Ampliar o Hospital das Caldas vai afectar a Mata e o aquífero termal
Julho 7th, 2010 in Jornal das Caldas. Edição On-line
Oito mil metros da Mata da Rainha D. Leonor vão desaparecer
A decisão de ampliar o Hospital das Caldas (HC) vai implicar o abate de pelo menos oito mil metros quadrados de árvores da Mata da Rainha Dona Leonor e a violação do perímetro de segurança do aquífero de água mineral termal. Para além disso, um heliporto à entrada do Hospital põe em perigo a circulação pedonal e rodoviária. A ampliação em vez da construção de um novo hospital é uma solução para apenas mais 15 ou 20 anos, ao invés de uma localização nova que traria mais benefícios ao ambiente e daria melhores cuidados de saúde.
Estas são algumas das conclusões a que facilmente se chega após consulta ao processo de ampliação do HC, o mesmo dossiê que a Ministra da Saúde, Ana Jorge, antes de anunciar aos autarcas do Oeste que não havia o novo Hospital Oeste Norte (HON), pediu a Rui Portugal, presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT).
A decisão de ampliação, após a visualização do processo, lança cada vez mais a teoria de falta de liderança de um processo que poderia trazer benefícios para Caldas da Rainha e para a região norte do Oeste, mas que os autarcas do sul conseguiram inverter. Senão veja-se. Na comissão restrita das negociações das compensações da Ota estão os autarcas de Torres Vedras e Arruda. Na ARS LVT estão pessoas ligadas a Arruda dos Vinhos e ao sul do Oeste enquanto que no Oeste Norte os autarcas não se entendem.
Também a política e a luta por lugares levou a algumas atitudes no Conselho de Administração (CA) do Centro Hospitalar Oeste Norte (CHON), já que as últimas cartas enviadas para órgãos da tutela, uma por Manuel Nobre e em nome de todo o CA e outra em nome pessoal, de Maria do Rosário Sabino, não ajudou este processo porque são, de alguma forma, missivas contraditórias.
Manuel Nobre escreve a 6 de Fevereiro de 2009 a Rui Portugal, afirmando uma posição de todo o conselho que “é nosso entendimento que não terá sentido efectuar-se uma segunda fase de ampliação”.
Manuel Nobre explica ainda que o futuro do Hospital de Alcobaça é ser devolvido à Santa Casa da Misericórdia, enquanto que o destino a dar ao edifício das Caldas é passar de uma unidade de cuidados continuados, para uma Unidade de Saúde Familiar, para o Centro de Saúde ou ainda para uma Unidade de Cirurgia de Ambulatório.
A contrariar esta posição, que deveria de ser de todos, Maria do Rosário Sabino escreve ao presidente do Conselho Directivo da Administração Central do Sistema de Saúde, Manuel Teixeira, referindo que “se avançarmos já para a planeada segunda fase de ampliação estaríamos a rentabilizar todo o investimento realizado até aqui e teríamos estrutura para mais 15 ou 20 anos”.
Mas nos documentos salta um parecer sobre a segunda fase de ampliação do HC, onde se pode ler que “a execução do projecto irá retirar à Mata uma faixa de cerca de oito mil metros quadrados do ecossistema secular que ficarão irremediavelmente perdidos. Esta questão tem implicações directas sobre as áreas de protecção termal”.
É também escrito que “a implantação do novo edifício e das suas áreas imprescindíveis de estacionamento e arruamentos empurram a execução para o interior da Mata Rainha D. Leonor”.
O parecer chama a atenção a um conjunto de incongruências, das quais destacamos apenas algumas por serem demais evidentes. A primeira refere-se ao serviço de medicina que conta actualmente com 34 camas, mas com “o novo edifício apenas prevê 28 camas”. A área de internamento da Mulher e da Criança encontra-se dispersa e por vários pisos sem interligação. As portas das enfermarias “têm um metro, sendo por isso impossível usar as actuais camas que têm 1,1 metros de largura”.
Num parecer com mais de três dezenas de pontos é alertado que “a central de tratamento de roupa e de resíduos está próximo do serviço de alimentação”, aconselhando por isso outra localização “evitando eventuais focos de contaminação”.
Uma das mais polémicas situações é a escolha para a localização do heliporto, junto à Rua Diário de Notícias, que além de “ser de difícil execução por ordem topográfica, do ponto de vista do Instituto da Aviação Civil no que diz respeito à aproximação de helicópteros não terá uma fácil solução, nem terá garantias de segurança”.
Curioso é que a ampliação previa anteriormente 228 camas, mas com a criação do CHON, a ampliação deixou de ter quatro camas.
Outro dos problemas é na parte da segurança, que alerta para o facto da zona do internamento do edifício existente e o novo “não permitir o fácil acesso dos bombeiros”. Também o acesso a pessoas ao Hospital é um dos aspectos detectados como “negativo”, já que os utentes “têm de atravessar os arruamentos”.
Quem também não concorda com a ampliação são alguns enfermeiros, médicos e pessoal auxiliar.
O JORNAL das CALDAS contactou a empresa que desenvolveu o projecto da segunda fase de ampliação, que não prestou qualquer esclarecimento.
“Uma relação profissional entre partes está, naturalmente vinculada a dever de sigilo”, lê-se na resposta de cortesia da empresa ARIPA Ilídio Pelicano Arquitectos, SA.
Também foi contactada a ARS-LVT, solicitando-se uma entrevista a Rui Portugal, tendo o seu gabinete de imprensa respondido que “o senhor presidente da ARSLVT considera não ser o momento oportuno para dar uma entrevista”.
Do historial encontrado detalha-se o seguinte: Em 1971 o Hospital das Caldas é classificado como Hospital Distrital mesmo sem que lhe fossem dados os meios adequados. Em 1976, na sequência do despacho da Direcção Geral de Saúde, a unidade das Caldas é visitada pelo Grupo de Programação dos Hospitais, que concluiu que é necessário iniciar o primeiro Plano Director com a prioridade da ampliação do Hospital das Caldas. Cerca de dois anos depois é concluído e aprovado esse Plano Director, que conclui que a ampliação teria de albergar 391 camas.
Em 1984 o Ministro da Saúde visita as instalações e ao aperceber-se que o anterior projecto não estava a andar, desencadeou o processo mas das 391 camas, passou-se para as 328.
Só em 1988 depois de uma visita do Secretário de Estado da Saúde é aprovada a ampliação faseada do Hospital Distrital e executado um estudo prévio. Em 1991 mais um Ministro da Saúde visita a unidade das Caldas e promete verbas para a ampliação. Esta promessa foi cumprida em 1993/4 com a inclusão em PIDDAC para a instalação de um novo bloco operatório, remodelação da urgência e ampliação do serviço de radiologia, ficando de fora a ampliação do internamento e ambulatório.
No entanto, ainda durante o ano de 93 foi aprovado no Programa Funcional a remodelação e ampliação do Hospital Distrital com a lotação de 194 camas onde não constavam os serviços do departamento da mulher e da criança, do serviço de psiquiatria, da unidade de cuidados prolongados e quartos particulares.
Nesta novela com mais de trinta anos, em 94 e 95 é dada como certa a ampliação com 226 camas com verbas inscritas em PIDDAC durante três anos. Em 96 é dada verba para o Plano de arquitectura, mas em 95 já havia sido pensada a sua reformulação.
Só no primeiro trimestre de 96 se concluiu a primeira fase da ampliação que alberga os serviços do Bloco, Esterilização, Imagiologia e Serviço de Urgência.
Entretanto surgiu um parecer do Tribunal de Contas que deu parecer negativo sobre a inclusão no edifício da primeira fase de trabalhos a mais que contemplava a central técnica que fornecia energia para que esse edifício funcionasse.
Um ano depois é aprovado pelo secretário de Estado da Saúde o programa funcional da segunda fase de ampliação com a remodelação e ampliação do serviço de ambulatório e internamento, prevendo 228 camas.
Foi exactamente nesse mesmo ano, em Dezembro de 98, depois de ultrapassada a questão da central técnica que começou a funcionar o edifício da primeira fase de ampliação.
No inicio de 1999 é autorizado pelo secretário de Estado da Saúde a abertura do concurso para a elaboração do projecto de arquitectura da segunda fase. Porém a adjudicação a este concurso só surge em 2002.
Em 2003 o Centro Hospitalar foi convocado diversas vezes para reuniões com a empresa projectista para dar pareceres sobre o projecto, tendo a última reunião acontecido em Março desse ano. Ainda em 2003 o processo da ampliação passa para a ARS do Centro que apresentou em 2004 um estudo prévio ao Centro Hospitalar que se pronunciou e deu alguns conselhos no sentido de melhorar o projecto.
Carlos Barroso