27/12/2014

9.296.(27dez2014.14.22') Célia João

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quarta-feira, 14 de setembro de 2011


EXPLORAÇÃO ECONÓMICA E ADMINISTRATIVA DOS COUTOS DE ALCOBAÇA - 1997

ÍNDICE









  ANEXOS














1.INTRODUÇÃO

            Para este trabalho delimitámos o nosso estudo aquando o estabelecimento dos monges de Claraval, em Alcobaça, desde 1153, até ao ano de 1834, data da extinção das Ordens Religiosas em Portugal.
            Já no âmbito geográfico da nossa pesquisa, circunscreve-se num vasto domínio que compreendia inúmeras Vilas, tais como, Alcobaça, Aljubarrota, Évora, Turquel, Cós, Maiorga, Alvorninha, Cela, Alfeizerão, Pederneira, S. Martinho, Santa Catarina e Paredes, verificando-se que existiam três portos de mar.
            Procuraremos fazer algumas referências, no que diz respeito aos Arcos, ditos da Memória, que representariam, na perspectiva dos Monges do Mosteiro e do seu Abade, os limites geográficos do vasto domínio de Alcobaça.
            Daremos uma visão de conjunto da organização da economia do Couto, remetendo ao incremento dado pelos monges de Alcobaça, às terras do seu senhorio (independentemente de serem as de doação inicial ou anexadas posteriormente), tanto na exploração indirecta, através das Cartas de Povoação, como da exploração directa, através das Granjas.
           
           






2. LIMITES DOS COUTOS SUA EVOLUÇÃO 1.INTRODUÇÃO



2.1 INTRODUÇÃO
           

Apesar do que se tem escrito sobre os limites dos Coutos de Alcobaça, é ainda difícil traçar com exactidão os seus limites. É certo que, durante os tempos medievais eles foram sofrendo alterações várias, umas dentro da legalidade, partindo ou não da iniciativa dos monarcas, mas de qualquer modo, sancionadas por eles, outras possivelmente, devidas á iniciativa dos próprios monges, que mais ou menos fraudulentamente, iriam alargando os seus domínios. Principalmente por isso, mas também devido á imprecisão com que por vezes, as fontes os delineavam; tais limites apresentavam-se de certo modo nebulosos, sobretudo se pretendermos cartografálos com rigor.
        

  2.1.1 Autora Iria Gonçalves


Os problemas começam a surgir logo que se aborda a primitiva doação de D. Afonso Henriques, datada de 1153. A localização das terras doadas ao Mosteiro foi feita de uma forma imprecisa, começando o monarca por situá-las algures, entre Leiria e Óbidos, limitando-se a citar alguns nomes para traçar os seus limites. Nomenclatura vaga, a sugerir vastas extensões de terreno e mais ainda, de terreno fracamente povoado.
         O certo é que os monges, a partir de Alcobaça, puderam alargar-se por uma vasta zona que cultivaram, fixando eles próprios os seus limites. Nos princípios do século XIV, o Mosteiro de Alcobaça atingia uma zona que ia de Alvorninha à Pederneira e Cós.
Mas em 1325, D. Afonso IV determinou a obrigatoriedade de os senhores apresentarem na corte os títulos de posse dos seus domínios. Os monges alcobacenses devem ter exibido, perante os ouvodores régios, a sua doação, mas houve duas parcelas que então lhe foram contestadas: a Sul, Alvorninha com todo o seu termo, a Norte, Aljubarrota, Cós e Pederneira, também com os respectivos termos.
         É certo que a par destas terras, todas as outras vilas dos Coutos de Alcobaça, foram então postas em causa, mas de uma maneira diferente, em relação a estas, apenas se impugnava ao Mosteiro o exercício de determinados direitos reais, nomeadamente direitos de justiça.
         Sobre estes direitos manteve o Mosteiro uma longa contenda com o Rei, até ter sido dada uma sentença definitiva em 1337, que se mostrou favorável ao monarca, ficando os limites bastante aproximados dos primitivos limites dos Coutos de Alcobaça. Iniciados na foz do rio de Salir, subiam o seu curso até pouco a Sul de Salir do Mato, onde começavam a seguir outro curso de água, o da ribeira  que aí vinha desaguar; passavam próximo de Trabalhia e Vimeiro, fletiam para Sul, na direcção do Vale Serrão, que pertencia ao Mosteiro; passavam entre a Ramalhosa e Almofala, direito à Serra dos Candeeiros, cujo sopé passavam a acompanhar, ( explicação esta contestada pelo o autor Pedro Gomes Barbosa, na obra “Povoamento e estrutura agrícola na Estremadura Central - séc. XII a 1325”, que mais adiante falarei); dirigiam-se depois na direcção de Chiqueda, envolviam a Bemposta e a Maiorga, vindo daí ao Alcoa, cujo curso acompanhavam até ao mar.  
O facto é que no século XIV, aquando do litígio com o Rei, o Mosteiro senhoreava uma extensão de terras muito maior, terras de que, como é obvio não queria prescindir. Assim e embora lhe tivesse sido desfavorável o pleito com o monarca, nunca foi posta de parte a ideia de recuperar efectivamente e legalmente a posse das terras contestadas.
         Foi isso conseguido com D. Pedro, em 1358, que nesta altura confirmou ao Mosteiro a posse de todo o Couto e de todos os seus direitos. Após a confirmação de D. Pedro os limites do Couto de Alcobaça, foram fixados na continuação do rio de Salir, até próximo da Matueira, seguindo depois até à ribeirados Vidais. Era este o limite Sul dos Coutos. Para Norte, continuavam paralelamente à Serra em direcção às Ataíjas, das quais só a de baixo pertencia aos domínios abaciais. Depois, iam rumo à Cumeira, contornavam o termo de Alpedriz, dirigindo-se à Costa.
         Mas dentro em pouco os Coutos de Alcobaça, cresceriam ainda um tanto mais, atingindo a sua máxima extensão. Com a doação de D. Fernando em 1368, desmembra-se do termo de Leiria, Póvoa de Paredes e em 1374, Pataias entra também na zona delimitada dos Coutos.
         Deste modo os limites do Couto passariam a ser determinados, a Norte pelo ribeiro de Lama e a partir da sua foz, pelo de Voubam. Daí a estrema iria terminar na costa, num ponto não muito preciso, a Norte de Paredes.
            Foi esta a máxima extensão, na opinião da autora Iria Gonçalves, que alcançaram os Coutos de Alcobaça, região esta que o Mosteiro organizava e administrava na sua totalidade.

2.1.2 Autor Pedro Gomes Barbosa

Pedro Gomes Barbosa,diz , que a Carta de doação não é explícita e que quase temos que adivinhar qual o circuito dos termos do Couto.[1]
         Pensa , já que a doação de 1153 não é muito clara , nada impedia que o ribeiro que marcava esses limites fosse o que passa pelo Casal dos Carvalhos e Zambujal, isto é, mais a Sul de Salir do Mato. E isto pela simples razão de não ter lógica  a passagem da linha junto a Carvalhal Benfeito, seguindo depois a cumeada da Cabeça Alta, envolvendo Vale Serrão, quase na confluência com este segundo ribeiro e subindo depois abruptamente para Norte, pelo dito Vale Serrão. Este autor, propõe, então, que a linha seguisse pelo desfiladeiro a Oeste da Ribeira dos Ameais, até à mata de Porto Mouro e daí, sim, os limites traçados por Iria Gonçalves.
A fronteira seguiria paralela à Serra, embora seja díficil dizer se tocaria o sopé dela, ou se pelo contrário, deixaria livre a via de acesso a Rio Maior, pelo Alto da Serra.
No inicio do século XIV, já Alcobaça se tinha assenhoreado de muitos terrenos circundantes, faltando-lhes apenas, para completar o circuito do Couto, na sua maior extensão, a Póvoa de Paredes, que só lhe será dada por D. Fernando.
Alguns desses assenhoramentos foram feitos por compra e doação, outros indevidamente, através das suas fronteiras, sem que os povos lhe tenham conseguido resistir, e quantas vezes com a complacência dos reis. Mas a atitude “cúmplice” dos monarcas em outros casos, levam a que o autor Pedro Gomes  Barbosa, pense que as ocupações possam ter tido, pelo menos de forma implícita, beneplácito régio.
Como diz Manuel Vieira da Natividade, embora com reconhecido exagero, mas com parte de verdade “… a maneira como os Coutos se povoaram rapidamente é bem fácil de compreender. Os frades estabeleceram-se em Alcobaça e apoderaram-se da maior parte dos terrenos cultivados que pertenciam a povos que não lhe podiam oferecer resistência. Limitaram uma àrea enorme e compreendendo que toda ela lhe pertencia, começaram a dar leis aos habitantes que existiam e a impor condições aos colonos que vinham explorar aquele frutífero torrão.”[2]
Atingisse a Serra ou não, o certo é que os limites subiam depois até à Ataíja de Baixo e deixavam livre Aljubarrota, que não estava primitivamente, integrada no Couto, designada por “Vila”, em 1228. Ainda em 1305, o Mosteiro não controlava Aljubarrota, nem parece que tivesse ainda o senhorio da Vila.
Continuando a seguir o traçado do Couto, a linha prosseguia para Norte, em direcção à Castanheira (de Cós), que não parece estar nele integrado em 1221. A Vila de Cós ficava fora desses limites, que seguiriam a “água de Cós”, como indica a doação. Tratar-se-ia, como diz Pedro Gomes Barbosa, da actual ribeira de Cós, que vai entroncar no rio da Areia, a algumas centenas de metros a Oeste dessa Vila.
Chegando aqui, o autor discorda novamente com os limites apresentados por Iria Gonçalves. Dizendo, que o tremo não poderia seguir depois o curso do rio Alcoa, visto que para isso teria que contornar a Maiorga e dirigir-se para Sul, voltando depois para Este, a poucos quilómetros de Alcobaça. Aceitando que o rio Alcobaça não se perderia nos paúis da Fervença, o rio deveria desaguar nas águas da lagoa da Pederneira, perto das actuais termas da Piedade, a escassos quilómetros do referido local, onde actualmente passa a linha da separação entre os concelhos de Alcobaça e da Nazaré.
     Segundo o mesmo autor “o Alcobaça misturava aí as suas águas com o rio do Meio e que o rio da Areia desaguava um pouco mais a Norte.
         A fronteira do Couto seguiria para Norte, a partir da Póvoa de Cós, o curso do rio de Areia, passando pela Ribeira do Pereiro (freguesia de Alpedriz), rumo à Ferraria, deixando para Leste a Vila de Alpedriz. Daí subiria até as cercanias de Casais de D.Brás (ou mesmo até Pisões), em lugar de difícil determinação, mas relativamente próximo de Mélvoa, indo em seguida pela Mata de Pataias, atingindo a fronteira do Couto o mar entre a Pederneira e (S.Pedro de) Muel.
         A partir da análise do documento de 1153,(ver documento página X) examinado detalhadamente pelo autor Pedro Gomes Barbosa, os limites parecem ser claros na profunda reentrância que é a lagoa de Alfeizerão. Do braço de mar que entra pela baixa de Salir do Porto e onde desagua o rio de Salir, dando aí origem a marinhas e paúis junto à Mota e a Mouraria. Segue pelo vale do referido rio, até ao de Ulmos (ribeira dos Ameais). Daí vai ao Cabeço de Almofala, talvez junto a um dos dois locais conhecidos hoje pelo mesmo topónimo: Azenha da Calçada.
         A fronteira segue depois, até à “Statam Publicam”, que vinha de Porto de Mós e passava por Ataíja e dirigia-se certamente para Rio Maior, seguindo o Vale que corre no sopé da Serra dos Candeeiros, no local (ou perto), onde ainda hoje passa a Estrada Nacional Número Um.
         Na realidade, na primeira doação lê-se “Sub monte Taicha”, e a menos que queiramos atribuir esse nome à Serra dos Candeeiros, teremos que definir, como limite Oriental, as colinas de Ataíja, deixando livre não apenas um corredor de passagem entre Leiria e Rio Maior, alternativo ao caminho por Mendiga e que também daria acesso a Óbidos pelas colinas de Alvorninha, mas também “dando espaço”, ao termo de Aljubarrota.
         A linha segue depois junto a essa Vila, seguindo depois para o rio de Cós, dirigindo-se, em seguida, ao rio que vem de Alpedriz. O documento diz claramente que o limite seguia o cume dos montes e “declinat ad Coz flunium”, o que significa que fazendo-se a descrição de Sul para Norte, se está a referir à margem esquerda deste rio, correndo por esses montes, até ao rio da Areia. È o vale desse rio que vai servir de limite à herdade de Alcobaça até à confluência com o rio de Lama, que acompanha para Norte, para chegar às colunas dos Casais de D.Brás.
         Depois toma a direcção do mar. A “lacunam” de que se fala no documento , e junto à qual se tinha colocado um outro marco, não é a lagoa da Pederneira, mas sim a de Pataias , ou mais provavelmente, aquela que ainda existe a Sul de Alva de Pataias, na direcção da Cruz do Pedrão. Onde o limite do Couto tão Norte, é confirmado pela Carta de Povoação de Paredes, (ver página X), dada por D.Dinis, em 1282, quando delimita os seus termos, “Asi como partem pello Couto d alcobaça”.


2.2 Alargamento dos Coutos e seu crescimento


Na opinião de Manuel Vieira da Natividade[3], a primitiva doação de Alcobaça, aos enviados de Claraval (ver imagem página X), resumia-se  a uma zona muito limitada, como se deduz da palavra herdade e só mais tarde foi acrescentada ao estabelecerem-se os pretendidos limites de tão extensos Coutos. E tanto progrediram, e tanto se afastaram e tanto se alargaram as raias da doação, o que aliás era fácil pela falta de tombos e investigações régias ou policiais, consequência das repetidas guerras com os mouros e castelhanos, que tornou fabulosa a extensão adquirida.
Todavia, esta forma de proceder não é exclusiva de Alcobaça, foi praticada por quase todos os Mosteiros e Fidalgos, e tal exagero atingiu, que já D.Afondo IV, se viu obrigado a proceder as célebres Inquirições, em que cada Senhor de Couto ou Herdade era compelido a apresentar as Cartas que lhe davam direito a esses domínios e às regalias usufruídas.
Apreciadas as doações de Alcobaça, reconhece o Rei D.Afonso IV, que o Mosteiro trazia sonegadas à coroa muitas terras do termo de Leiria, como Aljubarrota, Castanheira, Cós, Pederneira e Póvoa; a aldeia dos Vidais, a trabalhia, a Moita, o Escoral e as Alvorninhas, o Alqueidão do Mato e as ribeiras dos Vidais, do termo de Óbidos; e do outro lado, Turquel e Salir do Mato, com os seus termos. E por sentença manda que elas entrem no senhorio e na jurisdição reais.
         A pouco ficaram reduzidos os monges de Alcobaça, como se deprende dos limites que se podem determinar em face da Carta de D.Afonso IV.
         Circunscritos à primeira doação, embora favorecidos pela liberalidade régia, em virtude do pouco conhecimento da topografia régia, avigora-se cada vez com mais anseio,  a posse de mais vastos Coutos, e tenta então o Mosteiro alargar os territórios e aproveitando o momento tão propício das discussões entre D.Afonso IV e seu filho, o Infante D.Pedro.
         D.Pedro, então, pronto a liberalidades, faz nova doação aos monges, não só da parte, que seu pai fizera entrar na posse da coroa, mas acrescentando-lhes diversas regalias e privilégios. E para que essa doação tivesse efectividade, fê-la assinar por seu filho D.Fernando, a quem mandou que por sua morte e com o seu corpo entregasse ao Mosteiro quinhentas libras. Escreve, ainda o cronista Fernão Lopes[4] “ E El Rey Dom Fernando, seu filho, por se isto melhor cumprir se cantarem as ditas Missas, deu depois ao dito Mosteiro, em doação para sempre, o lugar que se chama Paredes, em termo de Leiria, com todas as rendas e senhorios que ele havia”
         Durante o reinado de D.João I, volta a ser considerada domínio régio, tanto a parte doada por D.Pedro, como a que doara D.Fernando.
         Em alternativas de gozo e desalento, continuou o Mosteiro a desfrutar os seus vastos domínios por vezes em grandes demandas com os povos revoltados até que administradores secular e comendatários submeteram, por sua vez, os monges a uma cega obediência e começaram largamente a partilhar as riquezas da abadia.
A Restauração de Portugal, em 1640, trás aos monges de Alcobaça uma era nova de felicidades e de independência com a administração autónoma, na pessoa de um abade trienal. D.João IV, na sua incongruência medrosa e mística, confirma-lhes de vez as mais largas e velhas doações e fá-los incontestáveis senhores dos vastos e riquíssimos Coutos de Alcobaça.
No entanto, e ainda segundo a opinião do autor Manuel Vieira da Natividade, essa doação, apesar da sua clareza, não trouxe o descanso espiritual aos “gloriosos monges”.
         Apesar de tudo, o domínio dos frades progride e engrandece extraordinariamente. Com actividade febril, iniciam-se obras em todo o Mosteiro, que incessantemente progridem até que a invasão francesa trás com as suas destruições, a ruína irremediável.
         O autor, conclui, então dizendo, que poderá estabelecer-se, em primeiro lugar que houve uma doação primitiva, referida a um território, cuja área se deve aproximar da das terras que D.Afonso IV, deixou de fora da sua reivindicação. Em segundo lugar, afirma que existe uma doação mais ampla, determinada e conhecida por
“Couto Velho” e “Couto Novo”, feita por D.Pedro I. E em terceiro e último lugar, que o limite dos Coutos, só definitivamente estabelecido depois da doação de D.João IV.
         O mapa reproduzido, mostra-nos os limites dos Coutos de Alcobaça depois desta última doação e indica-nos aí também os termos dos actuais concelhos de Alcobaça e Nazaré. A superfície do território dos Coutos, cerca de 44.100 hectares, era superior à do concelho de Alcobaça (40.460 hectares). Nas doações anteriores, o limite Norte, não ía além das Paredes, mas ao Sul, chegou a abranger Salir do Mato, onde existiu uma granja cisterciense.
A reforma dos forais, feita por D. Manuel I, passou a ser para os frades documento indiscutível da posse dos Coutos. Os forais das terras de Alcobaça são cópias textuais um dos outros, excepto nalguns pequenos artigos, que se referem a pescarias.
         É certo que os novos forais, embora agravando extraordinariamente povos dos Coutos, foram de inicio bem recebidos, visto que punham ao abrigo das arbitrárias exigências do Mosteiro. Pouco a pouco, porém as interpretações fantasiosas dadas pelos monges a diversos forais, interpretações na maior parte das vezes sem recurso, trouxeram o desânimo e o desespero aos povos dos Coutos e a ponto de determinarem uma forte emigração.

2.3 ARCOS DOS LIMITES OU ARCOS DA MEMÓRIA

            Ainda, segundo o mesmo autor (Manuel Vieira da Natividade), os Arcos dos Limites ou Arcos da Memória, foram construídos como marcos monumentais dos seus pretendidos domínios. Mandaram os monges levantar os dois grandes e celebrados arcos, que deveriam constituir testemunhos infalíveis da sua autoridade e do seu poder: o Arco da Memória na Serra dos Molianos (Albardos), e o do Casal do Rei, próximo de Alvorninha.
         Sem que se possa precisar, o ano de construção, não poderá ela ultrapassar os fins do século XVI, ou princípios do século XVII, como se deduz da sua arquitectura. Embora existissem marcos provisórios nos limites dos pretendidos Coutos de Alcobaça, o que parece lógico é que foi Frei Bernardo de Brito, quem compôs a inscrição que devia ser gravada no Arco da Serra, o que ainda em princípios do século XVII, se não tinha realizado.
      
Entrando na apreciação topográfica dos Arcos, claramente se verifica, que nenhum deles está em harmonia com qualquer das doações feitas ao Mosteiro. A escolha do local para a construção dos Arcos foi feita cautelosamente, e a ela presidiu uma série de cuidados que justificam uma série de dúvidas e que dão lugar a várias considerações.
         O Arco da Serra de Albardos, assenta num dente reentrante dessa Serra e de tal forma, que por outro dente mais avançado, recorta o território até ao mar, pelos limites das terras doadas a Leiria e por outras doadas aos cavaleiros de Aviz (Alpedriz), porém, sem uma grande exactidão. A linha tirada desse monte, pela Serra lateral, põe Aljubarrota fora das terras doadas e deixa Cós, fronteira a Alpedriz, em contacto com as terras abaciais, mas não nelas compreendida. Todas as povoações que hoje formam a freguesia de S.Vicentede Aljubarrota estão fora dessa linha, a que o Casal do Rei servia de marco vivo de curiosa toponímia. Isto do Nascente para Noroeste, o que praticamente confirma a moderna criação do arco e variabilidade dos limites de sucessivas e pretendidas doações.
         O Arco da Serra foi restaurado por D. Miguel, como consta num letreiro, numa das faces do momumento e que diz: “O muito alto e poderoso Rei Senhor D.Miguel me mandou restaurar em 183…”
O Arco de Alvorninha (ver imagem X), de acanhada e pouco elegante construção, fica situado próximo do Casal do Rei, outra designação idêntica à de Aljubarrota, e aí posto como marco de reconhecimento, a dizer onde acabava o domínio do Mosteiro e começavam as terras da coroa. Este arco, como se vê na gravura, têm rápida cimalha ou friso em cuja superfície se lê em grandes caracteres: “O SANTO REI AFFONSO HENRIQUES FUNDADOR DE ALCOBAÇA”. Sobre esse friso levantam-se duas grandes pirâmides e a meio, sobre pequena peanha, a estátua do Rei
Afonso Henriques, já muito alterada e corroída, mas reconhecendo-se ainda a figura protegida por largo manto[5]. Na mão direita segura a espada e sobre o braço esquerdo, dobrado quase em ângulo recto, sustenta o escudo das armas reais portuguesas.
         A topografia do Arco de Alvorninha, nada define e podemos reputa-lo a uma data um pouco mais recente do que o Arco da Serra de Albardos.
         As largas questões entre os reis e o Mosteiro, motivadas pela ambição fradesca, que tentava alargar cada vez mais os seus domínios, questões iniciadas no tempo de D.Afonso IV e terminadas no século XVIII, deram origem às pseudo doações e aos arcos monumentais.
         Podemos, portanto concluir, que os arcos monumentais da Serra dos Albardos e de Alvorninha pertencem ao número dos falsos documentos e que nenhuma importância se lhes pode atribuir para comprovar qualquer facto histórico, que não seja a hábil diligência dos monges em assegurar a posse dos territórios que desfrutavam os limites de tais arcos; constituem, quando muito, curisidades dignas de referência.

2.4 DELIMITAÇÃO DAS PARÓQUIAS DO COUTO

A divisão e delimitação das paróquias de Alcobaça só tem lugar em 1296. É o Bispo João Martins de Soalhães quem manda proceder a essa delimitação, através do seu procurador Afonso Pais, que é encarregado de ir ao Couto fazer a delimitação[6]
         Na opinião do autor Pedro Gomes Barbosa, são cinco as paróquias que foram então delimitadas:

     Aljubarrota, que engloba a Cella Nova, o Bárrio, Turquel, Évora e Carvalhal dos Vilãos.

     S. Martinho, com a Torre de Framondo, Alfeizerão e o Bacelo.

     Pederneira, compreendendo também a Serra da Pescaria, a Granja e o Valado.

     Santa Eufémia de Cós, com a Granja das Colmeias, Lugar da Vestiaria, Adega de Estar, Tornaria, Granja de Cós, Póvoa  da Bemposta e Ferraria da Dona.

     Alvorninha, com a Granja do Vimeiro, Ferraria, Granja Nova, Carvalhal, Mota, Salir do Mato e Almofala.
        
         Este acto foi a divisão definitiva, talvez o culminar de um processo que se arrastava havia muito tempo. Seria talvez a confirmação de antigos termos, que a mobilidade dos habitantes do Couto teria posto em causa em alguns lugares, podendo uma ou outra Igreja sentir-se prejudicada. Não nos podemos esquecer que estamos em pleno período de expansão colonizadora do Couto, multiplicando-se desde 1275, as Cartas de Povoação.
         Levanta-se o problema de se saber se já existiriam Igrejas nas Vilas circundantes. A da Pederneira conhecida desde 1221, pelo menos por uma Carta em que o Abade D. Pedro Viegas[7] dá em préstamo a Gonçalo Perlado da Igreja de S. Pedro, uma herdade na Castanheira de Cós. Quanto ás restantes, segundo a opinião deste mesmo autor, o caso não é de todo claro. As primeiras menções a Santa Eufémia de Cós, à Igreja de Alvorninha e à de Aljubarrota, são as contidas no documento de D. Airas Vasques, autorizando o Mosteiro a construir Igrejas nesses locais.
         Dessas apenas conhecemos a delimitação da paróquia de Alvorninha, dada a conhecer por esse mesmo Bispo, em 1253, cinco anos depois de ter sido dada autorização para a construção da Igreja. Para as de Cós e Aljubarrota não conhecemos delimitação, o que não significa, porém, que esses lugares não pudessem ter, pelo menos , uma Capela.
Ainda , segundo a opinião do autor Pedro Gomes Barbosa, e para concluir, pode dizer-se, que o autor garante a existência da Igreja da Pederneeira na região que depois será reivindicada por Alcobaça, como fazendo parte do seu Couto, até à autorização dada por D. Airas Vasques para que o Mosteiro possa construír as Igrejas
de Aljubarrota, Alvorninha e Cós. Essa Igreja de S. Pedro da Pederneira não estava sujeita ao padroado dos Alcobacenses até à sua doação pelo mesmo D. Airas, em 1247.
As paróquias são finalmente delimitadas em 9 de Novembro de 1296, por D. João Martins de Soalhães, (Vide rodapé número 6).
O documento nada diz, mas essa data sugere que a delimitação definitiva foi fruto da queixa do Abade D. Domingos II, contra a construção, pela Sé de Lisboa, de uma Igreja na Cella Nova. Pedro Gomes Barbosa diz ainda, que por esse documento ficamos a saber que Aljubarrota já tinha paróquia delimitada, mas talvez não reconhecida pelo Bispo de Lisboa, entendendo-se o acto de D. João Martins de Soalhães, como uma confirmação de antigos limites.




3. EXPLORAÇÃO ECONÓMICA DOS DOMÍNIOS DE ALCOBAÇA


3.1 FORMAÇÃO DO PATRIMÓNIO FUNDIÁRIO

       A base fundamental do património dos monges Bernardos de Santa Maria de Alcobaça, foi como se sabe, a herdade doada por Afonso Henriques. Mas, pouco tempo depois, dessa doação, começaram a suceder-se compras e doações por toda a Estremadura, num processo de alargamento da sua base fundiária.
Não constituindo as doações, neste primeiro período, o grosso das aquisições, é de crer que esta expansão se integrava num plano claro e organizado para atingir não apenas as melhores terras, mas igualmente os centros de consumo, as cidades, onde mais facilmente pudessem vender os seus produtos, comprando aí os bens que o Mosteiro necessitava.
       Assim sendo, há questões que se nos colocam. Teria já a herdade de Alcobaça terras cultivadas, como deixa transparecer o documento de Afonso Henriques, ou pelo contrário, o local estava totalmente inculto, só valorizado pelo trabalho dos monges cistercienses.

3.1.1 Dom Maur Cocheril 

     Este autor é de opinião contrária, no que diz respeito à primeira ideia enunciada, baseando-se no que prescreviam os usos de Cister[8]. Na realidade afirma, a propósito da construção da Igreja do Mosteiro, não ser exagerado um intervalo de vinte anos, entre o estabelecimento dos monges e o inicio das obras, já que tinham de começar por cultivar a propriedade, assegurar a sua subsistência e prever o recrutamento de novos monges e conversos, pois era em função da população do Mosteiro que se determinavam as dimensões da Igreja. Sustenta ainda que no final do século XII a extensão cultivada não excedia mais de dois quilómetros, em redor da Abadia.

3.1.2 Pedro Gomes Barbosa / José Mattoso

         Contrariamente ao que pensa Dom Maur Cocheril, encontra-se o autor Pedro Gomes Barbosa, que concorda com a posição de
José Mattoso[9], quando escreve: “Depois da conquista de Lisboa,
 Afonso Henriques permitiu também a criação de grandes senhorios, ao entregar aos cistercienses de Alcobaça as terras mal cultivadas e povoadas mas que se tornaram intensamente produtivas, igualmente sob o regime senhorial.”, afirma ainda, que para além dos monges terem atraído novos povoadores, mercê de condições aliciantes, reorganizaram o capital humano e as terras cultivadas do seu território, utilizando para isso todo o conceito novo de trabalho e rentabilidade, usando essa poderosa força que eram os frades conversos.

3.1.3 Manuel Vieira da Natividade

         Este autor faz referência aos Coutos de Alcobaça, em meados do século XII, como um campo recente de luta entre cristãos e sarracenos, ermo e inculto, mas que apesar desses rudes tempos de inquietação que agitavam uma nacionalidade nascente, apesar da escassez da população e do seu atraso, os monges cistercienses devotaram-se em povoar e agricultar o seu domínio; chegando o Mosteiro, para povoar os lugares mais díficeis, ao extremo de colocar aí o Marco do Couto, a que se abrigavam os criminosos perseguidos pela justiça do Rei ou dos concelhos.
         De uma forma ou de outra, começaremos por analisar os métodos de exploração directa, através das Granjas. Veremos em seguida, as zonas das matas, fornos e lagares, a exploração e trabalho do mineiro, o gado e ainda a pesca e exploração do sal.

3.2 GRANJAS

3.2.1 INTRODUÇÃO

         Ao contrário dos clunicenses, que encaravam a gestão dos seus domínios sob o ponto de vista tradicional da Nobreza, tentando extrair o máximo de rendimento através da exploração indirecta das suas terras, os cistercienses, mercê de múltiplos factores provocaram uma modificação qualitativa no sistema de exploração dos domínios monásticos. Com a reforma de S. Bernardo, o trabalho
deixa de ser encarado como forma inferior de actividade, uma punição ou uma mortificação, era elevado na sua finalidade, tornando-se uma das formas de actividade comparada à oração, que     até aí tinha constituído a tarefa principal dos monges.
         Para realizar a valorização das suas terras, dispunham os cistercienses de vários instrumentos poderosos: uma nova mentalidade, fruto da época de expansão económica que se atravessava em toda a Europa Cristã, o seu poder organizativo, uma pesquisa no campo da agronomia e uma força de trabalho disciplinada e barata, constituída pelos frades conversos e pelos laicos, que os ajudavam nas suas tarefas agrícolas. Igualmente, a reestruturação, em novos moldes, das unidades de produção que eram as Granjas, conjugando uma certa autonomia dessas explorações agrícolas, com a centralização vigilante do Mosteiro. Podemos dizer que, em certa medida, se repetia em escala reduzida, a organização dos Mosteiros da Ordem.
         Dirigidas por Mestres Granjeiros, geralmente conversos nas Granjas mais afastadas, essas células de exploração rural, exerciam também a sua influência sobre os colonos que trabalhavam as terras vizinhas pertencentes ao Mosteiro, auxiliando-os com os seus conselhos técnicos ou favorecendo a melhor produção através da selecção de sementes ou da experimentação de novas culturas. Concebidos como uma empresa económica, as Granjas Cistercienses estão dotadas com todas as estruturas necessárias, não apenas para a recolha da produção das terras que eram cultivadas pelos seus conversos, mas igualmente com todo o sistema de transformação necessário: lagares de vinho e de azeite, moinhos e outros.
         São essas células de produção que vamos encontrar espalhadas por todo o Couto de Alcobaça, organizando a exploração de propriedades dentro e fora desses limites.


3.2.2 GRANJAS ATÉ AO SÉCULO XV

         Para melhor e mais rapidamente povoarem os Coutos e realizarem o aproveitamento agrícola do seu extenso território, de modo a acudir às necessidades crescentes da Abadia e às despesas elevadas da construção do templo e das vastas edificações conventuais, os monges, que já na última metade do século XIII haviam desbravado e agricultado a maior parte das terras que ficavam até a uma légua de distância do Mosteiro (como vêm referido na obra Manuel Vieira da Natividade, 1960), propõem-se agora arrotear e entregar à cultura os restantes terrenos.
         Estabelecem assim em diferentes pontos da região, escolhidos com superior discernimento, colónias rurais, governadas por um Mestre Granjeiro, como já referi, onde irmãos conversos leigos ou noviços, se devotam, na solidão, aos rudes trabalhos agrícolas.
         Deste modo surgem as Granjas ou Quintas Cistercienses, de primoroso cultivo, com os seus olivais, vinhas, hortas e pomares, “que se viriam a transformar com o tempo em verdadeiras escolas oficinas, de onde saem os mais hábeis operários rurais”[10]
         Mas o estabelecimento das Granjas não visava apenas o cumprimento da Regra que impõe aos monges a dura obrigação de conquistarem o sustento por suas próprias mãos, constituí a forma mais perfeita de atrair, instruir e fixar colonos.
         Nas terras que circundavam as Quintas, plantam estes, vinhas, pomares e olivais; constroem ferrarias, de onde hão-de sair as ferramentas agrárias, edificam lagares e moinhos e executam os primeiros trabalhos de drenagem, nos terrenos pantanosos[11].
         Na opinião do autor Joaquim Vieira da Natividade, nalguns casos, o Mosteiro entregava aos povoadores toda a Granja, noutros só parte dela, noutros ainda, apenas os terrenos circunvizinhos, que
por sua vez eram divididos em courelas, tendo sido deste modo, que as Granjas deram origem a povoações, as quais cedo se transformaram em Vilas florescentes; novos factores de prosperidade que aumentam a opulência dos Coutos.
         Constatando que não podemos saber a data de fundação de nenhuma das Granjas, resta verificar o seu número e localização.
         Se aceitarmos como autêntico o “Auto de demarcação das Igrejas dos Coutos “ elaborado por Frei Fortunato de S. Boaventura, datado e 8 de Agosto de 1296, citada por Joaquim Vieira da Natividade[12], verifica-se já existirem nesta época no território cisterciense, pelo menos as Granjas seguintes: Granja do Valado, Granja das Colmeias, Granja de Cós, Granja do Vimeiro e a Granja Nova (Santa Catarina).
         Do século XIII, são ainda, as Granjas da Aljubarrota, S. Martinho e Salir do Mato. Durante a primeira metade do século XIV, este número eleva-se bastante, pois é mencionado, para além daquelas, as seguintes mais: Granjas do Bárrio, Granja de Turquel, Granja da Cela, Granja da Maiorga, Granja de Chiqueda, algumas das quais, terão sido criadas no século anterior. A Quinta de Vale de Ventos e a Quinta da Granja (Turquel), são de origem muito mais moderna (século XVIII).
         Além destas Granjas, intimamente associadas à História das Vilas dos Coutos de Alcobaça, referidas nas Cartas de Povoação ou nas crónicas da Abadia, outras propriedades, dentro dos Coutos, eram cultivadas directamente pelo Mosteiro. Estão neste caso, inseridas as: vinhas, os olivais, os pomares e os soutos do termo da Fervença, a Quinta da Torre, na Maiorga, a Granja de Chiqueda (Jardim), a Quinta da Ferraria (Santa Catarina), a Quinta das Cidreiras, as Quintas da Gafa e o Cidral, juntas a Alcobaça e a vastíssima cerca do Mosteiro.
         Ao olharmos para a distribuição das Granjas (vide mapa das Granjas), no território Alcobacense, reparamos que boa parte delas se situa nos Vales dos rios Alcoa e Baça. Um segundo grupo rodeia a lagoa da pederneira e um terceiro coloca-se estrategicamente na fronteira com o termo de Óbidos. A Norte, Cós controla as férteis terras do rio da Areia e a da Castanheira, junto à via por onde podiam exportar os seus produtos para Alpedriz e Porto de Mós. Para o interior, a Granja Nova e Turquel, voltam-se para a Serra, para aproveitar os terrenos de criação de gado e de extensos olivais.
         Escolhendo criteriosamente o lugar de instalação dessas unidades de produção, são tomadas em linha de conta as condições de terrenos, as linhas de água e as vias de escoamento da produção.
         Embora, Pedro Gomes Barbosa[13], afirme desconhecer , a que tipo de agricultura se dedicavam os monges, a não ser que a Granja de Turquel explorava grandes olivais. Joaquim Vieira da Natividade, admite, que já nos séculos XIII e XIV, os cultivadores cistercienses aplicassem nas terras dos Coutos os mais adiantados conhecimentos dos agrónomos romanos en árabes, fortalecidos e aperfeiçoados com a própria experiência monacal.[14]
         E foram esses conhecimentos que lhe permitiram empreender as tarefas mais dificultosas. A forma por que se encontram distribuídas as Granjas, revela-nos, a existência de um plano de aproveitamento metódico do território da Abadia, muito embora as circunstâncias favorecessem sobretudo o cultivo disperso das courelas mais férteis. Porque sendo escassa a superfície regada e modesta também a àrea de terrenos de várzea, de granjeio mais fácil e compensador, não se hesitou em arrotear as encostas e em descer assim, até à utilização dos solos mais ingratos.
         Sabiam os monges que só as espécies arbóreas e arbustivas, tornariam possível o integral aproveitamento dessas terras, daí a insistência com que se preconiza, nas Cartas de Povoação, o plantio de olivais, vinhedos e pomareres.
         O discernimento com que foram escolhidos os lugares para a instalação das Granjas, até a acertada distribuição das culturas, especialmente das espécies fruteiras. A mancha olivícola em terrenos que pela sua natureza, só pela oliveira podem ser valorizados, abonam o saber agrícola dos cistercienses.
         Sabemos que estas Granjas, como já referi, eram governadas por Mestres  e que nelas trabalhavam irmãos conversos, noviços e leigos. A transcrição de um interessante comentário judicial ao foral de Santa Catarina, feito por Manuel Vieira da Natividade, traz alguma “luz” sobre as funções dos Mestres Grajeiros[15] “… E deve aqui advertir-se que estes Mestres de que fala a carta e foral eram os religiosos que assistiam na Quinta da Ferraria, na Granja Nova, que então eram Granjas do Mosteiro e se chamavam Mestres porque tinham por discípulos aqueles moços ou mancebos que se deviam de aceitar para religiosos e os ensinavam primeiro, doutrinavam e preparavam naqueles lugares solitários para aí provarem a sua capacidade e espírito para depois lhes lançarem o hábito de noviços”

3.2.3 GRANJAS SÉCULO XV, XVI E XVII

         Ainda na linha de pensamento de Joaquim Vieira da Natividade, afirma que a história das Granjas do século XV, XVI e XVII, é singularmente obscura.
         Os cistercienses, que durante mais de cento e cinquenta anos, haviam sido sublimes na pobreza, deixam de agricultar a terra e desfrutam, agora os bens acumulados, embora tudo leve a crer que a tradição cisterciense, do esmerado cultivo da terra se mantivesse, pelo menos, dentro das Granjas e Quintas do Mosteiro, e que estas, apesar da longa crise agrícola nacional, contribuíssem para que não soçobrasse, irremediavelmente, a valiosa obra realizada durante os primeiros tempos.
Mas só na última metade do século XVIII, quando a decadência a que chegara a agricultura dos Coutos, tornava necessários novos estímulos e poderoso impulso, se procura restaurar a tradição medieval, e às Granjas é dado, de novo lugar de relevo na vida agrícola da região.
Por iniciativa do Abade Frei Manuel de Mendonça, faz-se o enxugo dos campos de Alfeizerão, Valado e Maiorga, cobertos pelo mar ainda no século XII e que no século XIV estavam transformados em pântanos e salina, embora este processo se tenha iniciado em 1291.
Esta obra considerável, tráz novas e fertilíssimas terras para o domínio do Mosteiro. A Granja do Valado uma das melhores “escolas agrícolas” do seu tempo[16], presta eficaz auxílio no aproveitamento agrícola dos novos terrenos.
A plantação de grandes olivais, na zona serrana, já iniciada no século XVII, recebe novo impulso. Nesta época constrói o Mosteiro o Lagar-Modelo da Ataíja, hoje em dia em ruína.
Dentro de uma cerca na vizinhança da lagoa Ruiva, erguia-se a vasta edificação, com ampla alpendrada e em cujas paredes se abriam, os nichos de pombal. Oito varas gigantescas, quatro de cada lado, peso contra peso, ocupavam p primeiro compartimento. Seguia-se-lhe a casa dos moinhos com as tulhas para a azeitona, numerosas, mas de pequenas dimensões, em parte embebidas nas grossas paredes.
Junto ao lagar e voltada ao Nascente, levantava-se a residência do Monge-Lagareiro, na fachada da qual, ainda hoje se vêem as armas do Mosteiro em fachada, acolhendo no seu rés-do-chão, as pias de pedra para o armazenamento do azeite.
Data também desta época, a Quinta de Vale Ventos, com o seu extenso olivedo, de onde se colhia setenta pipas de azeite[17]; o colmeal, mandado fazer pelo Revº Frei Nuno Leitão; os pomares de laranjas e de limas e os enormes reservatórios, destinados a recolher água das chuvas, gigantesca construção, com que se pretendeu suprir a falta de fontes e de cursos de água das formações jurássicas da Serra dos Candeeiros.
         A cultura fruteira, que sempre fora notável nas terras de Alcobaça, atinge neste período, desenvolvimento considerável, graças às castas afinadas e aos métodos mais aperfeiçoados de cultivo introduzidos pelos monges nas suas granjas[18].
         A grande obra de renovação pombalina fez desaparecer os vestígios que porventura existiam dos núcleos urbanos das Granjas medievais. Edifícios mais amplos, mais sólidos e mais sumptuosos substituem os cómodos improvisados e modestos dos primeiros séculos. Muram-se algumas Granjas, levantam-se portões senhoriais, reconstroem-se lagares, celeiros, abegoarias e tanques, que passaram para o domínio particular depois de 1834 e chegaram aos nossos dias desmantelados, por vezes num estado de abandono deplorável. Nas Granjas actuais, poucos vestígios subsistem da obra cisterciense.
         Sob múltiplas formas actuaram as Granjas medievais no desenvolvimento da agricultura dos Coutos: ensaiando as culturas mais adequadas a cada zona e aperfeiçoando as que se revelaram mais prometedoras, experimentando para depois divulgarem, novas culturas e novas técnicas, adestrando operários nas artes agrícolas e proporcionando aos agricultores a demonstração viva dos processos culturais mais perfeitos, fornecendo aos colonos sementes e feramentas agrárias, ensinando-lhes a tirar partido das pequenas indústrias rurais.

3.3 AS TERRAS NÃO CULTIVADAS

Os espaços não trabalhados, fossem eles bosques, charnecas ou paúis, revestiam-se de uma grande importância para qualquer domínio na Idade Média. Percebendo claramente, desde o inicio, o valor económico desses espaços, seria natural que os monges de Alcobaça os procurassem perservar. Nesse sentido tentaram proteger esses terrenos, fosse através de cláusulas muito claras nos contratos de aforamento ou das Cartas de Povoação, ou ainda através de protecção régia[19].
Na carta de Povoação da Cella Nova, os monges, autorizam os povoadores a utilizar a madeira dos bosques que estavam dentro dos termos dessa povoação, para construírem as suas casas, fazer arados e outros instrumentos agrícolas, necessários à valorização desses terrenos. O mesmo privilégio é concedido aos povoadores da Maiorga ( Barbosa, Pedro Gomes, 1992), que podem utilizar, para a sua instalação madeira da mata da Maiorga e do souto, que está junto dos moinhos da Fervença.
Ao aforar uma herdade no lombo da Sevilhana (Carvalhal Benfeito), é especifico que os foreiros não devem fazer dano à mata, mas podem retirar lenha para utilização doméstica e rama para os bois, supõe-se que a lenha, seria a que se encontrava caída no bosque, o que não implicaria pelo menos em teoria, corte de árvores ou arbustos por parte dos colonos. Quanto á rama para os bois, servia para a cama desses animais, constituindo, misturada com os excrementos, um excelente adubo natural.(Barbosa, Pedro Gomes, 1992).
As terras incultas não se limitavam às matas e bosques, verificando-se isso mesmo na Carta de Povoação de Turquel, onde é referido um mato que começava no olival da Granja e que continuava na posse dessa unidade de exploração, o que se compreende se tivermos em conta o peso que aí tinha a criação de gado. São também várias as referências a paúis, que se localizavam fundamentalmente, junto a Alfeizerão e á lagoa da Pederneira.
                                                                                                      
3.4 O GADO

         Desde o século XI, que a pastorícia tem um papel cada vez mais importante na economia, não apenas dos camponeses, mas sobretudo, dos grandes senhores fundiários. Compreende-se facilmente que tenham sido estes últimos a desenvolver em grande escala este tipo de economia. Detinham grandes propriedades, boa parte das quais podia ser deixada inculta para o apascentamento do gado.
         Tenha-se também em consideração tudo o que se podia extrair da pastorícia, desde a carne, o leite, a pele e a lã, até ao estrume para enriquecimento dos campos, o que não era de pouca importância numa época em que os progressos no refazer da fertilidade das terras eram bem pequenos. A par da marmagem, apenas aplicável a certo tipo de terrenos, apenas o estrume animal, e o que se juntava à sombra dos bosques, podia ser aproveitado.
É certo que, muitas vezes se assiste a um conflito entre os camponeses e os rebanhos do senhor, já que, com o aumento demográfico, eram necessárias cada vez mais terras de cultivo, diminuindo-se os pastos, o que acarretava, por sua vez, um empobrecimento dessas mesmas terras, por falta de estrume.
Cedo os cistercienses entenderam o valor da criação de gado, tornando-se rapidamente excelentes pastores, enriquecidos desde o século XII, pela venda de gado, lã, queijo, couro e sapatos. A valorização dos espaços vazios, que lhes foram dados, foi feita sobretudo, à base da pastorícia.
Destaca-se o grande número de ovelhas que se deve, pensamos, não apenas à diferença de preço em relação às outras espécies, mas também ao facto de serem animais mais importantes, no aspecto “comercial”, já que tudo ou quase tudo, se podia aproveitar deles.
Apascentados nas terras em pousio, ou nas que seriam futuramente trabalhadas, estrumavam-nas naturalmente. Embora os camponeses preferissem criar porcos, pois eram mais propícios ao consumo caseiro e forneciam estrume para hortas e pequenas parcelas de terreno, enquanto que aos senhores, pertencia a maior parte das ovelhas. A razão estaria talvez, na maior possibilidade desses mesmos senhores e sobretudo quando se tratava de cistercienses, colocarem no mercado os produtos que delas extraíam.(Barbosa, Pedro Gomes, 1992.)

3.5 METALURGIA

         Preocupados em retirar o máximo rendimento das suas terras, os cistercienses sabiam que só podiam atingir esse fim se, a par de uma boa gestão dos seus recursos agrícolas, dispusessem de instrumentos arroteadores de boa qualidade. Para isso tentaram obter sempre que possível o acesso às fontes de metal (Ferro), que trabalhavam directamente ou pelo menos, controlavam o seu trabalho através dos seus representantes.

         O número de ferramentas necessárias era grande. Os centros de transformação mineira eram, sempre que possível instalados junto às minas e na proximidade de cursos de água e zonas de abastecimento de lenha.
         Com a aplicação da força da água aos foles de forja, nos inícios do século XIII, obteve-se uma temperatura mais elevada e regular e uma carburação mais activa, que melhorou a qualidade do metal obtido. Mas a força motriz dos rios e ribeiros era também utilizada para o processo de esmagamento do minério, para libertar os ferreiros do trabalho da bigorna nos chamados moinhos de ferro, substituindo, com vantagem o esforço humano, graças à descoberta dos veios excêntricos que accionavam os martelos a uma cadência que poderia variar entre 60 a 120 pancadas por minuto, com martelos que pesariam cerca de 300 quilos[20]
         No centro de Alcobaça, apenas vamos encontrar uma mina de ferro, a de Águas Belas (Valado dos Frades), uma mina a céu aberto, como ainda hoje se pode ver. O tratamento do minério, talvez fosse feito no local, aproveitando a madeira do pinhal, que lhe ficava a Norte.
         Se, só há uma mina, existem contudo várias menções ao trabalho do ferro. Além das duas ferrarias, que deram o nome às granjas, um lugar chamado A dos Ferreiros, junto a Aljubarrota, e para Sul do Couto, Escorial, Casal das Ferrarias e Moinho de Ferro, entre Turquel e Santa Catarina.
         A ferraria da Maiorga está junto ao Mosteiro, nas margens do rio S. Vicente, podendo aproveitar a madeira da mata da Maiorga. O minério aí trabalhado deveria vir de águas Belas; esta ferraria devia suprir, sobretudo as necessidades e das Granjas situadas a Norte do Alcoa.
         A que ficava junto ao Vimeiro, utilizaria a madeira da mancha florestal do Carvalhal Benfeito, apoiando sobretudo as Granjas do Sul do domínio. O minério aí trabalhado poderia vir de Rio Maior, assim como o que entrava pelo Porto de Salir.

3.6 PESCA E EXPLORAÇÃO DE SAL

         A captura de peixe, necessário à mesa, sobretudo dos monges, cujas repetidas abstinências, prescritas, pela regra, baniam a carne da sua alimentação, durante uma grande parte do ano, era feita tanto no alto mar, como nas águas calmas das duas lagoas (Pederneira e Alfeizerão).
         A Pederneira e S. Martinho, eram duas povoas essencialmente piscatórias, onde o Mosteiro se ia abastecer graças, sobretudo, aos dízimos do pescado, que cobravam dos homens que se faziam ao mar.
         Mais tarde, vão receber o peixe de um terceiro porto, o de Paredes, a Norte do Couto, mas que só passou para a posse dos Bernardos por doação de D. Fernando.
         Ligada à actividade costeira, estava igualmente a exploração do sal, embora esta possa ser explorada longe da costa, como acontecia (e acontece) em Rio Maior.
Produto essencial na conservação dos alimentos, cedo se manifestou o interesse dos monges, no correcto aproveitamento das potencialidades existentes no seu domínio.