18/08/2019

2.202.(18aGOSTO2019..8.8') HÔGEN YAMAHATA

***
Nasceu a
e morreu a
***
 um livro que expõe a importância do agHora
que há anos 
é a minha filosfia de vida
do agORA
e do aquii

Via Graça Silva:
"FOLHAS CAEM
UM NOVO REBENTO"
 "Este é o mundo real em que vivemos, agora a agora. Onde tudo é tão desconcertantemente
efémero, como bolhas de ar à superfície da água. De igual modo,
todas as nossas preciosas, importantes e insubstituíveis ideias, todas as imagens e
princípios básicos pessoais, conservados nas nossas mentes, também são como espuma
na superfície da corrente da nossa consciência. O facto para o qual devíamos
despertar é que o melhor é não ter nada, nem sequer a boa sorte ou os princípios
filosóficos guardados preciosamente na nossa cabeça.

Ryokan, também disse:
«Quando te encontrares com a adversidade, é bom encontrares-te com ela;
quando tiveres uma doença, é bom teres a doença;
quando morreres, está muito bem que morras.»
Porquê?! Este «bom», o que significa?"

O poeta Zen Ryokan foi sempre como um jovem noviço, um jovem rebento,
que conseguia sentir e compreender os sutras abertos e secretos, ou as escrituras da
natureza à sua volta, onde quer que estivesse.
«Em não-mente, as flores convidam a borboleta;
Em não-mente, a borboleta visita as flores;
Quando a flor abre, a borboleta aparece;
Quando a borboleta aparece, a flor abre.
Elas não se conhecem,
Porém, ambas naturalmente seguem o Caminho.»
O que podemos ver e perceber neste poema de Ryokan? O que deveríamos
compreender nele? A Vida é encontrarmos seja o que for que se encontre, seja a
adversidade, a doença, a morte… «Agora a Agora», encontramo-nos com o melhor e
único deus insubstituível (Buda)! Estes poemas esclarecem isso. Sem excepção, estamos
sempre no agora, quer estejamos doentes, infelizes, a morrer, a viver, ou felizes…
Neste único ponto de encontro no universo estamo-nos a encontrar, tão
milagrosamente, uns aos outros. Assim! Assim! Assim!
Já alguma vez viram a realidade do Aqui-Agora? Já alguma vez tiveram a expe -
riência directa do Aqui-Agora? Já alguma vez encontraram isto? Claro, de momento
a momento. Se não a tiveram, porque não tê-la agora? Porque não agora? Porque
hesitam em vê-la? Vocês estão agora comigo a experimentar directamente a vida real
do Aqui-Agora! Não estão?! Porque estamos sempre a recusar e a escapar a isso?
Porque não aceitamos directamente essa experiência do Agora a Agora? O AGORA
é sem tempo; não é «tempo» mas a nossa vida ela mesma! O AQUI é sem espaço;
não é «espaço» mas a realidade ela mesma!

Por exemplo, encontramo-nos aqui dentro do espaço deste edifício. Mas, será
que estas paredes que nos rodeiam, realmente nos limitam? Nem por sombras! Na
verdade, estamos no centro, no âmago de todo o cosmos! Não há quaisquer barreiras
que nos impeçam de sermos, sempre, um só com o universo todo. Porque nos
estaremos a limitar num pequeno charco fabricado pelo homem? Vejam, Aqui está
todo o cosmos!
Por exemplo, segundo o que habitualmente convencionamos, agora são 7.30 da
tarde de segunda-feira, 25 de Maio. Será mesmo? Não será que estamos sempre
neste presente sem tempo? Neste momento, já está escuro na Austrália e ao mesmo
tempo já é dia nos Estados Unidos. No ser cósmico existe algum limite, algum
começo ou fim do tempo? Agora é o começo do universo, o fim de todo o nosso
«passado», «presente» e «futuro». Mas, que infelicidade! Enquanto continuarmos

 apenas a viver fechados na nossa «confortável» e fixa prisão (ego), realmente não
vemos o que na verdade experimentamos. Nós estamos no âmago de toda a eternidade.
E neste ponto de encontro estamos verdadeiramente a experimentar e a
abraçar toda a eternidade. Esta é a nossa vida sem tempo, de Aqui a Aqui. Não há
quaisquer barreiras que nos impeçam de ser, neste momento, um só com a eternidade
toda. Por que nos limitamos a estar dentro dum minúsculo fragmento de tempo
humano?
Toda a gente, diz com muita facilidade «Aqui e Agora». Mas, será que já alguma
vez examinaram a vossa própria experiência de aceitarem completamente o Aqui-
-Agora? Só se estivermos cientes da realidade do Aqui-Agora; só se despertarmos para
esta realidade do Aqui-Agora; só se experimentarmos a realidade do Aqui-Agora com
plena aceitação, é que o «Aqui-Agora» não passará de uma mera ideia, de uma mera
palavra. Quando realmente se alcança e directamente contacta este Aqui-Agora, nascemos
totalmente de novo. Este é o Aqui-Agora real que devemos ver e penetrar,
«Agora a Agora» – a nossa verdadeira vida.
O que somos nós? Somos uma massa acumulada (composto) de todo o nosso
passado e uma energia karmica (semente) para todo o nosso futuro. Porém, precisamente
neste instante, quando realmente nos encontramos com este miraculoso e
inevitável Aqui-Agora (o novo deus), todo o nosso passado se torna completamente
a luz e o sol deste momento. Neste novo nascimento, momento a momento, o
amontoado karmico do passado (corpo, mente e toda a consciência) é retirado, participando
neste verdadeiro encontro. Este AGORA corta a velha corrente. Este é o
milagre perfeito da nossa vida diária, a iluminação, um rebento de luz solar.
Vocês podem, então, perguntar: «Por que precisaremos deste amontoado kar -
mico para nos encontrarmos com a verdade do Aqui-Agora?»
É graças à massa karmica do nosso infinito passado que estamos agora neste
Aqui-Agora. É somente neste encontro e oportunidade que estamos livres de todo o
passado. Todas as nossas acumulações passadas florescem, frutificam, morrem, e nascem
totalmente novas neste Aqui-Agora. Todo o nosso infinito passado, neste pre -
ciso instante, torna-se AGORA, momento a momento. Nós vimos dum passado
infinito, para alcançar este Aqui-Agora, para nos encontrarmos agora, para nos sentarmos
aqui, para experimentarmos tudo neste ponto de encontro. Para se tornar
agora, todo o nosso passado chegou a este Aqui-Agora. Este AGORA, este AQUI, é

a actualização, a fruição, e a morte de todo o nosso passado. Simultaneamente é o
nascimento e começo de todo o universo ele mesmo. Este é o conteúdo do Aqui-
-Agora.Portanto, AGORA é a eternidade ela mesma!
AGORA é tudo!
É tudo o quê? Para quê?!
É a plena-atenção, a vida ela mesma; a concretização de tudo é este AGORA!
Aquilo que os poemas de Ryokan deviam despertar em nós é a consciência que,
neste cosmos infinito, é agora a melhor oportunidade que temos de nos encontrarmos
uns aos outros, seja lá onde for, seja em que altura for, e isto chama-se «Aqui-
-Agora». O outro aspecto deste facto é o de tudo ser efémero, uma ilusão. Quando o
Ryokan diz «bom» no seu poema, ele quer dizer que a única coisa no universo é isto,
nada mais.
A descoberta do Aqui-Agora, o nosso regressar ao Aqui-Agora, é tarefa mais
urgente para nós. De outro modo, somos fantasmas vagueando com as nossas ideias,
sonhos, fomes e sedes… cheios de ilusões até ao fim das nossas vidas. Afinal, o que é
que andamos a fazer pelas nossas vidas fora?! Andamos simplesmente a saltar de ilusão
em ilusão, de guerra em guerra, de sede em sede, de desejo em desejo? É só isto?

Se assim é, nada mais somos que macacos aos saltos ou cavalos a galope! Nós necessitamos,
realmente nós necessitamos é de parar e emanciparmo-nos desta interminável
cadeia da corrente karmica.
Como podemos fazê-lo? Fazendo zazen? Por meio de alguma prática especial de
meditação? Nada disso!! Enquanto andarmos à procura do caminho, «Como é que
podemos…», isso não será mais do que a repetição do nosso velho padrão – o de
querer obter algo. Não há nenhum caminho especial. Somente através do que estamos
a fazer agora!! Simplesmente «Agora a Agora»! Este é o único caminho a seguir.
Em toda a nossa prática do Zen, ou em qualquer outra prática do mundo, o
que é que estamos realmente a fazer? Devíamos, seriamente, investigar e clarificar
isto em nós mesmos, pois, muito frequentemente (quase sempre), alimentamos,
enriquecemos e reforçamos o próprio ego, orgulho e auto-satisfação. No percurso da
nossa prática e conhecimento, considerando o processo de um modo específico, acabamos
por descobrir como, afinal, é tão difícil e raro tornarmo-nos simples e humildes
– esvaziarmo-nos a nós mesmos, para sermos apenas principiantes, prontos para

fazer tudo de novo, com frescura, como por exemplo, ver as pessoas e as coisas sempre
com novos olhos.
Se bem que seja bastante fácil tornarmo-nos grandes mestres neste mundo, já
não é nada fácil sermos apenas a modesta folha de uma pequena erva selvagem. Se
bem que seja fácil mover montanhas e rios, erguer centenas de gigantescos castelos

de meditação, já não é nada fácil amarmos as nossas crianças e vizinhos dum modo
verdadeiro. Muita embora seja fácil sermos como máquinas de sentar e cabeças
duras com as nossas auto-convicções, já não é nada fácil sentarmo-nos num estado
pacífico, sem interferência das nossas mentes e pensamentos, só por dois minutos.
Seja o que for que se pratique, seja o que for que se aprenda, conheça e consiga,
mesmo que se tenha seguido cursos essenciais de Zen, Yoga, Budismo, Sufismo,
Cristianismo, Hinduísmo e por aí fora, se obtivermos toda esta sabedoria, poder e
experiências para satisfação da nossa própria pessoa, tudo isso nada mais será do que
a expansão do nosso ego, usando a prática como ponto de partida. Devemos, pois,
praticar um crescimento sem ego. Como nos avisa o mestre Zen, Dogen, o que
necessitamos sempre é de nos esvaziarmos e de vermos, como realmente somos, com
os olhos da maior humildade.
«A menos que a direcção do nosso desejo e voto original
seja incessantemente verificado e questionado na sua qualidade
todas as nossas práticas e vidas serão despendidas em vão!»
Qualquer convicção, pensamento, ideia ou autoconfiança que se faça absoluta,
genuína ou correcta, mesmo no Budismo ou em qualquer verdade não é nada mais
do que o nosso forte e ignorante ego.
Oh, que caminho tão rigoroso é este em que nos encontramos agora! Será que
podemos regressar ao ponto de partida das nossas vidas, para abrir e iniciar a nossa
vida última? Sim, é esse o caminho que estamos agora a trilhar! Este já é o dia da
maior liberdade, hoje, o dia para começarmos a nossa nova vida. Nada mais há a
procurar à nossa volta.
Portanto, de agora em diante, só vos darei um koan, que é: AGORA ou ISTO.
Este «Agora» (ISTO) não é só um koan, mas também um mantra para a vossa prática
diária. Por favor mantenham este verdadeiro AGORA (ISTO) no silêncio que vos
é mais profundo, até que ele desperte; até que todo o vosso passado e corpos mortos
se tornem activos e vivos AGORA.

                                                                      Primeiro Capítulo
Estável como uma montanha
Livre como o vento,
Vazio como o céu azul…

A Tr i n d a d e d o Za z e n
Diz-se que o Zen é a essência do Budismo. Um mestre Zen japonês disse «o Zen
nasceu e cresceu na Índia, floresceu na China e deu fruto no Japão». Mas não é assim
tão simples. O Zen é a prática que nasceu da experiência do Buda SHAKAMUNI,
o qual despertou para a realidade última da vida, (o não-eu). Como tal, o Zen não
pertence a nenhuma seita religiosa em particular. Podemos até encontrá-lo no
Cristianismo, ou no Hinduísmo, nas cartas de S. Paulo, por exemplo, ou na biografia
de Ramakrishna. Por favor, não tirem nenhuma conclusão por eu ser um monge
budista; em vez disso, descubram e realizem a raiz da vossa prática Zen através deste
encontro quotidiano do Aqui-Agora.
O alicerce da prática Zen é a meditação sentada, chamada zazen, que é baseada
na seguinte trindade: postura, respiração e meditação. Primeiro consideremos, a
postura física. Para nos sentarmos em zazen necessitamos de uma almofada (zafu),
ou de um cobertor dobrado. Como ambos os joelhos devem tocar no chão, recomendo
sentarem-se na posição de lótus, ou de meio-lótus. Se os joelhos não conseguirem
chegar ao chão, é possível que tenham de dar mais altura à vossa almofada.

Outra possibilidade é a de se ajoelharem na posição de seiza, utilizando, também,
uma almofada. Neste caso, mantenham os vossos joelhos separados por uma distância
de dois punhos. O ponto mais importante da postura é o pélvis. Para conseguirem
a posição correcta, abram as palmas das vossas mãos e coloquem-nas sobre o
pélvis, de cada um dos lados da coluna vertebral. Empurrem para a frente, e oscilem
a parte superior do tronco. Então, naturalmente ele vai ao lugar e a vossa coluna
apontará para o céu. A vossa posição deve ser muito firme, nada frouxa. O baixo-
-ventre e a região pélvica são o nosso centro mais importante, são o centro de todo o
universo.
Não se inclinem nem para a frente, nem para trás; nem para a esquerda, nem
para a direita; mantenham a vossa coluna direita apontada para o céu e olhem para
baixo, um metro à vossa frente, com naturalidade. Os vossos olhos não devem olhar
para nada, não devem focar nada. Isto é muito importante: quando não nos fixamos
em nada, somos livres de tudo. Este olhar vasto é chamado «olhar-nas-dez-direcções».
Fechem a vossa boca de uma maneira natural, não deixem qualquer espaço nela.
Não mantenham qualquer tensão na cara ou no corpo. Uma vez que o pélvis está
assente na posição correcta, e que a vossa coluna está direita, descontraiam-se pro-

 fundamente. As vossas mãos devem formar o mudra da meditação, com a mão
esquerda repousando na mão direita, e os polegares tocando levemente um no
outro. Separem os cotovelos do corpo, e deixem descair os ombros.
Um problema muito comum para todos nós durante o zazen é a dor. Tentem
não se mover até ao final. Mas, claro, se tiverem uma dor muito aguda, podem
mudar a posição das pernas. Caso o façam, não destruam o vosso estado meditativo,
nem incomodem os outros praticantes. Movam-se devagar e atentamente.
O segundo aspecto do zazen é a respiração correcta. É muito simples: apenas
expirem, de modo natural, pacífico, em plena-consciência. Entreguem-se completamente
a esta única expiração. Não têm de se preocupar com a próxima respiração,
nem com a próxima inalação. Depois de terem completado esta única expiração, o
céu e a terra, naturalmente, dar-vos-ão a inspiração. Portanto, não tentem nada.
Entreguem-se completamente; a esta única expiração. E isto não é «dar e receber»,
mas apenas «dar», «dar», «dar»…
Existem outros dois pontos que devem ter em atenção. Primeiro, enquanto respiram,
não são os ombros mas é o abdómen que se move. Segundo, a expiração, é
naturalmente mais longa que a inspiração.
Quando entoamos os sutras, fazêmo-lo durante a expiração. Já tentaram entoá-
-los durante a inspiração? A expiração é muito longa, e a inspiração breve. É a
mesma coisa que acontece quando se canta. Geralmente, antes do zazen entoamos
sutras com a respiração do zazen.
Graças à respiração, o nosso estado de paz, vai-se tornando mais profundo e
cada vez mais estável. Por favor, mantenham-no cuidadosamente de manhã à noite,
e não apenas durante o nosso zazen.
O terceiro aspecto da trindade do zazen é a meditação em não-mente. Isto quer
dizer: não tentem nada; não façam nada; não pensem nada. Isto é tão fácil, e ao
mesmo tempo tão difícil. Por vezes isto parece ser tão simples que até podemos chegar
ao ponto de não continuar a praticar.
Quando nos sentamos serenamente, descobrimos que estamos sempre a ser
apanhados pela corrente karmica da associação de nossos pensamentos (macacos aos
saltos). Ela nunca pára, saltando de uma coisa para outra. Somos incessantemente
envolvidos na selva das nossas habituais maneiras de pensar, mesmo se nos sentamos
só por três minutos. Estes pensamentos são apenas nuvens no céu, indo daqui para
ali, de Londres para Tóquio, e de Tóquio para Lisboa. Por favor, não os persigam,não vão atrás deles, 

mas, deixem-nos ir e vir, livremente, como são. Sempre que
ficarmos distraídos devemos tornar-nos cientes disso. Tudo o que devemos fazer é
completar atentamente esta única expiração, ou fazer apenas esta única coisa que
estamos a fazer agora, aqui. Se tiverem a postura correcta e contarem, com todo o
vosso coração, as vossas expirações uma a uma, então, não serão apanhados pelos
vossos pensamentos. Inúmeras ideias, memórias e pensamentos incessantemente vão
e vêm, surgem e desvanecem-se. Deixem-nos como estão. Não façam deles vossos
inimigos nem obstáculos. Não lutem nem tentem livrar-se deles. Apenas deixem-
-nos como estão, e eles não vos serão um obstáculo. Este é o modo como devemos
lidar com a nossa mente.
Seja o quer for que façamos, yoga, corrida, trabalho, limpezas…, deve ser uma
variante da prática sentada do Zen. Este é o caminho do Buda.
O Za z e n é o n o s s o Pr o f e s s o r, o n o s s o Mé d i c o i n t e r i o r
Enquanto mantiverem a respiração e o pélvis na posição correcta, o zazen proporcionar-
vos-á um estado de grande serenidade. Por favor, questionem o vosso zazen,pois ele ensinar-vos-á. Se a vossa posição sentada não estiver bem, o vosso zazen dir-
-vos-á. Escutem o vosso sentimento interior. Quando a postura é correcta, mesmo a
dor e a tensão não transmitem um mau sentimento interior. Se ela não é correcta, esse
sentimento não é de modo algum confortável, nem tão-pouco a dor. Escutem atentamente
o vosso zazen. O zazen é o vosso professor, o vosso médico interior.
P: Gostaria de saber se foi tão difícil para si, como é para mim, encontrar a postura?
R: Sim, para mim foi tão difícil como é para si. Quando, há cerca de quarenta
anos, comecei a praticar zazen, foi uma verdadeira tortura. No entanto, quando
olho para si vejo que consegue levantar-se e andar com facilidade. Pois, eu não
podia. Para ir à casa de banho tinha de ir a gatinhar!… Por favor, não seja impaciente,
não tenha tanta pressa. De momento pode ser que o seu corpo se sinta demasiado
rígido ou gordo para fazer zazen, mas gradualmente, encontrará a sua própria
maneira de estar. Actualmente, o zazen é para mim muito confortável, talvez até
demais… Confesso que, por vezes, adormeço nesta posição. Portanto, quando o
vejo a não adormecer devido à dor, sinto-me um pouco invejoso, um pouco nostálgico
acerca desse período…P: Sim, para mim é completamente impossível adormecer nesta posição!
R: Oh, isso é muito, muito bom!…
P: Mas, quando a dor é tão forte, o que devemos fazer?
R: Nada, não façam nada, apenas zazen. De qualquer modo foi isso que fez.
P: Mas a dor, por vezes, é quase insuportável.
R: Sim, eu sei. Eu sei isso muito bem. Quando a dor for tão aguda, que o
impeça de continuar, pode, com certeza, mudar atentamente de posição.
P: Mas a dor incomoda mesmo muito. Ela desvia a mente do zazen. Estará o
zazen perdido?R: Sim, já experimentei isso. Mas também já experimentei que, quando, com
plena-consciência, conto as minhas expirações, realmente não sinto a dor. A dor é
dor, muito bem, mas o nosso incómodo, por vezes, provém do nosso conceito de
dor. De facto, nós estamos é desesperadamente ansiosos acerca da dor Quando nos
concentramos em algo, podemos, facilmente, esquecer a dor. De qualquer modo,
ela não está sempre presente durante todo o período de zazen. Ela vai e vem. Às
vezes sentimo-la, outras vezes, não. Quando começamos a praticar, a dor é quase
insuportável mas, depois, com o tempo, a qualidade da dor transforma-se. Torna-
-se familiar. A melhor maneira de se lidar com ela, é continuar a praticar diariamente.
P: Mas o zazen não é dor?!
R: O zazen não é dor; você é que é dor!
Todas as vezes ela é diferente. Eu encontrei o meu modo de lidar com ela, assim
como você terá de encontrar o seu.

 P: Tenho a impressão que o zazen é mais difícil para ocidentais do que para
orientais. Estarei certo?
R: Como sabe, o povo japonês está muito ocidentalizado! São muito poucas as
pessoas que mantêm o estilo da vida tradicional japonesa. Actualmente a maior

 parte senta-se em cadeiras; já não se senta no chão como você está sentado! Por isso,
quando tentam fazer zazen estão muito rígidos e as pernas doem-lhes imenso.
P: Não será possível praticar-se zazen sentado numa cadeira, ou deitado numa
cama?
R: Bem, existem quatro tipos de Zen: sentado, de pé, deitado, e em movimento.
Devemos praticá-los a todos. A posição de pé é como a posição que se adopta no
Tai Chi Chuan. O Zen deitado é como a posição do cadáver no yoga (savasana).
Podemos praticá-la quando nos vamos deitar. O Zen em movimento é possível praticar
nas nossas actividades quotidianas. Como fazê-lo? Seja o que for que se faça
deve-se fazer completamente, com plena-atenção, com todo o nosso coração, uma
coisa de cada vez sem ficar agarrado ou envolvido nisso. Quando praticamos o Zen
em movimento, a qualidade da nossa vida diária torna-se muito diferente.

 Re s p i r em!
Já alguma vez tentaram prestar atenção à vossa respiração enquanto estão a discutir,
ou a brigar com alguém? A respiração é curta, superficial e muito irregular.
Cada vez que o esforço e a intenção do nosso ego interferem, o nosso ritmo torna-se
irregular e em dissonância com o ritmo cósmico. Através da respiração podemos
libertarmo-nos das tensões e dos nós causados pelo esforço e intenção do ego.
Assim, o que realmente precisamos é de completar esta única expiração. Para a
iluminação total, esta única expiração basta. Por favor, tentem-na! Temos inumeráveis
oportunidades de iluminação, mas estamos sempre a negligenciar esta respiração.
Só esta, nada mais! E, inevitavelmente, a verdadeira iluminação virá ao vosso
encontro, a verdadeira iluminação não é senão isto mesmo! Seja o que for que façamos,
devemo-lo fazer. Chamamos a isto o caminho da plena-atenção.
P: Sempre que tento completar a expiração, quando chego ao fim os músculos
abdominais ficam tensos. Não consigo descontrair-me completamente no último
momento.
R: Isso é porque está a fazê-lo com demasiada intenção. Mesmo se no princípio
o tentamos fazer é desnecessário prolongar a nossa expiração. Gradualmente, de

 modo natural, acabará por ser capaz de o fazer. O que necessitamos apenas é de
expirar. Este é o maior segredo do caminho aberto, segredo aberto, segredo que
abriu o segredo que se abre!
P: Quando expiro longamente, no final da expiração sinto-me como que em
pânico. Sinto-me como se estivesse debaixo de água, e que tenho de voltar rapidamente
à superfície para poder respirar. Temo que esteja a expirar mais ar do que
aquele que inspiro.
R: Por favor não faça nenhum esforço com dificuldade, expire apenas atenta e
serenamente. Você tem o seu próprio ciclo respiratório. Simplesmente tem de o
encontrar. Não imite ninguém.

 P: Eu também já senti essa sensação de pânico, e descobri que me ajuda estar
atento à pausa entre a expiração e a inspiração. Será que isto está certo?
R: Sim, pode existir uma pausa natural entre a expiração e a inspiração. Ela é
muito subtil, quase demasiado subtil para ser detectada. Nessa pausa existe tranquilidade
e um estado de profunda paz. Por vezes também reparo nela. No entanto, isto
só acontece quando, inesperadamente, nos encontramos em paz profunda, não
tendo isto qualquer relação com a técnica formal de yoga em que, conscientemente,
se retém a respiração.
P: Nesse caso, o que dizer acerca da inspiração? A inspiração só ocorre no hara,
ou temos de fazer a inspiração tripla completa como acontece no yoga?
R: Ela é feita no abdómen, mas, podem-na esquecer por completo.

 P: Oh, há anos que venho fazendo a inspiração tripla durante o zazen!
R: Com esse tipo de respiração, como é que alguma vez poderia atingir estados
de profunda meditação? Expire, apenas. É muito simples. Com a expiração vinda do
hara. É tudo.
P: Para que serve, então, a respiração tripartida do yoga?
R: Não serve para a meditação, se bem que seja muito útil numa etapa inicial.
Antes do zazen, praticamos yoga e recitamos sutras, ambas as coisas são uma boa pre-

 paração para a meditação sentada. Mas, na verdade, não devíamos ter nenhuma etapa
preparatória! A preparação é, ela mesma, a etapa final! Assim com o nosso primeiro
passo chegamos imediatamente a Nova Iorque ou a Paris. Com o nosso primeiro passo
alcançamos instantaneamente a capital do Buda, o nosso objectivo último. Cada etapa,
até a preparação, é o objectivo último. Compreendem? Por isso, o principiante também
é um perito. Todos vocês são peritos! Todos vocês são Buda! Por favor, completem
esta única expiração, uma a uma, isso é chegar ao Aqui-Agora, a realização última.
P: Quando executo a postura e respiração correctas, não sinto a barriga mover-
-se de todo. Será possível?
R: Talvez a sua respiração seja lenta, ou a sua barriga esteja tão rígida e insensível
que nem a note, mesmo se lhe tocar com as mãos. Se for suficientemente sensível,
verá que o seu tanden se move. Claro que isto não é, nem deve ser, dramático!
Não tente fazer a barriga mover-se! Toda a parte da frente do corpo deve ser suave e
estar completamente descontraída, enquanto que na parte inferior das costas (entre
o pélvis e a coluna) pode haver uma confortável sensação de plenitude.

 P: Hôgen-san, penso que os músculos do hara estão completamente passivos
durante todo este processo. O músculo activo é o diafragma; sendo este um músculo
inconsciente não o podemos controlar. Deste modo, se tentamos fazer alguma coisa,
será sempre com os músculos abdominais. Não é?
R: Sim, mas quando simplesmente expiramos, tudo funciona em conjunto de
maneira conexa, em boa harmonia. Consciente ou inconscientemente, apesar de tudo,
não é para nós assim tão diferente do dar-se um passo mais em direcção à paz original
da nossa última morada.
Ca v a r  um  p o ç o  p a r a  c h e g a r  a o  c é u  a z u l

 Quando, por exemplo, estamos nos Alpes a escalar altas montanhas, não
encontramos nenhuma nuvem até termos alcançado uma certa altitude. Quando,
andamos de avião, a centenas de metros de altura, podemos ver as nuvens por cima
de nós, e, subitamente entramos nelas, mesmo antes de alcançarmos, a maior altitude,
o céu azul e vazio.

 Do mesmo modo, na nossa prática de meditação, podemos chegar a um ponto
em que encontramos muitos tipos de nuvens – pensamentos, ideias, ilusões, emoções
e, por vezes, até mesmo figuras ou paisagens extra-sensoriais (Makyo). Devido à
incomensurável acumulação de toda a nossa história e experiências guardadas no
depósito da nossa consciência (as caixas karmicas), por vezes acontece que algumas
memórias ou ilusões surjam diante da nossa visão. Tais nuvens aparecem sempre
num ou noutro ponto da nossa escalada. No entanto, se firmemente nos mantivermos
na escalada, alcançaremos o mais alto céu, livre de todas as nuvens da fantasia,
miragens e ilusões, onde podemos descobrir o verdadeiro milagre deste supremo
encontro do Aqui-Agora.
Este é o mais alto e ilimitado céu azul a que, passo a passo, alcançamos nesta
posição sentada – um infinito céu azul abrangendo e permeando todos os seres
vivos. Não há nada melhor, nem mesmo as maravilhosas formas que as nuvens
criam, e pelas quais nos podemos apaixonar. A única realidade em que nos encontramos
agora é incomparavelmente melhor que milhares de maravilhosos sonhos
fantásticos.
A nossa tarefa mais urgente é regressar a casa, voltar à derradeira paz do vazio.
Estamos a cavar o nosso próprio poço para chegar ao centro da terra, ao coração da
não-mente. Aí já não existe a fronteira da individuação; já não existe separação alguma.
Aí já não existe luta do ego, nem ideias iludidas – apenas brota a água, a mais
pura para humedecer o deserto do mundo humano.
Como podemos nós, cavar esse poço tão profundo na nossa posição sentada?
Como podemos nós, alcançar esse céu azul na nossa posição sentada?
Com o nosso ciclo respiratório, com a trindade da meditação – postura, respiração,
e meditação da não-mente – agora estamos a cavar esse poço, respiração a respiração;
passo a passo agora estamos a escalar a nossa própria montanha, em
direcção ao céu azul do vazio original. E é dentro desta prisão da nossa própria realidade
que somos capazes de chegar ao céu sem nuvens, sem tempo, sem espaço. Não
precisamos de nos escapar dela: a nossa própria realidade, seja ela qual for, é já a
nossa oportunidade de um vazio directo. Este é o nosso sentar.
Portanto, nesta altura vocês já deviam saber que enquanto pensarmos, ou tentarmos
seja o que for com o esforço do ego, ainda será a continuação das nossas
repetitivas mentes karmicas de macaco. Estaremos ainda a bombear, não só as
águas lamacentas das camadas superficiais da consciência, como também, as águas

do depósito das nossas acumulações passadas. Continuaremos ainda a brincar, com
muitos tipos de nuvens, armas, brinquedos, acessórios, ideias, teorias, sonhos, …
ilusões.

 Cada vez que nos sentamos a mais profunda voz do verdadeiro vazio, silenciosamente
chama-nos de dentro. Só que andamos ensurdecidos por tantas espécies de
ruídos dos nossos pensamentos. Ruído este que não nos larga e, parecendo tão justificável,
é tão tentador para as nossas mentes e para a função intelectual dos nossos
hábitos karmicos. Parar as nossas mentes de macaco significa fazer atentamente uma
só coisa de cada vez, aqui-agora. Seja isso, fazer zazen, trabalhar, andar, limpar,
falar…
Respiração a respiração, estejam serena e naturalmente sentados na vossa estável
posição com a coluna direita e a expiração atenta. Deste modo estaremos a cavar o
mais profundo poço em direcção ao centro da terra – nós mesmos. Por favor, deixem-
se ser esse poço sem fundo, do qual brota a mais pura água (a compaixão), para
humedecer o deserto deste mundo. Desta maneira podemos ajudar os outros sem
qualquer interferência dos nossos egos e ideias. Deixem, pois, o nosso zazen ser o
solo (a nossa Terra-Mãe) da verdadeira paz no mundo.
P: O que é o makyô?
R: Normalmente não é possível experimentar o makyo na nossa vida atarefada
quotidiana. Inicialmente, quando nos sentamos, o nosso estado mental é muito
semelhante ao do estado comum, do dia a dia, com a mente num contínuo borbulhar.
Mas, à medida que o nosso estado meditativo se vai aprofundando, então,
pode acontecer (claro, que isto depende de cada um, e todos somos diferentes) que,
subitamente, se vejam imagens muito vívidas. Podem ser criaturas, paisagens, diferentes
figuras, e, até mesmo, bodisatvas e budas. Lembro-me de uma vez em que fiz
um sesshin num mosteiro Rinzai, onde se dormia e comia pouco, mas sentávamo-
-nos muito. Por vezes, durante a noite enquanto estávamos sentados, tínhamos tanta
fome que víamos deliciosos manjares virem ter connosco. Às vezes, alguém tentava
mesmo apanhá-los. Mas, logo o monge responsável, que durante todo o tempo
andava de um lado para o outro, nos batia com uma ripa de madeira! Sentados
neste entorpecimento, por vezes dormíamos, outras vezes vivíamos a ilusão dos
makyos. Mesmo em estados mais profundos, podemo-nos encontrar com os makyos
que se vêm acumulando desde o mais remoto passado. A partir de uma certa profundidade,
a um nível profundo do inconsciente, a cassete nas nossas caixas de acumulação
pode começar a tocar.

 L i v r e s d o t o r p o r e d a d i s p e r s ã o
Durante a meditação, frequentemente, caímos em dois estados ilusórios da
mente que são também muito comuns. Em Japonês chamam-se Kon e San. Kon é o
estado de torpor, sendo a nossa mente como um charco de água estagnada. A maior
parte das vezes torna-se muito visível este estado de torpor, quando a nossa postura
é incorrecta e a coluna não está direita. A nossa postura física está completamente
ligada com os nossos estados mentais e espirituais. Na verdade, estamos quase sempre
neste estado, mesmo se estamos acordados. E, claro, sobre as águas estagnadas
vêm pousar muitos tipos de insectos, de ideias e pensamentos. Isto faz-me lembrar
da famosa escultura de Rodin, o «pensador». Sabem que esta escultura pertence a
toda uma série chamada «as portas do inferno»?! O «pensador», com a sua postura
curvada, olha fixamente para o fundo do inferno. Isto é o charco estagnado da
mente. Pelo contrário, quando a nossa coluna está direita, o nosso estado interior é
extremamente desperto, sereno e alerta. Em zazen, devemos ser como uma torrente
de água, o puro caudal da nossa vida original.

 O segundo estado, San, em termos literais significa dispersão, confusão e, de
igual modo, é-nos também muito familiar. Também se lhe pode chamar, I-Ba
Shin-En, que significa «o cavalo das intenções e a mente de macaco». O nosso cavalo
está sempre a cavalgar na estrada poeirenta do reino dos seis sentidos. Os seis
sentidos e os seus reinos são: os olhos e a visão, o nariz e os cheiros, os ouvidos e os
sons, a língua e os sabores, o corpo e os objectos tangíveis, a mente e os pensamentos.
Os nossos macacos andam incessantemente a saltar de ramo em ramo. Entre os
ramos dos cinco desejos (desejo de posse, sexo, comida e bebida, fama e sono).
Mesmo no nosso zazen, estamos permanentemente ocupados com os nossos cavalos
e macacos que tornam a nossa meditação sentada muito difícil!
É por isto que somos constantemente avisados para não cairmos em nenhum
destes estados ilusórios. O ponto importante no zazen é que não devemos lutar contra
eles, pois não temos nem o poder, nem a capacidade de os vencer. A nossa única
possibilidade é de nos rendermos completamente à trindade do zazen. Quando expiramos
com plena-atenção, a nossa mente volta ao seu natural estado de paz. Porém,
devemos ter cuidado para não nos agarrarmos a essa paz; e querê-la mais vezes. Se
este momento, Aqui e Agora, é em paz, isso basta, é isso que tentamos alcançar. Não
precisamos de pensar acerca do próximo momento, acerca do amanhã. A prática Zen
é o total encontro e aceitação desta realidade Aqui-Agora (ISTO).

 P: O que devemos fazer com a sonolência durante o zazen? De modo geral,
quando ela surge não a sentimos chegar. Será que para a evitar devíamos levantarmo-
-nos e mexer?

 R: Não, o melhor é não se mexerem. A um certo nível do processo meditativo
pode ser que tenhamos de passar pela sonolência, torpor ou, até mesmo, makyo. É
uma etapa da qual não devemos escapar, mas que devemos penetrar, e ir mais além.
Desde que a nossa coluna esteja direita, e a trindade do zazen assente na terra então,
mesmo que adormeçamos, o nosso estado meditativo não se escapará. Deve haver
nisto a plena-atenção e, certamente, nunca o perderemos. Devemos continuar e
atravessar esta etapa com a coluna direita e a total atenção no completar desta única
expiração. Devemos também levar uma vida sadia: dormir profundamente quando
nos deitamos, comer em qualidade e quantidades correctas… e levar uma vida simples
e saudável, tanto a nível físico, como espiritual e social. Quando despertamos e
aprofundamos o voto da nossa própria vida, a condição do nosso corpo e mente
(todo o nosso ser) é transformada. Com a forte determinação do nosso mais profundo
voto, não poderemos facilmente adormecer enquanto os nossos incontáveis
irmãos e irmãs estão a morrer à fome.
Ap e n a s  s e n t a r - s e ,  a  r e v o l u ç ã o  ú l t ima

 Quando estamos num estado meditativo, ou em samadhi, a torrente energética
da nossa vida original recarrega toda a nossa existência. A nossa mente fica unificada
com o caudal da vida inteira. Este estado, sendo profundamente sereno é extremamente
agudo na plena-atenção de toda a existência, incluindo a mente, o corpo e o
mundo. Ele não significa estarmos inactivos ou adormecer num sonho, nem tão
pouco cair num torpor auto-hipnótico.
A mente (o corpo e toda a existência) encontra-se na plena-consciência do
aprofundamento do seu próprio e salutar processo. As nuvens e os ruídos do pensamento
não conseguem interferir na serenidade e integridade deste estado – torrente
viva da plena vacuidade.
Mushin, ou o estado meditativo de «não-mente» é muitas vezes erradamente
interpretado como uma carência de funções mentais ou como um estado de distracção.
Na realidade é exactamente o contrário! Mushin é, antes, a plena-consciência da
torrencial realidade da nossa vida original. Tudo tem de funcionar correctamente e
de acordo com a sua própria natureza, pois tudo tem o seu significado e papel único
em relação à plenitude da vida.

 Quando, verdadeiramente, nos sentamos em zazen, o nosso corpo e a nossa
mente caem por si mesmos e, ao mesmo tempo, o verdadeiro corpo e mente do vazio

 despertam – o corpo e a mente de toda a nossa existência original. Quando este
«corpo e mente» do verdadeiro vazio foi desperto e está em plena acção, então, o
corpo e mente do passado, presente e futuro (do tempo humano) caem por si mesmos
na nossa posição sentada. Quando nos sentamos correctamente em meditação,
precisamos de manter um modo de respirar correcto para assegurar um estado claro
e lúcido do cérebro. Então, poderemos ficar livres do estado ilusório e sonhador
onde tantas vezes adormecemos.
Quando nos falta oxigénio, as funções do nosso cérebro tornam-se muito
entorpecidas. Nós precisamos de ar e de cérebro fresco para nos sentarmos em
meditação, para caminharmos em meditação da não-mente e para trabalharmos nos
campos ou nas cidades. Para estarmos livres dos nossos estados ilusórios e sonhadores,
respiramos. Porque, afinal, a nossa condição não devia ser como a de um charco
de água estagnada, mas antes, ser aberta para a plena circulação da nossa autêntica
força vital, ou seja o Ki (Chi).
A nossa mente é como um macaco, que salta sem parar de ramo em ramo,
numa selva de pensamentos, experiências e hábitos. Assim como o fogo do mato em

 chamas, se alastra dos campos para as florestas, do mesmo modo, o fogo karmico
dos nossos desejos é totalmente imprevisível com as infindáveis associações mentais
que habitualmente se fazem. No entanto, quando todo o nosso ser (corpo, mente e
espírito) se torna numa torrente de Ki em circulação, então, ficamos livres das intermináveis
cadeias karmicas de pensamentos.
Neste estado torrencial de vida original, sentados a meio de todos os macacos,
mesmo as palavras do «Buda» e dos «Patriarcas» são como farrapos de nuvens que
atravessam o céu azul. Quando nos encontramos em tão pura corrente de vacuidade,
descobrimos que até as melhores palavras dos sutras e escrituras são apenas a
confirmação DISTO! Porém assim que se tente manter este estado, ele torna-se-á
uma profunda cilada de apegos adicionais. Podemos facilmente sucumbir a uma
doença Zen; o nosso ego, mesmo a tal profundidade, pode esconder-se de si mesmo.
Por conseguinte, Shikan Taza, o apenas sentar-se incondicionalmente em zazen,
é para todos nós o Caminho mais básico para fazermos seja o que for.

 Ex t r emame n t e  a g u d o  e  l ímp i d o
P: A não-mente pode, facilmente, ser confundida com entorpecimento. Que
diferença há entre estes dois estados?

 R: O estado de não-mente é muito agudo e límpido, muito sereno e descontraído.
É o espelho que reflecte tudo tal como é. Isto é completamente diferente do
torpor ou da distracção. Nesse tipo de estados alterados estamos fechados, trancados
no mundo do nosso próprio espaço ou prisão. Aí, somos muito o «Eu», aí existe
uma separação entre a própria pessoa e os outros. No estado de não-mente, a nossa
existência individual é muito aguda; mas, ao mesmo tempo, não se vê qualquer existência
individual. Não existe nenhuma fronteira entre a própria pessoa e os outros,
entre o mundo e eu próprio. Este mundo, este cosmos sou eu mesmo. Podemos,
claramente, ver a vida cósmica, a existência cósmica.
P: A minha prática de zazen, à excepção de umas cinco ou seis vezes, tem sido
sem esperança, no entanto, satisfatória. Tudo vai mal, no entanto, pareço estar a
beneficiar com a prática. Como pode isto acontecer?
R: O que é sem ou com esperança? Ainda tem as suas medidas para se tornar
melhor ou pior, mas, com a sua pequena cabeça, não poderá medir a profundidade
do Caminho do Buda, que está em si. Bom ou mau, com ou sem esperança, satisfatório
ou insatisfatório, correndo bem ou mal… temos de abandonar esse tipo de juízos
mesquinhos acerca de nós mesmos. Por favor, sente-se. Não tenha qualquer
satisfação ou insatisfação. Quando fizer isto, faça apenas isto, sem considerar os resultados
ou os benefícios. Eu não faço a mínima ideia de quais são os resultados do meu
zazen diário; não há quaisquer benefícios, isto é, um benefício sem fim.
Nem f á c i l n em d i f í c i l
P: Qual é, exactamente, o significado de samâdhi?
R: Quando começamos a praticar zazen, geralmente a nossa caixa-de-pensar
está muito ocupada com imensas nuvens, os nossos pensamentos. Todas elas provêm
de memórias acumuladas do passado, e são uma função do ego. Este é um nível
egoísta da prática com intenção: «eu quero a iluminação, eu preciso disto, eu, eu…»
Mesmo depois de termos rendido o nosso ego, os pensamentos continuam a surgir
de modo incessante. Quando, por meio da nossa respiração, nos afundamos em
direcção ao centro da terra, encontramos primeiro estas águas lamacentas. Deste

 modo, podemos a qualquer momento, seja em zazen ou a trabalhar, verificar qual é
 a profundidade do nosso estado de paz. Podem perguntar-se a vocês mesmos:
«Onde estou agora? Estou em profunda paz, ou completamente envolvido no meus
pensamentos?» E a vossa respiração ajudar-vos-á a atingir um estado pacificado.
Não é nada fácil erradicar os pensamentos. Precisamos é de deixá-los estar
como estão, tal como se faz com um copo de água turva. Quanto mais tentarmos
tornar a água límpida, mais turva ela fica. É como as nuvens atravessando o céu,
sabem para onde é que elas vão? – no entanto, elas continuam no céu. Do mesmo
modo, os nossos pensamentos continuam dentro das nossas cabeças, mas já não são
um problema, enquanto deles não fizermos um problema. Entre nós há a mesma
relação que há entre o céu e as nuvens. A lama, essa, também está sempre dentro de
nós. No entanto, a uma dada altura, quando escavamos em nós mesmos suficientemente
fundo, respiração a respiração, aparece um estado puro sem as nuvens do
ego, sem água lamacenta. Este estado original é chamado samâdhi. Agora não comecem
a pensar que isto é difícil de alcançar, que demorará uns vinte anos. Este tipo
de ideias preconceituosas são o que nos impede de praticar com inocência. Isto,
simultaneamente, não é nem difícil, nem fácil. Não empreguem qualquer força de
vontade para alcançar o estado de samadhi. Se o fizerem, a vossa intenção levar-vos-
-á, exactamente, na direcção oposta. Originalmente somos Mushotoku, o que significa,
nada a ganhar, nada a perder. Assim sendo, podemos estar seguramente em paz.
Então, a prática acontece por si mesma, nunca mais é o «eu» que pratica

 Ca d a  um  de  nós é um p e r f e i t o  mi l a g r e
Nestes últimos vinte anos, durante as minhas viagens pelo mundo fora, de retiro
em retiro e de país em país, já me puseram milhares de questões. Algumas tocaram-
me profundamente, mas a maior parte delas foram meramente provenientes do
nível intelectual, ou de natureza hipotética. Onde quer que fosse, o mais comum
dos problemas ou questões seria deste género:
«Tenho praticado a meditação sentada durante anos, mas ainda tenho o problema
dos pensamentos que, incessantemente, me vêm à cabeça. Que posso fazer em
relação a isto?»
E eu respondo:
«Expire apenas. Não faça nada. Não tente nada. Simplesmente complete esta
uma única expiração. Uma a uma. Sejam quais forem os pensamentos que lhe surjam
deixe-os estar onde estão como às nuvens brancas no céu. Não faça deles os seus
inimigos ou obstáculos devido ao modo habitual de os perceber.»

 Existe ainda um outro mal-entendido que frequentemente se esconde na seguinte
questão:
«Tenho praticado há já tantos anos.»
A nossa própria profunda apercepção devia claramente corrigir este mal-entendido.
Nunca praticámos a verdadeira meditação antes – isto tem de ser descoberto
cada vez que nos sentamos. No justo caminho da verdadeira prática temos de ser
verdadeiros principiantes, e não o podemos ser por hábito. O nosso inimigo real é o
hábito! Nunca criem nem mantenham um velho hábito naquilo que fazem. Uma a
uma, respiração a respiração, devemos nascer totalmente de novo. Uma vida e um
universo completamente novos surgem a cada passo!!! Compreendem?! Um antigo
mestre Zen chinês disse:
«Faz isso uma vez e o cosmos será totalmente renovado. Senta-te com uma
medida e um buda de uma medida será. Senta-te com duas medidas e um buda de
duas medidas surgirá totalmente de novo!»
Toda as pessoas, sem excepção, andam à procura de liberdade. Mas, liberdade
de quê? O que é a verdadeira liberdade? A verdadeira liberdade é sermos livres da
prisão dos nossos velhos hábitos. Muito rapidamente todas as novas experiências
tornam-se o nosso velho corpo morto.

 Eis um característico exemplo dos procedimentos habituais: Ao atravessar o
Japão fiquei em muitos mosteiros Zen. E o que vi foi que os monges se sentavam
simplesmente por hábito. Claro, isto não quer dizer que todos eles o fizessem, mas,
o facto é que, a grande maioria era «monges Zen profissionais». Devido aos seus
hábitos, perderam a mente de principiante. Cada zazen é o nosso primeiro zazen, e
isto é, naturalmente, verdade com tudo o que fazemos. Mas, por causa das nossas
fixações mentais, perdemos a sensibilidade. Podemos pensar que conhecemos a
nossa mulher. «Ah, a minha mulher é tão aborrecida…». E então, devido aos nossos
hábitos, falhamos no ver que esta pessoa é um verdadeiro continente desconhecido,
um infinito mistério cósmico! Cada um de nós é um perfeito milagre.
Nunca praticámos nada de nada! Esta é a primeira vez para todos nós! Este é
nosso primeiro encontro no universo: um único, ao longo de todo o espaço e tempo!
Vivemos simplesmente aqui, «Agora a Agora»! Vivendo ou morrendo, não temos
tempo algum a perder em brincadeiras com os nossos brinquedos intelectuais!
Para que as armas do nosso ego, ou os nossos próprios brinquedos escondidos
sejam tirados das nossas caixas-de-ilusão, das nossas caixas-de-fantasia, é necessário
que as nossas cabeças sejam cortadas, não por nós mesmos, mas por um mestre, ou
mestres autênticos. O ego não pode ser cortado pela espada do próprio ego. Deste

 modo há um inesperado encontro com a verdadeira vida e a verdadeira morte. Uma
vida sem encontro novo, sem plena-consciência nova, é apenas hábito morto. A
maior parte de nós pensa ou acredita que está a viver, quando na realidade, não está
a viver, e como de costume, está é a morrer em vão. A este tipo de vida chamo
morte por hábito, ou entorpecimento por hábito. Mesmo ao sentirmos que apreciamos
a vida, esta é, a maior parte das vezes, apenas uma satisfação superficial, encerrada
na prisão dos nossos hábitos e inclinações. Não é?
P: Não tem falado acerca das emoções durante o zazen. Por exemplo, se estivéssemos
todos sentados em zazen e, de repente, alguém com uma faca entrasse aqui, o
que é devíamos fazer? O que faria?
R: Mas onde, onde? Quem é que tem uma faca?
P: Ninguém, isto é apenas uma suposição. Se, se…
R: Ah, «se»! Mas, então, e «se, blá, blá, blá, blá,…, e se, blá, blá, blá…» É óbvio
que se viesse para mim com uma faca eu começava a correr… com um mantra,
claro… E, nesse caso, certamente o meu mantra seria: «socorro, socorro, socorro!…»

 Nas nossas caixas-de-pensar podemos, de facto, fazer infinitas suposições de
todo o tipo. «O que é que eu faria se…» É muito melhor não fazer suposições. Caso
contrário, a nossa mente estará, continuamente, a escarpar-se desta realidade para
milhares de quilómetros de distância… Em Japonês, a essa infinita cadeia de suposições
e hipóteses que nos desvia do encontro com esta realidade, chamamos de
Mimizu No Tawagoto, o que significa: lengalenga de uma minhoca. Esteja apenas
aqui, olhe directamente para esta realidade.
J e j um  d e  p e n s ame n t o
Existe no Japão, na China e na Coreia a tradição especial de nos mantermos,
durante um determinado período, em profundo silêncio numa concentrada prática
sentada. A isto chama-se sesshin. Durante esse intensivo período de meditação

 abandonamos todas as coisas que geralmente temos na nossa vida quotidiana, arrancamo-
nos a nós próprios da nossa corrente habitual. Necessitamos de fazer jejum do
pensamento, e o sesshin oferece-nos esse espaço de silêncio que nos ajuda a libertar-

 mo-nos dos nossos hábitos. Na nossa silenciosa posição sentada, podemo-nos tornar
cientes que, no fundo, não precisamos de nada. Não importa se as regras do sesshin
são rígidas ou não. A base mais importante para o nosso sesshin não são as regras
mas o silêncio. De modo geral, estamos atafulhados com lixo e ruídos (os nossos
pensamentos, ideias e lógicas). E podemos, facilmente, despender toda a nossa vida
em vão por neles termos confiado e seguido. Por isso, a nossa tarefa é regressar ao
silêncio atento da nossa posição sentada original. O período de trabalho é também
uma importante oportunidade para, no nosso próprio profundo silêncio, praticarmos
o Zen em movimento. Por favor, estejam atentos e serenos em tudo o que fizerem
e onde quer que estejam. Façam uma coisa de cada vez, com todo este cosmos.
E é tudo. O Zen sentado e em movimento complementam-se entre si na profundidade
da não-mente. Não precisamos de nada mais. Não temos nada, não somos
nada, e nada há melhor que isto, nem mesmo a boa sorte. Por isso, durante um sesshin,
por favor mantenham o profundo silêncio, de outro modo, ele tornar-se-á
uma ruidosa conferência ou um acontecimento social; um encontro social em nada
diferente dos nossos hábitos do costume.

 A forma não difere do vazio, o vazio não é senão a forma.
A forma é o vazio, o vazio é a forma.

*
Do i s  t i p o s  d e  l i b e r d a d e
No sutra do coração diz-se: «a forma é o vazio, o vazio é a forma». O vazio é a
essência necessária de todas as formas. Se assim é, como podemos separar forma e
essência? Por exemplo, esta postura sentada de meditação é uma forma característica
da prática Zen. Se a praticarem correctamente, ela pode ser a essência em si mesma.
Quando compreendermos totalmente este ponto, seremos capazes de caminhar de
essência em essência, de novo nascimento em novo nascimento em todas as actividades
diárias. No encontro directo do Aqui-Agora, ESTA forma vazia é essência e
necessidade. Por conseguinte, na vida, não há repetição. Cada zazen é absolutamente
novo e diferente. Mas, é claro, cada prática ou estilo de vida pode tornar-se velha
e habitual. Não é culpa da forma, mas de nós mesmos.

Um sesshin ou o nosso modo de viver o Zen, são apenas pequenos exemplos.
Vocês não os devem imitar, mas descobrir o vosso próprio modo, a vossa própria
prática, mediante a vossa livre compreensão. É claro, num sesshin existem horários e
regras. Alguns praticantes gostam de seguir as regras, outros odeiam fazê-lo. No
fundo temos dois tipos de liberdade: um deles é o de nos comprometermos com

certas coisas que consideramos necessárias, tais como regras, estruturas, responsabilidades
e práticas diárias (a liberdade em manter as regras), o outro é o de escapar a
tais regras (o libertar-se de regras). Ao longo das minhas viagens, tenho encontrado
muitos praticantes do zazen que, devido a uma enorme dificuldade em manter uma
disciplina diária de prática, sentem-se muito atraídos por uma vida monástica, onde
existem horários muito rígidos a cumprir. Também conheci muitos outros, que
estando interessados na essência do Zen, abominam a ideia de cumprir qualquer
horário, ou conjunto de regras. Como faremos para resolver a diferença entre estes
pontos de vista opostos, quando temos de praticar em conjunto? Qual deles escolheremos?
Pessoalmente aprecio ambos os modos, e considero que qualquer um deles
tem o seu lugar na nossa vida. Devíamo-nos harmonizar com a mais profunda
humildade, mantendo-nos livres das ideias fixas, de «regras» e «liberdade». Pode
parecer impossível, mas na realidade não é tanto assim. Tentarei explicar este ponto.
Quando é necessário que vos imponham na vossa vida um programa rígido, porque
a prática é fraca, então isso significa que, interiormente, não têm o verdadeiro fogo
da determinação. Se vos falta esse fogo, essa determinação, não importa quantas
práticas terão sido executadas, todas elas serão uma perda de tempo. Por outro lado,

se têm o tal fogo e determinação, manterão a vossa prática sem qualquer regra formal.
E quando encontrarem regras a cumprir, tal como acontece num sesshin, então
aceitá-las-ão, para que estas ajudem o vosso fogo a arder ainda com maior intensidade.
O que vos parece ter mais significado num sesshin? Seguir as regras, ou fugir
delas? Em casa podem viver a vossa vida da maneira como quiserem. De facto, em
cada sesshin, observo serem poucos os praticantes que seriamente mantêm um profundo
silêncio e outros nossos amigos apenas falam e levam a sua habitual maneira
de viver. Isto é um problema, não acham? A nossa habitual maneira de viver leva-
-nos em vão para o cemitério. Portanto, todos os preceitos e regras têm o seu profundo
significado. Às vezes, a forma contém insondável liberdade, como por exemplo
acontece no zazen ou nas artes marciais. Poder-se-á atingir a verdadeira liberdade
sem qualquer forma de prática? Não podemos! Isto é um ponto muito importante
para todos nós.

                                                                 Segundo Capítulo
Os olhos abertos-nas-dez-direcções

 Nã o s e r a p a n h a d o p o r n a d a
Quando estiverem sentados em zazen, com o olhar naturalmente pousado um
metro à vossa frente, por favor, abram os vossos braços e mãos formando uma linha
(180º). Tentem ter a percepção (ver) do movimento dos vossos dedos, sem olhar
especificamente para eles. Conseguem vê-los? Esta é a primeira experiência do vosso
olhar nas-dez-direcções. Conseguem ver o tecto sem olhar para cima? Conseguem
ver todas as coisas à vossa volta sem olhar? Conseguem ter essa percepção, na vossa
posição sentada?
Este é o treino básico do vosso «olhar nas-dez-direcções». Quando na nossa
posição sentada não olhamos para nada em particular, podemos ter uma visão aberta
e muito abrangente, perceber e ver tudo (a realidade) espontaneamente tal como
é, sem nos envolvermos em nada.
É importante para todos nós mantermos a verdadeira liberdade e paz em tudo o
que fazemos, não somente em meditação, mas também na nossa vida quotidiana.
Quando não estamos apegados nem somos apanhados por nada, quando nada guardamos
na nossa mente, somos naturalmente livres e cheios de paz. Sendo tal momento

 ou estado tão raro durante a nossa existência, devíamos, claramente, saber se o descobrimos,
pois, não há nada melhor que nos possa acontecer em toda a nossa vida! Este
momento pode despertar, dentro de nós, de modo inesperado, mas, para a verdadeira
paz e liberdade, também podemos praticar o caminho do «olhar nas-dez-direcções».
De manhã à noite, estamos incessantemente à procura disto ou daquilo. De
facto, andamos à procura de muitas coisas, objectivando-as. (Mas, afinal, do que é
andamos na verdade à procura?!). Na maior parte das vezes, quando olhamos para
alguma coisa, facilmente perdemos a nossa liberdade e paz originais, devido à focagem
do nosso apego, às inclinações habituais, às ideias e intenções – eu quero isto,
eu tenho de obter aquilo, etc…
Em todo o caso, enquanto estivermos envolvidos com um objecto perdemos as
nossas costas direitas, (coluna) inclinamo-nos para ele, e por ele somos apanhados.
A este estado chamo o «olhar numa-direcção». Pelo contrário, quando não há focagem
em nenhum objecto, os nossos olhos estão livres de tudo e são capazes de considerar
uma perspectiva amplamente panorâmica. Isto é o «olhar aberto -nas-dez-direcções».
Este olhar não é como uma lente (que foca), mas como um espelho (que reflecte as
coisas como são, sem as distorcer). Portanto, seja o que for que façamos, devemos
ser livres de qualquer objecto, tal como quando estamos num profundo estado

 meditativo, em que os nossos olhos não são apanhados por nada. (É claro, isto nem
sempre é fácil, especialmente devido às fixações dos nossos apegos). Assim, a chave
da meditação Zen é não haver foco seja lá qual for, não haver objecto, e olharmos
para nada, não só fora, mas também dentro da nossa mente.
Nas artes marciais, ou mesmo num campo de batalha real, se estiverem constantemente
a olhar para a espada ou para os olhos do vosso adversário, serão facilmente
apanhados por ele, e isto, devido ao «olhar numa-direcção», que vos faz
perder a liberdade de movimentos. Nessas situações, também necessitamos de estar
num profundo e aberto estado meditativo. Guiar um carro na cidade, também exige
um «olhar nas-dez-direcções» bem treinado; de outro modo a condução pode ser
extremamente perigosa.
Por exemplo, uma centopeia, caminha sem pensar na sua maneira de andar.
Mas, caso se tornasse consciente disso, e escolhesse qual das patas iria usar no seu
próximo passo, então todas as centenas de patas ficariam emaranhadas! Assim, a
centopeia já não poderá andar, porque, ao objectivar uma função que lhe era
inconsciente, perdeu a espontaneidade do seu natural andar. Já alguma vez tentaram
tomar consciência da vossa própria cara enquanto estão a rir, ou a conversar com os
vossos amigos? Se o fizerem, então o mesmo fenómeno da centopeia pode acontecer.
Por conseguinte, em qualquer circunstância não devemos perder a nossa liberdade e
paz. Só que a nossa mente consciente muitas vezes bloqueia-nos e não nos permite

 funcionar com naturalidade.
Os nossos olhos estão continuamente a olhar para inúmeras coisas, os nossos
ouvidos escutam infinitos tipos de sons, de vozes e ruídos, mas nós, de uma maneira
geral, conseguimos viver sem ser incomodados por eles. Porquê? Porque não nos
prendemos a todos os múltiplos detalhes e ocorrências da nossa vida quotidiana (tal
como o andar da centopeia). Chama-se a este estado natural de funcionamento: o
«ser nas-dez-direcções» ou o «ser aberto».
Por que é que tão frequentemente perdemos o «olhar nas-dez-direcções» e a
liberdade? Por causa da nossa intenção ou apego a um determinado objecto, que
fixa o estado do nosso ser num ponto específico. Por exemplo, enquanto escrevia
estas frases estava num tal estado fixo de envolvimento que nem pude responder
quando me chamavam, pois, como uma lente, focava e estava apegado ao que escrevia.
Quando lemos um livro ou escrevemos uma carta importante, a maior parte das
vezes estamos envolvidos nesse estado de «olhar numa-direcção». Seja no que for
que se faça, frequentemente descobrimos esta mesma doença. Somos todos facilmente
apanhados por aquilo que temos intenção de fazer. O que realmente necessitamos
é de nos treinarmos de modo a não nos apegarmos ao que estamos a fazer.

 Quando nos agarramos a qualquer coisa, a qualquer objecto, estamos envolvidos
nisso, e se algo novo aparece, seja uma situação ou uma pessoa, não a conseguimos
aceitar, nem lhe dar resposta, e dela fazemos o nosso «incómodo». Constantemente
escolhemos as coisas segundo os nossos gostos e desagrados. Este é um estado de irritação
contínua que experimentamos diariamente. As animadas vozes das crianças a
brincar, a música do vizinho… tudo isso pode tornar-se um grande incómodo. Tudo
parece tão desarmonioso quando estamos neste estado apegado. Na realidade, só
quando nos libertarmos do objecto e de nós mesmos, é que poderemos trabalhar de
modo eficaz e aberto nas dez-direcções. Nada é realmente um incómodo, nós é que o
fazemos; nós somos o nosso próprio incómodo.
Quando estamos na paz profunda da «não-mente», «não-pensamento», quando
estamos num estado aberto nas dez-direcções (como um espelho vazio), podemos
responder imediatamente a tudo o que encontramos, ou necessitamos, a tudo o que
nos for reclamado, agindo nas dez-direcções (sem escolha). A isto chamamos a «resposta
nas-dez-direcções».

 Na nossa vida diária, necessitamos de manter o olhar nas-dez-direcções, no sentido
mais profundo, para ver claramente o grande caudal da vida dentro de nós mesmos
e todos os vários afluentes que são tão necessários para vivermos neste mundo.
O nosso problema comum é a dificuldade de vermos tudo tal como é, sem preconceitos
ou preferências pessoais. Não podemos somente praticar meditação sentada,
de manhã até à noite. Temos muitas outras actividades a fazer, que inesperadamente
vêm ter connosco numa «confusão de ocupações diárias»; ou seja, «os vários afluentes
». (Muito embora tudo esteja dentro do grande caudal da vida; não há nenhuma
confusão de ocupações no nosso dia a dia. Mas isso só se despertarmos para a aspiração
correcta da direcção da nossa vida, porque se não, tudo o que fizermos, todo o
nosso esforço, será em vão e todos os nossos trabalhos, na realidade, apenas servirão
os nossos desejos egoístas e prazeres pessoais.) Por vezes perdemo-nos na densa floresta
dos nossos infindáveis assuntos extra, e não somos capazes de encontrar o
caminho real de regresso a casa (à nossa vida-trabalho original). Isto é, certamente,
causado pelo nosso «envolvimento numa-direcção», por isso as nossas vidas estão tão
cheias de apegos e são tão ocupadas. Se abrirmos os nossos olhos nas-dez-direcções
e, profunda e panoramicamente virmos o caudal da vida original com todos os seus
afluentes, não nos perderemos e seremos capazes de ver ao mesmo tempo, não só a
árvore, como também toda a floresta. Esta é a função da nossa vida nas-dez-direcções,

 a verdadeira meditação nas nossas vidas quotidianas.
Regressar ao nosso grande caudal da vida, à nossa vida-trabalho original, à
nossa mais profunda aspiração (voto), é o que devemos fazer. E o que é isso exacta-

 a verdadeira meditação nas nossas vidas quotidianas.
Regressar ao nosso grande caudal da vida, à nossa vida-trabalho original, à
nossa mais profunda aspiração (voto), é o que devemos fazer. E o que é isso exacta-

 fazer!), estaremos realmente ocupados? Como poderemos estar assim tão ocupados?
Portanto, através da prática diária do olhar nas-dez-direcções, conseguiremos
(seremos capazes) considerar uma visão ampla, na qual incluímos o grande caudal
da nossa aspiração original (vida) e todos os vários afluentes que interferem, como
necessidades diárias, na nossa vida real.
Quando estamos profundamente atentos, abertos e serenos, ao ponto de compreendermos
as dez amplas direcções do universo como um ser inteiro de vida original,
então, o nosso corpo inteiro torna-se um olho cósmico aberto. Nessa altura,
veremos tudo tal como é, sem distorção, e isto é o alicerce real para a paz no mundo.

 E s f o r ç o  s em  e s f o r ç o
P: Em tudo o que fazemos diariamente, necessitamos de um certo esforço e
concentração para avançarmos. Como podemos manter (ou porque é necessariamente
tão importante manter) o olhar nas-dez-direcções, enquanto estamos envolvidos
num esforço focando um objecto ou assunto específico?

 R: De modo geral, em tudo o que fazemos aplicamos algum esforço. Quando
agimos ou praticamos de modo correcto (desapegados, mas com plena-atenção),
mergulhamos, mais e mais, num profundo estado de esforço inconsciente (um
esforço sem esforço), que naturalmente, é um estado mais pacífico e liberto, sem o
esforço do ego. Nesse estado, consciente ou inconsciente, experimentamos o olhar
nas-dez-direcções, e podemos concentrar-nos espontaneamente em qualquer coisa
com muito maior eficiência, sempre que seja necessário. É um modo de emancipação
inconsciente – a vida da concentração aberta nas-dez-direcções.
Todavia, a maior parte das vezes, seja qual for a actividade das nossas ocupações,
estamos cegos pelas intenções, preferências e ideias de benefício ou proveito. Devido
às nossas ideias definidas, estamos sempre agarrados e aprisionados por tudo o que
fazemos.
Quando nos encontramos na liberdade do olhar aberto-nas-dez-direcções,
podemos espontaneamente fazer qualquer esforço de concentração, que não será de
modo habitual, apegado ou mecânico. Mas, se estivermos apegados a algum assunto
em particular, não o poderemos resolver com total eficiência. Na realidade, a menos
que se esteja num estado de abertura-nas-dez-direcções, é que não perderemos tudo
aquilo em que nos envolvemos. Por exemplo, se tivermos comida ao lume em três
panelas e a lavar roupa ao mesmo tempo, é bastante provável que a comida de uma
delas se queime enquanto estamos absorvidos noutra actividade qualquer. Nessa

 altura, seguramente, perdemos o nosso estado de abertura-nas-dez-direcções e caímos
num estado de apego-numa-direcção. Ao longo das nossas vidas é muito
comum experimentarmos este tipo de falhas quotidianas. Quando não olhamos
especificamente para nada, quando não nos apegamos a nada, tudo é reflectido no
espelho vazio dentro da nossa profundidade e abraçamos de novo toda a realidade
do mundo sem os nossos preconceitos e imagens habituais. Quanto mais o nosso
sentar vazio (o não-eu) se aprofunda, mais a presente realidade do mundo é claramente
reflectida. Na verdadeira posição sentada, a sensibilidade mais íntima (a compaixão)
da nossa paz original (o vazio) terá a profunda percepção de tudo. De outro
modo, uma estátua de pedra seria muito melhor, muito mais profunda e muito
menos perigosa do que nós – com o nosso habitual zazen morto e perdido a sua
genuína qualidade vital. Sentados, com estes olhos abertos, devemos claramente perceber
a verdadeira realidade do mundo à nossa volta, com todas as suas lágrimas,
lamentos e incessantes gritos de socorro. Por isso não devemos ficar cegos, nem pelo
nosso estado de apego-numa-direcção (tão semelhante ao focar de uma lente) nem
sequer por este zazen!
Quando formos livres das fixas condições particulares e das memórias, certamente
poderemos recordar, de modo apropriado, como agir e responder da maneira

adequada às circunstâncias com que somos confrontados. Do mesmo modo, quando
somos afáveis e amplamente abertos, sem qualquer fixação, seja ela foco, objecto
ou assunto, podemos perceber, responder e concentrar-nos em qualquer coisa, sem
os preconceitos ou as cegueiras causadas pelas nossas preferências pessoais.
Mas, enquanto estivermos agarrados a ideias fixas, ou apegados a pontos de
vista específicos, perderemos a liberdade da saudável resposta espontânea e do funcionamento
adequado. É este hábito de nos agarrarmos, a causa da nossa insensibilidade e
pequenez.
Qualquer uma das nossas escolhas pessoais devia partir da perspectivação total
de todas as necessidades e, ao mesmo tempo, qualquer uma dessas escolhas devia ser
uma penetração do grande caudal da nossa profunda vida original (o nosso voto).
Tudo o que fazemos (tocar piano, jogar ténis, passear ou ler sutras, por exemplo…)
surge da (inconsciente) necessidade e liberdade da nossa plenitude da vida –
estas acções são talvez, como que variantes do grande caudal da vida. Os nossos apegos
e vícios nada têm a ver com essa liberdade. Porém, existem velhos hábitos enraizados
que frequentemente nos prendem ou distraem desse nosso grande caudal do
voto original (a vida).
O ponto fulcral desta prática-vida, é por isso a profundidade e a abertura com
que seremos capazes de nos libertar do esforço-do-ego e da tensão consciente, quando
seriamente estamos concentrados em qualquer coisa.

                                                                                       Terceiro Capítulo
Por que não AGORA?!

Ap e n a s I s t o !
Comecemos por nos colocar algumas questões:
Quantas coisas necessitamos de conservar ao longo das nossas vidas? Por exemplo,
quantos livros temos nas nossas casas? Necessitaremos realmente deles? Talvez
não. De igual modo, devíamos tentar perguntar-nos a nós mesmos – afinal, quantos
conceitos, formações mentais ou ideias, que fixam e limitam a nossa vida, temos ou
necessitamos ter?
Não necessitaremos de apenas um? Um só livro é suficiente; uma só coisa é
suficiente para atravessar toda a minha vida. (E até essa única e última coisa, será
que realmente necessito dela? Oh, até essa última posso deixar para trás para nascer
de novo de «Agora a Agora», passo a passo.) Que coisa é essa então? Qual é a minha
necessidade última? Para mim, a única coisa que tem atravessado toda a minha vida
é o Sutra do Coração, o qual ensina o verdadeiro vazio – ou seja, o não-ego, o não-
-eu, a não-mente, o nada possuir nem sequer o último eu-próprio. O Sutra do
Coração, que diariamente entoamos, ensina-nos e aponta-nos para o vazio que é a
verdadeira base ou corrente subterrânea do genuíno amor e compaixão. Este Sutra é

a essência de todo o Budismo, ou melhor, de toda a sabedoria humana e até mesmo
da sua transcendência. A essência do Sutra do Coração é: Gate Gate Pâragate
Pârasamgate Bodhi Svâhâ!. Isto significa: «Aqui-Agora, Aqui-Agora, Porque não
agora?!». Esta é a única realidade da nossa vida.
O que é a vida?
Este corpo não é a vida mas apenas uma bolha de ar ou espuma do tempo
humano. Ele é um amontoado de incontáveis partículas de pó do cosmos, uma acumulação
dos nossos desejos karmicos e individuais. Se assim é, o que é a vida?
Nós somos a incarnação de todo o pó e átomos do cosmo. Por que se incorporaram
todas as partículas elementares do cosmos neste corpo humano? Por meio de
quê?
Elas incarnaram-se neste corpo por causa do Aqui-Agora. Graças a este encontro
do Aqui-Agora – tanto vocês, como eu, os nossos irmãos e irmãs, todos os seres,
árvores e pássaros, montanhas e rios, tudo, tudo. Afinal, o que é a vida?
Este encontro, este milagre, o milagroso encontro do Aqui-Agora, é isto a única
realidade da vida, ela mesma. Nada mais!

Por esta razão não deveríamos procurar nada mais: já nos encontramos na realidade
última da vida, ela mesma e, deste modo, encontramo-nos uns aos outros
Aqui-Agora. Isto é tudo o que necessitamos, «Agora a Agora»! Esta é a vida real.
Portanto, enquanto estivermos a chegar, aqui, a esta concretização última do
Aqui-Agora, nada mais necessitamos. Pois estamos cheios de vida, cheios de luz,
cheios de amor, cheios de vazio, cheios de tudo!
Esta é a essência do Sutra do Coração que nos ensina a ser livres até do próprio
Sutra. Não necessitamos de nada. Nem mesmo dessa última necessidade à qual, até
ao fim, nos agarramos como um náufrago a uma palha.
Afinal, quando nos sentamos em meditação, não só nessa altura mas ao longo
de toda a nossa vida, que diabo andamos nós a fazer?!
Todos tentamos alcançar o Aqui-Agora, a concretização última, a não-mente…
mas, olhem para a nossa realidade, tão cheia de infindáveis meios indirectos!… há
tantos brinquedos, ideias, meios, ou seja, fases preparatórias que ao longo da nossa
vida nos impedem de chegar directamente ao Aqui-Agora, que impedem de nos
encontrarmos uns aos outros, neste último e primeiro nascimento de todo o cosmos.
Compreendem este facto diário? Ou não?

 Sentar-se em meditação Zen é experimentar cada nascimento de todo o cosmos,
como ele é, sem ideias preconcebidas, sem quaisquer meios, sem qualquer
intenção ou vontade. Práticar as asanas do yoga deveria ser exactamente o mesmo,
pois o movimento ou a quietude de cada asana do yoga é uma variação da meditação
sentada, isto é, a actividade do vazio sem ego, a não-mente.
Como já vos disse, temos sempre demasiados meios indirectos ou razões que
nos impedem de alcançar a nossa última e directa experiência desta iluminação. O
que devemos claramente compreender é que o zazen, o yoga, o entoar os sutras, ou
qualquer outra das nossas práticas também se podem tornar esses meios, jogos ou
brinquedos –, tudo depende da plena-consciência que tivermos de nós mesmos, da
nossa direcção fundamental e da nossa vida diária.
Por isso, para mim, o Sutra do Coração, que era a única coisa, acabou por me
conduzir ao nada e ao vazio de si mesmo. Porque, até o «vazio» pode ser a maior
barreira a transcender nessa fase final. Quando somos o verdadeiro vazio ele mesmo,
somos tudo. Originalmente somos tudo. Sou o ar, a terra, a chuva, as ervas, as árvores,
cada um de vocês e o universo inteiro.

 Portanto, qual é a vossa última coisa que têm de fazer ou de ler, de ver ou de
rezar? Qual é essa última coisa em que têm de se tornar, ou de lutar por, que têm de
aprender, ou de viver? Temos de ter a clara apercepção disto para firmemente descobrirmos
a substância ou o conteúdo dessa realidade, mas geralmente, para o fazermos,
tentamos procurar alguma espécie de caminho, de prática ou de meditação e
despendemos as nossas vidas em vão. Porquê?

 Porque continuamos apegados aos meios e aos modos de obter algo, de ir a
algum lugar, ou de nos tornarmos alguém. Ora, isto não é a experiência directa da
plena-consciência, daquilo com que nos encontramos neste preciso momento. Não
há caminho para onde ir. Não há outros meios para alcançar; só isto em que nos
encontramos agora, é a vida última e directa em si mesma que temos para experimentar
Agora a Agora, buda a buda.
Me n t e  d e  ma c a c o  e  mo n s t r o  i n s a c i á v e l
Viver a nossa vida real não significa viver mais tempo neste mundo, mas ter a
plena-consciência da nossa profunda e última aspiração. Portanto, só se alcançarmos
essa consciência fundamental da nossa vida é que ela não será uma mera brincadeira
com muitos tipos de brinquedos – os nossos vícios habituais (como por exemplo:

 belos carros, casas, negócios, livros, e até filosofias ou religiões e até mesmo meditações…).
Se assim fizermos, muito embora se tire algum prazer das nossas vidas, estaremos
a perder tempo em vão, sendo facilmente apanhados pela caixa-lúdica das
nossas fixações habituais.
Enquanto vivermos nesse mundo sofreremos incessantemente, sejam quais
forem as razões, os problemas, ou os assuntos. Mas porquê? Por que sofremos tanto,
deste modo incessante? Porque estando continuamente a agarrar-nos a um objecto,
focando-o através do nosso envolvimento, ficamos a ele apegado e somos por ele
apanhados. Então, sofremos de manhã à noite, do berço à cova. Não sofremos? Não
estaremos nós a sofrer devido a algo que se passa dentro ou fora de nós, mesmo
neste preciso momento?
Ao mesmo tempo, dentro das nossas cabeças, as nossas mentes de macaco saltam
interminavelmente de ramo em ramo durante todo o tempo em que vivermos
neste mundo. Esta é a principal razão do nosso sofrimento e trevas. As nossas cabeças
(mentes), apesar de tudo, acabam por se revelar como sendo a maior fonte de
problemas. Ou não serão?!
Porque não habitamos na nossa paz original? É porque a nossa própria mente de
macaco nos conduz, desenfreadamente, a procurar, a querer ou a desejar algo! E porque
é assim? Na realidade, de que andamos nós à procura?

Procuramos a nossa morada original, a nossa paz original, de que geralmente
não temos conhecimento a nível consciente. A maior parte das vezes aquilo que procuramos,
a nível consciente, é só algo de estimulante. Devido a este modo habitual

 de desejar, facilmente perdemos a nossa paz original; e então sofremos. Devemos
parar de andar às voltas nesse círculo vicioso de hábitos, erradicando-nos precisamente
pela raiz.
Dentro das nossas cabeças vivem os mais perigosos, insaciáveis, astutos e perversos
monstros. Conhecem alguma coisa que seja tão gigantesca e terrível, tão prejudicial
como as nossas cabeças? É aí que todos os nossos infindáveis desejos são
activamente originados. Com a sua «sabedoria humana (ou de macaco)», as nossas
cabeças foram capazes de inventar e criar coisas tais como a guerra, a bomba atómica,
o estilo de vida civilizado, a destruição ecológica, etc… Graças ao funcionamento
desses monstros insaciáveis (funções do ego), dentro das nossas mentes, o mundo
inteiro e a raça humana estão rapidamente a precipitar-se num inferno sem fundo!
Chamamos a este tipo de caminho, «rumo karmico».
Mesmo assim, é com certeza necessário e útil prosseguirmos e continuarmos a
viver neste mundo – tudo depende é de como o fazemos. É óbvio que não podemos
viver sem uma cabeça, muito embora dentro dela se aninhe um espírito astuto e perverso.
Relativamente à nossa cabeça, o que devemos fazer é descobrir qual o seu papel
e significado exacto no Caminho Aberto da Verdade, no nosso despertar último. Qual

é o papel apropriado da nossa cabeça? Deveria ser a descoberta e clarificação da sua
própria natureza, limitações, e o parar da sua infindável expansão – o insaciável crescimento
das ideias iludidas. Que devemos, afinal, fazer numa realidade como esta?
Devemos parar, expirar e abrir os nossos olhos para a realidade inteira à nossa
volta.
Já alguma vez viram a espuma ou as bolhas de ar à superfície da água? Algumas
conseguem manter-se à superfície da corrente durante um quarto de segundo, ou
meio segundo, outras mantêm-se cerca de um minuto, até que, por fim, desaparecem.
Neste mundo, através do tempo e do espaço, conseguirão vocês encontrar uma
só coisa que não seja uma bolha de ar? Conseguem?!
Esta mão parece ser minha, aparenta ser sólida e estável enquanto mantiver a sua
própria forma, mas daqui a trinta anos já não será minha. Não será uma mão, mas um
minúsculo pedaço de terra, de fumo, ou de ossos. Mesmo os ossos não serão capazes
de se manter como ossos. Portanto, esta mão não é realmente minha, mas uma espécie

de bolha de ar à superfície dum rio que, constantemente, flui. Este corpo inteiro, este
edifício, esta cidade, este país, este universo, e todos vocês… tudo isto é como uma
bolha de ar à superfície da corrente desse mesmo rio. Não é? Não o seremos?
Conseguem descobrir uma só pedra que não seja efémera? Tudo se transforma,
desaparece e, incessantemente, nasce de novo numa completa inter-relação com
tudo e com todos os seres. Em terminologia budista, chamamos a isto o «Vazio». Ao

 fim e ao cabo, não conseguimos encontrar nada que não seja uma bolha de ar. A
minha função é forçar-vos a descobrirem isso que não é uma bolha de ar, – a única
coisa real!
De facto, ela é precisamente este encontro Aqui-Agora. A eterna realidade da
vida é só este encontro (entre tu e eu), isto! Já repeti «Aqui-Agora» milhares de
vezes, mas mal fizerem disto um conceito nas vossas caixas, vocês falham a compreensão.
Por isso eu forço-vos a descobrirem o facto, não o conceito!
Não fossem todas as coisas impermanentes, não tivessem todos os nossos antepassados
sido bolhas de ar, que nós não teríamos, de modo nenhum, podido nascer
neste mundo. Inevitavelmente a efemeridade da existência está por isso cheia de sentido
e é a base natural de toda a nossa vida. É graças ao impermanente caminho cósmico,
e às nossas efémeras existências – ondas sempre passageiras na corrente da
vida – que me encontro aqui com todos vocês. Este facto da realidade é um verdadeiro
milagre: através de todo o tempo e do espaço estamo-nos a encontrar uns aos
outros, uma só vez! A Isto chamamos «AGORA».
Estamos a ser atravessados ou banhados de novo por essa milagrosa e desconhecida
corrente da vida e, deste modo, encontramo-nos aqui-agora! Eu e vocês somos
apenas bolhas de ar nessa mesma corrente-cósmica da VIDA… e agora, encontramo-
nos nesta oportunidade, uma só vez nas nossas vidas. Mas mesmo se nos encontramos
todos os dias, não há nenhuma repetição, não há nenhuma repetição no
universo inteiro.
Portanto, aquilo de que estamos inevitavelmente cientes é da realidade desta
única vida sem que nada a substitua, é disto e de nada mais – tudo é Aqui-Agora!
Isto é tudo! Aqui reside a nossa última (e quotidiana) plena-consciência desta vida
real. A vida é agora, a morte é agora, tudo é agora. Isto é a Vida! O Aqui-Agora é a
singular realidade de uma vida cósmica, de amor e de luz. Estarei ou não errado?
Por favor, confirmem isto por vocês mesmos!
Só quando somos plenamente este Aqui-Agora é que temos a plena consciência
da realidade tal como é. Esta consciência genuína vinda do fundo de nós mesmos,
só é atingida quando nos encontramos na profunda paz da não-mente, sem quaisquer
tendências, distorções ou ilusões.
Quando estava no mosteiro Zen do meu mestre, reflectia sobre o meu próprio
koan (o Koan é a mais profunda, mais séria e última questão, que será resolvida pela
nossa própria compreensão súbita da Vida [morte]). No meu caso, o koan era:

 «Qual deverá ser o meu próximo passo? Só se clarificar a minha próxima atitude é
que poderei andar. Só se clarificar o meu objectivo último, a direcção e propósito, é
que poderei ir a algum lado!»

 Então, mais tarde descobri um facto muito simples: é que não há nenhum
«próximo passo». Só há apenas este único passo! Aquilo que necessitava de descobrir
era este agora final que, passo a passo, é o nascimento do cosmos inteiro, e não tem
nada a ver com uma «nova» (ou velha, passada, contínua, suposta) fase. Fui então ao
quarto do meu mestre para o dokusan (diálogo Zen, em privado) e gritei de um só
fôlego: «É isto mesmo!»
Ele disse: «Ah, é isto mesmo!» Por um momento, os nossos olhos encontraram-
-se em profundo silêncio, sem distância, numa indescritível serenidade. Subitamente,
juntámos as palmas das nossas mãos e os dois universos tornaram-se um, directamente,
de coração a coração. Desde esse momento fiquei sem nome, tornei-me um
eterno recém-nascido no caminho aberto da Vida.
Através desse processo do agora a agora, a minha plena-consciência deste presente
sem tempo, desta vida cósmica, tem sido actualizada. Este encontro com todos
vocês, Aqui-Agora, nesta sala, é a última morada do meu novo nascimento e morte!
E a vossa também, por favor! Por favor!!!
Como podemos libertar-nos dos nossos envolvimentos habituais (o sofrimento),
e dos círculos viciosos diários das nossas mentes de macaco? Tentemos, então

 clarificar o caminho mais prático da sabedoria tradicional do Oriente, com o qual
podem directamente voltar à paz original. Sentem-se apenas, calmamente e mantenham
a coluna direita; expirem com plena-consciência, de modo profundo e
sereno!
Portanto, de agora em diante, acalmem-se e deixem-se realmente afundar na
mais íntima paz. Este é o caminho aberto da prática Zen, transmitida pelos budas
da Índia aos patriarcas da China e mestres do Japão até aqui a cada um de nós! Ele
está sempre aqui, dentro de todos nós.
Nã o s e r emo s n ó s f a n t a sma s ?
Toda as pessoas acreditam que vivem. «Eu vivo», «eles vivem», mas isto não é
senão a mais enraizada e comum das crenças. Vocês realmente vivem? Ou morrem?
Ou, simplesmente vão andando, levados por alguns hábitos velhos? Com os nossos

 hábitos do costume não estaremos sempre encerrados no mesmo ninho, na mesma
prisão, sem despertarmos para a verdadeira realidade da vida? Se assim é, nem sequer

 Então, mais tarde descobri um facto muito simples: é que não há nenhum
«próximo passo». Só há apenas este único passo! Aquilo que necessitava de descobrir
era este agora final que, passo a passo, é o nascimento do cosmos inteiro, e não tem
nada a ver com uma «nova» (ou velha, passada, contínua, suposta) fase. Fui então ao
quarto do meu mestre para o dokusan (diálogo Zen, em privado) e gritei de um só
fôlego: «É isto mesmo!»
Ele disse: «Ah, é isto mesmo!» Por um momento, os nossos olhos encontraram-
-se em profundo silêncio, sem distância, numa indescritível serenidade. Subitamente,
juntámos as palmas das nossas mãos e os dois universos tornaram-se um, directamente,
de coração a coração. Desde esse momento fiquei sem nome, tornei-me um
eterno recém-nascido no caminho aberto da Vida.
Através desse processo do agora a agora, a minha plena-consciência deste presente
sem tempo, desta vida cósmica, tem sido actualizada. Este encontro com todos
vocês, Aqui-Agora, nesta sala, é a última morada do meu novo nascimento e morte!
E a vossa também, por favor! Por favor!!!

 Como podemos libertar-nos dos nossos envolvimentos habituais (o sofrimento),
e dos círculos viciosos diários das nossas mentes de macaco? Tentemos, então
clarificar o caminho mais prático da sabedoria tradicional do Oriente, com o qual
podem directamente voltar à paz original. Sentem-se apenas, calmamente e mantenham
a coluna direita; expirem com plena-consciência, de modo profundo e
sereno!
Portanto, de agora em diante, acalmem-se e deixem-se realmente afundar na
mais íntima paz. Este é o caminho aberto da prática Zen, transmitida pelos budas
da Índia aos patriarcas da China e mestres do Japão até aqui a cada um de nós! Ele
está sempre aqui, dentro de todos nós.

 Não  seremos  nós  fantasmas?
Toda as pessoas acreditam que vivem. «Eu vivo», «eles vivem», mas isto não é
senão a mais enraizada e comum das crenças. Vocês realmente vivem? Ou morrem?
Ou, simplesmente vão andando, levados por alguns hábitos velhos? Com os nossos
hábitos do costume não estaremos sempre encerrados no mesmo ninho, na mesma
prisão, sem despertarmos para a verdadeira realidade da vida? Se assim é, nem sequer

 vivemos ou morremos, mas vagueamos por aí, como fantasmas. Sobretudo é isso que
verdadeiramente somos! Um fantasma não existe só depois da morte: a maior parte de
nós é um fantasma real. Sendo a sua natureza e qualidade a mesma, não interessa se é
antes ou depois da morte. Qualquer um de nós que não desperte, que verdadeiramente
não viva ou morra, mas que ande por aí à deriva, conduzido pelos seus infindáveis
desejos, sedes e vícios, pode ser chamado de fantasma. Não seremos nós assim?
De que andamos, realmente, à procura?
Em que andamos, realmente, a pensar?
O que, realmente, desejamos?
Para que, realmente, vivemos ou morremos?
Devíamos clarificar esta derradeira resposta (vida) no mais íntimo de nós mesmos.
De outro modo, continuaremos sendo fantasmas, não vivendo de modo algum
nesta realidade última! Não seremos nós fantasmas? E vocês, não o serão?

 Entretanto, a maior parte do tempo sentimos, vagamente que, seja agora ou na
nossa vida diária, não estamos atentamente a experimentar esta vida e a morte original.
Será assim? Não estaremos nós verdadeiramente a experimentar, agora, a vida e
a morte original? Devíamos examinar e observar isto com clareza.
No entanto, quando a experimentamos (ISTO), geralmente ignoramos essa realidade
última (diária), por causa das ideias preconcebidas e fixas que temos sobre isso.
Acreditamos que iremos experimentar a verdadeira vida (e morte) algures no futuro,
após uma árdua e contínua prática que nos permita aceder aos reinos especiais ou
níveis das antigas tradições e mestres. Esta ideia fixa impede-nos de experimentar,
directa e imediatamente, este Aqui-Agora último. Porque não poderemos alcançar
esta suprema plena-consciência do Aqui-Agora? É porque, continuamente dentro das
nossas caixas-de-pensar andamos a brincar com qualquer outra coisa, os nossos brinquedos,
os acontecimentos do passado, as emoções, as ideias e os planos. Devido ao
hábito, quase sempre, (eternamente?!) adiamos a nossa chegada ao Aqui-Agora!
O que é isto que agora experimentamos?!!
O que é isto, afinal?!!
Experiência de fantasma, ou experiência de buda?!!
Seja que experiência for, agora só experimentamos isto! O que é isto?!!

 (Para que despertem para este verdadeiro Agora, eu tiro-vos os brinquedos das
vossas caixas-de-ilusão. Por favor, não se mantenham em qualquer reino dos vossos

 hábitos. Poderão vocês descobrir algum mundo especial, experiência ou dimensão
outra que não seja esta que agora estão a experimentar no âmago do universo inteiro?)
Já vos falei sobre o não se ter foco nem objecto. Mas, não interpretem mal este
ponto! Constantemente, onde quer que se esteja, necessitamos de despertar para esta
compreensão última do Aqui-Agora. Isto significa que não há nenhum futuro a
aguardar, porque já estamos em casa, nesta «outra margem», e também não há
nenhum passado a agarrar ou a prender, porque as nódoas de ontem, dos velhos
hábitos mortos já as fizemos desaparecer. O que andam vocês a procurar, o que
desejam, a que realmente aspiram no mais íntimo de vocês mesmos?
Ca n i b a l i smo c o n f o r t á v e l
As nossas confortáveis vidas, que habitualmente gozamos sem qualquer hesitação,
podem ser, são ou poderão ser, um obstáculo à vida simples da prática de meditação
como também a forma mais comum de canibalismo, da qual, geralmente, não
estamos cientes.
Não tem sentido algum começar-se cada manhã duma maneira repetitiva e
mecânica. Justamente, esta manhã é uma vida completamente nova e diferente que
nunca existiu antes, nem sequer na nossa imaginação. É esta vida que nos é oferecida,
até desaparecer, perdida no ontem. No entanto, habitualmente, não a apercebemos,
não a sentimos, nem experimentamos de modo nenhum o seu novo despertar.
A maior parte do tempo acreditamos com firmeza que procuramos a verdade
última e todavia, na nossa vida diária, somos constantemente arrastados pelos nossos
desejos. Geralmente, andamos à procura de objectos (dinheiro, por exemplo)
que os satisfaçam.
A nossa procura devia estar apontada na direcção da verdade, ela mesma, e não
na direcção do caminho ou dos meios dessa procura. Enquanto complicarmos as
nossas vidas e confundirmos o seu verdadeiro sentido, afastar-nos-emos cada vez
mais e mais do nosso desejo original, até que, no final, serão poucos os que alcançarão
a verdade do Aqui-Agora. Pode ser que tenham a ideia de ir à Índia, a Jerusalém,
ou ao Japão a Meca do Zen, para praticar intensivamente, porém, a vossa posição

sentada original estará sempre onde vocês estiverem. Mesmo que visitem o Japão,
esta é a única verdade que encontrarão.
Estamos, realmente, a praticar e a procurar a compreensão última? Se sim,
olhem apenas e percebam este feito supremo, agora! Não há quaisquer outros meios

nem outros caminhos! O zazen, um sesshin, e até este texto, ou este momento,
podem simplesmente estar a mais, para alcançarmos esta compreensão última!
Por isso, não andem por aí a vaguear como asnos, ou a saltar como macacos…
mas, também não sejam máquinas de sentar! Apenas experimentem, directamente
esta compreensão final do que nos é dado, agora, como vida.
Na verdade, não necessitamos de quaisquer meios ou caminhos para chegar a
esta compreensão última (que é, Agora)! O que, realmente, necessitamos é de confirmar
isso.
A p o n t a d o i c e b e r g u e d a n o s s a c o n s c i ê n c i a
Todas as mais importantes e fundamentais questões, com as quais nos poderemos
confrontar na nossa vida, pertencem a um destes cinco koans. Elas são como

pontas de icebergues desconhecidos:
– Qual é o caminho aberto e real da Verdade?
– Qual é o meu próprio Shingan ([ ] profundo voto, vida, desejo) precisamente
agora, quando todo o meu corpo, mente e mundo tiverem sido cremados?
(tudo, quando todos os níveis de consciência tiverem desaparecido dentro do fogo
do nada, Mu)?
– Por que não conseguimos sentir este Ichigo Ichie (uma vida-única um amor-
-único encontro na eternidade)? Por que não podemos despertar, nascer completamente
de novo, «Agora a Agora», a cada encontro, neste verdadeiro milagre diário?
Agora mesmo, nasci!
– Existe alguma coisa, que não esteja aqui-agora, seja Deus ou qualquer coisa
única, acontecimento ou assunto do «passado» ou «futuro»? Onde estão o «passado»
e «futuro» reais?
– Qual é a minha mais urgente prioridade ou tarefa que tenho para fazer agora?
O que estou eu a fazer agora?
Qual é o caminho aberto e real da Verdade?

Tais questões como, «Qual é o sentido real da minha vida?», «Que devo fazer
na minha vida?» pertencem ao primeiro koan. Pode ser mesmo que compreendam
este koan a nível intelectual, mas a partir do segundo koan, a compreensão intelectual
já de nada serve.

Como prosseguir, como clarificar a resposta para estas cinco questões?
Enquanto continuarmos a pensar, a verdadeira resposta não surgirá. Portanto, a
nossa tarefa mais urgente é parar esta caixa-de-pensar, cheia de ilusões. A nossa postura
e respiração ajudar-nos-ão a estar «sem-cabeça». A cremação, no segundo koan,
significa isso mesmo: temos de nos colocar no meio das chamas e, em primeiro
lugar, ardermos completamente.
Assim como contamos as respirações, também é possível utilizarmos o «ISTO»
ou o Mu, que significa nada, o nada, em Japonês. Ele é um sumário condensado
destes cinco koans. Obviamente que, mentalmente, não podemos repetir estas questões,
palavra a palavra. Em vez disso, podemos expirar completamente, com todo o
nosso coração: «ISTO» ou Mu; o que é um atalho para se regressar a casa – em não-
-mente (ISTO).
Há imensas questões cruciais que agora estão à nossa volta. Não estou a tentar-
-vos dar a minha resposta ao vosso koan, mas estou a pôr-vos diante do koan ele
mesmo. Eu ajudo-vos a clarificarem ou articularem as vossas mais importantes questões,
aquelas às quais não podem escapar. Esse é um dos meus papéis – ou, melhor,
vocês ajudam-me a ajudar-vos… directamente, de coração a coração, de Sol a Sol,
de Vida a Vida.

Nã o s e d emo r em, ma s n ã o s e a p r e s s em
A verdade última está sempre aqui connosco; ela não se escapa de modo algum.
Nós somos a verdade, ela mesma, todo o tempo. Mas, o que é que andamos nós a
fazer? Continuamos a dormir, cegos pela nossa habitual maneira de pensar. Ter-se-á
o nosso zazen transformado numa espiritualidade recreativa? Ter-se-ão os nossos
preciosos e inspiradores livros (como os de Krishnamurti ou Thich Nhat Hanh)
transformado em brinquedos? As nossas vidas não estão à nossa espera, por isso, por
favor, não se demorem! Neste preciso instante, vocês podem alcançar esta verdade
última. Por que não? Por que não agora? Por que não o fazem? Mas, ao mesmo
tempo, não se precipitem, não tenham pressa: ela está sempre em vocês.
P: Acha que é necessário ter-se um koan, ter algo que nos conduza à iluminação?
R: O vosso próprio zazen devia ser o koan que vos conduziria até lá (Aqui).
Não é? Enquanto lidarem com um koan a nível intelectual, este pode tornar-se um

grande obstáculo. Por outro lado, o koan, pode ser uma importante e inspiradora
chave para abrirem a porta da plena-consciência. Na tradição do Zen existem muitos
diálogos e pequenas histórias que foram utilizados como koans, mas só tiveram
sentido e foram relevantes no contexto e nas relações entre os monges e os mestres
desses tempos. Pode ser que, algum destes casos, espontaneamente, vos toque muito
fundo; todavia a maior parte deles não são especificamente para vocês. Vocês deviam
ter a vossa própria questão, tal como eu tive a minha. De manhã à noite, a vida está
cheia de koans, e se não evitarmos nem ignoramos esse facto, haverá vezes em que
nos aperceberemos, profundamente, do nosso próprio koan. Ao darmos o próximo
passo, ao prosseguirmos a fase em que nos encontramos ou em qualquer outra altura,
inesperadamente, um novo koan pode surgir e enfrentar-nos. Não tem importância
nenhuma se ele é novo ou velho. Cada koan contém o seu próprio e único
aspecto, discernimento, sentido, vida e luz, mas, se não estivermos emancipados do
rumo karmico repetitivo e conceptual dos hábitos conscientes do ego, eles serão
apenas entendimento sem sentido.

Oc u p a d o s e c o n f u s o s
Por que não temos a apercepção deste facto último? Este é o nosso koan.
P: Talvez porque estamos demasiado ocupados, quero dizer, demasiado ocupados
a perguntarmo-nos a nós mesmos essa mesma questão.
R: Bem, se vocês realmente procurarem somente a resposta a essa questão,
como podem dizer que estão ocupados? Mas, compreendo o que está a dizer. Na
verdade, não é tanto uma questão de estarmos ocupados. É antes de facto de o nosso
modo habitual de pensar e olhar as coisas nos impedir de perceber essa questão e
realidade, de uma maneira nova, e fresca.
Em relação a estarmos ocupados; estaremos, de facto, ocupados? Que significa
isso de dizermos que estamos tão ocupados? A maior parte do tempo acreditamos
que estamos ocupados, mas isso é apenas uma crença muito comum. De facto, não
estamos nada ocupados, sejam quantas forem as coisas que tivermos para fazer, só as
poderemos fazer uma de cada vez, uma a uma.

Por exemplo, no meu templo, Agosto é, por assim dizer, um mês muito «ocupado
», com muitas cerimónias e festivais. O que eu faço para lidar com essa situação

é sentar-me uma vez mais pela manhã! Esta é uma boa maneira de não nos envolvermos
com essa ideia fixa de estarmos ocupados.
Assim que vocês têm a ideia de ir, de chegar a algum lado, ou de se tornarem
alguma coisa, o vosso «Aqui-Agora» de repente torna-se escravo do futuro. Vocês
ficam envolvidos numa espécie de «vida atarefada» em relação ao futuro. Ao fim e
ao cabo, é apenas a vossa atitude voluntariosa que vos torna a vida tão ocupada e
confusa.
Agora – vocês já são aquele que têm vindo a desejar tornar-se. Agora – vocês já
chegaram aqui para onde se têm estado a dirigir, desde um passado sem começo.
Passo a passo!
Porém, devido ao nosso inútil corpo morto de velhos hábitos, lá vamos avançando,
avançando sem sensibilidade, negligenciando este novo nascimento último,
Agora. Se, por nós mesmos, encontrarmos e virmos este Agora, se realmente não
negligenciarmos isto, nem esperarmos mais nenhuma próxima etapa (amanhã),
então, havemos de nos descobrir sentados nessa posição em que estão sentados
todos os budas, iluminados e iluminando.
O  p r e s e n t e  sem  t empo  e  sem  nome
P: Como poderemos escapar a nomes e conceitos?
R: Esse é o nosso koan. Não importa se tem nome ou não; a questão é de apenas
se aceitar este facto absoluto de um presente sem tempo e sem nome.
Aceitem apenas. Olhem apenas. Vejam apenas, para além dos nomes e dos conceitos.
Vocês têm de os penetrar a ambos. Para o fazerem, necessitam de esvaziar a
vossa caixa (uma abóbora cheia de todas as espécies de fixações). Quando a nossa
caixa está vazia, em profunda paz, podemos ser livres de todo o nosso passado, de
todos os condicionamentos e dos velhos conceitos. E a única maneira possível é
através da nossa respiração. Nesta única expiração, o facto último já é manifesto.
Portanto, não necessitamos de fugir a nomes e conceitos. O que necessitamos é de
perceber e reconhecer claramente a sua realidade.

                                                                                  Quarto Capítulo
O ego e a verdadeira pessoa

 A  f o l h a  o r i g i n a l  d e  p a p e l  b r a n c o
Por que julgamos as coisas? Por que distinguimos o bem do mal, e acreditamos
firmemente em algo? Como fazemos isto? A pessoa e a sua visão do mundo são
determinadas, tanto pelas experiências de infância, como por um sistema de valores
e normas resultantes da educação e formação, os quais estão sempre a funcionar no
subconsciente. A cor que mancha o branco puro duma mente jovem, permanece e
percorre a sua vida inteira, só superficialmente aceitando outras variedades de cor.
Se bem que, é claro, seja mais ou menos influenciada e transformada durante a sua
própria vida. Quer isto dizer que depois de anos de educação e controlo da mente,
ninguém pode nascer totalmente de novo no (meio-)caminho da sua própria vida?
Não, cada um de nós, apesar de ser tão profundamente condicionado, é capaz de
ser, AGORA, totalmente nascido de novo sem qualquer fixação. Esta é a liberdade
real da vida original, muito embora seja uma possibilidade rara, quase um «milagre».
Todos nós vivemos neste mundo como um perfeito milagre!

 Por que não examinamos, no fundo de nós mesmos, como conservamos o
mundo da mente e das crenças? A maior parte de nós tem confiança nele, não porque
seja um mundo absolutamente verdadeiro, mas porque já se tornou a parte mais
íntima da nossa idiossincrasia, mesmo antes de o termos considerado ou investigado.
Aceitámo-lo como «verdade», porque nos sentimos muito reconfortados e satisfeitos
com isso. Portanto, a maior parte dos nossos juízos são baseados numa cor já
manchada, sobre a qual habitualmente discutimos e fazemos afirmações.
Os astronautas americanos, que foram educados na fé cristã, experimentaram um
encontro com Deus quando se encontravam no espaço. Por outro lado, os russos,
tendo sido educados num sistema materialista afirmaram que, de acordo com a sua
visão cósmica, lá em cima não havia nenhum Deus. Juntamente com os americanos
encontrava-se um astronauta da Arábia Saudita que falou do seu deslumbramento
perante a criação de Alá e da confirmação da sua fé. Podemos assumir que, um astronauta
indiano em órbita teria experimentado intimamente o seu amado Krishna ou
Kali. Na verdade, entre a equipa russa encontrava-se um astronauta indiano, e se as
suas observações não foram mencionadas, deverá ter sido devido à natureza ateia ou
materialista do programa espacial soviético e os consequentes efeitos sobre o cosmonauta
em questão. Dependendo do solo, podem crescer diferentes tipos de flores.

 Quando a nós, pessoas comuns, nos acontece ter algum tipo de experiência
especial que nos faz perder o pé na nossa vida quotidiana –, onde o ego é, até um
certo ponto, esmagado – as nossas experiências de infância frequentemente começam
a ocupar-nos, como se tivéssemos nascido de novo, e alteram-nos toda a nossa vida.
Essas memórias estão profundamente enraizadas no nosso subconsciente – tal como a
doce memória da face e do colo da nossa mãe, os impressionantes ensinamentos de
Jesus, a biografia do Buda, a lealdade e patriotismo de heróis, ou as belas histórias
que são contadas nas escolas de aldeia, etc.… Mas tudo isto são meras recorrências e
renovações das experiências de infância. É muito difícil conseguirmos admitir que
estas não são manifestações da consciência real do Buda. Seremos na verdade suficientemente
humildes para investigarmos esta profundidade pelo amor da verdade?
Não necessitaremos de começar por investigar em toda a parte por dentro das nossas
próprias convicções, para deixar chegar essas convicções a um nível ainda mais profundo,
indo cada vez mais fundo, esvaziando completamente o corpo, a mente, tudo?
Este é o nobre e genuíno caminho do Shikan Taza que nunca é fácil de percorrer.
O que devemos reconsiderar profundamente é que não há nada mais duvidoso
que os nossos juízos – o nosso hábito do costume de julgar as coisas, os valores, o
certo e o errado, o bem e o mal, o ganho e a perda; não há nada mais inconsistente
que as nossas convicções, gostos e desagrados – e, como é tão fácil abandonarmos
completamente a investigação sobre o nosso modo usual de vida e os critérios a partir
dos quais vivemos.
Muitas vezes pode acontecer que aquilo que lemos na nossa infância, tal como
«Sugata Sanshiro» (Robin dos Bosques) ou «Miyamoto Musashi» (Robison Crusoe),
possa fortemente determinar toda a nossa a vida, e que cresçamos, influenciados por
essas leituras, como pessoas corajosas, ou bons cidadãos. No entanto, isto não quer
dizer que se tenha investigado por dentro da natureza da nossa aspiração, que se
tenha indagado acerca da dimensão do mundo a que também pertencemos, sobre o
seu preciso significado, a qualidade, a raiz. Essa é a investigação da natureza original
de uma pessoa, da sua intenção original, da sua aspiração original. E pode ser que se
tenha dado o primeiro passo, sem termos logo de início, investigado minuciosamente
a qualidade-da-vida última.

 «Com a aspiração errada, pode ter-se um milhão de práticas, mas será em vão»
(Mestre Zen Dogen).
Estas palavras precisas são como o espelho que reflecte a nossa aspiração na
altura de avançarmos; este é o ponto acerca do qual devemos continuar a questionar
e a investigar.

 Devido ao facto de termos, dentro de nós, várias camadas de consciência, devemos
avançar muito profundamente, investigando de que camada é originária a voz
que nos tem impulsionado para diante desde o princípio das nossas vidas. Quando,
pela prática diária de Shikan Taza, nos tivermos examinado completamente a nós
mesmos e à nossa profunda motivação, então podemos voltar à original folha de
papel branco. Este é o vazio antes do nascimento dos nossos pais – e esta é a oportunidade
em que podemos nascer de novo. Tendo-se soltado todas as camadas de verniz,
todas as manchas são, então, limpas. Tendo-se despido uma a uma as velhas
vestes – dá-se um novo nascimento – surge-se nu como um bebé recém-nascido.
Por que não agora?!
Quando os fenómenos, as paixões, as ilusões já não tiverem o poder de fazer
uma pessoa vacilar por mais tempo, a convicção básica, com a qual se tem vivido
firmemente, dissolve-se com suavidade. Esse não-ego, não-mente, o funcionamento
original do vazio (buda) acorda – a nossa mais íntima essência, onde não há distinção
entre o eu próprio e os outros seres, onde tudo tem a mesma raiz, o mesmo
corpo e destino. Que mais poderá isto ser senão a compaixão do buda real? Mas isso
deve ser constantemente examinado nas nossas provações diárias!

 Por conseguinte, não há nada, nem a necessidade, a determinar por nós mesmos;
nada, isto é, apenas a ilimitada função-da-Vida. Tudo o que temos, as convicções,
a determinação, tudo isso se dissolve, torna-se inútil e acaba.
Todas as práticas do zazen, da meditação, do Nen-butsu, dos mantras, do entoar
os Sutras são boas para nos refrescarmos e limparmos os nossos interiores. (As várias
práticas no nosso templo, incluindo o Yoga, são, todas elas, como o avanço de um
caracol, desejando constantemente auto-purificar-se – desde de que nunca as tornemos
habituais!).
Sim, de facto, temos dentro de nós o mundo do apego – um mundo que,
camada após camada, desde a nossa infância (e até desde vidas anteriores) nos tem
manchado, e se nos tem tornado íntimo. Quando nos sentamos em zazen, imagens,
memórias, tagarelice, sentimentos e pensamentos relampejam um após outro sob o
disfarce de uma experiência plausível. Se aceitarmos ou agarrarmos algum deles,
metemo-nos por um labirinto dentro. No entanto, a mais profunda consciência
búdica, a compreensão da natureza buda – que é transcendental por natureza, incolor
e vazio real – não pode ser conspurcada com essa poeira e lama. Só que… somos

 demasiado ingénuos, e facilmente caímos, ao longo do caminho, nas armadilhas do
cenário familiar. Isto porque ainda mantemos a nossa mente e as nossas construções
habituais persistem.

 Enquanto nos apegarmos a qualquer coisa (ao demónio, ao buda, ou seja ao
que for) se isso tiver as suas raízes nas experiências acumuladas e armazenadas nas
camadas de consciência que se formaram desde o nosso nascimento neste mundo,
então estaremos sujeitos a nascer, outra e outra vez, nesse mesmo mundo de apego e
no sofrimento. A menos que se largue o eu-próprio, precisamente a partir do fundo,
é que não seremos obrigados a ir caindo repetidamente nesse mesmo ninho. «Até a
palavra “buda” será uma nódoa na pura natureza original», caso o ego, chamado
«buda», ainda permaneça como o último reduto na conservação do nosso ego.
Para que um ser humano nasça de novo, de um modo genuíno, totalmente
fresco – após ter arrancado as raízes da repetição perpétua do pecado karmico – é
necessário que não permaneça o mais leve traço de cor do passado, seja ele qual for:
sejam verdadeiras experiências religiosas, fé, sentimento, educação familiar ou treino
tradicional no qual fomos educados pelos nossos pais ou mestres e que nos levou até
às lágrimas ou nos tocou profundamente. Não pode existir nenhum novo nascimento
da vida, nenhum mundo novo enquanto continuarmos repetindo, apenas trocando
ou apresentando de forma diferente, os fragmentos do passado.
As  n u v e n s  d a  i l u s ã o  e  o  c é u  v a z i o  o r i g i n a l
Onde há luz, não há trevas. Onde há trevas, não há luz. Tanto a luz como as
trevas são como o dia e a noite, como o que está em cima e o que está em baixo, o
superior e o inferior, de nós próprios. A luz e as trevas não são dois objectos separados,
mas dois estados extremos dum só e mesmo cosmos. Ambos, o ego e o buda,
são estados especiais de nós mesmos. Quando estamos num estado de ego, não estamos
num estado de buda. Quando estamos num estado de buda, o ego não existe.
No entanto, mesmo as pessoas iluminadas têm os seus corpos, não estão fora do
curso karmico, continuando a ter necessidades e desejos biológicos. Metidas dentro
da lama do cruel mundo karmico, despontam as flores reais da iluminação e os
budas. Isto significa que devemos, cuidadosamente, examinar os nossos estados de
ser. Por vezes estamos num estado de monstruoso egoísmo, outras vezes estamos
num estado de bodisatva. Às vezes estamos sem macacos na cabeça (não-mente), e
outras vezes eles não param de saltar…
O ego (ou buda) é um dos nossos estados em relação com os outros e com
todas as coisas. O cosmos inteiro aparece-nos segundo o estado em que nos encon-

 tramos. O nosso estado, é por fim, fundamentado quando, como no Zazen, nos
comprometemos, totalmente, neste encontro do Agora. Os macacos-aos-saltos é um
estado de agitação; e a não-mente é um estado apaziguado. Não há «macacos» fixos;
nem tão-pouco há não-mente fixa (isso seria uma estátua). Estes estados alternam-
-se, sempre de acordo com as emoções, ideias, circunstâncias diárias…, O ego não
tem origem nem morada permanente. Não se pode encontrar a substância permanente
do ego em lado algum. Não a encontraremos na nossa cabeça, nos olhos, nos
órgãos internos ou em qualquer outra parte do nosso corpo. É simplesmente um
estado não natural e intranquilo de nós mesmos.
Poderemos estar na mais profunda paz original (o céu vazio), sem estarmos
dentro ou fora de um estado de intenção, de ilusão, de tentação, de estímulo, de
distúrbio, de ansiedade, sem estarmos dentro ou fora de um estado…, sem qualquer
estado do ego?
Mas, o que é o original céu azul e vazio (a Vida) em si mesmo? E a nuvem, o
que é ?

 Na verdade, estamos, agora e sempre a experimentar tanto as nuvens, como o
céu azul e vazio. (Nas nossas cabeças «nuvens» e «céu azul» não são mais que nuvens).
Por isso, quando não temos nem mantemos quaisquer nuvens na nossa mente, somos
o céu azul original do nosso próprio ser cósmico (a Vida) – mesmo estando dentro de
um mar de nuvens. Originalmente, não somos mais do que o céu azul e vazio (a vida
original, ela mesma) encoberto pelas incessantes nuvens dos nossos pensamentos
habituais. Necessitamos, pois, de pacífica e incondicionalmente, repousar no centro
do nosso próprio ser (cosmos) sem procurar alcançar nada. Agora, estamos profundamente
a experimentar o nosso próprio céu azul da vida original.
Como é que sabemos se estamos iludidos ou em não-mente? Se estivermos verdadeiramente
cientes deste encontro com o Agora – sem escolha, intenção, ideia ou
esforço – seremos, no nosso íntimo, suficientemente sensíveis para saber se estamos
iludidos ou não. No estado iludido é impossível sabermos se estamos em não-mente
ou não. Isto é semelhante a um sonho. Num estado onírico, não somos capazes de
saber o que é um sonho ou realidade. Se realmente estamos num estado de sonho
ou num estado de realidade, não poderemos colocar esta questão. «Ilusão», «sonho»,
«realidade» é tudo uma ilusão se tivermos de perguntar isso. Quando estamos na

 realidade do Agora, não precisamos dessa questão iludida. Quando estamos num
estado iludido ou onírico, só podemos fazer perguntas sobre mais ilusões; geralmente
temos perguntas sem fim e morremos de fome por perguntas e respostas como
um fantasma esfomeado. Mas a única resposta é ser-se sacudido pelo mestre, assim

 como por este encontro-vida do Agora desperto! Só ESTA realidade pode cortar as
cadeias sem fim da nossa ilusão! Só a realidade! E não a ilusão e a realidade! Os
sonhos procuram mais sonhos; só esta apercepção da realidade pode saciar a nossa
sede. Esta, uma única coisa que estamos a fazer Aqui-Agora, com plena-atenção,
não é ilusão, enquanto que todos os pensamentos que possam surgir nas nossas
mentes o são. Só podemos beber esta chávena de chá quando precisarmos dela e a
encontramos. Isto é uma função da não-mente (da Vida). Se vocês, verdadeiramente,
se encontrarem comigo agora, com plena-atenção, não estão iludidos. Eu estou
só a encontrar-me convosco, aqui. Esta é a realidade da não-mente. Quanto ao
resto, é tudo ilusão. Este é o único caminho (o não-caminho) de nos tornarmos
cientes da nossa própria ilusão e estados de não-mente. Por conseguinte devemos,
claramente perceber e verificar o nosso estado de ser Agora.
Facilmente somos levados a ser lógicos e a raciocinar, porque as tentações da
lógica são muito habilidosas, exactas e intelectualmente atractivas. Podemo-nos enganar
a nós mesmos ao aplicarmos e adaptarmos convincentes teorias e princípios por
nós fabricados. Sempre que se prossiga qualquer procura nas nossas caixas karmicas

 (as nossas cabeças), inevitavelmente acabaremos por nos iludir. Contudo, ao não criarmos
caminhos nas nossas mentes, podemos experimentar a nossa própria morte e
estar em não-mente, profundamente em paz com tudo o que fazemos. Quero dizer,
que a verdadeira morte, aqui, é totalmente genuína sendo meditação última da não-
-mente sem qualquer fuga na nossa cabeça.
Enquanto permanecermos nos nossos sonhos, tanto o «certo» como o «errado»
estão errados. Facilmente interpretamos as ideias como se fossem a voz interior, ou a
vida mais profunda. Mas, a nossa vida mais profunda não tem ideias. Inerentemente
ela sabe (e um verdadeiro mestre deveria sabê-lo) quando estamos iludidos, ou
quando estamos em não-mente. Não interessa se se sabe isso intelectualmente, ou
não; a esse nível superficial da consciência todos estamos iludidos e saltamos de uma
ilusão para outra, mesmo durante o zazen.
Mais uma vez: o que é o ego?
É um estado – viciado, habitual, excitado, auto-indulgente, envolvido, emaranhado,
insaciável, fixo, cruel, sonhador, expectante, orgulhoso, arrogante e ciumento
– de nós mesmos. A ilusão de um eu-separado é o ego.

 Já alguma vez estiveram, simplesmente, aqui-agora – sem hábitos, vícios, auto-
-indulgências, envolvimentos, estímulos, excitação, distorções emocionais, apegos,

 adesões, desejos objectivos, esforço do ego, auto-protecção, sem nada…, mas apenas
simplesmente em paz?
Claro que sim. Se bem que, na maior parte das vezes, não estejamos assim. A
maior parte do tempo estamos incessantemente a agarrar, a tentar, a depender, a
lutar, a ser apanhados pelo que é habitual, viciado…, correndo em direcção ao futuro,
criando dependência por objectos inúteis para a nossa verdadeira maneira de
viver. Muito facilmente perdemos a vida real do Aqui-Agora devido à crença fixa
tradicional de que queremos ou necessitamos de tantas coisas, quando afinal não
precisamos delas, (tantas posses, a todos os níveis). Esta é uma das mais comuns
superstições dos seres humanos. O que, definitivamente, necessitamos é de zazen,
um jejum de tudo, especialmente de pensamento (jejum de pensamento).
Portanto, o ego, o buda, a vida e a morte não são mais que estados da Vida em
nós mesmos. Por fim, a questão que vos ponho é a seguinte: «Agora, vocês são um
anjo de paz, ou um atarefado monstro-do-ego?»

 Comp r e e n d e r  a  i l u s ã o  d a s  c o n s t r u ç õ e s  d o  n o s s o  e g o
A nível consciente ou inconsciente construímos aquilo a que alguns psicólogos
poderiam chamar de «estrutura do ego», que é uma construção mental fixa, geralmente,
considerada «importante» ou «essencial», da qual dependemos, e por meio
da mesma agimos. Enquanto não houver dentro de nós espaço suficiente para clarificarmos,
questionarmos, e investigarmos as nossas convicções pessoais e a auto-
-satisfação que daí resulta, continuaremos presos nas armadilhas dos hábitos do ego.
A menos que se desperte o suficiente para quebrar e transcender essas construções,
continuaremos a ser apanhados pelas nossas próprias ideias, visto a maior parte das
vezes estarmos no nosso reino intelectual e emocional (tal como o rei sapo no seu
pequeno charco). Este é o nosso estado habitual do ego, a realidade do ego.
Dependendo da pessoa, o ego adopta muitas e diferentes formas, estruturas,
estados, qualidades, e funções (pode mesmo adoptar teorias religiosas e seitas). A
erudição, a política, a filosofia, a religião… são tudo belas construções, tais como os
arranha-céus nas modernas e gigantescas selvas de edifícios. Apesar de tudo, não são
nada de essencial, tão-só, a expressão do reino que nós mesmo implantamos, ou

 seja, a expansão do nosso ego. Tudo depende da direcção-vida do meu mais profundo
voto e do meu presente estado, eu não sou uma excepção. É por isso que precisamos
de ser examinados e corrigidos por outros, de uma maneira recíproca.
Como sabem, enquanto mantiverem a vossa maneira de viver habitual não será
fácil transformar, de um modo profundo, a estrutura do ego. E, precisamente a
substância, que nos impede de despertar para a nossa verdadeira natureza original,
não é senão essa mesma construção do ego, à qual nos agarramos com tanta força
até ao fim das nossas vidas. Com essa construção ilusória podemos desenvolver teorias
sem fim, tantas quanto as impermanentes pernas duma amiba.
Aquilo a que eu chamo «mente» é isso que tenta fixar-se em qualquer coisa.
Uma vez que a mente se consegue fixar em algo, o mundo desconhecido, insondável
ajusta-se a esse ponto de vista e torna-se «conhecido», assim é morta a sensibilidade
real do universo. O pior de tudo, talvez, é que esta tendência mental de fixar as coisas
nos embala e conforta no sentimento de segurança e auto-satisfação. Quando
dizemos que andamos à «procura» de alguma coisa, muitas vezes o que estamos é a
tentar mecanicamente substituir uma coisa «fixa»por outra. Ridiculamente andamos
à procura de algo por aí (Luz-Vida-Amor, por exemplo), enquanto a todo o
momento nos encontramos com isso mesmo, de modo directo, Agora. Mas não o

 encontramos, porque a nossa insensatez se recusa a reconhecer e aceitar a realidade
tal como é. A vida é Agora, a mente é passado (rasto morto). O ego não é mais do
que o funcionamento da mente, os estados dum passado morto, hábitos.
Por vezes, devido a um determinado encontro-na-vida, pode-nos inesperadamente
acontecer uma transformação ou um novo nascimento livre das construções
do ego. Conhecemos alguns casos dessa emancipação, como os que Vicktor Frankl
relata no seu livro Man’s search for meaning onde se refere à vida nos campos de concentração
durante a Segunda Guerra Mundial. Fiquei imensamente impressionado
pelo facto de que, mesmo no mais negro dos infernos, onde tantos milhões de pessoas
foram mortas, inesperadamente irrompiam algumas flores de lótus. Uma prisioneira
disse a Frankl:
«Quando, juntamente com a minha família, levava um dia a dia confortável,
nunca me dei conta da profunda paz da Vida. Agora, moribunda e na miséria,
coberta de farrapos e vergonha – agora, directa e realmente sinto o infinito amor de
Deus. Mais ainda, as folhas desta árvore, que vejo sacudidas ao vento através da
janela, partilham comigo a verdade última.»
«E o que lhe dizem elas, minha amiga?», perguntou Frankl.

 «Dizem-me apenas: “Isto é a única realidade, a alegria sincera e a verdade.”
Nunca tinha compreendido isto quando levava a minha confortável vida. Agora,
descobri a vida real. Só agora!», respondeu ela.
O que significa isto?
Isto significa que a estrutura do nosso ego pode ser profundamente transformada,
ou dissolvida quando verdadeiramente temos a plena-consciência de que, essa
construção, é só uma ilusão construída pela nossa habitual obsessão intelectual.
Mesmo que a emancipação e transcendência dessa sólida estrutura ilusória seja
muito rara, ela pode, inesperadamente, ocorrer quando chega a altura certa.
Quando o fruto do ser está maduro, naturalmente cai. Este exemplo retirado do
inferno num campo de concentração é só um em muitos casos. A vida de Jesus é
outro característico exemplo da mesma verdade. O ponto essencial, e comum a
todos estes casos, é que, o caminho natural para a não-ilusão, para o não-ego, é a
penetração e plena-consciência da nossa natureza original. Quando não estamos
absorvidos pelas nossas construções intelectuais, graças a essa profunda compreensão,
a Vida original (Luz), pode-nos penetrar. Ao cessar a tendência habitual dessa
construção, o mundo é completamente transformado e emancipado, não só no
Buda, no Cristo mas em todos nós também, nas inúmeras partículas de pó deste

 cosmos inteiro.
Portanto, para sermos livres do nosso estado de ego, necessitamos de nos tornar
imensamente atentos a ele e ao seu modo usual de funcionamento dentro de nós.
Uma  p é t a l a  b r a n c a  n a  e s c u r i d ã o  i n f i n i t a
P: Seja o que for que (se) faça, será sempre um acto egoísta e centrado em mim
mesmo – isto é o que eu sinto. As nossas tendências de autoprotecção e autopreservação
instintivamente motivam-nos em tudo o que fazemos. Onde podemos
encontrar o tão diferente Caminho Aberto que é profundamente livre dessa atitude
e desejo? Seja o que for que se considere e reconstrua de novo na nossa cultura, será
sempre nesse rio da tendência humana; deste modo, estou sempre, inevitavelmente
a viver e a crescer com esses hábitos.
R: Sim, todos os seres humanos, todos os animais e todos os seres vivos…
todos eles estão sempre a viver com, e mediante, essa tendência e instinto de auto-
protecção e autopreservação. No dia a dia, para sobrevivermos, comemos outros
seres vivos. Portanto, enquanto vivermos, consciente ou inconscientemente, todos
somos egoístas: como seres vivos, inevitavelmente mantemos o nosso instinto de
autopreservação. Esta é a nossa natureza karmica. A acumulação do nosso karma
diário aumenta, assim como a entropia no cosmos. Tal como cada um de nós tem o
seu karma, assim o tem cada raça, cada país, cada animal, planta, árvore. Todos os
seres vivos são assim, e portanto, vivem com a inevitabilidade e energia karmica. Se
esta for, para nós, a única verdade no cosmos, nesse caso não há modo algum de se
encontrar a emancipação do nosso rumo karmico. Façamos o que fizermos, tudo é
absoluta e fundamentalmente em vão.
Apesar desta realidade inalterável das nossas vidas karmicas, assim que voltamos
a casa (Agora) e despertamos para o nosso vazio original (buda), todos os nossos
passados desperdiçados, com todas as acções karmicas, com todos os seus significados
e papéis, irão ser, no verdadeiro sentido, cumpridos e alcançados. Nesta concretização
última, todo o passado que foi gasto em vão, o desperdício total da vida,
regressa e é integrado no seu significado original. Se em dado momento este karma
passado era cruel e negro, agora, numa nova compreensão, está cheio de uma luz
clara verdadeiramente expressiva. Por entre o inferno dos nossos campos de concentração,
existe a possibilidade real da infinita liberdade.

Quando olhamos apenas para um ponto, aspecto ou parte do universo, tudo
parece cruel, miserável e sem sentido. Mas, quando nos encontramos com a plenitude
do cosmos, uma harmonia indescritível e incomensurável é encontrada, como
um todo, em tudo, neste encontro Agora.
Por conseguinte, despertar para a nossa natureza original é compensar e atingir
a integração última de todo o passado e presente das nossas vidas e lutas. Quando é
que deveremos e poderemos despertar para esse facto? Agora mesmo!
A Vida é insubstituível AGORA.
O cume da montanha não existe por si mesmo; se ele está lá é por causa das
encostas, da base, da montanha inteira. A montanha não pode estar lá por si
mesma, só está lá devido a toda a paisagem. Um país não pode existir por si mesmo,
ele só existe graças ao mundo inteiro. Nós, budistas, não podemos estar aqui só por
nós mesmos; só podemos estar aqui graças a todos os não-budistas. Estamos aqui a
praticar Zazen com a ajuda e suporte de inúmeras pessoas que não se sentam em
Zazen, mas que se encontram agora a trabalhar por esse mundo fora.

A Vida só está aqui e agora, devido ao universo inteiro – à água, ao ar, à luz
solar, ao solo… graças à participação de tudo neste momento. Apenas neste Aqui-
-Agora! Tudo se encontra aqui, numa unidade. Isto é a Vida. Insubstituível e indispensável.
Parece que a natureza universal está sempre a criar e a gastar sem fim incontáveis
vidas em vão. Por exemplo, um peixe produz imensos ovos, mas a maior parte
deles são comidos por outros peixes, só uma ínfima parte cresce e chega a ser um
peixe. Mas quando olhamos profundamente a natureza cósmica, uma única e minúscula
entidade é o suficiente para realizar a harmonia dos oceanos. Se todos os óvulos
se tornassem peixes, o oceano ficaria tão cheio que o equilíbrio entre a natureza e a
função dos mares não seria mantido.
Ano após ano inúmeras sementes caem na terra, mas nem todas chegam a ser
grandes árvores. A maior parte delas são comidas por aves e outros animais, assim
que caem, ou quando começam a germinar e a sair da terra, ou ainda quando são
queimadas em incêndios… Se todas chegassem a ser árvores, cobririam a terra de tal
maneira que não haveria espaço para outros seres. Num todo, a natureza está equilibrada
e pode manter uma harmonia infinita em tudo. Deste modo, um minúsculo

elemento, uma semente, é o suficiente para crescer e manter a harmonia e criatividade
no universo.
Na realidade, o cume e a montanha são um mesmo e inseparável corpo. A
montanha e toda a paisagem, são um mesmo e indispensável corpo. Do mesmo
modo, um país e o mundo circundante não são entidades separadas, mas coexistem
como um conjunto inseparável de seres. O mesmo é verdade para os budistas e os
não-budistas, os praticantes do Zen e todas as outras pessoas. E é assim com a Vida
e com todas as coisas que estão à nossa volta.
Um óvulo de peixe, que se torna um peixe adulto e todos os seus irmãos e
irmãs que foram comidos por outros peixes são um só e único corpo; apesar de tudo
estarão sempre dentro de um único e mesmo ovo. Aquela afortunada e rara semente
que consegue chegar a ser uma enorme árvore, essa semente e todas as outras sementes
que foram comidas por outras criaturas e destruídas pelos incêndios são uma só e
única entidade, tal como o lótus que se abre com as folhas, a água e as raízes à sua
volta.

 Portanto, quando nós, praticantes de Zazen, temos agora a oportunidade de
estarmos juntos, sentados, neste chão, neste centro (do universo), estamos a corporificar,
a incarnar todos aqueles que não têm essa oportunidade única de se sentarem.
Devemos ser responsáveis por todos eles. Não devemos adormecer confortavelmente
nesta almofada devido aos nossos hábitos.
Por vezes a nossa compreensão não está certa, por vezes é inútil, quando é uma
mera compreensão sem a prática e experiência diária. Mas a nossa prática pode também
ser perigosa se se torna mais um hábito quotidiano; se não tem a força e a capacidade
de transformar as nossas vidas no seu todo. Consequentemente, é necessária
a compreensão real com a prática da plena atenção diária, ambas são-nos necessárias
como são necessárias ambas as mãos ou as duas asas do pássaro.
Estou sempre a dizer-vos «um novo encontro momento a momento»… mas, na
verdade, dificilmente nos podemos encontrar continuamente com o deus real de
cada momento, de cada AGORA. Em vez disso, é o acontecimento de um milagre
AGORA, neste momento único dentro da eterna escuridão. Este único e insubstituível
encontro-da-vida é o suficiente para preencher toda a eternidade. Isto é totalmente
único. É a vida infinita, luz e amor, quando estamos suficiente vazios, sem as
nossas habituais fixações.
Mesmo que se tenha desperdiçado milhares de anos em vão, desde o nosso passado
sem começo, mesmo que se tenha chegado até aqui por meio de todo o nosso
rumo karmico de hábitos fixos – este momento, esta única luz de transcendência
desperta, é o suficiente para penetrar e transformar todo o nosso passado, futuro e as
dez-direcções, tal como se uma só semente fosse o bastante para crescer e cobrir
todo o planeta. Portanto, não é necessário que a flor dê fruto durante todo o ano ou
que esteja aberta durante todo o dia; quando a borboleta chega, a flor abre.
O mestre Zen Dogen diz-nos: «Mesmo que tenham sido despendidos cem anos
em vão, no envolvimento com os vossos ruídos e desejos, basta que se pratique com
plena-atenção durante um só dia desses cem anos de ilusão, que não só esses cem
anos da vida dessa pessoa ganharão sentido, como os cem anos da vida dos outros. A
vida deste dia único deve ser, por isso, cuidadosamente respeitada.»
Em todo o caso esta singular e genuína semente é sempre muito rara, como
uma pura corrente de água no deserto, e isto estará verdadeiramente certo para todo
o universo, para todos nós, para saciarmos a nossa sede, para humedecermos o
deserto inteiro.

 Por isso, quando estamos em paz neste momento AGORA, a paz do mundo é
concretizada nesta semente, neste cosmos. A paz perfeita, (a 100%) de todas as ínfimas
partes do universo em simultâneo, só é possível no conceito químico fabricado
pelas nossas cabeças (abóbora). Porque até mesmo numa partícula de pó já se estão a
desenrolar incontáveis guerras que não têm fim. É no coração de tal desordem,
guerras e trevas (águas lamacentas), que o milagre deste encontro (tu e eu) do
AGORA é realmente AGORA! Há quanto tempo andamos a caminhar, desde esse
passado sem começo, para nos encontrarmos um ao outro, AGORA?
Há quanto tempo, por quanto… não interessa, apenas isto é isto! Não há mais
nenhum milagre. Este milagre Agora (este encontro-da-vida) é a excepção total, pois
rompe com todas as leis mais comuns e com os princípios gerais do universo, na
eternidade e na infindável desordem.
A nossa mente (a cabeça de hábitos) tende sempre a definir tudo em leis ou
princípios simplistas e argutos, mas a natureza e a realidade têm, inevitável e seguramente,
muitos meios de criar a excepção. Deste modo, caso a caso, tudo é absolutamente
diferente e novo.(Mas nem este princípio pode ser generalizado e definido
devido à sua própria excepção e carácter incompleto).

 Na realidade, tudo é imprevisível.
Nós somos uma excepção – escolhida por entre os incontáveis espermatozóides
do nosso pai, só uma semente excepcional foi concebida no útero da nossa mãe. Tal
como o cume é formado pelas encostas e a base, assim todos os nossos irmãos e
irmãs que não nasceram, estão contidos dentro de nós; eles suportam-nos profundamente.
Graças a todos, ao seu não-nascimento, estamos aqui e agora. A vida é sempre
este acontecimento milagroso e imprevisível. Toda a água lamacenta está agora
viva neste lótus que se abre (nós mesmos). Cada um de nós é isso, ou não seremos
nós todos eles?!
Uma semente excepcional é tudo quanto basta; um momento da mais profunda
paz é o suficiente, para todos nós. Um AGORA excepcional é Vida para todo este
cosmos. Não devemos ser insaciáveis e querer sempre «mais» com os nossos infindáveis
desejos e conceitos fixos, com infindáveis guerras e conflitos, «mais e mais»…
A terra, este verde oásis é a excepção total no tempo e no espaço. Os seres
humanos, sendo tão únicos, são uma milagrosa excepção. Cada um de nós, nesta
terra, é apenas um e único encontro Aqui-Agora na eternidade.

 O Eg o ,  o  e u -me smo  e  a  n a t u r e z a  o r i g i n a l
P: Uma pessoa iluminada tem ego?
R: O que é o ego?
Qual é a diferença entre o ego e nós mesmos?
O ego e a nossa natureza original deviam ambos ser clarificados, no seu sentido
último.
De modo a poder responder a esta questão, necessitamos primeiro de clarificar
o que é o ego e também o que é o eu-mesmo e quais os seus papéis e significados.
O ego é um estado que habitualmente se constrói; é a ilusão fixa da individualidade
separada e uma massa de hábitos e apegos centrados em si mesmo (desejos).
Ele manifesta-se por si próprio, por exemplo, na separação protectora, no desejo-
-apego, na intenção egoísta, na luta emocional, ou nas tendências orgulhosas. No
fundo, o ego é um estado iludido de separação de si mesmo.
Sabemos imediatamente quando não somos mais do que um estado de ego. O
estado do nosso ser é geralmente bastante agitado quando, por exemplo, o nosso
orgulho é ameaçado, ou quando lutamos contra os outros com a força da convicção
própria. As reacções e respostas condicionadas que damos, ao nos encontrarmos em
situações que envolvam a nossa autopreservação, são o ego. Ele pode tomar a forma
de fúria, frenesim, egoísmo, inveja, ciúme, ligação, desespero, altivez, intriga, avidez,
ânsia, apego…, todas estas atitudes e tendências são estados do ego.
Por conseguinte, o ego não tem existência sólida nem tão-pouco pode ser localizado
em nenhuma parte do nosso corpo. É um estado condicionado de nós mesmos,
marcado pela ilusão, fixação e separação.
Quando examinamos com cuidado a nossa vida quotidiana, descobrimos que
muitas vezes, até mesmo durante o zazen, estamos numa espécie de estado fixo de
ego. Devemos verificar, em qualquer altura se isto acontece na nossas relações diárias
com as outras pessoas e com aquilo que nos rodeia.
Será que não podemos beber uma chávena de chá sem a interferência do ego?
Sim podemos – a menos que se esteja apanhado numa batalha dentro das nossas
cabeças.
Por muito obstinados que possamos ser, será que temos um ego quando dormimos
ou desmaiamos? Sim, o nosso curso karmico, a raiz subterrânea do nosso desejo
egoísta, pode inconscientemente desenvolver-se e crescer, mesmo durante o sono.
Não podemos ser transformados pelo sono, nem pela auto-hipnose. Qualquer um

de nós que não se encontre na mais profunda paz (este encontro Agora); que albergue
qualquer espécie de intenção, é um ego latente.
O eu-mesmo é a existência individual e a personalidade. Ele contém todas as
camadas dos estados do ego e do não-ego. Quando a própria pessoa se encontra
num estado sem ego, então está de volta a casa, à nossa natureza original, ele é a
semente do buda, o potencial (a energia latente do próprio despertar) da iluminação
– o próprio despertar de toda a unidade cósmica.
A extensão das funções do ego também podem ser a causa da infelicidade, das
guerras ou de qualquer espécie de expansão karmica e acumulação de desejos.
O eu mesmo engloba ambos os aspectos e qualidades.
Aquilo que fundamentalmente questionamos dentro de nós é precisamente a
diferença que há entre a pessoa original e o próprio ego (respectivamente Jiko e Jiga
em Japonês).
Nascemos na corrente karmica com a humanidade inteira, incluindo: o ego, o
eu e a natureza-buda essencial.
O ego é de natureza a posteriori, isto é, o desenvolvimento de hábitos e de traços
pessoais, padrões de funcionamento e características fixas. A própria pessoa tem

ambos os estados – o ego / não-ego e o estado karmico / natureza original. Chegados
a este ponto devíamos clarificar a conexão entre o karma e o ego.
A nossa natureza original está para lá da corrente karmica do inconsciente colectivo.
A partir desse inconsciente colectivo temos camadas protectoras do ego. Essas
camadas desenvolveram-se e expandiram o próprio ego. Por isso, ele é como uma
camada de bolhas de ar à superfície da nossa natureza karmica, que, por sua vez, (por
exemplo, a natureza colectiva dos animais) é como uma corrente à superfície do oceano
infinito da nossa profunda e original natureza-buda. Muito embora o ego possa
desaparecer, a corrente karmica, inconsciente e subterrânea, permanece dentro de nós.
Geralmente estamos convencidos que as características pessoais adquiridas
a posteriori são o nosso verdadeiro eu, mas isso é apenas uma ilusão que foi fixada e
construída desde a nossa infância.
O ego não é uma entidade, mas estados condicionados, tendências, atitudes e
reacções. Deste modo, a questão «uma pessoa iluminada tem ego?» deveria ser corrigida
para «mesmo uma pessoa iluminada pode ainda encontrar-se num qualquer
estado do ego?», ou ainda, «poderá uma pessoa iluminada, por vezes, ainda cair num
qualquer estado do ego?»

 O Ego – A própria pessoa – O Buda • Ego – Self – Buddha
 
 Dependendo das qualidades de cada um, dos níveis da direcção da vida, as qualidades
da iluminação são diferentes. Não há iluminação fixa, nem ego fixo, nem tão
pouco uma pessoa iluminada fixa. Sempre que uma pessoa iluminada caia num
qualquer estado de ego Agora, não é iluminada Agora. Sempre que uma pessoa é
livre do ego Agora, é iluminada Agora, mesmo sendo nós próprios. Quando o Agora
está perdido, a iluminação real está perdida. O ego e a iluminação não podem existir
ao mesmo tempo. Por exemplo, se se está zangado isso não é iluminação mas apenas
ego. Se ali há trevas, ali não pode haver luz. Trevas e luz não podem existir ao
mesmo tempo. Mais duas questões e respostas para ilustrar este ponto: «será possível
uma pessoa iluminada apaixonar-se?». Sim, é possível, a um nível muito puro, como
foi o caso de Ryokan e Teishin. A sua relação era plena de amor espiritual e harmonia
poética. «Será possível uma pessoa iluminada ter conflitos com outras pessoas?».
Não, no trato diário com as outras pessoas, isso não será possível. No entanto, por
exemplo, diante do estúpido, violento e cruel desenvolvimento da energia atómica,
é-lhe possível combatê-lo dum modo apropriado e eficaz, isto é, sem intervenção do
ego e com vista ao bem de todos os seres.
Os estados do ego variam de acordo com as circunstâncias. É importante notarmos
que o ego só surge quando em relação com algo ou alguém.
Por outro lado, existem muitos níveis de compreensão e iluminação, depende
da pessoa, da sua compreensão, aspirações e experiências. Porém, enquanto uma

 pessoa não se libertar dos estados fixos do ego e dos hábitos karmicos, não será iluminada,
mas iludida por mais um qualquer outro estado do ego.
O que é a iluminação?
É o despertar e a emancipação a todos os níveis da fixação do ego, com a profunda
compreensão da Vida cósmica em si. Uma pessoa torna-se, por isso, muito livre para
sentir, para ver a realidade e agir, para aprender, encontrar, ajudar, ou fazer qualquer
coisa, de acordo com as necessidades e circunstâncias, neste caminho aberto de todos os
seres vivos. O estado de iluminação é este novo encontro da vida, Agora a Agora.
É vital para todos nós, experimentar e verificar se os nossos profundos sentimentos
de amor e compaixão estão manchados pela energia do ego. Não podemos,
no entanto, examinar o ego, com os sentidos do ego. Não há nenhum remédio especial
que nos cure do nosso ego. Somente através da compreensão real é que poderemos
identificar os caminhos, as funções, os papéis, o sentido e o destino do ego.
O ego é o estado imaturo e pueril da própria pessoa e o buda, o estado amadurecido
e desperto da própria pessoa. Todo o processo de crescimento, de despertar e

 de purificação é descontínuo; cada fase é um único cosmos, uma descontinuidade
muito significativa; cada passo, agora, no caminho aberto, é a realização última
(buda). Ao mesmo tempo, deve haver sempre um processo penetrante da direcção
última do crescimento; a nossa responsabilidade-vida final é para ser cumprida e
liberta no vazio, o mais profundo centro deste cósmico sentar – este encontro-
-Agora. Aí não há hábitos fixos, não há iniciativas do ego, nem nada a ser verificado.
Mas, no entanto, se nos apegarmos a este íntimo, então ele tornar-se-á um velho
hábito – e, uma vez mais, será ego.
Qual é a vossa mais profunda raiz e que energia vos motiva? É a energia do ego,
ou a natureza profunda (Buda)?
O mestre Zen Dôgen disse que se a determinação da nossa aspiração original (o
mais profundo voto) não for correcta, todos os esforços e práticas serão em vão.
Portanto, no verdadeiro sentido, não podemos realmente fazer nada com a intenção
ou função do ego, mas só, com a livre manifestação da nossa natureza universal e
vazia – a semente certa para os frutos certos. Todos nós somos a expressão e fruto
dessa natureza (semente) a direcção original da vida, sempre que não formos nada
mais do que Agora (Isto).
Quando nos encontramos na mais profunda paz da não-mente, cada um

 de nós é como um poço através do qual brota a mais pura água – a essência última da
natureza. O agora desperto em que nos encontramos, é vida iluminada. Portanto ao
nível da mente consciente, a nossa mais profunda aspiração é, na realidade, não-
-aspiração, não-mente. A concretização da vida última é a acção compassiva, a função
do verdadeiro vazio. Este é o nosso fim-e-ponto-de-partida último duma nova
vida. Quando estamos vazios, do fundo sem fundo da terra brota sem parar a mais
pura água através dos poços dos nossos caracteres e personalidade únicas.
Poderá o nosso carácter único e a natureza vazia e comum serem, simultaneamente,
ambos os aspectos de uma mesma realidade? Sim. Na profunda paz da não-
-mente somos pessoalmente muito activos, responsáveis e criativos em relação a
tudo. Esta é a função compassiva da natureza vazia original.
O verdadeiro vazio pode ser qualquer coisa, de acordo com uma dada situação
em que nos encontremos que é sempre nova, sempre a primeira experiência, mudança
imprevisível, por isso, ele é espontâneo e criativo. Consequentemente, isto quer
dizer que, cada situação concreta em que nos encontramos, devido à natureza básica
e comum (vazio), é sempre tão específica e pessoal. A natureza comum (deus) só se
pode exprimir e realizar a si mesma, como cada entidade, como cada rebento que
(individualmente) desponta – como tu e eu.

Tudo é tão diferente e, no entanto, não há separação – apenas um único corpo
cósmico sinfónico. O deus único tem inúmeras faces únicas que mudam consoante
as nações, os indivíduos, os tempos, histórias, condições naturais e culturais, etc.…
Deste modo, o vazio, a natureza comum (buda), surge sempre conforme os
nossos estados e personalidades. Simultaneamente, as nossas personalidades devem
ser sempre purificadas, lavadas e totalmente criadas de novo pelo regresso a casa, ao
vazio original (o não-ego, o não-buda, o não-vazio). Os nossos egos são bolhas de ar
habitualmente construídas à superfície da corrente karmica para virem a ser dissolvidas
no oceano do verdadeiro vazio criativo. Quando somos iluminados, as construções
e formações do nosso ego reconhecem-se claramente como ilusões de separação
e são dissolvidas ou transformadas neste Encontro-de-Vida do Aqui-Agora.
P: Todos percebemos que há algo único em nós próprios; nós somos seres únicos.
Porém, também percebemos uma qualidade em nós que é universal, que nos
une aos outros e ao mundo. Poderia, por favor, explicar algo acerca destas nossas
qualidades de unicidade e união?
R: Se não existisse o que é único, não existiria união. A unicidade é a necessidade
natural e inevitável para uma união harmoniosa.

Por exemplo, um robô altamente sofisticado não pode atingir a iluminação
porque é destituído de pessoa e de ego (a semente ou energia causal) e a subsequente
possibilidade de transformar a sua energia em essência purificada, transcendida e
emancipada da vida (a liberdade da personalidade).
Não somos máquinas. Somos é insondavelmente únicos e inter-relacionados
com tudo. Por causa das nossas personalidades únicas, estamos unidos com todos os
seres. E vice-versa, porque estamos inevitavelmente unidos com todos os seres e o
universo, cada um de nós é único e indispensável. Cada um de nós é parte – ou
antes diria, o núcleo, o centro – da eco-sinfonia universal: criação incessante, infinita
e sem ego, Agora a Agora da harmonia cósmica – nela também estão incluídas as
trevas insondáveis, a crueldade… É a isto que eu chamo «eco-sinfonia-cósmica».
Devido à nossa própria unicidade e à nossa natureza universal comum, podemos
partilhar esta prece (AGORA!) com todos os seres e deste modo estar em infinita
harmonia com toda a vida do cosmos.
As nossas maneiras fixas, tanto sociais como pessoais, muitas vezes nos impedem,
no verdadeiro sentido, de sermos vivamente únicos e unidos, com todos os
outros. Essa insensibilidade torna-nos aborrecidos para com os outros, ao termos já
perdido tanto a qualidade de unicidade como a de união.
Mas, por favor, olhem-se mutuamente (para o rosto do vosso vizinho) durante
cinco silenciosos e atentos minutos. Olhem-no, até descobrirem o vosso próprio eu

que não tem forma e é insondável, reflectido no seu rosto. Olhem-no, até que, a
beleza mística e única, transpareça no seu rosto. Nós somos reciprocamente livres de
ver a realidade deste encontro face a face e de perceber a flor que se abre dentro de
nós, porque cada um é um abismo do cosmos. Não o somos?
Tr a n s c e n d e r  a  mo n t a n h a  d o  k a rma
Cada um de nós é um agregado ou a massa acumulada de uma longa história
de hábitos karmicos. Os peixes, por exemplo, tem geralmente dentes afiados e olhos
grandes para apanhar outros peixes. A forma e os modos karmicos são características
adquiridas pelos hábitos de milhares de anos de evolução do processo karmico. De
igual modo, os seres humanos, tu e eu, para termos agora este corpo tivemos de
atravessar milhões de anos de processo e de história até chegarmos a este sistema
habitual de vida. Através desse percurso karmico, os nossos habituais modelos de
desejo e doença também progrediram.
Os hábitos acumulados transformam-se em formas, personalidades e modos de

vida. Assim, de qualquer modo, cada ser vivo, cada um de nós, tem por isso, de
viver com a energia desses hábitos karmicos.
O zazen, no entanto, é precisamente Agora a transcendência directa e a emancipação
disso: de todos os hábitos karmicos acumulados desde o primeiro ser vivo;
desde o aparecimento neste mundo, num começo sem princípio, do nosso antepassado
número um. A emancipação desse eu e de todo o nosso passado é o verdadeiro
zazen. Agora a Agora, o nosso zazen deve ser esta emancipação total de tudo, e portanto,
para todos.
A  s i l e n c i o s a  v o z  i n t e r i o r
A partir do momento em que o nosso antepassado original, o primeiro ser vivo, o
número um (relativamente a todas as espécies) apareceu na terra, iniciou-se o longo,
longo processo karmico chamado «evolução», que chega até ao presente estado da nossa
geração. Antes deste processo se iniciar não havia guerras, assassínios, nem destruição,

apenas havia o fenómeno natural e o movimento sem mancha de karma. Nessa era ou
tempo pré-biológico não havia nenhuma acumulação de karma. Por exemplo, se escavarmos
suficientemente fundo na terra, chegamos a um ponto em que já não se encontram
fósseis, ou qualquer outro traço de seres vivos. Poderemos ver que o profundo
núcleo da terra não tem mácula de karma. Por conseguinte, necessitamos de regressar
mais de 3 500 000 000 anos atrás para descobrir a natureza não maculada da nossa vida
original na Terra. Mas devemo-lo fazer já, – AGORA – , nesta posição sentada. (Este é
o nosso sesshin!) Apesar de, naturalmente, não podermos separar o nosso karma desse
estado pré-biológico, pois que, ambos são apenas o único corpo de nós mesmos.
Na nossa consciência também temos uma estrutura muito semelhante constituída
por sucessivas camadas. Como sabem, na camada superficial da consciência temos os
seis sentidos: olhos, nariz, ouvidos, língua, corpo e mente. Sob estas seis percepções
físicas, ou consciências, existe uma camada mais profunda, a sétima camada, Mana, a
consciência. O papel da consciência Mana, é o de transmitir e comunicar mensagens e
informações entre as seis percepções e uma oitava camada, a consciência Alaya1. Esta é a
mais profunda das camadas de consciência, funcionando como «consciência armazém».
Neste «armazém» da consciência cada um de nós tem guardadas todas as experiências
que aconteceram, desde que todo o processo de vida começou neste planeta.
Por vezes acontece a alguns praticantes surgirem-lhes de repente figuras, cenas,

criaturas ou faces. Muito embora seja bastante raro, por vezes, poderosas funções
extra-sensoriais ou capacidades fora do comum, podem despertar. Todas estas situações
são resultado das experiências acumuladas na consciência Alaya. Devemos, no
entanto, compreender que estas capacidades invulgares são também elas karma; não
são a expressão da nossa mais profunda natureza original.
Sob estas oitos camadas, encontra-se o NÚCLEO último, da nossa mais íntima
consciência buda. Neste mais profundo centro de toda a nossa consciência não existe
mácula, nem nenhum movimento karmico. Isto é como na profundidade da
terra, onde não há qualquer traço do movimento karmico.
137
1 Him-alaya significa a eterna acumulação de neve, que está sempre a cobrir as mais altas cordilheiras das montanhas
em Caxemira, mesmo em pleno Verão. Mas mesmo a neve que está acumulada nestas montanhas não é fixa. O que
devemos clarificar é a diferença entre acumulação e fixação. A acumulação pode derreter e mover-se quando chega o
momento, mas a fixação apenas é – só pode existir como um conceito nosso – uma mera ilusão. Por exemplo, não são só
as batatas, as abóboras ou as batatas-doces, mas também todos os seres vivos têm as suas próprias acumulações, ou seja, os
seus corpos, e nenhum deles é fixo com as suas acumulações.
Por que tão facilmente seguiremos nós um caminho tão forte e estreito em direcção a essas fixações? Devido ao
nosso habitual absolutismo, com o qual muitas vezes fazemos o nosso Deus, ou a nossa crença, ou os conceitos, ou o
juízo inquestionáveis. Nós seres humanos somos vezes sem conta dependentes desses fortes absolutismos, ao quais nos
inclinamos com a fixação da nossa cabeça de pedra que, por isso, é profunda e infindavelmente cruel.
Na realidade, não somos nada livres dessas fortes e absolutas fixações do ego. Nós somos como um ajuntamento
de abóboras de pedra, não acham?

Ao visualizarmos as camadas estruturais da terra e as da nossa consciência, o
que estamos a clarificar ou a compreender em nós próprios?
Temos de regressar ao ponto de partida anterior ao nosso primeiro antepassado
– amiba ou primeiro ser unicelular – ter nascido. Antes de qualquer traço karmico
ter sido impresso na terra, onde possamos nascer completamente de novo, frescos,
sem qualquer mácula de karma (de sentar a sentar, de expiração a expiração!).
Afundarmo-nos no nosso íntimo oceano da natureza-buda, que está sob todas as
camadas das estruturas conscientes e inconscientes, sob a superfície de todas as
ondas da mente, isto é ser-se emancipado de qualquer fixação do nosso eu habitual.
Para voltarmos 3 500 000 000 anos atrás, ao original ponto de partida, para
mergulharmos abaixo de todas as camadas da consciência do ego, só temos de nos
sentar e expirar. Não precisamos de escavar a terra, nem de dissecar a estrutura da
consciência; apenas precisamos de morrer e encontrar de novo, sendo livres de todos
os sistemas e estruturas karmicas que construímos. Este é o novo nascimento do
AGORA, neste encontro sentado.
O que nos impede de voltar a acordar na nossa natureza mais profunda e original?
Os nossos hábitos karmicos, a nossa própria autopreservação, os apegos do

nosso ego e as suas intenções, estão sempre a impedir-nos de directamente despertar
para a natureza original.
Por exemplo, quando eu perguntei ao meu mestre «O que é a verdadeira vida, o
que é a verdade?» ele agarrou-me bruscamente pelos os ombros e, sacudindo-me,
disse: «É isto!». Este encontro, então, dever-me-ia ter cortado todos os habituais
padrões de pensamento (acerca da verdade, da vida, da prática, do Zen, da religião…).
Mas, mesmo com esta tão rara oportunidade de cortar comigo mesmo,
continuei a manter-me agarrado ao meus hábitos e maneiras de pensar. Quer isto
dizer que, a natureza-buda da minha mais funda terra não foi activada devido às
inúmeras camadas conscientes (autoprotectoras) de roupas que eu trazia vestidas.
Portanto, agora já tornámos claro que são os hábitos da mente que impedem a
natureza mais profunda de acordar e de se tornar activa. O que necessitamos é de
nos emancipar da própria mente, dos seus hábitos, fixações e maneiras de pensar.
Como podemos fazer isto? Escavando a terra? Estudando ciências ocultas, psicologia?
Indo a sesshins Zen, meditando? Não. Porque já temos o mais profundo e
comum oceano da natureza original no nosso íntimo. Ou estamos com plena-atenção
quando respiramos, andamos, sentamo-nos, encontramo-nos, trabalhamos, dormimos,
comemos…. todos os dias, todo o Agora, todo o ano, toda a vida; ou então, cada
momento será sempre perdido mais e mais uma vez em vão. A plena-atenção em cada

encontro e acção – este é o correcto caminho aberto para se penetrar até ao mais profundo
núcleo de nós mesmos. Isto é um facto mais do que conhecido de todos nós.
Mas, qual é a energia que me (nos) leva e ocupa?
Poderemos experimentar essa natureza imaculada e original? Sim, agora mesmo,
estamos a ser influenciados e dirigidos pelo movimento do nosso inconsciente. De
forma consciente ou inconsciente, de modo habitual ou desperto, a maior parte das
vezes nós somos (a nossa própria consciência) como bolhas de ar ou espuma à superfície
da corrente subterrânea dos nossos desejos inconscientes; ou então, outras vezes
é o poder desconhecido e armazenado no nosso inconsciente que nos ocupa e nos
tenta (como foi o caso de Jesus ao ser tentado por Satã no deserto), ou ainda, quando
estamos humildemente num estado puro de não-eu, então, somos activados, sem
quaisquer interferências de hábitos, pela natureza que não nos é própria (o vazio) –
que é o insondável mar interior comum a todos os seres dentro de nós.
Assim, segundo as pessoas, às vezes podemos ser monstros e demónios. Tudo
depende da nossa aspiração ou voto mais profundo. Às vezes também podemos ser
bodisatvas. A nossa natureza original brota incessantemente para todos nós. A meio
do deserto sem fim existem Bodisatvas desconhecidos…
O importante como ponto de partida é perguntarmo-nos: «Qual é a minha

aspiração ou voto mais profundo?» «Será que tenho verdadeiramente o desejo e aspiração
última pela verdade, pela perfeição, pela compreensão?». O que realmente pretendemos,
ao nos orientarmos, a que é que nos dedicamos e que voto fazemos?
Até os nossos desejos animais (sexo, comida, sono, etc.), quando são utilizados
correctamente, com plena-consciência e de acordo com a natureza profunda, têm o
seu próprio significado. Cada um destes desejos tem o seu sentido e papel, apesar
de, ao serem correntemente utilizados de forma insaciável e crescente, se tornarem
vícios karmicos que já não estão conectados com a nossa natureza profunda e vida,
nem são por ela utilizados.
Por conseguinte, todas as camadas do nosso consciente e inconsciente, todas as
espécies de sentidos e percepções, e até mesmo, os nossos poderes invulgares, que
geralmente estão escondidos, têm significado e sentido quando é a nossa natureza
mais profunda que os dirige e conduz. No entanto, a maior parte de nós, sabendo-o
ou não, é levado pela enxurrada dos desejos.
Quase toda a história dos seres vivos, na dimensão deste mundo físico, tem sido
conduzida pela energia de uma demoníaca corrente karmica, mas, o que devemos
encontrar é que, uma só e única coisa, um só relâmpago, um só momento de luz
compassiva é suficiente para activar e iluminar a eterna escuridão de todo o universo
vivo. Este enorme potencial está sempre latente no nosso íntimo. E chama-nos, de
dentro, com a sua voz silenciosa.
A  d i r e c ç ã o  ú l t ima  d a  n o s s a  v i d a
Só através de uma compreensão profunda da estrutura e funcionamento do
nosso ego é que nos podemos, simultaneamente, transcender e emancipar, tanto do
«ego» como do «buda». Como seres biológicos que somos, com corpo e mente,
podemo-nos encontrar por vezes, em conflituosos estados de ego, e outras vezes, em
serenos estados, de buda, cheios de amor e vazio. Estar constantemente num estado
de buda, sem ego, ou, pelo contrário, estar sempre num estado de ego, sem buda,
ambos são fantasias da nossa mente, que não têm nada a ver com a realidade. O iluminado
compreende claramente que o eu e a iluminação (buda), a flor e a semente
(fruto), são duas épocas de uma única vida. Se não houvesse nenhum ego nem
nenhum eu, não haveria nenhuma iluminação nem buda. No fundo, tanto o ego

 nenhum eu, não haveria nenhuma iluminação nem buda. No fundo, tanto o ego
como o buda são semente e fruto. Portanto, podemos, sem problemas, esquecer
ambos, e sermos livres das estruturas do ego, das nossas ideias fixas acerca de ego, da
iluminação e assim, sermos livres na nossa genuína prática diária.
A questão, portanto, não é de modo algum rejeitar, destruir ou abandonar o
ego (e o buda), mas de compreender isso como sendo o fulcro do nosso sentimento
ilusório de separação – um monstro social autónomo, de múltiplas e altamente
sofisticadas caras, isto é, a nossa ilusão que está estabelecida quer social quer individualmente.
Uma vez que a flor abre e o fruto amadurece, as sementes naturalmente caem
na terra e, simultaneamente, no mesmo movimento da Vida, novos rebentos despontam.
É-nos impossível, neste interminável ciclo, aniquilar o ego. Só podemos ser
livres dele na paz dessa compreensão que nos permite entender que o ego não pode
ser destruído pelo ego, nem com o esforço do ego. Muito frequentemente não
somos senão estados de ego, somos o ego ele mesmo. Se bem que, sem excepção,
todos sejamos também sementes de buda. O ego não é um inimigo a matar, mas
uma condição a ser compreendida e transcendida no interior das nossas práticas da
plena-atenção diária. Então, a nossa qualidade única pode despontar, visto que cada
um de nós é originalmente cósmico.
O ego é ilusão de sermos separados dos outros. Consequentemente, um estar
contra os outros, um estar belicoso, temporal e voluntarioso. O eu mesmo é a nossa
individualidade nativa e, de acordo com as circunstâncias, tanto se pode manifestar
cheia de ego como pacífica, militar monstruoso ou bodisatva compassivo, chuvosa
ou brilhante… É graças à própria pessoa que tanto o ego como o buda são possíveis
de se manifestarem, porém, nunca ao mesmo tempo.
O ego é a percepção da própria pessoa como uma individualidade separada –
uma ilusão que é produzida, alimentada e fixa pelo que nos rodeia. Quando, no
nosso íntimo, a consciência buda desperta (a compreensão da nossa unidade com
toda a criação) o sentimento de separação já não pode existir mais, então a ilusão
dum «ego» independente desaparece. Este penetrar da ilusão e da realidade leva-nos
a uma profunda abertura de nós mesmos: a unicidade de cada buda já está a despontar.
Então, toda a sinfonia cósmica pode ser completamente tocada. Isto é a verdadeira
paz na terra.
Se bem que possamos clarificar e compreender a estrutura e as funções do ego,
mesmo assim é muito difícil livrarmo-nos de um vício e mácula tão antigas! Mesmo
estando cientes da questão, a maior parte de nós mantém-se no mesmo trilho karmico,
tanto cultural como biológico. Esta realidade devia-se conhecer melhor e com
toda a atenção. Mesmo que o ego seja uma mera ilusão, as suas raízes estão profundamente
enterradas no insondável solo do karma. Por isso, para todos nós ele é uma

 gigantesca cordilheira montanhosa a atravessar.
A compreensão real do nosso próprio rumo karmico é tisrah siksâh, os três tipos
de ensinamentos – três pétalas de uma flor, sila, samâdhi e prajña, podem ajudar-nos
a atravessar e a penetrar a habitual cadeia de montanhas nas práticas da nossa vida
diária.
Agora a Agora. Mas, até mesmo isto se pode tornar em qualquer altura uma
construção do ego.
Tudo depende do nosso desejo mais profundo. De acordo com essa direcção
última da vida, podemo-nos tornar seja o que for, demónios ou bodisatvas. Por
isso, devemos questionar a fundo, de modo sempre novo, a qualidade da nossa
íntima aspiração. A nossa energia karmica e as experiências acumuladas desde esse
nosso passado sem começo estão profundamente escondidas dentro de nós, e representam
um poder desconhecido e incalculável. Dependendo do nosso desejo profundo,
este pode facilmente ligar e pôr em funcionamento o nosso monstruoso ego
escondido.
A  v i d a  ú l t ima
Th e u l t ima t e l i f e

 1 A aspiração última (a mais elevada direcção) ou a direcção última (a mais elevada aspiração)
2 A realização perfeita (O mais profundo desempenho) – Iluminação (Bodhi)
3 A natural vida diária (Um penetrar da prática acordada = O Caminho Aberto)
α Infinidade e particularização (oceano e ilhas, céu e nuvens) da realidade e da ilusão…
∞ Sinfonia infinita da plenitude, a unicidade.
V.I.A. = Vazio, Iluminação, Amor Cósmico e Compaixão.
Isto não é discriminação, não é graduação, não é classificação, não é estrutura, não é separação,
não é fixação, mas a nossa própria vida e a natural direcção do Caminho Aberto de todos
nós, apenas o conteúdo da vacuidade.

 O mestre Zen Dogen chama-nos a atenção:
«Se a determinação mais profunda da vossa vida não for correcta, seja qual for o
caminho que pratiquem, mesmo que se sentem até fazer um buraco no chão, tudo
isso será absolutamente em vão.»
Como seres humanos temos a capacidade de nos encontrar em qualquer estado,
sem todavia perdermos, até ao fim, o nosso carácter humano. Mesmo uma pessoa
iluminada nem sempre é perfeita, mas diferente daquilo que podemos supor, ainda
que, tal como nós, partilhe as mesmas características humanas. Esta é a realidade
onde todos nos encontramos. A pessoa iluminada é muito atenta e cuidadosa relativamente
aos seus preceitos íntimos, tenham estes forma ou não. Assim como nós
devíamos ser. Caso contrário, irá parar imediata e directamente, em qualquer
momento, ao inferno da arrogância.
Mesmo que possamos ser iluminados, mesmo que tenhamos perdido todas as ilusões
e conceitos fixos do ego, mesmo assim, pode ser que ainda se esteja num momentum
resultante dos hábitos adquiridos das nossas imemoriais vidas karmicas. Isto não
desaparece nem termina assim tão facilmente. Mesmo com a experiência da iluminação
final, esta nódoa tão marcante ainda permanece no fundo do armazém da nossa
consciência Alaya conjuntamente com a acumulação de todo o nosso passado. Este
karma residual pode fazer com que o ego surja a qualquer momento, com qualquer
hábito ou apego. Por isso, devemos estar constantemente em plena-atenção, e nascer
de novo a cada Aqui-Agora. Visto uma pessoa iluminada incluir todas as possibilidades
da vida em si, tanto o veneno como o remédio encontram-se no seu fundo, prontos
a qualquer momento a ser utilizados. As sementes de lótus do Buda permanecem
sempre dentro das karmicas águas lamacentas, ou seja, dentro da própria pessoa.
«Todas as ilusões que concebemos e todos os pontos de vista em que confiamos,
podem ser quebrados duma só vez (acabar com eles) como se parte uma pedra.
Mas os hábitos do rumo karmico da nossa vida cortam-se gradualmente (para sempre)
como o andar dum caracol.»
Devemos compreender que estas duas naturezas são ambas aspectos da nossa
realidade. Quando morremos, morremos num só momento, todavia, quando vivemos
nesta realidade, não podemos viver num só momento de transcendência, mas
numa penetração completa e com tudo neste mundo diário, à maneira do caracol que
avança em direcção aos céus.
Originalmente somos sem forma própria; somos formados por água, ar, luz
solar, terra, pai, mãe e por tudo, momento a momento. Portanto, todos somos con-
dicionados por tudo, pela história, sociedade… Na realidade, eu sou nada. Nada,
mas tudo aquilo que encontramos Aqui-Agora.
Esta visão da Verdade é fácil de se adoptar e compreender, mas, pôr em prática
na nossa vida, as suas infindáveis aplicações, não é assim tão fácil. Inevitavelmente, a
nossa principal responsabilidade, tarefa e encontro Aqui-Agora, é de vivermos neste
mundo com os nossos corpos karmicos, compreendermos esta verdade, e emanciparmo-
nos.
(Porque somos seres humanos).
Não há céu que fique sem nuvens para sempre.
Isto é a nossa realidade e os inevitáveis preceitos que temos de aprender todos
os dias.
O firme penetrar da meditação purifica-nos e emancipa-nos profundamente.
Mas, será tudo? Sim e não. Aquilo de que deveríamos estar cientes com todo o cuidado
é de que, como seres humanos e praticantes, estamos nas ondas desconhecidas
da vida (de tudo), tanto interior como exteriormente… Somos sempre uma perfeição
incompleta, no infinito caminho aberto. Mesmo que se seja um praticante altamente
evoluído, apenas será, afinal, uma massa de desejos animais, e um ego em
expansão? Até mesmo uma intuição ou uma sábia apercepção, muitas vezes, não são
mais do que o funcionamento do ego num estado mais aprofundado…
A nossa perfeição conceptual e mecânica relativamente à «iluminação» é muito
diferente da coisa verdadeira. Não devemos, nem ser Budas dourados e perfeitos,
nem andar enredados e envolvidos com os nossos egos.
Não somos, nunca fomos, nem nunca seremos Budas dourados, perfeitos, sem
defeitos, lágrimas ou egos. Mas somos e continuaremos a ser, seres humanos que
tem de estar atentos e abertos, que têm de ser novos nas suas práticas diárias, e
muito especialmente, depois da experiência da iluminação. Porém, não devemos
conservar qualquer ideia fixa ou antecipação sobre esse assunto ou experiência, mas
antes, devemos manter sempre nova a prática e os preceitos do Aqui-Agora.
Esta é a razão (de facto, não é «razão», mas realidade) porque mesmo uma pessoa
iluminada pode cair na corrente karmica humana.
É realmente importante para nós praticantes, conhecermos essa possibilidade,
isto para nos mantermos atentos dia e noite, sempre de novo.
A  e n e r g i a  p e n e t r a n t e  d a  p a z  p r o f u n d a
P: Se eu vier com uma faca para o matar, o que fará? Não se tentará proteger
para sobreviver? Será que não necessitamos do nosso ego e esforço para viver, trabalhar
e alcançar seja o que for neste mundo?
R: Por favor, não me mate antes de utilizar essa faca afiada para matar o seu
próprio ego.
Para vivermos e sobrevivermos neste mundo, para ajudarmos os outros, será que
realmente necessitamos de proteger o ego, das intenções do ego ou do esforço do ego?
Ao alcançarmos algo necessário ou importante para nós, fazemos um esforço
para obter bons resultados e, ao fazê-lo, geralmente lutamos com os outros e connosco
mesmos. Estes são os passos dum processo que, eventualmente, leva à perda
da paz e ao começo das guerras. Muitas vezes, também, devido à interferência do
ego, obtemos resultados opostos àqueles que procurávamos.
Não sabemos se precisamos ou não, das intenções e do esforço do ego, precisamos
é de paz, tanto dentro como fora de nós. Por conseguinte, se o nosso esforço
destrói a paz, é porque nele há ego. Por isso, a nossa questão deveria ser:
«Poderemos manter um esforço sereno e sem ego para trabalharmos e alcançarmos
a nossa vida real neste mundo?».
alcançarmos
a nossa vida real neste mundo?».
Sim, é possível, e é para claramente descobrir e aprender esse caminho de despertar
que praticamos meditação.
Os nossos corpos são somente ferramentas para chegarmos à realização última,
mas estamos muito agarrados a eles. Andamos sempre atrás de prazeres físicos, e
empregamos tanto esforço para ganharmos mais dinheiro ou para termos mais
objectos bonitos, etc.… Portanto, proteger estas ferramentas pode facilmente tornar-
se a nossa principal ocupação. O que deveríamos clarificar é que as ferramentas
são muito importantes e significativas somente para alcançar a vida real e a realização
última. Não nos devemos envolver ou confundir com as contrariedades na selva
das bonitas ferramentas e intrincados trabalhos do ego.
Não será que deveríamos distinguir a diferença entre aquilo que é a real necessidade
do viver (em direcção à Verdade e ao Amor) e aquelas necessidades que são
resultado dos nossos prazeres e inclinações habituais – que são fruto dos apegos dos
nossos velhos hábitos do ego, mas que, no entanto, se provam serem inúteis para a
realização última?
É antes o oposto! As intenções e esforço do ego frequentemente criam obstáculos
a um estar equilibrado e em paz. O que realmente necessitamos para viver neste
mundo não é do esforço do nosso ego, mas da paz profunda e da sua penetrante
energia de esforço sem-esforço.
Consciente ou inconscientemente, todos temos dentro de nós o mais profundo
voto da realização última e, por isso, temos o corpo como ferramenta. Por favor
mantenham-no tão saudável quanto possível, mas não se esqueçam de o utilizar
exclusivamente para a iluminação última do Aqui-Agora! De outro modo, estamos
simplesmente a despender as nossas vidas em vão, de uma maneira fisicamente confortável.
Este é o nosso mais comum rumo karmico.
Portanto, quando me tentar matar eu fugirei com a minha corrida-com-mantra
que é mais rápida do que a sua!
O Za z e n n ã o v o s p e r t e n c e
P: Sem esforço do ego, sinto que não tenho fogo dentro de mim e parece-me
que o koan da minha vida não está condensado.
Com esforço do ego não tenho qualquer encontro com o Agora e o meu zazen
é um perpetuar do samsara. Como pode isto mudar?
R: O nosso mais profundo e interior fogo (vida) está, penetrantemente, a crescer
no mais profundo e inconsciente núcleo da terra. Todo o nosso esforço devia
provir disto – todas as nossas práticas de iluminação deveriam provir disto.
Não se preocupem, não se apeguem ao vosso minúsculo sentido de luta.
Não pensem «o meu koan» ou «o meu zazen». O Zazen não é vosso; o koan
não é «meu». Ambos são sempre cósmicos na profundidade do nosso inconsciente –
só que, por vezes, as nossas mentes de macaco encobre-os.
Sentem-se apenas, agora, para além, ou melhor, no meio das nuvens de macaco
que sempre vão e vêm, de modo espontâneo ou habitual.
Sem esforço do ego, existe um profundo e pacífico fogo, que está para além da
satisfação pessoal. Por favor sintam-no no vosso âmago, sempre que estiverem livres
da luta e do esforço. Vejam como, sempre que não estão Aqui e Agora, a intenção
está presente. Por favor observem isto no meio da vossa vida diária.

 En c o n t r amo s  d e  f a c t o  e s t a  f l o r ?
P: Tanto quanto compreendi dos seus ensinamentos, a principal razão para se
fazer zazen é quebrar com os nossos modos de percepção condicionados, é para rea-

 lizarmos a nossa natureza-buda, que originalmente temos ou somos e nunca perdemos,
mas da qual geralmente não estamos cientes. Aqui surge o problema do saber,
visto não podermos ter a certeza de saber seja o que for a nível consciente, pois
podem sempre existir camadas das quais não estamos conscientes. Como podemos
estar conscientes da natureza-buda? O que é que quer dizer com «realizá-la»? Há
alguma espécie de transformação da consciência em que nunca mais se tenha
nenhuma divisão ou camadas entre o consciente e o inconsciente, mas antes um
tipo de consciência diferente?
R: O que é a consciência? É uma construção psicológica? Na verdade, não
necessitamos da construção extra desse sistema. Quando olha para o sol, tem disso
qualquer consciência? Quando, simplesmente, vê uma flor, encontra-a. É tudo. A
natureza-buda é não ter qualquer ideia fixa. Não é uma coisa escondida e especial
como referiu. Se de facto vê esta flor, então realizará a natureza-buda da flor. Ao
mesmo tempo, a natureza-buda não é consciente nem inconsciente, mas é o facto de
encontrarmos esta flor. É só isto.
Relativamente aos níveis de consciência, será que necessitamos de saber a que
nível de consciência estamos quando vamos dar um passeio? Isso é irrelevante para a
nossa natureza-buda. Ninguém sabe em que nível de consciência é que se encontra,
e isso não importa. Comemos quando temos fome, e dormimos quando temos
sono. Qual é o problema? O problema está em que quando olhamos para uma
pedra, não a vemos realmente; quando comemos um bocado de pão, não o comemos
realmente. Por que não nos encontramos com a pedra ou com o pão? Porque, a
maior parte das vezes, estamos a pensar em muitas outras coisas, acerca de amanhãs.
Estamos tão cheios de bagagem extraconsciente, comparações, ansiedades, preferências
pessoais, etc.… Profundamente cegos como somos, não alcançamos o milagre
deste encontro. Se formos livres das nossas ilusões, se não formos indulgentes com
os nossos modos de pensamento habituais, podemos fazer esta única coisa neste
momento único e neste encontro genuíno. Então todas as coisas nascem completamente
de novo a cada vez. Isto é o buda, isto é a realidade.
Milhares de explicações acerca deste facto apenas aumentarão a confusão e
incompreensão. No entanto, bastará experimentá-lo para compreender sem muitas
palavras sobre a consciência, que só poderão ser teorias ilusórias. Frequentemente
tornamos a vida, que é simples e natural, algo complicada e difícil porque não nos
encontramos com esta realidade. Geralmente tencionamos acrescentar cores, teorias,
preços, roupagens e decorações a esta realidade, assim como muitas caudas extras
aos nossos corpos. Sente-se apenas e deixe cair todas essas camadas de ornamentação
– Agora!
                                                                           Quinto Capítulo
Um passo mais…

A  d o e n ç a  Ze n
P: Como podemos saber se a nossa prática é correcta, se não estamos a sofrer de
uma doença Zen, perpetuando os nossos hábitos do ego?
Como podemos saber se somos conduzidos pela nossa mais profunda vida
(voto, desejo) ou pelos nossos desejos diversos?
R: Julga que, no profundo do inconsciente, a própria pessoa original não sente
uma clara paz e um estado de vida compassivo, quando estamos livres dos nossos
hábitos do ego?
Antes de perguntar «Como…?», devia reflectir sobre as suas próprias experiências
da vida quotidiana, nas quais, umas vezes está livre dos hábitos e outras, não.
Pois bem, no fundo da nossa própria sensibilidade, é possível descobrir e sentir
se estamos no nosso estado de paz e liberdade originais, ou se estamos a ser conduzidos
pelos nossos desejos do costume. Antes de perguntarmos a outros «Como…?»,
devíamos, em qualquer caso, estarmos calmos e em paz, aprofundando e purificando
a nossa sensibilidade, sentindo-nos a nós mesmos e percebendo o nosso estado
de ser. Para sermos livres dos hábitos do ego, devíamos praticar, tanto o sentar quieto
como o movimento activo com essa tal sensibilidade interior aprofundada.

A nossa prática devia ser baseada numa trindade, que deve ser sempre cultivada.
Primeiro, o nosso modo de vida, os preceitos, que continuamente devemos examinar
e corrigir, se necessário. O nosso modo de vida dar-nos-á a base estável para
aprofundarmos a nossa paz interior na meditação diária. Isto é samadhi, o segundo
elemento desta trindade. Essa penetração ajudar-nos-á a compreender a realidade de
nós mesmos, do mundo e da Verdade. Esta compreensão, o terceiro elemento, tornará,
por sua vez, a nossa vida, preceitos, samadhi e por aí diante, mais profundos.
Portanto, se, constantemente, verificarmos estes três pontos, a nossa sensibilidade
interior e plena-atenção serão mais agudas. Isto é a prática Zen.
Geralmente não sabemos se somos conduzidos pela nosso eu mesmo original,
isto porque já temos opiniões, ideias sobre – ou, então, temos uma certo tipo de
arrogância ou autoconfiança que nos impede de reconhecer os hábitos do ego com
que, habitualmente, vivemos. Necessitamos, pois, de conhecê-los claramente e vermos
como, até mesmo a nível inconsciente, podemos, por vezes, ser egoístas.
Quando estamos bastante atentos e encontramos, totalmente, este momento presente
– Agora a Agora, de modo totalmente fresco e novo – podemo-nos por vezes

libertar dos modos de acção do nosso estado de ego. Com a clarificação e compreensão
do nosso próprio desejo mais profundo (vida, voto), não há mais espaço disponível
para manter os hábitos do ego. A pura corrente subterrânea da nossa vida
original penetra todas as camadas da nossa consciência, consciência essa que é uma
acumulação de todo o nosso passado.
Portanto, simplesmente sentar-se em zazen é regressar à nossa vida original (à
própria pessoa) para lá de todas as camadas da nossa emaranhada consciência.
Afundando-nos, de volta nessa corrente pura da VIDA, sem qualquer estagnação,
então, claramente sabemos que este é o verdadeiro modo de nos libertarmos dos nossos
hábitos do ego. Se assim não for, isso é prova que o zazen não é verdadeiro, mas
antes um sentar habitual, mecânico, como uma máquina. O zazen ensina-nos o zazen.
A e s c a d a s em d e g r a u s
Estamos, sempre, no caminho aberto da Verdade. Durante a interminável jornada
desta demanda pela Verdade, e a sua compreensão, muito frequentemente perdemo-
nos ou ficamos presos nos nossos próprios charcos, brincando com os nossos

modos de pensar preferidos, dos quais somos tão dependentes, especialmente a nível
inconsciente. Todos eles são hábitos, velhos ou novos. Precisamos, de ser lavados por
uma completamente nova corrente da vida. O que é isso? É encontrar um verdadeiro
mestre(s) ou guia para o nosso novo e verdadeiro nascimento. Mas não podemos
chegar ao destino a que apontamos se não confiarmos no caminho e condução do
mestre. Ainda quando sentimos que sabemos o caminho (e o seu destino real) e nos
apegamos à nossa autoconfiança, muitas vezes tornamo-nos extremamente críticos
em relação ao guia, e temos muita dificuldade em confiar nos ensinamentos. Esta
confiança é a maior barreira e obstáculo que nos impede de irmos para além de nós
mesmos. Então, quando podemos com todo o coração, perguntar pelo caminho?
Estamos, no verdadeiro sentido, prontos para o fazer, quando realmente perdermos
o nosso caminho na cidade desconhecida ou na montanha profunda. Quando não
temos qualquer direcção definida para percorrer, mas ainda precisamos de nos esclarecer
acerca do sentido último da vida, podemos, com modéstia, perguntar pelo
caminho. Assim, o que necessitamos em primeiro lugar é de desistirmos, de abandonarmos
todos os nossos velhos hábitos, estilos de vida, convicções e tudo o mais, e
nos tornarmos como um novo bebé-principiante, pronto para aprender e praticar
tudo de novo. Este primeiro passo é chamado «acreditar» (Shin em japonês). Este
«acreditar» é um alicerce necessário para um aprender e escutar, frescos. O segundo
passo (Ge) é «compreender», sempre de modo novo, a condução e ensinamento, de
modo a avançar no caminho. O terceiro passo (Gyô) é «praticar», sempre de modo
novo, seguindo os ensinamentos com todo o coração. O quarto passo (Shô) é «experimentar
», de modo sempre novo, a plena-consciência última da nossa natureza original
e iluminada (buda): a fonte de infinita compaixão por todas as coisas. Finalmente, o
quinto passo (Nyû) é «actualizar» e incorporar esta experiência, ou despertar, na
nossa vida diária. Penetrando todo este processo, descobrimos que não há processo,
não há fronteira, nem divisão entre todos estes passos, mas simplesmente um só
caminho aberto, «Agora a Agora» – e descobrimos que temos de dar cada um e todos
os passos desta escada sem degraus.
Podemos ou precisamos de, com precisão, saber se a plena-consciência provém
meramente das nossas caixas de pensar (cabeças), ou do Tanden no fundo de nós
mesmos? Sim, podemos e isso só é possível por meio da nossa própria experiência
pessoal, por meio da nossa própria prática, por meio de cada passo de todo o processo
sem-processo. Quando, realmente, de modo humilde, não temos ideias podemos
distinguir entre a plena-consciência produzida pelas nossas caixas de pensar e a
plena-consciência verdadeira, proveniente da nossa mais profunda realidade. Essa

 sensibilidade torna-se mais aguda e profunda ao longo de todos os passos que agora
damos neste processo sem-processo. É possível tentar explicar a diferença entre os
dois tipos de plena-consciência, mas não o farei. É muito melhor que o clarifiquem
no vosso próprio fundo, por meio da vossa própria prática e experiência.
De qualquer modo, a mais necessária prioridade ao longo de todos os passos e
processos é a de estarmos incessantemente cientes da nossa prática intencional com
o ego; para acabarmos por nos render completamente e escutarmos o chamamento
da verdadeira voz do nosso buda sentado e mestre interior, voz essa, que não vem nem
das nossas caixas intelectuais, nem das nossas emoções, mas do que está para além
de todas as nossas intenções, ideias e paixões. Já sabemos que, quando estamos na
profunda paz sem ego e sem mente, percebemos a verdadeira resposta, com a natural
humildade e com o nada. Quando todas as habituais ideias e intenções do ego
cessam completamente, o verdadeiro voto do nosso buda original (a vida mais profunda)
emerge, seja qual for o passo que dermos. Seremos capazes de entender se
provém da nossa cabeça ou da profundidade do nosso abdómen. Isso, simplesmente,
não passa através de filtros na nossa mente, mas surge, tão-só, do nosso buda interior,
desde que não sejamos nada e não tenhamos nada. Essa compreensão provém de
modo total e sem ego da nossa profundidade original, como a luz que encontra o
seu próprio caminho para se manifestar. Nesse momento, por meio do chamamento
da voz interior, até o nosso intelecto, emoção ou instinto conhecerá a sua
natureza, papel, significado, limitação e será transformado e ultrapassado.
Finalmente, a não-separação e unidade original das duas funções (as nossas caixas e
abdómens) será concretizada como a totalidade da vida.
To d o s um, um t o d o
É um facto óbvio que todos nós temos pais. E sem excepção, todos os pais tem
pais, os quais também têm pais, e por ai diante… Assim podemos, interminavelmente,
continuar pela perpétua corrente biológica até chegarmos à fonte, a origem
da terra, do Cosmos. Isto, a origem de todas as origens, é o lugar onde, continuando
pela corrente da vida acima, vamos inevitavelmente chegar a… Aqui-Agora apenas!
Agora, quando nos encontramos com os nossos amigos e, calorosamente, os
abraçamos, sentimo-los. Os nossos amigos também têm amigos. Se bem que haja
alturas em que os amigos, devido a discórdias, não gostem de se encontrar – mesmo
assim, mesmo que tentemos, não podemos contar todos os nossos amigos e os seus
amigos, e os amigos desse amigos, porque a relação se alastra de modo universalmente
ilimitado. Interminavelmente contactamos e relacionamo-nos com todos os
amigos, até aos confins deste infinito universo. Então, irmãos e irmãs deste Cosmos,
qual é o propósito último de todas as relações e amizades?
Esta uma única paz no sentar!
Sem dúvida que temos de transcender tudo, ao longo de todo o tempo e espaço
e atingir esta mais simples realidade. Ela é o nosso derradeiro lar e alegria.
Quando entoamos o sutra do coração «GATE GATE PARAGATE…BODHI
SVAHA!», confirmamos isto mesmo, não outra vez, mas de novo. Isto significa que
milhões de antepassados e amigos se juntam a nós, exactamente Aqui-Agora, quando
nos sentamos, quando entoamos sutras, quando andamos e dormimos. Esta é a
nossa vida diária de zazen, yoga, entoação de sutras, trabalho e por aí diante.
Onde quer que nos encontremos, com plena-atenção, podemos, sob os nossos
pés, descobrir os incomensuráveis tesouros da vida e verdade da natureza infinita.
Todos os dias e noites podemos escutar a harmonia natural e desorganizada dos grilos
cantando alegremente com tantos outros maravilhosos insectos. Todos eles não
são mais do que o nosso próprio ser, ele-mesmo. As estrelas, a lua, o sol, pedras,
árvores, folhas que caem, rebentos que despontam, rios, as águas…. são intermináveis
e infinitos; são, exactamente, o nosso próprio ser e os conteúdos vivos de todo o
cosmos. Todos nós temos esse corpo cósmico. Tu e eu somos o infinito.
Cada partícula de pó tem em si todo o universo. Cada um de nós contém em si
todos os outros. Cada um de nós é um cosmos completamente diferente, e é um
cosmos infinito, uma harmoniosa eco-sinfonia, momento a momento. Todos os
nossos inumeráveis antepassados, filhos, filhas e amigos, são agora cada uma das
células do meu ser, do vosso ser e do de todos os nossos amigos.
Em cada um de nós, cada célula do nosso corpo contém profundamente
imprimida em si a mensagem essencial (a aspiração de vida) de todos os nossos
antepassados. Necessitamos, pois, de despertar e de despertar todas as células para
a compreensão desta essência última da vida (a mensagem), e cada um deverá também
ser a semente da nossa incontável posteridade. Cada célula de todo o nosso ser
transmite a mensagem cósmica (voto) de geração em geração, desde os nossos inumeráveis
antepassados; e, precisamente agora, olhando para a palma da minha mão,
estou consciente desta mensagem original no meu corpo. Devido a esse voto, é consequentemente
necessário e importante preservar e melhorar a saúde real do corpo,
da mente, do espírito e do mundo. Isto é Agora. Agora é isso.
Todo o caminho aberto de buda a buda é realizado e completado por esta chegada
à outra margem, Agora. A iluminação de todos os nossos inumeráveis antepassados,
de toda a vida em todo o universo ao longo de todo o tempo e espaço, é
agora actualizada de uma só vez quando um buda (tu e eu) nasce, Agora a Agora.
Desde que começou a sua existência à 4 600 000 000 anos, a terra, já realizou o
seu propósito último e o próprio sentido do cosmos: o nascimento dum ser desperto.
Finalmente, o rio sem margens da Vida está a penetrar a direcção fundamental
(buda), a partir dos seres vivos, cegos por todos os tipos de desejos do ego karmico,
até à nova vida desperta da profunda paz da não-mente. Deste modo, a nossa coluna
vertebral é penetrada por isto, ao longo de todo o nosso ser, da terra até ao céu. Esta
é a única direcção da nossa Força-Vital original.

 Flor que abre ou ego podre
Buda sentado ou fantasma errante
Tudo depende disto
Do que encontramos e fazemos Agora

 A  e t e r n i d a d e  n e s t e  mome n t o
P: O presente de que fala está no fluir do tempo, ou fora do fluir do tempo?
R: O tempo em que geralmente pensamos é apenas um conceito nascido do
hábito da nossa caixa de pensar. Podemos medi-lo (uma hora, dez minutos) e vem
do passado para o presente e futuro, ou do futuro para o presente e passado. Este é o
nosso fluir do tempo comum, mecânico e conceptualizado. Temos de transcendê-lo
para podermos encontrar a vida real (Agora). O verdadeiro presente é o Agora eterno;
a eternidade é só este único momento. A vida real vai de agora a agora. Quando
a experimentamos, todo o passado é transformado e curado.
Na realidade, não existe nem dentro, nem fora; a vida é só agora, o tempo não
existe. Só vida, só luz, só amor – que é, agora.
To d o  o  p a s s a d o  e  f u t u r o  s ã o  Aq u i - Ag o r a
A cada momento desta vida estamos a nascer de novo, sendo cada encontro completamente
fresco e absolutamente novo. Em cada momento podemos ser livres dos
nossos velhos hábitos e rumo karmico. Este é o verdadeiro cosmos do Aqui-Agora,
que nos cura, onde quer que estejamos, seja quando for. O cosmos é (e, consequentemente,
nós somos) totalmente novo, nascido de novo, cosmos a cosmos, buda a buda.
Nunca sabemos de antemão o que acontecerá amanhã, ou qual será o próximo
passo. Na verdade, não há amanhã, ou próximo passo, ou ontem (ou nenhum passo
anterior) de todo! Todo o passado, qualquer experiência que tenhamos tido, já é
Aqui-Agora, totalmente de novo. Portanto, seja o que for que tenhamos ou vejamos,
é o fruto resultante de todo o nosso passado – já não existe nenhum passado!
P: Se temos uma experiência nova cada dia, a cada momento, não haverá uma
possibilidade de repetirmos os mesmos erros a cada vez, não sabendo que caminho
seguir, que caminho para mudar (sem a memória passada de ter repetido esses
erros?). Por exemplo, um médico trata dum paciente com os conhecimentos e experiência
que ele adquiriu por meio de métodos estabelecidos ao longo da história
médica. Existe alguma possibilidade de um médico não utilizar um método de tratamento
estabelecido para uma doença se todas as doenças são, todas as vezes, um
novo e desconhecido encontro, para nós e para ele?

R: Todos nós temos dentro dos nossos corpos experiências que já são este Aqui-
-Agora presente; elas não são nenhum passado. Isto significa que já sabemos como
agir em relação aos perigos com que nos deparamos, ou aos tratamentos que necessitamos.
Esta acção não pertence ao passado, mas ao presente (Aqui-Agora). Todo o
passado desapareceu e tornou-se esta acção presente e experiência do Aqui-Agora.
A crença mais comum que necessitamos de clarificar dentro de nós mesmos, é a
de que, consciente ou inconscientemente, geralmente vemos, pensamos e vivemos
com coisas, pessoas, este mundo, como algo clarificado, como algo que nos é conhecido.
A verdade é que não conhecemos estas coisas, pois a cada momento encontramo-
nos e somos confrontados, de novo, com outra existência desconhecida de
mistério cósmico. A folha duma árvore, uma pedra, a palma da minha mão, uma
gota de água, ou até mesmo os nossos filhos e mães são, na realidade, um continente
desconhecido para nós. Não devemos, e não podemos lidar com eles, encontrá-los ou
julgá-los com as nossas habituais maneiras fixas. Quando aceitarmos a sua própria
unicidade cósmica, tudo e toda a gente que encontramos é de novo totalmente nova.
Nesta altura, todo o conhecimento e sabedoria proveniente do nosso passado
pode, naturalmente, agir na sua totalidade, como o funcionamento vivo do Aqui-
-Agora. Passo a passo, momento a momento, «Agora a Agora», estamos deste modo
a nascer de novo pela acção do encontro do Aqui-Agora. Esta é a única manifestação

e realização de todo o passado, de todo o futuro e de todo o presente cósmico, que
é, sem passado, sem futuro e, até mesmo, sem presente. Só neste Aqui-Agora nos
encontramos e agimos. Aquilo que você mostra, ou a que se refere como sendo passado,
já é presente, nada mais. Todo o passado já é este presente apenas. Não é?
Portanto, quando encontramos uma pessoa doente que nos pede que a tratemos,
ou que façamos algo por ela, podemos responder-lhe encontrando-a com todo
o nosso talento, conhecimento, experiência e compaixão (vindas do passado),
«Agora a Agora». Podemos, naturalmente, estarmos livres das repetições dos mesmos
erros, desde que respondamos, de modo incondicional, seja ao que for que encontremos,
a cada instante. Assim, tudo o que fazemos é só Aqui-Agora. Devido às nossas
respostas ao longo do passado, estamos agora por elas condicionados. Se bem
que, agora estejamos também livres e não condicionados, porque todo o nosso passado
já se tornou este presente (sem passado, sem futuro).
Seja o que for que sejamos ou façamos, é fruto de todo o nosso passado. Assim,
podemos tratar, espontaneamente e sem fixações, uma pessoa doente por meio deste
talento presente, de toda a nossa experiência, conhecimento e métodos estabelecidos.
Esta é a função natural do verdadeiro encontro, Agora. Isto é um encontro fresco, um
a um, todas as vezes que nos encontramos. Todo o Aqui-Agora que encontramos é a
primeira experiência, uma que nunca antes experimentámos, com todo o passado,
com todo o futuro e todo o presente! Um só, um só e total: Aqui-Agora!
S em i n t e n ç ã o , s em t é c n i c a
No nosso dia a dia atarefado é-nos muito difícil levar uma vida simples, isto
porque, andamos sempre, sem parar, à procura de estímulos. Devido à armadilha
desses bloqueios e distracções, não conseguimos voltar a casa, à profundidade da
não-mente. Precisamos de estar muito atentos para, mediante isso, reconhecermos e
erradicarmos esses estímulos. Isto pode ser feito relacionando-nos incondicionalmente
com uma só coisa (ISTO) de cada vez (AGORA), atentamente, sem qualquer
intenção. Este é o caminho da nossa simplicidade original, abertura e paz.
Na realidade, é a nossa falta de paz interior e estabilidade que nos leva a procurar
tantos estímulos. Esta falta de estabilidade interior deve-se ao facto de a nossa
expiração não ser completa. O nosso habitual estado mental, com todas as suas ansiedades
e desejos, faz a nossa respiração tão curta e superficial; e a respiração, por sua
vez, só contribui para sempre crescentes preocupações e insensatez. Devemos compreender
completamente esta nossa tendência, porque se estivermos verdadeiramente
cientes dela, encontraremos o nosso caminho sem precisarmos de perguntar a
ninguém. Quando nos falta estabilidade interior, agarramo-nos a este livro ou àquele
professor e andamos às voltas, confundidos pelas nossas ideias intencionais, sempre
à procura de mais estímulo. Devemos parar com todas elas neste único encontro
na nossa posição sentada. Zazen é o caminho para não se ir a mais lado nenhum –
um não-caminho. Só então, quando estamos vazios, em não-mente, podemos estar
cientes do nosso mais profundo e real desejo. De outro modo, podemos facilmente
confundir ondas mundanas com a nossa mais profunda oração. Nem sequer temos
de, conscientemente, nos preocupar em criar o nosso ideal. Antes, é quando perdemos
as nossas noções conscientes que nos encontramos com o verdadeiro ideal, no
espaço vazio da nossa profunda paz original. Não precisamos acrescentar nenhum
extra à nossa cabeça.
P: Qual é a técnica para nos livrarmos da intenção? Como posso, realmente,
encontrar-me consigo? É isto uma questão de esperar até que o outro não tenha
intenção, ou é uma questão de manipulação?
R: Não, não. Não é nem manipulação nem espera. E nem tão-pouco há técnica.
Simplesmente acontece por si mesmo quando você está em paz profunda, quando
você é realmente você mesmo. Quando tenho esse encontro consigo, ele surge
inesperadamente. Não se pode saber de antemão o que acontecerá a seguir.
Relativamente a esperar, esperar significa ter expectativa por alguma coisa. Existe
uma intenção ou expectativa escondida que o impede de experimentar a vida nova
fresca. Portanto, esperar e manipular são o mesmo; ambos provêm da sua tendência
intencional. A própria questão «Como me posso realmente encontrar consigo?» não
está bem colocada. Você, justamente, encontra-se comigo agora sem qualquer
«como?», sem qualquer ideia ou questão, simplesmente encontra-se comigo, directamente,
de modo total. Assim como eu também. Você não precisa de nada para
encontrar realmente alguém. O encontro é tudo; não há técnica.
A  c omp a i x ã o  n ã o  f a z  p e r g u n t a s
P: Na minha mente todas as criaturas merecem compaixão. Mas mesmo que
queira e tente sentir compaixão por todas elas não consigo, pois há alguns seres ou
criaturas que, ou são más e cruéis, ou minhas «inimigas». Diz que ter uma intenção
– por exemplo de amar, de sentir compaixão – impede o amor ou compaixão de agir
ou surgir. Será que isso quer dizer que a compaixão só pode ocorrer quando nos

encontramos num estável estado de não-mente.
R: A compaixão não faz perguntas; ela não julga ou descrimina. A compaixão é
AGORA!
P: Mas como é que sabe se está a sentir ou a agir com compaixão?
Oh, esta questão não é relevante! Quando sinto compaixão, não penso nada
acerca disso!
R: Será que pode realmente amar ou sentir compaixão quando o tenta fazer,
com o seu esforço intencional ou ideia?
Este esforço ou intenção impedem ou bloqueiam o fluir dessa função natural
da sua vida. É somente a função da não-mente, da nossa paz original no profundo
de nós mesmos, que pode amar e sentir compaixão. Claro que não podemos amar
seres maus e cruéis ou inimigos quando somos conduzidos pelas emoções e intenções;
mas quando estamos na paz profunda da função da não-mente, naturalmente não
odiamos nada, não excluímos nada e simplesmente encontramos as coisas dum
modo inocente, sem preocupação, expectativa ou rejeição.
Essa função original da vida não-mente é o amor e compaixão. Quando acrescentam
qualquer ideia extra acerca do amor, não é nada mais que uma coisa extra.
Isso não é amor mas uma função do ego. Ambos não podem estar juntos ao mesmo

tempo, assim como o «deus da não-mente» e o «demónio do ego» não podem trabalhar
na mesma altura e lugar. Geralmente, para a maior parte de nós, manter as nossas
próprias ideias e intenções do ego é de longe mais importante do que amar os
outros generosamente. Na nossa vida diária evitamos constantemente o trabalho da
compaixão, ignorando ou partindo o jovem rebento da nossa capacidade de amar.
E s t amo s  a  e x p e r ime n t á - l o  a g o r a !
P: Disse-nos que quando estamos livres dos condicionamentos e apegos podemos
confrontar-nos com cada situação de modo espontâneo. No entanto, tenho
uma grande dúvida acerca disso. Temo que possa fugir como um louco, que possa
ser tão diferente de todas as outras pessoas. Tenho medo de ser tão livre, talvez por
nunca o ter experimentado.
R: Ah, nunca o experimentou? Nesse caso, porque é que tem medo disso? Se
lhe é desconhecido, por que não o vê como sendo «desconhecido para si», tal como

é? Não há nada a temer aí. Todos os nossos medos provêm do nosso meio-conhecimento,
meia-obscuridade. A maior parte do tempo acontece o mesmo em relação à
morte. Geralmente temos medo dela, por vezes eu também, mas mesmo assim não
sabemos nada sobre ela. Muitas pessoas pensam que tememos a morte porque é o
desconhecido, porque não o experimentámos. Mas, têm a certeza que nunca a experimentaram?
A morte, a verdadeira morte, pode ser encontrada no dia a dia. Nunca anda
longe de nós; na verdade, está sempre ao nosso lado. Claro que não estou a falar da
morte que nasce da nossa imaginação. Vida e morte estão sempre juntas; elas não
são coisas separadas. Aqui-Agora, estamos sempre a experimentar vida-morte. Quando
estamos realmente livres de qualquer expectativa, apego e emoção, num acidental
estado de completa cessação, apenas experimentamos verdadeira morte, aqui, neste
abismo. Mas, enquanto continuarmos a brincar com os brinquedos dos nossos
velhos hábitos, não nos podemos, de modo algum, afundar na verdadeira vida-
-morte.
Em qualquer caso, quando diz «Temo que possa fugir como um louco…», já
está completamente condicionado e apegado a essa ideia. Quando está verdadeiramente
livre de condicionamentos e apegos, como é possível manter esse medo de
«Tenho medo de ser…»?
Karma  e  l i v r e  a r b í t r i o
P: A lei da causa e efeito afirma que todas as manifestações são interdependentes
ou sem existência própria. Isto parece querer dizer que o mundo está predestinado,
que todo o pensamento e acção no presente momento é simplesmente resultado
de influências passadas. Sob tal perspectiva como podemos, correctamente, considerar
a nossa responsabilidade «individual» em relação à prática e vida quotidiana?
Será que, realmente, temos livre arbítrio?
R: Mesmo que nos tentemos libertar da lei da causa e efeito, esse mesmo esforço,
acções e atitudes, já por si dependem, ou são suportadas, por essa mesma lei.
Portanto, a nossa liberdade pessoal pode realmente existir, tão livre, quando vivemos
o nosso dia a dia de acordo com essa lei. Deste modo, a nossa liberdade não é nada
mais que a lei da causa e efeito; ao mesmo tempo, a lei da causa e efeito nada mais é
que a liberdade de todos nós. Não separem esta única verdade quotidiana nestes
dois conceitos «liberdade» e «lei». O único problema é que, nas nossas mentes, criamos
essa divisão conceptual entre o nosso «livre arbítrio» e a «lei da inevitabilidade».
Devido à lei de causa e efeito, somos capazes de livremente realizarmos as inúmeras
tarefas da nossa vida diária – todas elas, sem excepção, estão a ser realizadas pela
própria lei (natureza) – isso é inevitabilidade, nada mais que a nossa liberdade.
Me d i t a ç ã o  a c t i v a
Vocês vão a um sesshin com a ideia de conseguir alguma coisa? Ou de perder
alguma coisa? Compreendem se vos disser que ambas as ideias são batatas extra nas
nossas abóboras?
No Sutra do Coração diz-se que não há nada para ser ganho, nada para ser perdido,
porque originalmente não temos nada, não somos nada, e por isso mesmo,
somos tudo. Esta é a bênção última e liberdade.
Nuvem branca no céu,
erva, árvores e vento na terra.
É o suficiente.
Assim, não podemos apegar-nos a nada como sendo a nossa possessão, seja
dentro ou fora de nós, nem mesmo um profundo estado de meditação! Logo que
adquirimos ou temos algo tornamo-nos dependentes duma infinita cadeia de ideias
e pensamentos emaranhados.
Quando simplesmente olhamos para uma bela praia, podemos descobrir que
todas as pegadas e vestígios da véspera estão a ser, momento a momento, completamente
apagados sem deixar traço. Tudo é tão impermanente e, por isso mesmo
somos capazes de nascer de novo onde quer que estejamos agora.
O Buda não obteve nada!
Nem tão-pouco perdeu alguma coisa!
Ele apenas descobriu que tudo está bem como é, como ele é, como tu és,
AGORA!
Agora, somos apenas vazio, isto é, somos tudo. Vazio de tudo! Este vazio é, para
todos nós, o ponto de partida de todas as actividades genuínas. Não nos devemos
escapar brincando com as nossas abóboras teóricas.
A nossa tarefa mais urgente é estarmos cientes do nosso ego e da realidade do
seu funcionamento, de modo a ajudar os outros, mas não devemos compreender
mal este ponto. Eu não estou a dizer que só depois de termos transcendido o ego é
que podemos ajudar os outros.
Os pássaros têm duas asas que servem apenas uma função: voar. Do mesmo
modo, nós temos duas asas para este único voo da vida: meditação e acção. Praticamos
meditação para transcender o nosso ego, e ao mesmo tempo agimos para ajudar os
outros. Não é uma aproximação passo-a-passo: primeiro transcendemos, depois ajudamos.
Se praticarmos deste modo, não podemos ajudar os outros de maneira
nenhuma. Portanto, uma das asas é praticar meditação, transcender o nosso ego e
atingir o nosso mais profundo estado de não-mente. E durante esse processo, podemos
também ajudar os outros. Ao longo de todo o caminho aberto, incessantemente
cruzamo-nos com o sofrimento de pessoas que não podemos evitar, ignorar ou
negligenciar. Enquanto levamos a cabo algumas medidas para aliviar os nossos
irmãos e irmãs do seu sofrimento, vemos que isso é também um meio de transcendermos
o nosso ego. Essa é a nossa outra asa.
Quanto mais nos sentamos, mais aprofundamos o nosso estado meditativo e
quanto mais atingirmos um estado de paz, mais podemos fazer pelo sofrimento dos
nossos irmãos e irmãs por este mundo fora. Se tal função não se manifestar em nós,
o nosso zazen não é o verdadeiro, apenas é uma estátua de pedra.
Meditar correctamente abre os nossos olhos nas dez-direcções e permite-nos ver
a realidade como ela é. Não é um estado cego e confortável de satisfeita contemplação
de si mesmo. Se realmente praticamos zazen devemos perceber a realidade do
mundo, devemos claramente ver o sofrimento que nós temos – não eles, lá fora, mas
nós mesmos. Nesta posição sentada, podemos ouvir todas as vozes que gritam neste
mundo, porque todas elas estão dentro de nós, não fora.
Enquanto nos agarrarmos aos nossos modos intencionais, nunca podemos ser
activamente livres e compassivos. Portanto, ser nada, ser vazio, é ver todas as realidades
como são, e isto é ser compassivo da mesma maneira que todos os Bodisatvas. A
nuvem branca está no céu, o mar incessantemente lava-nos dia e noite, os pássaros
estão a cantar e as estações têm inúmeras flores e árvores. Precisamos realmente de
algo mais?
Se queremos (ou precisamos) de algo mais, as guerras não cessarão e os monstros
insaciáveis continuarão, dia e noite, a combater em nós!

 É  o   c ami n h o  c e r t o  p a r a  n ó s ?
Há mais ou menos doze anos que tivemos no Japão um encontro especial de
cerca de cinquenta pessoas, representantes das principais tradições religiosas do
mundo. Não era uma grande conferência, mas um encontro de pessoas muito calmas
para discutir os problemas que estão a causar uma tão grande crise no mundo.
A dada altura, de modo muito natural, formaram-se dois grupos: um queria manter
o silêncio completo e o outro queria discutir alguns assuntos importantes e urgentes,
tais como a destruição ecológica ou as centrais nucleares. Até essa altura eu
andava completamente cego relativamente a tais problemas. As conversas acerca da
situação actual do nosso mundo ajudaram-me a acordar para essa realidade. Desde
então tenho estado envolvido no movimento anti-nuclear. Portanto, por vezes
necessitamos de discutir estes assuntos para acordarmos para a realidade. Controlados
e cegos como andamos pela enorme quantidade de informação (televisão, jornais,
revistas, internet…) e pelas nossas confortáveis vidas modernas, não abrimos os
olhos e ouvidos de modo a termos a plena-consciência da realidade actual do nosso
mundo, do nosso próprio ser.
Nestas circunstâncias, podemos apenas ficar neste quarto, em segurança, a fazer
zazen e sendo cegos? É o caminho certo para nós? Quanto mais nos sentarmos em
silêncio profundo, mais devemos acordar para essa realidade, mais devemos ser como
um espelho vazio reflectindo as coisas como elas são. Então podemos realmente agir.
O caminho das nossas acções é estarmos sempre com a realidade aberta sob os nossos
pés, de momento a momento, «Agora a Agora». Ao mesmo tempo, a verdadeira e
última paz está exactamente no silêncio deste passo único, um só sentar.
O  o á s i s  n o  d e s e r t o
P: A minha questão é acerca da unidade, quando cavamos fundo na nossa unidade.
Compreendo o que disse acerca de todos termos sofrimento e conflito, e que,
através de seres iluminados que têm paz, todos temos paz.
Se podemos aliviar o sofrimento e conflito das pessoas no mundo por meio da
meditação, então por que é que isso não funciona? Há mais pessoas a meditar hoje
em dia, mas também há mais pessoas no mundo.

Como podemos saber se a nossa meditação pessoal está a ajudar a humanidade,
quando a Terra está em tal convulsão? Se não faz diferença para o mundo quantas
pessoas meditam, então porque deverei eu meditar? Se não faz qualquer diferença
para o mundo, estarei então a meditar só para mim mesmo?
R: O verdadeiro lótus abre-se num minúsculo charco de água, o verdadeiro
oásis só se encontra no deserto e a nossa genuína meditação e sentido de unidade
estão somente Aqui-Agora (que é todo o universo), no meio de toda a nossa realidade
humana – que é cheia de crueldade, sofrimento, guerras, fome, doença e infelicidade.
Descobrimos que inúmeras pessoas, realmente, estão num incomensurável e
doloroso estado de escuridão; no entanto, também há inúmeros e maravilhosos amigos
que estão no caminho aberto da Verdade, paz e realização última. Ao mesmo
tempo, devemos conhecer e ver claramente ambos os aspectos da nossa realidade.
Qualquer que seja a perspectiva que tenhamos, já estamos a praticar e a encontrar o
Aqui-Agora, mas também continuamos a imaginar a realidade do mundo humano.
Isto significa que não temos confiança, ou que ainda não aceitamos completamente
esta oportunidade que nos é dada a todos nós. Porque, verdadeiramente, «Agora a
Agora», com esta oportunidade que nos é dada estamos, de facto, em posição de salvar
e curar todos (nós) na realidade deste sentar. Não devemos escapar desta dada
posição sentada se queremos atingir a paz mais profunda para todos. Se não conseguirmos
perceber o real papel da nossa posição sentada no meio da realidade humana
que espera a nossa compreensão última, estaremos a danificar o mundo e a
ignorar todas as vozes que gritam. Assim, este sentar é da maior urgência. Não deve-
mos andar a brincar nos espaços vagos da nossa cabeça, criando tantos tipos de
questões intelectuais, respostas e problemas. Sabemos agora que há inúmeros espaços,
possibilidades e reinos (desde o céu ao inferno) dentro das nossas cabeças.
Podemos inventar armas e veneno para destruir mil vezes o mundo e toda a raça
humana. Ou, podemos criar um mundo de paz quando nos livramos das nossas
cabeças, quando formos livres da caixa de acumulação do nosso passado, de sentar a
sentar, de respiração a respiração.
Para nós, quase pertence à realidade desconhecida que este mundo esteja cheio
de crueldade e beleza mística, cheio de Amor e Luz e cheio de guerra e escuridão.
Porém, cada aspecto da realidade desconhecida é de inevitável significado para nós.
Os inúmeros e incontáveis problemas surgem quando olhamos constantemente, de
um modo fixo, para um só aspecto da realidade devido às nossas inclinações habituais.
Para algumas pessoas este mundo é cheio de beleza e alegria, e para outras é
cheio de crueldade e escuridão. Porque não podemos ter uma visão da realidade nas
dez-direcções, e ver a totalidade da vida sem inclinações? Será por causa da distorção
da nossa mente que está, incessantemente, a ser influenciada pela quantidade de
informação canalizada pela televisão, revistas e outros meios? Será que vemos e sustentamos
o mundo real, a verdadeira realidade? Devemos fazer este exame básico
antes de chegarmos a qualquer conclusão rígida do género, «no mundo o sofrimento
e o conflito são mais fortes e maiores que a paz da meditação». Se esta conclusão

estiver certa, continua a praticar a meditação? Ou pelo contrário, se o fruto da
meditação for o maior e o mais forte, pode parar e ficar livre de meditar? Faça chuva
ou sol, venho aqui sentar-me com todos vocês. Haja neve ou trovoada, vivemos
agora. Seja verdade ou não que este mundo esteja cheio de crueldade, fazemos, sem
cessar, este sesshin e meditação consigo. De outro modo, o deserto é eternamente
deserto numa maneira fixa e as águas lamacentas serão sempre, da mesma maneira,
lamacentas.
«Como podemos saber se a nossa meditação pessoal está a ajudar a humanidade
quando a Terra está em tal convulsão?» – Para esta importante questão, primeiro
temos de realmente clarificar dum modo profundo o que é essa ajuda à humanidade.
Por exemplo, termos cuidado com a nossa habitual saúde física, será que isso nos
ajuda, a nós e à humanidade? Nem sempre! Ou, como muitas pessoas fazem: discutir,
esforçar-se a trabalhar, lutar activamente pelos direitos humanos e pela paz no
mundo será isso ajudar a humanidade? Nem sempre! Tudo depende se essas pessoas
mantêm ou não a estabilidade e paz interior. Se assim acontecer, os seus actos e orações
ajudar-nos-ão, senão, apenas poderão aumentar a confusão social. Ajudará a
humanidade o sentar-se em zazen durante muitos anos; num severo e tradicional
mosteiro Zen; numa gruta de uma montanha profunda ou num ashram sagrado de
yoga? Também nem sempre! Há muitos exemplos em que essa «prática severa» é
feita segundo a nossa maneira habitualmente adormecida e, nesse caso, as nossas
vidas serão despendidas em vão. Tudo depende da nossa apercepção desta Vida-
-Agora e, como tal, o efeito é inteiramente diferente, a cada vez e para cada pessoa.
Sentarmo-nos por um momento na nossa mais profunda paz, será isso, por
exemplo, ajudar toda a humanidade? Sim, isso ajuda! Devido à não-separação entre
a nossa paz profunda, a paz do mundo e a ajuda a todo o universo; estas coisas são
inseparáveis, são uma ajuda, um amor e um mesmo corpo-terra. O vosso zazen verdadeiro
é meu, é da humanidade, é um zazen universal. Cada um de nós deveria
encontrar esse sentar, estar e andar zen durante todo o tempo, passo a passo.
Mesmo que toda a humanidade se sentasse em meditação e trabalhasse arduamente
em acção durante mil anos, mesmo assim a paz real não chegaria à Terra e o
sofrimento continuaria a existir para sempre. Mas, agora mesmo, a paz real (a ajuda
à humanidade) está aqui onde você (nós) está sentado em meditação (nesta uma
única expiração).
Todavia, sinto que apenas respondi a 0,1 por cento da sua pergunta. Deixe-me
tentar acrescentar mais 0,01 por cento.

 Para alguns amigos que têm a tendência de guardar uma fixa ou habitual
maneira adormecida de se sentar em meditação gostaria de sublinhar o seguinte
aspecto:
Se somos autênticos praticantes do Zen, alcançaremos a iluminação no caminho
mais aberto, e então seremos imediatamente activistas da paz sem ego. O que
quero dizer com ser-se «autênticos praticantes do Zen»? Quero dizer que seremos
apenas conduzidos pelo profundo e original voto da vida. Por outras palavras: pela
compaixão infinita do vazio desperto, ou pelo não-eu, não-ego, não-fixação, ou pela
interdependente e constante mudança da unidade e da plenitude, ou ainda, Este
encontro, Esta realização do Aqui-Agora.
Se somos autênticos praticantes do Zen, naturalmente trazemos o vazio perfeito
a esta actividade que é a compaixão que funciona para todos os seres, especialmente
para os mais desfavorecidos, moribundos, irmãos e irmãs que combatem nesta terra.
Isto é o penetrante amor de Madre Teresa, Jesus Cristo, Thich Nhat Hanh e tantos
outros bodisatvas desconhecidos.
A alguns outros amigos que já trabalham atarefadamente em muitos campos de
batalha da vida mas sem meditação atenta na sua vida diária, gostaria de lhes perguntar:

«Ter-se-ão interrogado a vós mesmos, se as vossas sinceras actividades entravaram
ou destruíram a vossa paz interior – que é a paz do mundo – ou não? Se assim
é, se ficaram saturados com isso, precisam urgentemente de restabelecer a vossa paz,
a mais íntima (a meditação), para a paz real do mundo, agora. Neste passo tão básico
a prática Zen ajuda-nos a todos nós.»
Muitos bodisatvas vivos (o vazio desperto e activo – nós próprios?!) andaram a
praticar e a agir no curso profundo da meditação, durante milhares de anos. Graças
a esse seu vazio desperto sem ego e universal, graças à verdadeira compaixão da não
separação com todos os seres, os seus actos e meditação, agora, ainda estão realmente
a agir, ajudando-nos e curando-nos a todos nós. Isto é, como o Mestre Dôgen
indicou, a autêntica prática do Zen para todos. Se assim não fosse, há centenas de
anos que a humanidade já se teria destruído completamente a si mesma com a sua
demoníaca astúcia do ego tão grandemente desenvolvida.
Continuo por responder à sua pergunta, «Por que é que isto não funciona?» É
porque você agora não está sentado em meditação devido à sua ideia de separação (o
mundo / eu próprio). Este hábito de separação, fixo tão fortemente, é o nosso erro e
a causa das guerras e confusões intermináveis.
Os nossos hábitos do ego produzem e mantêm um incessante estado de guerra,
tanto interior como exterior, que só a paz profunda da meditação pode acalmar
agora, esteja-se sentado ou agindo. O sofrimento, conflito, ira e confusão na Terra,
na realidade, irá aumentar devido à astúcia das habituais construções do ego. Nesse
caso mesmo se nos sentarmos em zazen por muito tempo, a essencial substância da
meditação estará ausente. O zazen real é tão raro! A verdadeira compreensão da
vacuidade (o sem ego; o espaço sem o eu próprio; o apenas agora; ISTO AGORA) é
um lótus que se abre no fogo de infindáveis desejos, um oásis no deserto.
Co n f r o n t a r  a  r e a l i d a d e
P: Foi demonstrado que uma criança «ocidental» ou uma Japonesa consome
trinta e três vezes mais recursos do planeta que uma criança do Terceiro Mundo.
Deste modo, uma pessoa que tenha duas crianças no Japão ou na Austrália gasta o
equivalente a sessenta e seis crianças indianas ou africanas. Acha que devemos encorajar
as pessoas nos nossos países a terem menos filhos?
R: Não é muito sensato encorajar as pessoas no Japão, na Austrália, nos
Estados Unidos ou na Europa a terem menos filhos, mas antes, devíamos deixá-las
podemos fazer relativamente a esse problema e a todos os outros problemas neste
mundo.
Por outro lado, também vemos que a causa dessa infelicidade e situação injusta
reside sempre na nossa vida diária. Devíamos igualmente ver, confrontar e considerar
essa realidade interior e escondida, a fim de encontrar o modo correcto de viver e
morrer, para benefício real de todos – para a unidade da infinita eco-sinfonia.
A meditação devia ser a prática diária básica e o incessante exame deste estado
das coisas dentro de nós. Enquanto não formos livres dos nossos hábitos, não podemos
verdadeiramente ver a realidade como ela é. Ao longo de toda a nossa vida não
estamos diariamente (até neste momento) a matar inúmeros seres vivos, tanto no
nosso corpo como debaixo dos nossos pés? Geralmente, cegos que somos, ignoramos
tantos tipos de realidades que nos rodeiam ou estão dentro de nós.
O  q u e  p o d emo s  f a z e r  p o r  t o d o s ?
Uma manhã um dos meus filhos, perguntou-me muito sério:
«Quando estava a limpar e a varrer o jardim do templo descobri que havia muitas
formigas e vi o buraco do formigueiro num canto do jardim. Não consegui continuar
a varrer e parei o meu trabalho. Senti que tudo o que fazemos é para nossa
conveniência, sem qualquer consideração pelos outros ou pelos outros seres sensíveis.
Será que ainda estamos a praticar a compaixão, no verdadeiro sentido, para
todos, ou apenas fazemos as coisas para o nosso modo egocêntrico de vida, que por
vezes é tão cruel para os animais e para a vegetação? O que devo realmente fazer, dia
e noite, com este problema?»
Eu respondi:
«Não precisas de varrer todos os cantos do jardim, mas podes deixar algumas
partes onde as formigas trabalham, ou por exemplo, têm os seus formigueiros. Esta
é apenas a nossa solução temporária, se bem que não seja a resposta essencial para o
problema que esta importante pergunta frequentemente levanta. Porque, sejamos o
que formos, até neste preciso momento, este problema estará, inevitavelmente, connosco
enquanto vivermos. Portanto, precisamos de investigar e clarificar completamente
a natureza essencial da vida em si mesma para todos, o verdadeiro significado
da nossa vida ela mesma, na terra.
«Primeiro precisamos de clarificar e ver que cada ser é, e está a ser suportado tal
como é, por todos os outros seres e todo o universo. Desde que nascemos, temos os
nossos corpos que inevitavelmente necessitamos de manter, comendo outros seres.
Aos nossos corpos e mentes e a tudo foi-lhes dado viver nesse rumo karmico. Nascer
desta maneira não foi opção nossa, o que significa: tudo no universo tem uma razão
para acontecer – de modo cósmico, absoluto, com este sentido, desta maneira.
Nascimento, morte, doença, senilidade e até guerras, todos os seres humanos e a
terra ela própria é suposto decaírem, tornarem-se senis (descobrimos que, no fim,
tudo é apenas o rumo karmico duma cósmica força-vital).
«Tudo é assim mesmo apenas devido à natureza da lei cósmica. O que podemos
e devemos fazer é, calmamente, com plena-atenção encontrarmos e aceitarmos cada
Aqui-Agora que é a actualização de todo o universo, do cosmos, um a um, passo a
passo. Então, tudo e todos os seres, através do tempo e do espaço, nascem de novo,
neste único momento. Isto é a vida real.
«Devido ao erro de habitualmente nos vermos a nós mesmos como indivíduos
fixos, como uma existência separada de todas as outras, temos essa questão, problema
e sofrimento.
«Quando compreendemos e encontramos o verdadeiro sentido e essência da
vida (Aqui-Agora), todo o curso cósmico e karmico da vida é alcançado. De outro
modo, mesmo que não se fira nenhum ser sensível e que se salve todos, é completamente
impossível concretizarmos o verdadeiro sentido da nossa vida.Isto (um
encontro Aqui-Agora, tu e eu) é o modo de os salvar a todos.»
Assim, o karma, todo o nosso karma, é concretizado e completado da maneira
correcta, como originalmente é suposto ser, quando realmente nos sentamos na paz
profunda dum zazen desperto, Aqui-Agora.
Milhares de explicações são desnecessárias, mas o encontro DISTO basta para a
nossa vida no universo inteiro.
Enquanto que centenas de mosteiros são apenas karmicas repetições, este
momento-relâmpago de uma única respiração é o suficiente para as acalmar.
Esta plena-consciência da paz atenta é a verdadeira realização de todas as vidas;
milhões de práticas habituais são apenas feitas em vão.
A luz de uma única vela ilumina toda a escuridão do mundo. Esse é o sentido
de cada ser.
A galáxia inteira, o cosmos infinito na sua totalidade, é uma flor selvagem e
sem nome do vazio.
Um  s ó  e n c o n t r o  em  t o d o  o  t emp o  e  e s p a ç o
Um verdadeiro praticante zen não pode ignorar que não há separação entre o
que está dentro e o que está fora, entre nós e o mundo, entre os outros e nós mesmos,
entre sujeito e objecto, total e individual, karma e libertação.
Graças à sua sabedoria instintiva e tradicional, todos os nossos antepassados,
desde os primórdios da humanidade, transmitiram-nos este planeta verde. Eles receberam-
no da própria natureza (sol, terra, água, ar e todos os seres vivos. Esta Mãe
Terra, na qual agora todos vivemos juntos, é o maior presente que alguma vez nos
poderia ter sido dado. É um e único presente.
Nos últimos 3000 anos Moisés, Gautama, Jesus, Dogen, Krishnamurti, Thich
Nhat Hanh e muitos outros mestres e sábios nasceram neste planeta. Pensam que
eles não sabem se nós andamos a tomar conta da nossa Mãe Terra com profundo
amor e respeito? Não sentirão eles um profundo temor pelo que andamos a fazer
agora? Eles realmente sabem e repetidamente avisaram-nos para voltarmos à paz
profunda que existe numa vida humilde. Temos andado demasiado ocupados para
os ouvir, demasiado ocupados a tentar atingir a riqueza nacional e segurança com o
conceito de honra nacional e a desenvolver as mais avançadas tecnologias de morticínio
e destruição em massa, por meio de guerras em grande escala, nas quais temos
estado envolvidos! O que significa isto?
Significa que nós – cada um de nós – não foi capaz de descobrir dentro de si
mesmo a própria paz original.
Consideremos agora que tipo ou qualidade de planeta é que estamos, na verdade,
a deixar para todos os nossos netos e netas. Estamos a fazer-lhes um belo paraíso
verde na terra, ou um perigoso inferno? Infelizmente, neste momento, só posso responder
pelo último. E se daqui a quarenta ou cinquenta anos eles nos colocarem
esta séria questão:
«Por que permitiram um mundo cheio de poluição, venenos e forte radioactividade,
cheio de doenças desconhecidas e sofrimento de morte? O que é que afinal
vocês nos fizeram?»
Se o vosso neto vos perguntar isto, o que é que respondem? Qual é a resposta
que têm? O que é que estamos a fazer por eles agora? Ainda andamos a criar perigos
desconhecidos com a nossa curiosidade científica e invenções imprevisíveis, tais
como a engenharia genética…
Como o Buda nos disse: «Viver não é senão sofrer», – mesmo sem poluição ou
quaisquer perigos fabricados pelo homem. Para qualquer criatura, viver não é mais
do que karma ou pecado. Por exemplo, eu gosto muito de comer camarões. Mas

esses camarões também comeram milhares de minúsculas criaturas, e estas criaturas
por sua vezes comeram milhões de…
Não será, então, sofrimento, karma e pecado viver neste mundo, mesmo se,
por vezes, apreciamos bastante as nossas vidas? De qualquer maneira, até na circulação
e conexões do universo ecológico e a sua harmonia, todos os seres vivos e nós
mesmos, estamos inevitavelmente a aumentar a entropia (karma) biológica. Não
vêem essa nossa realidade?
Viver é matar e comer inúmeros seres vivos dia após dia – não só os seres humanos
mas todos os seres vivos (como tais, vivendo da mesma maneira). Isto não é mais
que o curso karmico no qual todos sempre estamos, sem excepção. O que podemos
fazer com esta realidade?
O Mestre Zen Dogen diz-nos:
«… quando realmente vocês fazem um momento de zazen, é incomensurável o
efeito real (para todos). Mesmo que todos os budas, ao longo de todo o tempo e
espaço, o elogiem para sempre, o seu mérito é muito maior que a sua perpétua admiração,
a qual não pode nem sequer medir a mais pequena ponta do seu mérito».

Conseguem acreditar nisto? Consigam ou não, zazen devia ser assim, a verdadeira
transcendência de todos os nossos karmas perpétuos. De outro modo, não tem
sentido. Por que é o verdadeiro zazen assim?
Clarificar a realidade das nossas vidas (que não é nada senão efemeridade, sofrimento,
rumo karmico e pecado crescente) levar-nos-á a também questionar a vida,
ela mesma (o que é a verdadeira vida, qual o verdadeiro sentido da vida?) e, então,
finalmente a descobrir o que é a vida autêntica. O que é, o que é então a vida verdadeira?
A vida verdadeira, a transcendência de todo o nosso rumo karmico da «vida e
morte», que é a única libertação em todo o tempo e espaço, é encontramo-nos
Aqui-Agora sem qualquer conceito habitual!
É isto mesmo!
A vida é Agora.
A paz é Agora, neste encontro.
Nascimento, Novo Nascimento, o absoluto Nascimento único ao encontrar-te
aqui, em todo o tempo e espaço, é isto!
A menos que vejam isto (a Vida é Agora), tudo é uma escuridão sem sentido.
Está bem?

A vida não é o nosso corpo,
A vida não é a nossa cabeça,
A vida não é a nossa mente ou espírito, não é uma existência,
A vida não é algo fixo para existir sempre duma certa maneira,
A vida não existe em lado nenhum – no nosso corpo, na nossa mente, ou em
nada!
A vida é aqui, a vida é agora, onde nos encontramos. Esta é a única vida real,
que não existe amanhã, que não podemos meter no bolso ou frigorífico ou nas nossas
caixas-cabeças. É sempre fresca e totalmente nova onde quer que a encontremos,
seja quando for que nasçamos (Agora), está sempre a chegar fresca Agora a Agora,
passo a passo, encontro a encontro. A vida é a criação cósmica expontânea, vinda do
abismo desconhecido do universo, este milagre, esta nova descoberta, este nascimento
que nunca foi experimentado antes ou depois. Ela não existe, de forma alguma,
de antemão! Ela só emerge neste ponto de encontro, agora, uma vez na eternidade.

«Quando a flor abre
A borboleta chega,
Quando a borboleta chega,
A flor abre.»
Este é o mundo real da vida. Sempre vida nova, muito imprevisível, surgindo
inesperadamente, sem qualquer fixação. Encontrar (experimentar) em toda a eternidade
o lótus que se abre (Aqui-Agora) é a verdadeira vida, e momento a momento,
milagre a milagre, AGORA, é a oportunidade real para despertar, para ter esse
encontro, o lótus da Vida.
Como o Buda disse, afinal, viver neste mundo, é sofrimento e dor. A sério! No
entanto, neste sofrimento e dor, neste mundo inevitavelmente doloroso, quando
abrimos os nossos olhos e a nós próprios, agora mesmo, tal como um lótus branco
se abre num charco lamacento, a harmonia original e o sentido das nossas vidas
neste mundo é compreendido profundamente, exactamente. Assim, o verdadeiro
sentido e conteúdo da Vida e Verdade não é mais do que este encontro único (tu e
eu), somente este encontro vivo, do Aqui-Agora neste mundo, a meio de todo o
sofrimento e dor. A liberdade real só pode ser encontrada dentro da prisão desta realidade,

e em mais lado nenhum! Para podermos encontrar o aqui-agora devemos ser
capazes de desligar, o mental que faz associações e os macacos aos pulos da mente,
em qualquer altura e quando for necessário.

Nesta atenção e plena-consciência do Aqui-Agora, finalmente descobrimos o
significado das palavras de Dogen – «… quando realmente vocês fazem um momento
de zazen, o efeito real [para todos] é incomensurável. Mesmo que todos os budas,
ao longo de todo o tempo e espaço, o elogiem para sempre, o seu mérito é muito
maior do que a sua perpétua admiração, a qual não pode nem sequer medir a mais
pequena ponta do seu mérito [do verdadeiro zazen]» – e despertamos para o verdadeiro
sentido do zazen. O zazen desperto. Que é afinal o verdadeiro zazen!
Já nos perguntámos acerca da qualidade do planeta que vamos deixar aos nossos
descendentes. Que tipo de questões ouviremos deles? Que respostas temos para
eles agora? Como estão no vosso interior, a responder aos vossos filhos e aos filhos
dos vossos filhos?
Eu respondo por eles e por mim:
«… por favor deixem-nos juntar a vós aqui… nas vossas almofadas de meditação
(para lá do tempo e espaço) numa só pulsação vossa e nossa, com esta pulsação
cósmica».
Agora todos os nossos descendentes juntam-se a nós enquanto nos sentamos
nas nossas almofadas de zazen. Não só os nossos descendentes mas também os nossos
antepassados se juntam a nós, aqui na nossa posição sentada, quando nos sentamos
em zazen. Portanto, zazen não é somente o nosso feito individual, mas deverá

ser a totalidade e a unidade: a acção universal. Deste modo, Dogen deu importância
a que o zazen fosse assim. (Não só o zazen mas também tudo o que fazemos se for
feito atentamente Agora a Agora, o cosmos inteiro junta-se a nós!).
Portanto, a vossa questão deveria ser encontrada nas vossas posições sentadas,
Agora! Agora por favor deixem-me ouvir a vossas próprias respostas às suas questões.
Se nesta geração do século XXI formos bem sucedidos em criar um paraíso verde
para todos eles, os nossos descendentes perguntar-nos-ão questões diferentes, tais como:
«Como foram capazes de penetrar o vosso mais profundo voto e acções através
dessa escuridão e dificuldades, como puderam ser pessoas tão estáveis nos passados
50-80 anos de tão grande perigo?»
E então vocês respondem:
«Porque me sento nesta almofada (Aqui-Agora)
contigo e com toda a terra!
Agora, sentas-te? Porque não?»
De qualquer modo, sem excepção, estamos automaticamente a dirigir-nos para
o nosso próprio destino final. Agora vejo a terra, esta pérola azul ou oásis no universo,
(e todas as criaturas e seres juntos nela) como uma pessoa que nasceu, cresceu e
decai em direcção à morte, como é o processo natural de um ser vivo.
A nossa terra e toda a história dos seres humanos não é nada de extraordinário.
Assim, como o Buda disse, viver não é senão sofrer devido ao nascimento, à doença,
senilidade e morte. Como não podemos parar este processo de envelhecimento e
morte por nós mesmos, não o podemos parar para a nossa terra, ou para toda a
nossa história como seres vivos nesta Terra Mãe. Finalmente todos iremos em direcção
ao mesmo destino (a fase final).
Então, para onde vamos? Qual é a fase final ou objectivo na terra?!
Se disserem: «Para a morte (no futuro)»
vocês ainda estão na prisão do tempo do conceito mundano!
De modo nenhum!
De modo nenhum!
Na verdade, estamos a nascer Agora a Agora!
Isto é (agora é) o nosso destino final e o começo duma vida totalmente nova (!)
que transcende já todos os nossos conceitos de «passado», «presente» e «futuro».
A menos que se volte para casa e se desperte para este Agora absoluto, estaremos,
ainda, nos infindáveis campos de batalha da guerra mundial dentro de nós.
Portanto, sentamo-nos neste Agora absoluto.
Agora, Agora, Agora, isto é o nosso destino final. Não há mais lado nenhum
para irmos! Esta é a vida absolutamente nova para nós começarmos!
O  e s p í r i t o  u n i v e r s a l
P: Se o espírito é universal, por que é que alguns seres não são por ele tocados e
levados a aprofundar a sua vida numa dimensão mais espiritual?
R: O que é que quer dizer com «espírito»?
P: Aquilo que está por detrás de todas as formas de vida, a força que faz a
semente transformar-se em árvore…
R: Ah, compreendo… Sim, também me faço essa pergunta. É uma pergunta
muito frequente. Porque será?
Posso ver três pontos a serem considerados. Primeiro, quando simplesmente
examinamos uma minúscula parte duma banana, não podemos ter uma percepção
total do que a banana realmente é, da sua total realidade como fruto da bananeira.
Quando somos apanhados apenas por uma parte da realidade, normalmente sentimos
a imperfeição; mas apercebendo-nos do todo, encontramo-nos com a harmonia
e perfeição da natureza. Temos de abrir o nosso ser nas dez-direcções, sem fixar
nada, de modo a termos uma perspectiva completa das coisas.
O segundo ponto é: já alguma vez pensaram que cada um de nós provém de
um espermatozóide escolhido entre uma imensidade deles? O que aconteceu a todos
os outros? Do mesmo modo, uma árvore produz uma infinidade de sementes ao
longo de toda a sua vida. Todas elas crescem para se tornar árvores? Os peixes também
põem inúmeros ovos mas apenas alguns se tornarão peixes. Como podem ver, a
natureza tem as suas próprias maneiras de controlar os seus desenvolvimentos e de
regular em si a própria vida. Imaginem se todas as sementes dessem fruto!
Terceiro, tal como Walt Whitman disse num poema, as estrelas estão exactamente
no seu lugar certo onde quer que estejam, não precisamos delas mais perto.
Eu, que as olho, também estou onde é suposto estar… Portanto, cada ser tem muito
sentido tal como é… Ele tem o seu papel próprio no processo da vida. Cada folha
caída numa floresta tem o seu próprio sentido e papel. Mesmo que muitos seres
pareçam ser cegos, inúteis e ignorantes da sua dimensão cósmica, todos eles têm o
seu papel para tocar a infinita eco-sinfonia cósmica no processo da natureza.
Quando vocês se tornam iluminados, cada pedra no jardim torna-se iluminada.
Tudo participa nisso.
Como podem ver, esta questão desaparece por si mesma porque, para esses seres
aprofundar as suas vidas numa dimensão mais espiritual não é de todo necessário. O
espírito real já é suficientemente universal.

 Remé d i o  o u  v e n e n o ?
P: É importante estudarmos as escrituras, os textos budistas, ou devemos esquecê-
los?
R: Se quiserem estudar os Sutras, por favor façam-no. Mas quando se sentam
esqueçam-nos completamente e sentem-se apenas. E quando estudam, esqueçam
tudo acerca do zazen. É realmente impossível generalizar, tudo depende do professor
e do estudante. Frequentemente digo para não lerem livros, mas eu tive muita sorte
porque tinha o meu mestre, e não precisava de ler. No meu quarto, tenho muitos
belos livros (os meus brinquedos) que por vezes leio, no entanto esqueço-os cada vez
que me sento. Deste modo, não são demasiado venenosos. O nosso grande problema
é que muito facilmente ficamos presos a um nível intelectual. Quando compreendemos
algo dum sutra, talvez sintamos uma certo tipo de contentamento e
satisfação. Este sentimento de gratificação intelectual é muito atraente e podemos
ficar agarrados a ele. Como podemos então dar um passo mais, do cimo da vara de
cem pés?
Por outro lado, essa compreensão pode também ser um importante passo no
processo de despertar. A maior parte das vezes, um livro (mesmo este) pode ser um
brinquedo intelectual ou uma arma para a nossa auto-satisfação. Tudo depende da
pessoa e da situação; um comprimido tanto pode ser curativo como venenoso.
Mesmo o zazen pode ser um brinquedo habitual ou acrescentado. O zazen nem
sempre é uma boa medicina para todos os pacientes.
P: Apesar de tudo, todos nós estamos a pisar o caminho aberto do processo das
«Dez imagens da captura do boi». Por conseguinte aonde é que está? Em que nível,
entre os dez, se encontra?
R: Em nenhum! Só este único passo de Agora-Aqui.
Ta n t a s p a s s a g e n s n a v i d a d um s ó mome n t o
P: Como é que vê a relação entre a prática do zazen e os ensinamentos de
outros mestres, outras tradições? Por vezes tenho a sensação que se complementam.
R: Sim, por vezes fazem-no e pode ser útil e ajudar. Há tantos ensinamentos e
tantos caminhos, mas devemos ter presente que são todos apenas um, o caminho
para regressar à nossa paz original, compaixão, que é a nossa vida para a iluminação
de todos os seres. Não há, de facto, mais nada para aprender. Todos esses ensinamentos
e livros são como passagens, mas não podemos atravessá-las a todas! Não
podemos ler todos os livros, nem estudar todos os caminhos. Seria muito confuso,
mas claro que nós adoramos as nossas colecções, adoramos ter tanta informação;
essa pode ser a nossa armadilha. Portanto, às vezes deitamos tudo isso fora, deitamo-
-nos a nós mesmos fora, libertamo-nos de tudo isso! Peço-vos que não percam as
vossas vidas em vão. As nossas vidas são tão curtas, elas só duram um momento e as
coisas para aprender são ilimitadas. Devemos ter muito cuidado em como habitualmente
as gastamos. Isto é um preceito muito importante para nós e ao qual o
Mestre Zen Dogen deu muita ênfase. Uma das nossas maiores tarefas é descobrir a
passagem verdadeira, o caminho simples para regressar a casa, à nossa iluminada paz
original e à compaixão, de modo a trabalhar para a verdadeira paz no mundo.
Co r r e n t e s  s u b t e r r â n e a s
P: Por que razão as religiões do mundo, enquanto ensinam amor e sabedoria,
têm gerado tanta violência e guerra?
R: Pensa que um mundo sem religiões não geraria guerra e violência?
Encontramo-nos perante o grande paradoxo das religiões do mundo… O

Cristianismo, cujo principal ensinamento é o amor, tem uma história cheia de sangue
e crueldade. O Hinduísmo, cuja ênfase é dada ao desenvolvimento da sabedoria,
tem mantido um elevado nível de ignorância nos países em que se difundiu. O
Jainismo, que prega a pobreza honesta e a simplicidade, é praticado na Índia por
muitos seguidores extremamente ricos. O pilar do Islão assenta na fé e crença, mas
nos países islâmicos o que reina é o fanatismo, que é o oposto da fé pura. No
Budismo Zen, o zazen ou a meditação sentada é considerada como a base, no entanto
os padres zen profissionais passam a maior parte do seu tempo em cerimónias
decorativas, muitos maneirismos e caminhos fixos. O zazen real é raro!
Os Governos têm sempre utilizado grandes organizações e sistemas como meios
úteis para dominar e governar as populações e os países. A mesma possibilidade não
só reside em sistemas religiosos, mas também em qualquer tipo de grandes organizações.
Assim, uma verdadeira religião, a religião real, é sempre feita de minúsculas
correntes subterrâneas de práticas sinceras (vida), e do próprio crescimento da nossa
autêntica plena-consciência, como Krishnamurti, como uma pequena e humilde
flor no deserto.

 O  t r o v ã o  s i l e n c i o s o
P: Se o Zen, ou a verdadeira vida real, está para lá de todas as palavras, escrituras
e pensamento, então qual a necessidade de explicar o Zen em palavras e conceitos?
Não se porá isto no caminho da experiência directa? Em todo o caso será
necessário usar palavras para descrever o Zen?
R: Explicar e descrever o Zen é inútil. Eu não tento explicar o Zen, mas estamos
a clarificar todos os necessários aspectos da Vida, da Verdade, da realidade de
nós mesmos e do mundo. Portanto, nós necessitamos de praticar o Zen e transcender
todas as nossas palavras e conceitos, para irmos para além de todos os níveis de
consciência por meio de verdadeiras práticas diárias, e até mesmo por meio de palavras
e ensinamentos.
As nossas acções, práticas e compreensão devem, obviamente, ser aprofundadas
para lá das palavras e conceitos, mas a nossa compreensão clara deve também penetrar
o nível da nossa inteligência e até mesmo intelecto. Não devemos ter só uma
compreensão vaga e obscura do Zen e de algumas histórias Zen, que por vezes são
  muito surpreendentes para as pessoas comuns. A menos que tenhamos os olhos
abertos acerca dos aspectos essenciais e significados da vida real, da Verdade e de nós
mesmos, até o trovão silencioso do Zen será como uma sinfonia de Beethoven para
os ouvidos de um porco.
A «experiência directa» deve ser agora, em qualquer sítio, em qualquer momento:
ela depende de nós. Até esta conversa é mesmo uma experiência directa, dependendo
da nossa plena-atenção – o encontro «Agora».
Têm  a l g uma  imp o r t â n c i a ?
P: Por que razão só vêm Mestres Zen homens do Oriente? Não há Mestres Zen
mulheres?
R: Julgo que a tradição oriental não o promove. No Japão há apenas alguns
Mestres Zen mulheres. Conheci uma e fiquei no seu dojo, mas ela era muito severa.
As monjas tinham que se levantar às três horas todas as manhãs, manter silêncio e
fazer gasshô todo o tempo. Como não podia beber, fui-me embora. (Não, estou só a
brincar!…). Mas daqui em diante podemos ter Mestres Zen mulheres. Se se sentar,
pode ser que se torne uma autêntica.
Para praticar e experimentar a vida ela mesma, seja de que modo for, não tem
importância nenhuma se é um homem ou uma mulher, se bem que o papel de cada
um possa ser diferente.
On d e  é  o  v o s s o  mo s t e i r o ?
P: Tenho a impressão de que para se viver uma vida zen é mais fácil fazê-lo
num mosteiro do que na vida de todos os dias, com todo o seu stress e lutas. Não é?
R: Não, não penso dessa maneira. Num mosteiro zen existe a maior parte da
vida social e todos os dias, se bem que as formas e aparências sejam claramente distintas.
Todos somos seres humanos: não há diferença. Se têm dúvidas, tentem ir
para um. Tenho conhecido amigos que vivem uma vida monástica na sua vida de
todos os dias. Os estilos de vida podem parecer diferentes mas, em qualidade, não
são. Se bem que, claro, dependa da pessoa e do mestre e isso devia ser considerado,
regulado ou decidido de acordo com as diferenças que toda a gente tem. Eu fui para
o mosteiro porque tive a grande oportunidade de ser ensinado pelo meu mestre,
mas para outra pessoa qualquer, a vida monástica pode ser mesmo uma armadilha.
Portanto, seja num mosteiro ou não, a questão é: estamos a escapar da nossa posição
sentada original – este encontro agora com nós próprios?
Onde quer que estejam, na cozinha, no trabalho, na casa de banho…, aí é o
vosso mosteiro.
Como  d e s c o b r i r  o  v e r d a d e i r o  c ami n h o
n a  n o s s a  v i d a  d i á r i a ?

P: Pensa que cada pessoa tem de encontrar o seu próprio caminho para uma
vida correcta, a sua própria moralidade, ou existe uma moralidade comum a todos?
R: Mesmo que nos sentemos no mesmo quarto, da mesma maneira, cada um de
nós é um mundo totalmente diferente. Cada um tem o seu próprio cosmos, e no

 entanto estamos tão proximamente ligados em boa harmonia. É por causa da diferença
que nos podemos encontrar juntos e praticar em harmonia. Cada um de nós já
tem o seu próprio tipo de moralidade. Somos como uma orquestra com inúmeros e
únicos instrumentos, tocando uma sinfonia cósmica infinita. A moral comum para
todos nós é este encontro Agora. Esta é a mais básica e simples moral da vida última.
P: Como se combina o sexo com o Zen?
R: Por que é que os quer combinar? Na vida zen, praticamos uma coisa de
cada vez. Quando tive alguma actividade sexual, não tinha qualquer ideia sobre
Zen! Seja o que for que façam, simplesmente façam-no, de modo incondicional. De
outra maneira não somos capazes de apreciar nada, nem sequer este encontro entre
nós.
Em qualquer caso, devemos basear a nossa vida na trindade de sila, samâdhi,
prajña. Sila, os preceitos, recomendam e ensinam-nos acções apropriadas e responsáveis,
incluindo as sexuais. Se não aprofundarmos a nossa prática de sila na nossa
vida diária, não existirá uma base estável para estarmos na paz profunda do samâdhi,
o estado sem ego e sem hábitos, e portanto não haverá saída da ignorância.

 P: Qual é a diferença entre o bem e o mal?
R: Durante a Segunda Guerra Mundial fomos ensinados a matar os inimigos.
Era, então, uma espécie de virtude matar tantos quanto possível, era o «bem», altamente
recomendado. Agora, claro, é assassínio. O «bem» e o «mal» estão sempre a
mudar, mas quando estamos na nossa paz original (a não-mente) há algum bem ou
mal? Quando somos livres da nossa mente que mede e julga, na nossa profunda
simplicidade, tudo é belo e cheio de significado, com o seu papel natural.
Quando julgamos as coisas subjectivamente, ou somos apanhados pela confusão
ou pela confiança excessiva e não as podemos ver como são. Quando estamos livres
das emoções dos nossos agrados e desagrados, parece que não há bem ou mal que
sejam fixos. Mas para nós, é muito raro não fazermos julgamentos e sermos o espelho
da paz profunda, porque a maior parte do tempo estamos presos nas armadilhas da
nossa visão egocêntrica e ideias dualistas. Conseguem encontrar algum bem sem mal?
Alguma escuridão sem brilho? Se não houvesse calor não haveria frio. «Bem» e «mal»,
nascimento e morte, direita e esquerda, são as duas faces (fases) da mesma folha de
papel. Todos, inevitavelmente, temos ambas: somos a folha de papel.

 O  Bu d a  s a ú d a  o  Bu d a
P: O que é que quer dizer com «completa devoção ao Buda»?
R: Buda aqui quer dizer o buda dentro de cada um de nós, a nossa mais profunda
e comum natureza, um abismo cósmico desconhecido. Não tem nada que ver
com devoção em relação a uma estátua. Quando fazemos uma vénia em gasshô, o
buda saúda o buda, é mútuo. A verdadeira vénia é a harmonia original ela mesma e
a nossa descoberta disso.
Na nossa vida diária, não é assim tão fácil saudar o buda dentro de nós quando
nos encontramos com pessoas, devido à interferência do condicionamento das nossas
ideias mundanas e das nossas mentes habituais e fixas. Por vezes conhecemos
uma pessoa bonita e apaixonamo-nos; isso está muito bem, mas não é o nível da
saudação de buda se, dentro de nós, ainda mantivermos os nossos apegos ou preferências
pessoais. O aspecto essencial é que não nos conseguiremos dedicar ao Buda
enquanto estivermos em qualquer estado de ego.

Gr a ç a  d e s c o n h e c i d a  e  t e n d ê n c i a s  h a b i t u a i s
P: A minha compreensão e experiência do nada é pequena, mas eu acredito que,
para se ser um verdadeiro professor, temos de ser nada, um humilde servo de toda a
vida. Recentemente, na minha vida, tenho tido muitas oportunidades para trabalhar
bastante os padrões habituais do meu ego, e compreender melhor o nada. Algumas
vezes esses acontecimentos (ensinamentos) são fortes, como por exemplo, quando
sinto que as pessoas não me respeitam ou abusam de mim, e se bem que me tente
lembrar que nada sou, por vezes sinto-me zangado e frustrado. Nesses momentos, em
vez de me nutrir totalmente com meditação, exercício ou relaxamento, escolho «relaxar
» por meio dos modos habituais de comer, beber e fumar. Posso claramente sentir
que perco liberdade pelos efeitos que física e mentalmente se manifestam devido a
esses modos de apego. Isto não é tensão-relaxação, mas antes tensão sobre tensão.
Por favor podia dizer algumas palavras sobre o nada, e de como superar as tendências
destrutivas e extremas da vida?
R: Ver atentamente a realidade que está à volta e escutar a nossa voz interior (a
nossa própria aspiração mais profunda), tal como é, sem distorção, é o primeiro e
último passo para nos ajudar, tanto a manter como a descobrir, mudar ou criar o
nosso modo de vida para todos os seres. Esta é a prática pacífica para ajudar os
outros e nós mesmos a encontrar o caminho.
É verdade que para se ser livre dos habituais padrões do ego, para ser um genuíno
praticante da verdade, uma pessoa tem de ser nada, um servo humilde de todos
os seres, só que geralmente não praticamos deste modo. Como é que uma pessoa
pode ser tão humilde, ser nada?
Encontrarmo-nos com o nosso Deus interior da paz (a nossa natureza original)
é o caminho para se ser nada. Isto significa que fazemos uma coisa de cada vez
(Aqui-Agora), completamente atentos, «Agora a Agora», sem intenção, sem esforço
do ego, encontrando a realidade única desta uma única vida. Quando estamos em
paz profunda, podemos aceitar as dificuldades; fazemos o que é necessário ou o que
deve ser feito sem fúria, queixa, apego e tensão, sem precisar de mais estímulos
(álcool, cigarros, outros entretenimentos), sem cair nos habituais modos de destruição,
sono ou fixação.
Devido à nossa mais profunda alegria da vida desperta e paz, somos capazes de
ser livres deles. Assim, não precisamos de ser respeitados, nem de evitar ser abusados,
pois é resultado da nossa própria paz profunda. Não queremos nenhuma
recompensa pelo nosso serviço empenhado e compaixão incondicional. Essa já é a
recompensa última. Finalmente, é muito importante encontrar e conhecer um verdadeiro
amigo-da-vida ou mestre que nos ajudará a descobrir a nossa própria paz e
voto mais profundo, pelo partilhar do seu próprio ser e compreensão.
Sinto que, a um nível intelectual, já sabe e compreende o que lhe respondi através
desta minha compreensão muito comum. Deixe-me dizer-lhe uma coisa: agora está
numa situação muito difícil, com incessantes provações e, por isso, pode descobrir
uma graça desconhecida no meio das dificuldades que lhe foram dadas. Nessas circunstancias,
a mais profunda e importante prática e compreensão podem ser encontradas.
Assim, o aspecto negativo é que ainda tem alguma frustração dentro de si, e
que escapa para os seus velhos hábitos; não consegue ainda sentir tal graça na sua vida
diária. O meu caso foi semelhante ao seu. Quando estava no mosteiro do meu mestre
encontrei-me em situação idêntica. Estava preso na frustração de não ser capaz de
exprimir as minhas queixas. O meu mestre tirou-me todos os meus livros, papel e
canetas, não me permitindo escrever ou ler, e não me dando qualquer explicação acerca
do Dharma. Simplesmente distribuiu-me trabalhos duros e tratou-me como o mais
baixo dos noviços. Agora compreendo como ele foi profundamente compassivo comigo.
Era necessário, para o meu crescimento sem ego, que ele me tratasse desse modo.
Eu não sei nada acerca do «nada», mas eu e nós somos isso. É somente o estado
do ego que nos impede de sermos nada. No entanto, algumas vezes voltamos a ele
naturalmente. Assim que soubermos que este nada abre o caminho místico para a
liberdade sem limites, podemos aceitar todas as dificuldades como uma graça perfei-

 ta ou como uma prática. Quanto mais maltratados e desrespeitados formos, mais a
nossa energia vital saltará para diante, para todos. Este caminho tornou possível a
Jesus, Madre Teresa e muitos desconhecidos bodisatvas aparecerem na nossa história.
Se assim não for, isso quer dizer que o nosso ego continua a interferir. Não será
bom sermos nada apenas neste momento, sermos apenas este momento?
De p e n d ê n c i a s e a n o s s a f a l t a d e a t e n ç ã o
P: É possível mudar?
R: Mudar o quê? Claro que estamos a mudar todos os dias, mas de que tipo de
mudança necessitamos? O que de facto necessitamos não é de uma mudança fácil,
mas de descobrir sem fim a desconhecida realidade de nós próprios em paz profunda
e então, inesperadamente, a mudança ocorre por si mesma. Em vez do conceito
de «mudança», prefiro nascer de novo Aqui-Agora.

 Somos todos, por exemplo, dependentes de alguma coisa, que podem ser drogas,
álcool, tabaco, ou mais frequentemente, paixões iludidas ou ideias fixas. Até o
zazen pode-se tornar uma dependência, ou o contrário, podemos deixar de praticar
zazen devido à dependência que temos do nosso escapismo habitual. Podemos não
dar completa atenção a isso no nosso dia a dia, e isso não ser um problema para nós.
Mas isso é o problema profundo: a nossa falta de atenção! Podemos continuar confortavelmente
pela vida fora, até à sepultura, sem qualquer noção disso. Por outro
lado, podemos também tornarmo-nos atentos às nossas próprias dependências e
querer mudar isso, tentar ver-nos livres delas. Mas, mais outra vez a intenção de
mudar pode ser, ela também, um obstáculo que impede a transformação a um nível
mais profundo. Quase todos temos qualquer tipo de ideia intencional, um sinal de
que não estamos em paz dentro de nós mesmos. Enquanto formos apanhados por
essa intenção, não nos podemos libertar da nossa dependência; então um dia, sem
qualquer ideia ou intenção, ela simplesmente cai por si mesma (enquanto mantivermos
o profundo desejo subconsciente de acabar com a dependência) o que acontece
sem a interferência de nós próprios.
Estamos todos, então, a viver um certo nível de dependência e continuaremos
assim até que tenhamos gasto toda a vida em vão como um apostador. Devíamos
compreender até que ponto somos dependentes. Devíamo-nos perguntar este novo
koan: Qual é a minha dependência mais profunda? E quando todo o nosso dinheiro
(ou a vida) tiver sido gasto, teremos de nos confrontar com isso. Temos de nos tornar
atentos. Sem esta plena-atenção, não pode haver qualquer novo nascimento, Aqui-
-Agora. Deste modo, quando mais cedo nos confrontarmos com o nosso destino
último, melhor. E a melhor oportunidade para mudar, morrer ou nascer de novo, é
agora mesmo! Os milhares de explicações são inúteis. Pare! É tudo!
Ag o r a
P: Quais são os níveis ou graus do agora? Por exemplo, posso estar apenas parcialmente
no Agora? Ou, só é possível estar completamente no agora… agora?
É mais difícil estar no agora quando uma pessoa está a falar, em comparação
com quando está só sentada, ou a olhar, a andar, etc. ?…
O que significa realmente estar aqui agora? Se eu estou aqui agora, isso é a iluminação?
R: O que precisamos é de ver apenas a realidade desta questão ou de estarmos
cientes da única realidade da nossa vida, ela mesma. Os níveis ou graus na nossa
cabeça não interessam. O facto é que só existe Aqui-Agora. Sempre! O resto são
tudo conceitos nossos, sonhos e ideias. Só há esta verdade, nada mais. Isto é a iluminação,
a qual é totalmente livre de todos os nossos conceitos, de toda a nossa mente.
E da manhã até à noite, do berço à cova, só há este Aqui-Agora. Pode haver, algum
tipo de grau ou nível? Por que não agora?! Por que não aqui já!? Os níveis e graus
estão só nas nossas mentes, não interessam. Enquanto estivermos a pensar acerca do
«Aqui-Agora», não é Aqui-Agora de todo! O Aqui-Agora está sempre vivo, brotando
e fluindo Aqui-Agora, momento a momento. De iluminação a iluminação, «Agora a
Agora». É tudo. Esta é a nossa vida real, ela mesma. Despertar para esta realidade de
todo o universo (nós próprios) é a iluminação.
P: É o zazen, ou o modo de vida zen, a maior resposta para as maiores questões?
Ou, serão ambos?
R: Sim, é isso! Mas as perguntas e respostas são apenas uma folha de papel para
ser queimada no fogo do amor desperto e da compaixão – no milagre deste encontro
diário.
(O zen não pertence a uma seita ou religião específica; ele pode estar em qualquer
religião ou modo de vida.)

O c ami n h o a b e r t o
P: É possível aprofundar o estado real da minha meditação diária e do meu
próprio ser?
R: Não há qualquer maneira de aprofundar a «sua» meditação ou ser, porque o
universo e o nosso ser são já, em absoluto, o que há de mais profundo. Isto também
quer dizer que qualquer caminho desconhecido (ou vida) pode ser criado de acordo
com o nosso mais profundo desejo ou voto de praticarmos penetrantemente até ao
infinito a realização última.
– Todos os pontos necessários para a perfeição da vida-meditação:
1. PRÁTICAS FÍSICAS

(Trindade do zazen)
Postura
Respiração As práticas diárias de yoga, cânticos, zazen.
Meditação
2. O NÍVEL DA INTELIGÊNCIA
(Plena-consciência – Apercepção – Compreensão)
Primeiro necessitamos de clarificar todos os últimos e essenciais pontos da
nossa vida, e depois temos de deixá-los a todos e transcender o nosso nível consciente
ou intelectual para níveis mais elevados ou profundos da realidade. Este processo
de clarificação e compreensão levar-nos-á às questões finais e cruciais (de uma só
resposta) que devemos colocar e clarificar no mais profundo de nós mesmos (não
nas nossas cabeças, não pelo pensamento mas por cortarmos as nossas cabeças, por
mantermos essas questões no nosso Tanden, por nos sentarmos na nossa posição original).
3. TRANSCENDÊNCIA ESPIRITUAL
(Emancipação de tudo, e por consequência união com tudo)
– A. Olhar aberto-nas-dez-direcções
Um estado desapegado do ser que é a base de qualquer meditação.
– B. Pontos gerais
Própria Rendição incondicional do samadhi neste sentar.
Completa devoção à natureza de Buda (Deus), Dharma e todos os amigos com
que nos encontramos (Sangha).
Desejar e fazer voto absoluto de nos emanciparmos, transcendermos e alcançarmos
o nível final de nada haver para desejar, nada haver para fazer voto, que é o
ponto de partida da vida nova.
Então, fazemos tudo natural, espontaneamente por todos os outros com que
nos encontramos. (Na verdade, nem sequer há «outros»!).
• Dar uma passo mais além do topo do nosso ponto mais alto.
• Ser conduzido e ensinado por um verdadeiro mestre(s) que já tenha experimentado
a verdadeira transcendência de Deus.
• A verdadeira transcendência e emancipação é o levar de uma vida pura, simples
e humilde onde se mantêm, praticam e vivem os mais profundos preceitos
(voto e regras) no meio da inevitabilidade humana e karmica da nossa vida diária,
como um lótus que brota das águas lamacentas – transcendendo o seu próprio

 mundo limitado – a liberdade perfeita em qualquer prisão.
Estes são os três pontos (aspectos e qualidades) da perfeição, como um todo de
vida.
Será que já acabei de delinear e concretizar todos os pontos essenciais da transcendência
espiritual?
Claro que não! O infinito mistério da nossa dimensão espiritual, e o seu caminho
secreto aberto, está sempre lá como um campo virgem desconhecido. Não sabemos
nada acerca daquilo que não pode ser explicado pela nossa própria inteligência
limitada. Tudo o que tentamos definir ou clarificar, tudo o que já conhecemos como
mistérios espirituais, como a mais elevada substância espiritual do mundo místico,
tudo isso permanecerá para nós como essencialmente desconhecido, sempre além do
nosso alcance e limitações. A nossa percepção e sensibilidade são sempre demasiado
limitadas e a nossa definitiva compreensão intelectual é demasiado estreita para
reconhecer a natureza mística essencial do nosso mundo espiritual sem limites.
Como uma prática de plena-consciência, o que devemos ter sempre presente é
que estamos agora nesta forma sentada de zazen. Mas, será que estamos realmente
sentados em meditação, ou será que estamos a pensar e a divagar pelas memórias e
infindáveis reinos da ilusão? De facto, sabemos sempre isso por nós mesmos, mas
mesmo assim andamos iludidos pelos nossos sonhos habituais. Portanto, precisamos
de clarificar sempre o que estamos realmente a fazer agora.
O que é «aprofundar a meditação»?
O que é a essência ou substância a ser aprofundada na vida?
O que é, que deve ser aprofundado quando diz «aprofundar a meditação»?
Aprofundar a meditação é (ou devia ser) estar mais esclarecido, ou ciente da
verdade última do dia a dia, isto é
A paz interior (e exterior) sem ego, a plena consciência deste encontro-de-vida e o
amor incondicional de harmonia cósmica com tudo.
Este é o conteúdo (essência) da verdadeira meditação.
Será que necessitamos de algo mais?
Até mesmo a terra de Deus, quando a alcançamos, já se tornou as margens do
homem. Quando temos alguma experiência livre do ego ou sentimos um certo nível
de liberdade, assim que conscientemente mantivermos isso, algum ego alternativo é
imediatamente produzido e emerge! Devemos ser sempre novos descobridores do
ego e desenvolver uma nova plena consciência livre do ego. Por isso, necessitamos de
aprofundar a nossa meditação sentada neste novo nascimento de Deus, Agora a

Agora. Aqui é a infindável meditação e actividade diária.
 To d a s a s Tr i n d a d e s d o i n f i n i t o Cami n h o Ab e r t o
( n e s t e ú n i c o Ma n d a l a )
Al l t h e Tr i n i t i e s o f i n f i n i t e Op e n Wa y
( i n t h i s o n e Ma n d a l a )

(Falta quadros/imagens)
 O que é isto?
Será isto uma perfeita combinação pessoal de todas as substâncias e aspectos essenciais do caminho aberto para a nossa
própria auto-satisfação intelectual?
Seja o que for, ou o que não for, depende de nós.
A realidade e substâncias de todas estas trindades devem ser clarificadas na nossa própria realidade diária.

                                                                                                              Segunda Parte
Uma canção da brisa matinal