Arquivo histórico da Misericórdia tem documentos com mais de 800 anos
São centenas de documentos e livros com séculos de história que completam o rico acervo do arquivo da Misericórdia de Alcobaça. O mais antigo data do século XIII, ainda os reis portugueses combatiam os mouros e alargavam o território para sul.
Há pergaminhos, pele de animais nas capas e papel como hoje o conhecemos, ainda que desgastado e amarelado pelas centenas de anos que separam a sua criação da actualidade. Muitos dos ‘achados’ do arquivo histórico da Santa Casa são mais antigos que a própria Misericórdia, que conta com 447 anos.
Até hoje, o precioso arquivo da secular instituição tem estado à mercê da humidade e das condições de desgaste com que o tempo castiga o antigo. A organização do espólio era inexistente. A primeira tentativa de o inventariar remonta a finais do século XIX, com o médico Francisco Zagalo, que não tinha quaisquer noções de arquivista ou de bibliotecário. Não resultou. Mais recentemente, há mais de 20 anos, voltou a falhar uma tentativa de ‘arrumar’ o arquivo, dessa vez com um aluno de um mestrado. Seguiu-se um projecto, também falhado, de microfilmagem.
Foi apenas em 2006 que a Misericórdia conseguiu contratar um professor universitário licenciado em Filosofia, Teologia e Línguas Antigas, que se tem dedicado, desde o início dos anos 80, ao estudo da Ordem de Cister em Portugal. Gérard Leroux já tinha estado a trabalhar com a Santa Casa, há cerca de 15 anos, quando fez um levantamento sumário da documentação avulsa. Foi graças à persistência e entusiasmo do ‘guarda-mor’ do arquivo, o alcobacense Francisco André, que o professor Gérard Leroux regressou. Hoje, o francês dedica o seu trabalho ao manuseamento dos documentos e livros, que identifica e cataloga, mas não só. Gérard Leroux está preocupado em digitalizar algumas das obras, sobretudo "as mais frágeis, as mais consultadas e as que estão em risco de se perder".
Se o documento mais antigo data do século XIII, o livro com mais idade é o tombo do Hospital dos Mosteiros, uma povoação perto de Alvorninha, de 1451.
A presença de obras de outros lugares que não Alcobaça tem uma explicação. Primeiro, Alvorninha integrava os coutos e, depois, no século XVIII a Misericórdia daquela freguesia que hoje pertence a Caldas da Rainha, tal como outras, foi absorvida pela Misericórdia de Alcobaça. A ideia foi do Marquês de Pombal, em 1775. O secretário de Estado do rei D. José I ordenou que todas as Misericórdias dos Coutos (Aljubarrota, Alvorninha, Santa Catarina, Turquel, Évora, Maiorga, Cós e Pederneira) se reunissem na de Alcobaça. Dizia o Marquês de Pombal que aquelas Misericórdias eram pequenas e não tinham meios de subsistência. Já no reinado de D. Maria I, em 1779, algumas Misericórdias exigiram a autonomização de Alcobaça, que foi concedida apenas a Aljubarrota e Pederneira.
Uma das grandes preciosidades do arquivo de Alcobaça são os pergaminhos que encadernam livros da Misericórdia. "No Mosteiro devia haver uma sala com documentos que já não serviam e que eram usados pela Misericórdia para encadernação", revela o professor. Mas Gérard Leroux, que lê português antigo e Latim com uma facilidade surpreendente, tem uma obra preferida: o compromisso (estatutos) da Santa Casa de 1610. Trata-se de um livro com ilustrações ímpares e uma iconografia nada perceptível para o leitor comum.
Não se sabe quanto tempo demorará o processo de organizar o arquivo. "Há documentos muito difíceis de ler, que obrigam a passar horas e, em alguns casos, dias a ler", explica o professor, que já aumentou o espólio da Misericórdia, com a compra (patrocinada pela Caixa de Crédito Agrícola) de um livro raríssimo de 1587 sobre a vida e milagres de São Bernardo, padroeiro de Alcobaça.
texto/foto Ana Ferraz Pereira
2010-06-24