06/12/2014

9.182.(6dez2014.21.12') Ary dos Santos

Nasceu a 7dez1937
e morreu a 18jan1984
***
a voz do Ary dos Santos...lembrando que abril abriu 
mas temos tanto, ainda, para fazer!!!
https://www.youtube.com/watch?v=p-Whzw-RA7M
***
Ary dos Santos
http://www.abrilabril.pt/cultura/ary-dos-santos-o-poeta-do-combate


RETRATO DO HERÓI

Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar de morte certa.
Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.
Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.
Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.
 in 'Fotos-Grafias'
***
Via Deonilde Rocha
Original é o poeta 
que se origina a si mesmo 
que numa sílaba é seta 
noutra pasmo ou cataclismo 
o que se atira ao poema 
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer. "

*
"APENAS O MEU POVO

Quem disse que morreu a madrugada?
Quem disse que esta noite foi perdida?
Quem pôs na minha alma magoada
As palavras mais tristes que há na vida?
Quem me disse saudade em vez de amor?
Quem me disse tristeza em vez de esperança?
Quem me lançou a pedra do terror
Matando o cantador e a criança?
Quem fez da minha espera desespero?
Quem fez da minha sede temperança?
Quem me dando tudo quanto eu quero
Da minha tempestade fez bonança?
Quem amainou os ventos do meu corpo
E saciou o mar da minha fome?
Quem foi que me venceu depois de morta
E soletrou as letras do meu nome?
Quem foi foi quem fez serva sem servir?
Quem foi que me fez escrava sem querer?
Quem foi que disse que eu podia ir
Tão longe quanto nós podemos ser?
Apenas quem me viu calada e triste
E despertou em mim um mundo novo
Apenas a esperança que resiste
Apenas o meu sangue, apenas o meu povo
Apenas a esperança que resiste
Apenas o meu sangue, apenas o meu povo"
Foto de Deonilde Rocha.
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1549071231841887&set=a.112398168842541.19928.100002170750922&type=3&theater
***
hj x AQUI ary e Carlos do Carmo:
o AMARelo...
https://www.youtube.com/watch?v=iykmsLAfYVQ
Lisboa menina e moça
https://www.youtube.com/watch?v=zOI81d0BMpU
a receita da TERNURA
Retalhos da vida de 1 médico
https://www.youtube.com/watch?v=JkafySbTIQE
os putos
https://www.youtube.com/watch?v=V66wB4aomvI
cacilheiro
https://www.youtube.com/watch?v=mnAojJcUm_Q
O homem das castanhas
https://www.youtube.com/watch?v=1PN0zy0XaOQ
Novo fado alegre
https://www.youtube.com/watch?v=LuIKsA9yZbY
***
https://www.facebook.com/sonhararealidade2013/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/734264630027660/?type=3&theater
Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.

A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.

E as coisas que eu não disse? que não digo:
meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.

Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.

Arte - Tomasz Rut

***

***
NATAL É QUANDO UM HOMEM QUISER
Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
O Natal é quando um Homem quiser!
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitros de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=845740205447295&set=a.110943002260356.12261.100000339701675&type=1&theater
Eu não sei, meu amor,
se o que digo é ternura,
se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste
despida de mágoa e de espanto 

***

https://www.facebook.com/sonhararealidade2013/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/1069329783187808/?type=3&theater
Fecham-se os dedos donde corre a esperança,
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?

Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.

Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.

Fotografia de Erwin Olaf

***
https://www.facebook.com/138086592957412/photos/a.138087642957307.26616.138086592957412/693268600772539/?type=1&theater
***

https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/941599415875823/?type=3&theater
ESTRELA DA TARDE

Era a tarde mais longa de todas as tardes
Que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas
Tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca,
Tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste
Na tarde tal rosa tardia
Quando nós nos olhamos tardamos no beijo
Que a boca pedia
E na tarde ficamos unidos ardendo na luz
Que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto
Tardaste o sol amanhecia
Era tarde demais para haver outra noite,
Para haver outro dia. 

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza.
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza.

Foi a noite mais bela de todas as noites
Que me aconteceram
Dos noturnos silêncios que à noite
De aromas e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois
Corpos cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite uma festa de fogo fizeram.

Foram noites e noites que numa só noite
Nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites
Que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles
Que à noite amando se deram
E entre os braços da noite de tanto
Se amarem, vivendo morreram.

Eu não sei, meu amor, se o que digo
É ternura, se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo
E acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste
Dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste despida
De mágoa e de espanto.
Meu amor, nunca é tarde nem cedo
Para quem se quer tanto!

*
https://www.youtube.com/watch?v=dKMzqJn6u7E
(Carlos do Carmo e Bernardo Sassetti)
*
Tela de ©Anna Ewa Miarczynska (Polónia)

*

(LT)

***
Via Carmen Jácome

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10202557690337883&set=a.1357680996472.48625.1664920033&type=1&theater
Retrato do Herói
Herói é quem num muro branco inscreve 
O fogo da palavra que o liberta: 
Sangue do homem novo que diz povo 
e morre devagar de morte certa. 

Homem é quem anónimo por leve 
lhe ser o nome próprio traz aberta 
a alma à fome fechado o corpo ao breve 
instante em que a denúncia fica alerta. 

Herói é quem morrendo perfilado 
Não é santo nem mártir nem soldado 
Mas apenas por último indefeso. 

Homem é quem tombando apavorado 
dá o sangue ao futuro e fica ileso 
pois lutando apagado morre aceso. 

 in 'Fotosgrafias' 18 de janeiro de 1984

***
Via Rui Grilo
OS MEUS DISCOS DE VINYL - DIGITALIZAÇÕES - ARY
https://www.facebook.com/video.php?v=201921189820652&set=vb.100000083174652&type=2&theater
***

O futuro - Ary dos Santos

Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.
Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente.
Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.
O que é preciso é termos confiança
se fizermos de Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.
***

https://www.facebook.com/559343457434706/photos/a.559507790751606.1073741828.559343457434706/978587395510308/?type=3&theater
MULHER

A mulher não é só casa
mulher-loiça, mulher-cama
ela é também mulher-asa,
mulher-força, mulher-chama

E é preciso dizer
dessa antiga condição
a mulher soube trazer
a cabeça e o coração

Trouxe a fábrica ao seu lar
e ordenado à cozinha
e impôs a trabalhar
a razão que sempre tinha

Trabalho não só de parto
mas também de construção
para um filho crescer farto
para um filho crescer são

A posse vai-se acabar
no tempo da liberdade
o que importa é saber estar
juntos em pé de igualdade

Desde que as coisas se tornem
naquilo que a gente quer
é igual dizer meu homem
ou dizer minha mulher

© Rodney Smith - Imagem
***
Postei aqui no UNIR a

06/05/2010


2.612. Revi 1 belo poema do Ary dos Santos e Carlos do Carmo "Um homem na cidade"

A CIDADE



A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.


A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.


A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.


A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.


.....................
Um homem na cidade pelo Carlos do Carmo
http://www.youtube.com/watch?v=ukEDg9Ll22o
*
e a

07/12/2009


Ary dos Santos faria 72 anos hoje!!!

na sexta houve 1 espectáculo para assinalar os 25 anos da sua morte...(18Jan84)









Hoje,

relembro que ele está bem vivo!!!
as portas que abril abriu
http://www.youtube.com/watch?v=lMotMW-kr1M&feature=related
Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.

Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.
Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.
Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.
Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.
Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.
Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.
Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação
uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.
Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.
Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.
Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.
Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.
Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!
Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.
Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.
E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.
Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.
Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.
Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.
Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril f
ez Portugal renascer.
E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.
Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.
Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.
Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.
Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.
E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.
Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.
E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.
A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.
Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.
E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.
Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.
Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.
E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.
Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.
Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.
Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.
Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.
Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.
Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.
Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.
E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.
Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.
E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.
Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.
Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.
Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.
Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.
Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.
Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!
Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.
Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram
das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.
Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.
E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.
Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser
pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.
No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!
É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.
Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.
Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
Lisboa, Julho-Agosto de 1975
























































































































































































































































































































































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https://www.facebook.com/FabricaEscrita/photos/a.462529847093435.111436.462489187097501/1103846622961751/?type=1&theater
No teu poema
Existe um verso em branco e sem medida
Um corpo que respira, um céu aberto
Janela debruçada para a vida
No teu poema existe a dor calada lá no fundo
O passo da coragem em casa escura
E, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite
O riso e a voz refeita à luz do dia
A festa da senhora da agonia
E o cansaço
Do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe o grito e o eco da metralha
A dor que sei de cor mas não recito
E os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
Existe um cantochão alentejano
A rua e o pregão de uma varina
E um barco assoprado a todo o pano
Existe um rio
A sina de quem nasce fraco ou forte
O risco, a raiva e a luta de quem cai
Ou que resiste
Que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
Existe a esperança acesa atrás do muro
Existe tudo o mais que ainda escapa
E um verso em branco à espera de futuro.

***
tomar partido

"Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo mau profeta

falso médico ladrão

prostituta proxeneta

espoleta televisão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado, não!"

.....................................


Meu amor, meu amor

meu corpo em movimento,

minha voz à procura

do seu próprio lamento.


Meu limão de amargura,

meu punhal a escrever.

Nós parámos o tempo,

não sabemos morrer.


E nascemos, nascemos

do nosso entristecer.

Meu amor, meu amor,

meu nó e sofrimento.


Minha mó de ternura,

minha nau de tormento.

Este mar não tem cura,

este céu não tem ar.


Nós parámos o vento

e não sabemos nadar.

Morremos, morremos,

devagar, devagar.
***
na sexta houve 1 espectáculo para assinalar os 25 anos da sua morte...(18Jan84)









Hoje,

relembro que ele está bem vivo!!!
as portas que abril abriu
.............
tomar partido

"Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo mau profeta

falso médico ladrão

prostituta proxeneta

espoleta televisão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado, não!"

.....................................


Meu amor, meu amor

meu corpo em movimento,

minha voz à procura

do seu próprio lamento.


Meu limão de amargura,

meu punhal a escrever.

Nós parámos o tempo,

não sabemos morrer.


E nascemos, nascemos

do nosso entristecer.

Meu amor, meu amor,

meu nó e sofrimento.


Minha mó de ternura,

minha nau de tormento.

Este mar não tem cura,

este céu não tem ar.


Nós parámos o vento

e não sabemos nadar.

Morremos, morremos,

devagar, devagar.
***

Era uma vez …
em Abril


E viva a liberdade
Era uma vez… um país, oprimido, triste e envergonhado pela opressão.

Quem vivia nesse país sentia-se amordaçado pelas forças castradoras .
As pessoas queriam sorrir, mas o riso era proibido, as pessoas
queriam dançar, mas as forças silenciavam a música.
As pessoas queriam chorar, mas as lágrimas murchavam de dor.
E as crianças queriam brincar , mas faltava-lhes um lugar para sonhar.
Um dia , de Abril, tudo mudou…
Ouvia-se pelas ruas , praças e avenidas :
Viva a liberdade! Viva a liberdade!
As ruas enchiam-se de gritos, choros, abraços e sorrisos.
A musica incendiava as ruas… e cantava-se com paixão :
Grândola Vila Morena … o povo é que mais ordena.
E aquele país triste e cinzento, desabrochou…
E os pais , as mães , as crianças, os tios e primos
e os avós juntaram-se numa enorme e redonda roda de liberdade,
e entoavam alegremente… vinte cinco de Abril para sempre.
Texto Vanda Furtado Marques

«O Futuro«

José Carlos Ary dos Santos

Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente


Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente


Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.


O que é preciso é termos confiança
se fizermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.
***
DE PÉ, OH COMPANHEIRO

Cantar aqueles que partiram
é dar força à liberdade
as flores vermelhas
que os cobriram
tornaram alegre a saudade.

Foi naquela tarde de Maio
que lhes dissemos adeus
quem disser adeus em Maio
nunca se afasta dos seus.

De pé, de pé oh companheiro!
De pé e punho levantado
o que morreu é o primeiro
a estar de pé ao nosso lado.

Quem tombar no caminho
continua ao nosso lado
partir não é estar sozinho
é lutar acompanhado.

Por isso os que não ficaram
nem calados nem cativos
em Maio não nos deixaram
pois para nós só há vivos.

Na batalha que travamos
não há tristeza nem morte
a bandeira que levamos
é a razão do mais forte.

Baixando à terra com ela
quem morre devolve à terra
a semente ainda mais bela
contra a fome e contra a guerra.
***
1973 - Luís Cília - "Cantiga de amigo" (poema de Ary dos Santos)
***
A CIDADE



A cidade é um chão de palavras pisadas
a palavra criança a palavra segredo.
A cidade é um céu de palavras paradas
a palavra distância e a palavra medo.


A cidade é um saco um pulmão que respira
pela palavra água pela palavra brisa
A cidade é um poro um corpo que transpira
pela palavra sangue pela palavra ira.


A cidade tem praças de palavras abertas
como estátuas mandadas apear.
A cidade tem ruas de palavras desertas
como jardins mandados arrancar.


A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.
A palavra silêncio é uma rosa chá.
Não há céu de palavras que a cidade não cubra
não há rua de sons que a palavra não corra
à procura da sombra de uma luz que não há.


.....................
Um homem na cidade pelo Carlos do Carmo
http://www.youtube.com/watch?v=ukEDg9Ll22o
***
Paulo Carvalho canta Ary dos Santos
***
Alfama
Quando Lisboa anoitece
Como um veleiro sem velas
Alfama toda parece
Uma casa sem janelas
Aonde o povo arrefece.

É numa água-furtada
No espaço roubado à mágoa
Que Alfama fica fechada
Em quatro paredes d'água
Quatro paredes de pranto
Quatro muros de ansiedade
Que à noite fazem o canto
Que se acende na cidade
Fechada em seu desencanto
Alfama cheira a saudade.

Alfama não cheira a fado
Cheira a povo, a solidão
Cheira a silêncio magoado
Sabe a tristeza com pão
Alfama não cheira a fado
Mas não tem outra canção.

Música: Alain Oulman
Intérprete: Amália Rodrigues* (in "Cantigas Numa Língua Antiga", Columbia/VC, 1977; EMI-VC, 1992; Som Livre, 2007)
Outra versão: Mariza (in DVD "Terra em Concerto", EMI, 2009) [à Alma Lusa - http://www.facebook.com/l/a50d4;10.12.2009]