Entre a Baía de São Martinho e a Lagoa de Óbidos
Dezembro 16th, 2009 in Jornal das Caldas. Edição On-line
Proposta de catalogação da paisagem ajuda ordenamento do território
No âmbito da sua tese de mestrado em arquitectura na Universidade Moderna de Lisboa, Rui Gonçalves debruçou-se sobre a paisagem da região Oeste, para fazer uma proposta de catalogação, pretendendo que seja “uma plataforma útil na definição de políticas de conservação da natureza, políticas agrárias e de desenvolvimento rural e na área do turismo”.
Segundo aponta, o Plano Estratégico Nacional de Turismo (PENT) define a paisagem como um dos produtos com maior potencial de crescimento para os próximos dez anos.
Por outro lado, faz notar, o catálogo de paisagem “permitirá definir com objectividade uma nova cultura de ordenamento de território”. “O objectivo final da catalogação paisagística terá como alcance o suporte da intervenção arquitectónica, através de propostas acerca do que poderá ser o uso de um determinado território, face às existências actuais”, refere.
O arquitecto abordou a faixa entre a Baía de São Martinho do Porto e a Lagoa de Óbidos, descrevendo que “a paisagem é identificada pela marcante relação do oceano com o território, de que resulta, sempre que o mar impõe a sua presença, uma paisagem apelativa, mesmo que degradada em pormenores absorvidos pela imensidão da envolvente”.
Rui Gonçalves manifesta que “se atentarmos às constantes alterações a que a paisagem está sujeita em qualquer território, mas especialmente junto ao litoral, seria de esperar uma regulamentação de intervenção que precavesse possíveis alterações abusivas, muitas vezes provocadas por mera permissividade”. Contudo, indicando o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) e o Plano Director Municipal (PDM) de Alcobaça, sublinha que reconhecem na respectiva cartografia “zonas urbanas em faixas de risco”, o que no seu entender “é uma situação de todo incompreensível”.
“Sendo permitida a reconstrução de antigos edifícios e mesmo a construção de novos nessas mesmas zonas, estamos a permitir a ocorrência de situações indesejáveis. A construção tanto no cimo, como na base de falésias, são obviamente elementos que irão ceder em simultâneo com a forte erosão a que as falésias estão permanentemente sujeitas”, alerta.
“Competiria aos instrumentos de gestão urbanística serem mais restritivos no que respeita à edificabilidade e tivessem um papel decisivo na salvaguarda da paisagem qualificada”, critica.
No concelho das Caldas da Rainha, o arquitecto aponta que “é possível verificar a permissividade existente quanto à edificabilidade em áreas classificadas com agrícolas e florestais, o que desencadeia uma dispersão urbana com custos com a construção das infra-estruturas necessárias, nomeadamente acessibilidades, saneamento básico, entre outras”.
Como sustenta, “esta é uma das áreas de intervenção em que a catalogação da paisagem poderia ter um contributo efectivo para o ordenamento do território, com propostas no sentido de que situações desta natureza deixem de interferir numa qualificação da paisagem”.
Nove paisagens
No caso da área estudada, foram identificadas nove unidades de paisagem, em função da habitação, acessibilidades, indústria, turismo, água, uso do solo, reprodução, vegetação autóctone, espaço agrícola, florestal, extracção de inertes e recreio.
No mapa que apresenta na tese, descrimina a Baía de São Martinho e envolvente, um espaço de produção agrícola, faixa costeira, zona florestal e agro-florestal, extracção de inertes, núcleos urbanos, zona industrial, núcleo urbano central e Lagoa de Óbidos e envolvente.
Sobre a Baía de São Martinho, Rui Gonçalves refere-se ao importante complexo dunar em Salir do Porto, que “apesar da pressão urbanística a que estas zonas são sujeitas, se tem preservado sem alterações de relevo”. Já em relação à envolvente da Baía, concretamente em São Martinho, “são notórias as alterações urbanísticas, que resulta da procura crescente que nos últimos anos se vem evidenciando, com aldeamentos destinados a segundas habitações, alguns dos quais localizados em zonas sensíveis, nomeadamente o situado na encosta do Facho”.
É ainda apontada a zona dos Medões, “uma antiga área agrícola, que actualmente se apresenta com uma das zonas de expansão urbanística de São Martinho”. “Esta intensa procura é para continuar, acabando por se constituir em torno da Baía um aglomerado urbano de dimensão excessiva, com consequências imprevisíveis no já de si sensível e debilitado sistema ecológico existente”, prevê Rui Gonçalves.
Sobre o espaço definido de produção agrícola – cerca de 300 hectares de várzea onde ainda é possível encontrar grandes espaços agrícolas e pasto para gado, entre São Martinho e Alfeizerão – Rui Gonçalves relata que “existem esforços no sentido de que seja aprovado para este local um ‘resort’ com campo de golfe”. “Estamos perante a eminência de mais uma alteração profunda na paisagem, com intensa pressão na Baía, podendo mesmo constituir um golpe profundo na qualidade daquele sistema marinho”, considera.
Na faixa costeira de cerca de dez quilómetros que faz a ligação entre a Baía de São Martinho e a Lagoa de Óbidos, Rui Gonçalves defende que “a impossibilidade de edificar permite a existência de locais de observação paisagística, devendo ser possibilitada a aproximação do ser humano e consequente contemplação da paisagem, através da existência de uma via pedonal e ciclovia”.
Acerca da área florestal e agro-florestal, é identificada a freguesia da Serra do Bouro. “As casas que anteriormente eram de agricultores têm vindo a ser recuperadas na sua arquitectura original, o que permitiu manter um traçado urbanístico sem alterações paisagísticas de grande alcance”, elogia.
Quanto à área de extracção de inertes, aponta que “afirma-se com um elemento perturbador entre espaços florestais e agro-florestais”, e sobre os núcleos urbanos, destaca a cidade das Caldas da Rainha e a entrada Norte, pela Estrada de Tornada, onde “o PDM permite um misto entre habitação, comércio e indústria, sem dúvida um factor de descaracterização urbana”.
No que diz respeito à zona industrial das Caldas da Rainha, Rui Gonçalves realça a “descaracterização urbanística, quer quanto ao edificado, normalmente de muito baixa qualidade arquitectónica, quer relativamente aos espaços exteriores degradados, desorganizados e sem limpeza, sendo notória a necessidade urgente de infra-estruturas tão elementares como passeios, estacionamento, iluminação adequada e mobiliário urbano”.
Na análise que faz à cidade das Caldas, manifesta que “incaracterístico é, sem dúvida, o espaço público, ultrapassado, desorganizado e degradado”. “Esta é a grande lacuna que em termos de paisagem urbana urge resolver e que uma catalogação adequada poderá permitir detectar com exactidão e propor soluções condizentes com o cariz histórico que está na origem da cidade”, declara.
“Poluição visual” na Foz
Uma especial atenção é, por fim, dedicada à Lagoa de Óbidos e envolvente, sendo referida a pressão urbanística, que motiva o aumento da poluição e do assoreamento da área lagunar. “No período anterior à existência de instrumentos urbanísticos reguladores das condições de construção nas margens – PDM e POOC – e em casos pontuais após a sua existência, verificou-se a construção desordenada, em condições que foram e são focos de agravamento da manutenção do sistema lagunar, para além de fortes poluidores paisagísticos”.
Na Foz do Arelho, Rui Gonçalves refere-se ainda ao antigo parque de campismo, cuja deslocalização “deu espaço ao aparecimento de um sítio descaracterizado”, e ao cais junto à lagoa, que não tem “qualquer utilidade e está em adiantado estado de degradação”, para além da existência de “um parque de estacionamento desordenado, bancas de venda de marisco sem quaisquer condições de salubridade e estética, e uma zona de bares a que gíria popular denominou por ‘mini-docas’, num emaranhado desqualificado e nada dignificante de um espaço onde se pretende que impere o turismo”.
Em suma, “a poluição visual resultante deste cenário denuncia uma necessidade urgente de reabilitação urbana”.
Na catalogação da paisagem desta zona da região Oeste, Rui Gonçalves pretende englobar a participação dos órgãos da administração pública, das entidades locais e regionais, bem como as sugestões individuais e principalmente colectivas da sociedade civil.
Defende também a criação de um Observatório da Paisagem, que reúna especialistas das diversas vertentes intervenientes e afirmando-se como o organismo congregador das opiniões e responsável pela elaboração do Catálogo de Paisagem do Oeste.
Francisco Gomes
Dezembro 16th, 2009 in Jornal das Caldas. Edição On-line
Proposta de catalogação da paisagem ajuda ordenamento do território
No âmbito da sua tese de mestrado em arquitectura na Universidade Moderna de Lisboa, Rui Gonçalves debruçou-se sobre a paisagem da região Oeste, para fazer uma proposta de catalogação, pretendendo que seja “uma plataforma útil na definição de políticas de conservação da natureza, políticas agrárias e de desenvolvimento rural e na área do turismo”.
Segundo aponta, o Plano Estratégico Nacional de Turismo (PENT) define a paisagem como um dos produtos com maior potencial de crescimento para os próximos dez anos.
Por outro lado, faz notar, o catálogo de paisagem “permitirá definir com objectividade uma nova cultura de ordenamento de território”. “O objectivo final da catalogação paisagística terá como alcance o suporte da intervenção arquitectónica, através de propostas acerca do que poderá ser o uso de um determinado território, face às existências actuais”, refere.
O arquitecto abordou a faixa entre a Baía de São Martinho do Porto e a Lagoa de Óbidos, descrevendo que “a paisagem é identificada pela marcante relação do oceano com o território, de que resulta, sempre que o mar impõe a sua presença, uma paisagem apelativa, mesmo que degradada em pormenores absorvidos pela imensidão da envolvente”.
Rui Gonçalves manifesta que “se atentarmos às constantes alterações a que a paisagem está sujeita em qualquer território, mas especialmente junto ao litoral, seria de esperar uma regulamentação de intervenção que precavesse possíveis alterações abusivas, muitas vezes provocadas por mera permissividade”. Contudo, indicando o Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) e o Plano Director Municipal (PDM) de Alcobaça, sublinha que reconhecem na respectiva cartografia “zonas urbanas em faixas de risco”, o que no seu entender “é uma situação de todo incompreensível”.
“Sendo permitida a reconstrução de antigos edifícios e mesmo a construção de novos nessas mesmas zonas, estamos a permitir a ocorrência de situações indesejáveis. A construção tanto no cimo, como na base de falésias, são obviamente elementos que irão ceder em simultâneo com a forte erosão a que as falésias estão permanentemente sujeitas”, alerta.
“Competiria aos instrumentos de gestão urbanística serem mais restritivos no que respeita à edificabilidade e tivessem um papel decisivo na salvaguarda da paisagem qualificada”, critica.
No concelho das Caldas da Rainha, o arquitecto aponta que “é possível verificar a permissividade existente quanto à edificabilidade em áreas classificadas com agrícolas e florestais, o que desencadeia uma dispersão urbana com custos com a construção das infra-estruturas necessárias, nomeadamente acessibilidades, saneamento básico, entre outras”.
Como sustenta, “esta é uma das áreas de intervenção em que a catalogação da paisagem poderia ter um contributo efectivo para o ordenamento do território, com propostas no sentido de que situações desta natureza deixem de interferir numa qualificação da paisagem”.
Nove paisagens
No caso da área estudada, foram identificadas nove unidades de paisagem, em função da habitação, acessibilidades, indústria, turismo, água, uso do solo, reprodução, vegetação autóctone, espaço agrícola, florestal, extracção de inertes e recreio.
No mapa que apresenta na tese, descrimina a Baía de São Martinho e envolvente, um espaço de produção agrícola, faixa costeira, zona florestal e agro-florestal, extracção de inertes, núcleos urbanos, zona industrial, núcleo urbano central e Lagoa de Óbidos e envolvente.
Sobre a Baía de São Martinho, Rui Gonçalves refere-se ao importante complexo dunar em Salir do Porto, que “apesar da pressão urbanística a que estas zonas são sujeitas, se tem preservado sem alterações de relevo”. Já em relação à envolvente da Baía, concretamente em São Martinho, “são notórias as alterações urbanísticas, que resulta da procura crescente que nos últimos anos se vem evidenciando, com aldeamentos destinados a segundas habitações, alguns dos quais localizados em zonas sensíveis, nomeadamente o situado na encosta do Facho”.
É ainda apontada a zona dos Medões, “uma antiga área agrícola, que actualmente se apresenta com uma das zonas de expansão urbanística de São Martinho”. “Esta intensa procura é para continuar, acabando por se constituir em torno da Baía um aglomerado urbano de dimensão excessiva, com consequências imprevisíveis no já de si sensível e debilitado sistema ecológico existente”, prevê Rui Gonçalves.
Sobre o espaço definido de produção agrícola – cerca de 300 hectares de várzea onde ainda é possível encontrar grandes espaços agrícolas e pasto para gado, entre São Martinho e Alfeizerão – Rui Gonçalves relata que “existem esforços no sentido de que seja aprovado para este local um ‘resort’ com campo de golfe”. “Estamos perante a eminência de mais uma alteração profunda na paisagem, com intensa pressão na Baía, podendo mesmo constituir um golpe profundo na qualidade daquele sistema marinho”, considera.
Na faixa costeira de cerca de dez quilómetros que faz a ligação entre a Baía de São Martinho e a Lagoa de Óbidos, Rui Gonçalves defende que “a impossibilidade de edificar permite a existência de locais de observação paisagística, devendo ser possibilitada a aproximação do ser humano e consequente contemplação da paisagem, através da existência de uma via pedonal e ciclovia”.
Acerca da área florestal e agro-florestal, é identificada a freguesia da Serra do Bouro. “As casas que anteriormente eram de agricultores têm vindo a ser recuperadas na sua arquitectura original, o que permitiu manter um traçado urbanístico sem alterações paisagísticas de grande alcance”, elogia.
Quanto à área de extracção de inertes, aponta que “afirma-se com um elemento perturbador entre espaços florestais e agro-florestais”, e sobre os núcleos urbanos, destaca a cidade das Caldas da Rainha e a entrada Norte, pela Estrada de Tornada, onde “o PDM permite um misto entre habitação, comércio e indústria, sem dúvida um factor de descaracterização urbana”.
No que diz respeito à zona industrial das Caldas da Rainha, Rui Gonçalves realça a “descaracterização urbanística, quer quanto ao edificado, normalmente de muito baixa qualidade arquitectónica, quer relativamente aos espaços exteriores degradados, desorganizados e sem limpeza, sendo notória a necessidade urgente de infra-estruturas tão elementares como passeios, estacionamento, iluminação adequada e mobiliário urbano”.
Na análise que faz à cidade das Caldas, manifesta que “incaracterístico é, sem dúvida, o espaço público, ultrapassado, desorganizado e degradado”. “Esta é a grande lacuna que em termos de paisagem urbana urge resolver e que uma catalogação adequada poderá permitir detectar com exactidão e propor soluções condizentes com o cariz histórico que está na origem da cidade”, declara.
“Poluição visual” na Foz
Uma especial atenção é, por fim, dedicada à Lagoa de Óbidos e envolvente, sendo referida a pressão urbanística, que motiva o aumento da poluição e do assoreamento da área lagunar. “No período anterior à existência de instrumentos urbanísticos reguladores das condições de construção nas margens – PDM e POOC – e em casos pontuais após a sua existência, verificou-se a construção desordenada, em condições que foram e são focos de agravamento da manutenção do sistema lagunar, para além de fortes poluidores paisagísticos”.
Na Foz do Arelho, Rui Gonçalves refere-se ainda ao antigo parque de campismo, cuja deslocalização “deu espaço ao aparecimento de um sítio descaracterizado”, e ao cais junto à lagoa, que não tem “qualquer utilidade e está em adiantado estado de degradação”, para além da existência de “um parque de estacionamento desordenado, bancas de venda de marisco sem quaisquer condições de salubridade e estética, e uma zona de bares a que gíria popular denominou por ‘mini-docas’, num emaranhado desqualificado e nada dignificante de um espaço onde se pretende que impere o turismo”.
Em suma, “a poluição visual resultante deste cenário denuncia uma necessidade urgente de reabilitação urbana”.
Na catalogação da paisagem desta zona da região Oeste, Rui Gonçalves pretende englobar a participação dos órgãos da administração pública, das entidades locais e regionais, bem como as sugestões individuais e principalmente colectivas da sociedade civil.
Defende também a criação de um Observatório da Paisagem, que reúna especialistas das diversas vertentes intervenientes e afirmando-se como o organismo congregador das opiniões e responsável pela elaboração do Catálogo de Paisagem do Oeste.
Francisco Gomes