio da política que executam, tentam a todo o custo alargar a sua base de apoio para prosseguir uma política de ruína do País e dos portugueses e a sua ofensiva sem paralelo contra os interesses populares.
Trata-se de mais uma tentativa daqueles que, perante o seu isolamento e generalizado repúdio da política que executam, tentam a todo o custo alargar a sua base de apoio para prosseguir uma política de ruína do País e dos portugueses e a sua ofensiva sem paralelo contra os interesses populares.
Um consenso assente na falsa ideia de que só há uma solução para o País - a concertação e acordo entre os partidos da troika nacional - e uma única política – a política de empobrecimento e exploração do povo que já anunciam como inevitável para os próximos vinte anos. Não é este o consenso que o País precisa e aspira!
A nossa Revolução de Abril, que embora inacabada lançou profundas raízes na realidade portuguesa que nada nem ninguém jamais conseguirá cortar, legou a quantos amam o seu país e querem assegurar-lhe um futuro de progresso e soberania, uma plataforma de convergência e um programa de acção de extraordinário valor, ou seja, a Constituição da República Portuguesa, a mais progressista Lei fundamental da Europa capitalista. A luta para impedir a desfiguração que a classe dominante pretende e defender a sua efectiva implementação, constitui no presente momento a principal tarefa de quantos, inspirados no exemplo de incansável lutador pela unidade que foi o camarada Óscar Lopes, aspiram a um Portugal com futuro.
No prefácio que nos deixou em “Até Amanhã, Camaradas”, nesse romance que, como afirmava, se “coloca ao rés de toda a gente – pelo menos, de toda a gente que é, de algum modo, socialmente explorada” e onde, Óscar Lopes, discorria sobre a intensidade afectiva de todo o livro e do que dele emana de compreensão de como são as pessoas, através das suas personagens, nomeadamente daquelas que experimentaram mergulhar nos “subterrâneos da liberdade”, para realçar os segredos do “milagre” daquela “máquina” - para utilizar as suas próprias palavras – “que a polícia anunciava de vez em quando ter desmantelado, mas logo ressurgia das cinzas como a Fenix mitológica”, Óscar Lopes, dizia-nos que a vida é inesgotável e a grande lição do livro era a de que viver (viver com maiúscula) é perigoso.
Sentem-no, afirmava, “aqueles que inteiramente se comprometem a melhorá-la”. Nestes tempos difíceis e exigentes de hoje sentem-no todos aqueles que na fábrica, nos locais de trabalho, nos campos, no mar, nos diversos postos de combate, nomeadamente na frente da cultura, continuam a ousar dizer não às injustiças, às desigualdades e à exploração reinantes, numa terra onde a lei da selva ganhou, momentaneamente, estamos certos, terreno.
Mas como dizia Óscar Lopes, “eles até mesmo nos ajudam a sentir que muito existe ainda sem nome, à espera de coragem”, dessa coragem que nunca faltou também a Óscar Lopes, daquela, como ele próprio definia, ser feita de “capacidade de entender, de sentir a fundo e de acertar”. De acertar desde logo no lado certo no combate pela vida vivida com dignidade, tomando o partido, como ele tomou de forma tão intensa na luta por uma sociedade nova, mais justa e mais fraterna!