Quarta-feira, Setembro 01, 2010
FÉLIX LICHNOWSKY: descrição do Mosteiro de Alcobaça,1842
(foto no blogue)
A viagem nos séculos XVIII e XIX esteve muito em voga entre as elites aristocráticas da Europa e pode dizer-se que esta se associava à formação do gentleman, que não era mais do que o adulto delicado, elegante e cosmopolita. Este personagem foi muito popularizado no séc. XVIII, na Inglaterra vitoriana, como a literatura nos revela. No caso dos jovens aristocratas, as viagens, alicerçava-os no contacto com o mundo real e eram um complemento da educação para além da vida académica e livresca, e assinalava a entrada do jovem no mundo adulto, como se a viagem fosse o rito de iniciação entre aristocratas.
Mas, as viagens não tinham só fim educativo e complementar para jovens distintos; muitas destas viagens eram feitas com fins comerciais e militares e foram precisamente os aspectos económicos que trouxeram a Portugal o príncipe Felix Lichnowsky. As experiencias militares teve-as na vizinha Espanha, nas guerras Carlistas. Na sua biografia consta ainda que se dedicou à política e foi um excelente parlamentário, exercendo em vários países europeus. Na Prússia, onde nasceu e mais tarde na Alemanha, desenvolveu actividades ligadas à economia e à política externa (com bastante habilidade) de forma muito experimentada.
Terão sido estas razões que em 1842 levaram D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha-Kohary, seu conterrâneo e marido da rainha D. Maria II, a convidá-lo a vir a Portugal para analisar a situação económica e politica portuguesa e assessorá-lo. O país estava mergulhado numa depressão derivada do enorme endividamento de Portugal à Inglaterra sua aliada de sempre.
No seu parecer, o príncipe Lichnowsky fez recomendações para que Portugal diversificasse o seu comércio com outros países para não ficar cativo comercialmente de Inglaterra, que no seu parecer derivava do Tratado de Methuen entre os dois países. Chocou-o também a miséria em que vivia o povo português e o atraso flagrante de todo o país, onde só algumas zonas do litoral tinham capacidade para exportar e explorar parte dos seus parcos recursos. A análise de Lichnowsky é um mosaico interessante do país numa época e revela aspectos ainda hoje visíveis, como as assimetrias entre litoral e interior e as comunicações. Estas impressões ficaram expressas no livro “Portugal: Memórias de 1842”. Que foi publicado um ano depois da visita que nos fez entre 24 de Junho e Agosto de 1842. É desse livro que extraio uma passagem dedicada a Alcobaça, uma povoação onde se vinha apenas para ver o mosteiro e partir logo de seguida tal como ainda hoje se faz. Ficar era, ao que parece, um suplício e os atractivos, nenhuns. Apesar desta ideia do “ver, olhar, andar e nada gastar” estar presente em quase todos os escritos dos estrangeiros e nacionais que visitaram Alcobaça e se mantém no turismo da actualidade, o facto nunca incomodou ninguém para alterar este princípio em beneficio da povoação do concelho e pessoas. E continua a não incomodar, porque parece suficiente ter esplanadas, cadeiras, areais e insignificâncias similares, que dão para ver, comodamente sentados, os turistas passarem ao longe. É por efeitos destes que os encantadores de serpentes se vêm sucedendo de forma dinástica, em benefício pessoal e dos compagnons de route, mas em prejuízo da povoação e do concelho, impunemente.
Texto do príncipe Felix Lichnowsky sobre o Mosteiro de Alcobaça
Nessa tarde chegámos a Alcobaça, que fica a três léguas da Batalha. Alcobaça e Batalha são os nomes que usualmente são pronunciados pelos portugueses e pelos estrangeiros quando se trata de urna digressão no interior do país, ou quando se vem a falar acerca das suas coisas notáveis; contudo, é pena que estes dois pontos capitais da grande história portuguesa se achem tão perto um do outro; porquanto necessariamente um deles deve enfraquecer a impressão do outro. E o que acontece principalmente quando se vem da Batalha. Apesar de grandes recordações históricas e poéticas, Alcobaça perde muito na comparação que inevitavelmente tem de fazer-se, quando ainda se conserva profundamente gravada a lembrança da régia Batalha. O túmulo da formosa D. Inés e de seu esposo, D. Pedro I, que o amor tornou cruel, é naturalmente a primeira coisa em que se pensa em Alcobaça, onde as sepulturas, como geralmente em todo o Portugal, são objectos de grande consideração, grande principalmente em relação ao quanto é apoucado o presente; todavia, o exterior de Alcobaça não corresponde de modo algum a sua alta antiguidade, a sua celebridade e as grandes recordações que se ligam ao seu nome.
Esta abadia cisterciense foi erigida por D. Afonso Henriques em memoria da tomada de Santarém, como o indica na denominada sala dos reis a noticia da fundação, que se acha traçada em azulejos, e a qual contém um anátema contra aquele de seus sucessores que tratasse de abolir o mosteiro. Acha-se também ali o célebre documento que tem dado que pensar a muitos historiadores e pelo qual D. Afonso Henriques declara o seu reino tributário ao Convento de Clairvaux, segundo se pretende, em paga da intercessão de São Bernardo em Roma. Em contraposição a estes significativos monumentos dos primeiros períodos do reino de Portugal, a fachada do mosteiro corresponde ao pensamento de urna edificado do último século. A parte central é formada por urna igreja flanqueada de duas torres e cujo frontão sustenta urna grande imagem de Nossa Senhora; de uma e outra parte da igreja prolongam-se dois corpos laterais de grandes dimensões, de 18 janelas de comprimento e de 1 andar de altura, que contém os aposentos do mosteiro, e semelham de algum modo a quartéis de tropa. Tudo se acha em estado de grande deterioração, principalmente os alojamentos do mosteiro; a igreja, para onde se entra subindo alguns degraus, é alta e vasta, de um estilo normando -gótico puro e simples, e construída com a mesma pedra branca empregada na Batalha. Um grande espelho (rosace) acha-se sobre a porta principal e, semelhante a um caleidoscópio, é cheio de vidros de varias cores. Na igreja não há obra alguma de escultura, a excepção de um órgão de madeira; e, como em todas as igrejas de Portugal, não se encontra ai também nenhuma estátua, nem quadro. Cinco capelas colaterais no cruzeiro, com pesadas douradoras em madeira, um altar-mor branco e dourado com figuras de pau, que se nao podem chamar estatuas, e tendo a roda 10 grandes colunas jónicas, formam todo o ornato desta igreja, aliás nobre, formosa e de mérito arquitectónico. Um sol, ou glória dourada e colossal, que por trás do altar-mor se prolonga em todas as direcções, não se pode dizer que tenha notável beleza, porém produz grande impressão, principalmente quando, ao descer o Sol ao horizonte, essa grande massa brilhante se ilumina e cintila. Em geral nesta igreja tudo parece disposto com o fim de produzir efeito; deste modo, por detrás do altar-mor, e em semicírculo, acham-se, em 7 nichos, ou capelas, outros tantos altares, que se conservam obscuros e que, através de uma grade de ferro, se observara como sepultados numa profundidade; é isto de um efeito singular, e parece de algum modo urma ilusão óptica. Ali repousa também o primeiro abade de Alcobaça, irmão do fundador.
Visitamos depois algumas capelas, uma das quais, formando notável contraste com a igreja, é coberta por toda a parte com as mais ricas esculturas e árvores com folhas e frutos; outra, muito antiga, é inteiramente dourada e cheia com alguns centenares de bustos de madeira pintados, que são efígies de santos, que cobrem todas as paredes como se fora um gabinete de historia natural e trazem sobre o peito bocetas de vidro, onde se acham relíquias; algumas destas figuras, que se achavam mais no interior, foram dali arrancadas pelos franceses, que esperavam poder nelas encontrar tesouros; porém, como só achassem pequenos fragmentos de ossos, deixaram intactas todas as outras. Numa grande sacristia meio queimada, achei notável unicamente um tecto muito belo, azul e branco com rosas douradas.
Ultimamente, para concluir as nossas investigações, viemos (3) ao carneiro, ou antessala, onde repousam D. Inês e D. Pedro. Em frente um do outro, acham-se dois sarcófagos de mármore branco de 16 palmos de comprimento, 7 de alto e 5 de largura; são ambos cobertos com os mais delicados arabescos e altos-relevos; as figuras dos dois amantes, de grandeza mais que natural, estão colocadas, por ordem expressa de D. Pedro, com os pés de urna contra os da outra, de maneira que no dia de Juízo, se ressuscitarem na mesma posição, vêem-se imediatamente um ao outro, logo depois de terem visto o Céu. D. Inês tem um vestido franzido, cujas mangas curtas deixam ver dois braços redondos que se cruzara sobre o peito; as mãos são compridas, estreitas, mas pequenas para a grandeza da figura; uma delas tem calçada uma luva sem dedos; o corpo do vestido é justo e preso por meio de alamares e botões antigos, a semelhança dos da Hungria; com uma das mãos pega num fio de pérolas que lhe cinge o pescoço, e na outra tem uma luva. Como a descortesia dos franceses não poupou nem o nariz daquela formosa dama, é impossível formar urna ideia completa das suas feições, as quais o artista (que era contemporâneo) manifestamente quis representar belas; o rosto é algum tanto cheio, mas não deixa de ter graça, as orelhas estão quase inteiramente cobertas por um toucado muito justo; uma pequena boca e uma covazinha na barba dão a essa fisionomia de pedra um não sei quê de chistoso. Quando se reflecte que el-rei D. Pedro, que seguramente era entendedor na matéria, mandou cinzelar à sua vista este mausoléu, deve presumir-se que pelo menos haverá alguma semelhança com o original. Tem na cabeça urna coroa real, e superiormente estende-se um pequeno baldaquino; seis pequenos anjos estão dispostos em torno de D. Inês, protegerá a sua cabeça, fazem mover turíbulos e pegam na cauda do seu vestido. O túmulo é sustentado por seis figuras em forma de esfinges, das quais, porém, somente duas são de mulher; as outras apresentam rostos de homem com barba ou sem ela. Ao longo do friso alternam-se as armas reais portuguesas com os seis dinheiros da casa dos Castros. O sarcófago de D. Pedro é sustentado por seis leões; o seu rosto severo e barbado (ao qual felizmente deixaram intacto o nariz, alias bem feito) mostra as mesmas feições nobres e ternas que Ihe dão todos os retratos; é coberto por um longo trajo franzido, e com ambas as mãos pega na espada; os seus pés está deitado um cão da raça que em Inglaterra tem o nome do rei Carlos II; infelizmente falta urna parte da cabeça daquele formoso animal. As quatro faces de ambos os túmulos são cobertas de pequenos altos-relevos que representara o Juízo Final, o Purgatório, a Ressurreição e os padecimentos de muitos mártires; a execução destas obras indica de algum modo a infância da arte; geralmente poderão notar--se muitos erros artísticos, ou contra a verdadeira beleza, nestes dois monumentos; mas quem se lembrará de fazer tais observações ai, onde campeiam tão romântica poesia e, ao mesmo tempo, tanta verdade histórica?
Em alguns cantos do carneiro e da igreja acham-se também as sepulturas dos três filhos de D. Inês e de D. Urraca, esposa de D. Afonso II (em 1220), e muitos outros de mui pouca importância e que contêm infantes e infantas falecidos nos séculos XIII e XIV.35 Contudo, os dois mausoléus, célebres no mundo inteiro, tinham de tal sorte absorvido todo o interesse da nossa observação que aos outros somente pudemos conceder ligeira atenção. Uma coisa porém deve surpreender depois de uma tal viagem ao reino dos mortos, e vem a ser que em todo o país haja tantas sepulturas de reis espalhadas por toda a parte. A impressão torna-se absolutamente maior e mais solene, e é historicamente mais justo, e mais verdadeiro, que esses príncipes repousem onde quiseram repousar, onde lidaram ou triunfaram, ou onde fizeram (5) fundações : pára-se numa pequena povoação de urna montanha, ou numa solitária abadia, a fim de grave, conscienciosa e solenemente visitar a lousa de um rei, ou de um herói, que ai faleceu; enquanto os jazigos gerais, como São Dinis, a Capela de São Jorge e a dos Capuchinhos deixam frio o observador e chegam a enfadar depois de urna longa demora. Coimbra, Guimarães, Batalha, Alcobaça, e outros lugares que infelizmente não pudemos ver, conservarão provavelmente os seus túmulos reais, porquanto nenhum interesse momentâneo exigirá imperiosamente que o espírito de centralização se faça também extensivo aos mortos.
A hospedaria em Alcobaça era tão má que ainda durante a noite tivemos de partir, e, depois de uma marcha de três horas, chegámos à povoação, célebre pelos seus banhos, chamada as Caldas da Rainha, que tem a reputação de ser uma terra interessante, e onde obtivemos, em recompensa do nosso trabalho, a vantagem de mais algumas comodidades. Não era porém então a estação própria, e por isso o melhor que pudemos fazer foi montar de novo a cavalo, logo depois de algumas horas de descanso. Caminhámos com vento, chuva e um tempo fresco, por urna estrada sofrivelmente calçada e através de um território agreste, coberto de pinheiros e mato, até que finalmente chegámos a Vila Nova da Rainha, estação superior dos vapores do Tejo, onde o Sertorius nos recebeu e nos desembarcou em Lisboa, ainda antes de findar a tarde
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Segunda-feira, Agosto 23, 2010
O Conde Raczynski e uma descrição do mosteiro
(ver no blogue o retrato pintado do Conde de Raczynski por Gemälde von Carl Wilhelm Wach)
À excepção de alguns ambientes diplomáticos e dos meios académicos, poucos são aqueles que ouviram falar do conde Raczynski. Este ilustre aristocrata polaco desembarcava em Lisboa no ano de 1843, numa missão diplomática, como ministro do rei da Prússia em Portugal, onde residiu até 1846. Além de diplomata era um insigne académico, amante da cultura e da arte. Durante o período que esteve em Portugal, estudou e pesquisou a arte portuguesa antiga, elaborando o mais importante corpo da história artística alguma vez feito em Portugal nessa época. Ao ser polaco, era imune às apreciações localistas. Reviu com imparcialidade certas autorias fantasiosas e aplicou métodos inovadores num país com escasso desenvolvimento artístico e uma cultura estética caracterizada por uma instrução assaz reduzida. Profundamente ilustrado e estudioso, as suas análises eram experientes e com independência crítica, aliando rigor de método onde dominava ainda a apreciação histórica e a arte coeva. O seu rigor metodológico levou-o a percorrer o país, visitando monumentos, igrejas, bibliotecas e as galerias particulares mais famosas, para decantar uma visão abrangente da arte portuguesa como foi a sua. Neste trabalho conviveu com importantes bibliotecários, arquivistas, e eruditos de nome sobressaliente como: Alexandre Herculano, Vasco Pinto de Balsemão, o visconde de Juromenha, Francisco de Sousa Loureiro, Manuel-Francisco de Barros, e Lucas José dos Santos Pereira ou Ferdinand Denis, conservador da biblioteca Sainte-Geneviève,
Pode afirmar-se com propriedade que os dois estudos que elaborou: Les arts au Portugal (1846) e Dictionnaire Historico-artistique du Portugal (1947), em termos históricos, surgem como rotura metodológica e critica ao que até então se fazia, por cá, em que o estudo e a sistematização da arte e do património como campos próprios eram, por assim dizer, quase inexistentes senão nulos. Com o seu trabalho tentou dar acesso a uma documentação inédita sobre a arte portuguesa do século XVI para diante. A ele se deve o primeiro inventário geral dos bens culturais portugueses, com a elaboração de um relatório das obras de arte e a publicação de documentos inéditos, como os diálogos romanos de Francisco da Hollanda, traduzidos por Auguste Roquemont. Tentou ainda restabelecer a verdade histórica sobre o mítico pintor português, Grão Vasco, aferindo as fontes e comparando sistematicamente as obras. Este trabalho publicado em francês em 1846 e prolongado no Dictionnaire historico-artistique du Portugal em 1847, foi inicialmente considerado inferior e feito às “três pancadas”. No entanto, hoje é apreciado como fonte essencial para a história da arte portuguesa
Como inovador, as suas estimações críticas esbarraram com um modus vivendi, onde não havia experiência nem metodologia, e foi por isso alvo de uma reacção violenta, como é costume acontecer contra quem tenta inovar. Este facto tê-lo-á levado a suspender um terceiro volume sobre arte em Portugal.
Escusado será dizer que no campo da arte em si (da história, da critica, da sociologia, da filosofia sobre arte, …,) continuamos a não ser especialmente dotados, senão a Unesco não recomendaria ao Estado Português, que investisse mais no campo artístico em todos os níveis de ensino e posteriormente as Artes tal como a Medicina, serem declaradas prioritárias pelo governo da República.
Quanto ao conde Raczynski, é no contexto das viagens por Portugal, feitas para o estudo da arte portuguesa, que surge uma sua pequena apreciação sobre o mosteiro de Alcobaça, no seu livro “Les Arts au Portugal” e por simpatia com pequenos juízos da povoação, gentes e os monges.
O texto de Raczynski, deve ser entendido como expressão própria de uma época e numa visão imparcial, mas com um olhar artistico e intelectualmente bem formado.
DESCRIÇÃO DO MOSTEIRO POR RACZYNSKI
(ver no blogue ecos e comentários Aguarela de James Holland)
"No dia 25 saí muito cedo das Caldas e necessitei cinco horas para chegar a Alcobaça, que está a 4 léguas. O dia era lindo e fazia muito tempo que não dava um passeio tão grande a cavalo e com tanto calor. Apesar do cansaço fui directamente até à igreja e coloquei-me numa janela para desenhar o túmulo de Inês de Castro.
Alcobaça está bastante bem construída e os seus habitantes não parecem miseráveis. Os preços dos produtos de primeira necessidade são mais altos que na nossa região: um par de bois custa aproximadamente 15 moedas (450 francos ou 120 thaleres de Prússia).
Um advogado fez-me alguns relatos sobre os monges que não os deixa em bom lugar; eram vistos como os tiranos no país. É verdade que as propriedades e os privilégios de que desfrutavam eram enormes e que os seus fazendeiros, rendeiros ou serventes só ganhariam com uma mudança que lhes outorgava a livre posse do que lhes custava antes tanto trabalho, sacrifícios e muita sujeição. Até que ponto os monges abusaram dos seus direitos? Até que ponto esses direitos tinham sido justamente adquiridos? São perguntas que requerem um exame em profundidade. O que é certo é que todas as pessoas imparciais, salvo um aldeão bêbado, estavam de acordo em que a supressão desta comunidade beneficiava o país. O que também é certo é que os monges eram grandes adeptos de D. Miguel e que, se não me engano, apetrecharam, pela sua própria conta, um batalhão de voluntários para a defesa da sua causa. Por sua parte, D. Miguel demonstrou muita simpatia por eles, foi visitá-los e passou vários dias no convento. Não se pode negar que apoiando-o, os monges mostraram muita subtileza e discernimento; os assuntos de D. Miguel apenas terminados foram expulsos da sua antiga habitação. A biblioteca era valiosa e muito rica em manuscritos. Todos esses tesouros da ciência, todo esse material da História foram levados para Lisboa. Não me atrevo a afirmar que estejam guardados, classificados e conservados com cuidado. Conta-se que um número importante foi roubado mas não sei muito a esse respeito, porque se a imoralidade dos que se envolvem em revoluções aumenta pelo frequente regresso das comoções, sua inclinação para a calúnia aumenta certamente ainda mais. Devemos acrescentar que as propriedades dos monges ocupavam uma extensão de várias “léguas” quadradas, quase desde Leiria às Caldas e que os seus rendimentos estavam calculados em várias centenas de milhais de cruzados. Tendo as persecuções que sofreram começado antes do domínio de D. Miguel, os monges exerceram duras represálias contra os que se mostraram sôfregos em melhorar sua posição a expensas do convento.
Pode-se dizer que a ala da igreja de Alcobaça é magnífica; embora não tenha ornamentações, parece maior que a da Batalha. Os túmulos que se encontram dentro de uma das capelas constituem a parte mais rica e mais interessante. Destacaremos na primeira linha os de Inês de Castro e D. Pedro I, que morreu em 1367 e que foi chamado o Justiceiro por causa do seu inexorável rigor com os malfeitores. Prova disso foi a maneira cruel em que mandou matar os executores da sentencia pronunciada pelo pai contra Inês de Castro. O coração de um deles foi arrancado pelas costas e o do outro pelo peito, enquanto D. Pedro assistia a execução. Estes dois sepulcros estão bem conservados, salvo uma parte onde os soldados do exército de invasão fizeram buracos esperando encontrar algum tesouro. Estas marcas do vandalismo e da cobiça inseparáveis das guerras civis ou estrangeiras foram cobertas de gesso. Também devemos acrescentar que em Coimbra os que combatiam pela liberdade trataram com menos respeito ainda as suas próprias relíquias históricas.
As tumbas estão ricamente ornamentadas com esculturas representando acontecimentos da vida de D. Pedro e Inês. Na mesma capela estão também outros sarcófagos: o de Beatriz, mulher de Alfonso II, (1220), o dos filhos de Inês e mais alguns. O claustro parece bastante deteriorado, embora ainda não esteja completamente em ruína. A biblioteca tem uma fama que não é merecida; o espaço que ocupa é amplo, mas é tão pouco elevada que as suas proporções não deixam nenhuma impressão de grandeza. Nada se fez para a conservação deste monumento. Não é assim para a Batalha onde foram dedicados cada ano 2 contos (3.200 thaleres ou 11.900 francos) para reparações, que deram resultados bastantes mais satisfatórios do que se podia pensar com tão pouco dinheiro. A sala que contém as estátuas de todos os reis de Portugal não me satisfaz; têm todas um ar moderno, o estilo e o carácter estão faltos de veracidade cronológica e todos estes reis parecem ter encontrado os trajes no guarda-roupa do Theâtre-Français no tempo de Luís XIV (ver N.T.)
Um grande painel lateral, que segundo o sacristão foi pintado por Joseph de Obidos (1684) pareceu-me bastante medíocre. Salvo este painel, não vi nada em Alcobaça que se parecesse a um quadro.
O aspecto exterior da igreja é bastante grandioso, embora a fachada acrescentada no século XVII seja um “monstro” de anacronismo arquitectónico, um conjunto esquisito de todos os estilos, desde o gótico até ao rococó. In "Les Arts En Portugal, Lettres adressees a la societé artistique et scientifique de Berlin". pp. 453 a 456.
N.T. Théâtre- Français (ou Comédie française) é um teatro nacional subsidiado pelo Estado. Foi fundado em 1681
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5fev2010
Excertos que relevo:
(...)TINTA FRESCA - Quais as obras em curso e previstas para o Mosteiro de Alcobaça?CECÍLIA GIL - Neste momento, está em curso o projecto de requalificação do Mosteiro de Alcobaça, que foi estudado por mim e pela equipa do Departamento de Projectos e Obras do IGESPAR já há largos meses, no sentido de candidatarmos as intervenções ao QREN. A maior parte das intervenções estão a ser feitas nesse âmbito. Na Ala Norte, é visível através dos andaimes a reparação das coberturas visto que estávamos já a registar problemas de infiltrações. O primeiro passo para a conservação preventiva dos monumentos é o cuidado com as respectivas coberturas. Depois temos ainda outra intervenção de grande vulto a decorrer no interior, mais concretamente, no Claustro D. Dinis, cujo figurino, quer em termos paisagísticos quer em termos de mobiliário urbano, vai ser requalificado. Todos os claustros de jardins que não foram ainda requalificados recentemente apresentam uma feição muito semelhante: a feição Estado Novo. Como estava, o Claustro D. Dinis tinha alguns problemas em termos de usufruto pelo público, não era muito aprazível, não havia lugar para as pessoas se sentarem e a vegetação, nomeadamente, as laranjeiras tapavam por completo o impacto da arquitectura, não sendo visível a transição do piso térreo para o fantástico piso superior de temática claramente manuelina, aliás, atribuído a João de Castilho. A Sala dos Monges tinha problemas de conservação dos capitéis das colunas que estão a ser colmatados e está a ser adaptada para receber, provisoriamente, uma estrutura amovível muito simples que possibilitará a instalação do Centro de Interpretação do Mosteiro de Alcobaça. Numa fase posterior - a campanha de obras apenas termina em 2013 - a ideia é transferir o Centro de Interpretação para outro local, precisamente para não interferir no percurso medieval
(...)TINTA FRESCA - Quais as obras em curso e previstas para o Mosteiro de Alcobaça?CECÍLIA GIL - Neste momento, está em curso o projecto de requalificação do Mosteiro de Alcobaça, que foi estudado por mim e pela equipa do Departamento de Projectos e Obras do IGESPAR já há largos meses, no sentido de candidatarmos as intervenções ao QREN. A maior parte das intervenções estão a ser feitas nesse âmbito. Na Ala Norte, é visível através dos andaimes a reparação das coberturas visto que estávamos já a registar problemas de infiltrações. O primeiro passo para a conservação preventiva dos monumentos é o cuidado com as respectivas coberturas. Depois temos ainda outra intervenção de grande vulto a decorrer no interior, mais concretamente, no Claustro D. Dinis, cujo figurino, quer em termos paisagísticos quer em termos de mobiliário urbano, vai ser requalificado. Todos os claustros de jardins que não foram ainda requalificados recentemente apresentam uma feição muito semelhante: a feição Estado Novo. Como estava, o Claustro D. Dinis tinha alguns problemas em termos de usufruto pelo público, não era muito aprazível, não havia lugar para as pessoas se sentarem e a vegetação, nomeadamente, as laranjeiras tapavam por completo o impacto da arquitectura, não sendo visível a transição do piso térreo para o fantástico piso superior de temática claramente manuelina, aliás, atribuído a João de Castilho. A Sala dos Monges tinha problemas de conservação dos capitéis das colunas que estão a ser colmatados e está a ser adaptada para receber, provisoriamente, uma estrutura amovível muito simples que possibilitará a instalação do Centro de Interpretação do Mosteiro de Alcobaça. Numa fase posterior - a campanha de obras apenas termina em 2013 - a ideia é transferir o Centro de Interpretação para outro local, precisamente para não interferir no percurso medieval
TINTA FRESCA - Já está definido o novo local?
CECÍLIA GI- Está em estudo. Já temos uma ideia, mas penso que é mais correcto divulgá-la só quando de ideia passar a certeza. Outra das obras localiza-se na parte devoluta do edifício e tem a ver com a cobertura da Biblioteca. Outra obra ainda, não visível do exterior e que eu não sei se será do conhecimento público e que está em fase final é a readaptação, é a iluminação da Sacristia Nova, dado que a existente não era suficiente. Estamos a fazer uma intervenção aí, assim como na fabulosa Capela Relicário que foi dotada de uma iluminação específica, cenográfica e direccionada para as esculturas, de forma a não interferir na ambiência feérica que aquela capela nos transmite e que deriva da luz coada que nos chega através do lanternim. A ideia é manter as mesmas características de ambiente, de lusco-fusco, mas potenciando-as, dando mais esplendor ao retábulo e às esculturas. A loja vai sofrer alguns melhoramentos a nível de iluminação e de criação de mais suportes para acomodação dos produtos e a Sala do Capítulo terá também iluminação, que não tem neste momento e uma tela que sirva de quebra-luz no janelão principal porque a luminosidade, sobretudo, nos meses de Verão, provoca encadeamento em qualquer espectáculo que ocorra naquele espaço.Finalmente, as obras nos sanitários estão em fase de conclusão, seja para o público seja para os funcionários. Serão na Ala Norte, no piso inferior e no piso superior.
(...)CECÍLIA GIL - A cafetaria está em estudo, mas poderá avançar, caso se concretize a mudança da loja para a Sala das Conclusões. A loja actual é claramente pequena, além de formar um enclave no circuito medieval. A Sala das Conclusões tem grandes vantagens, é um espaço grande e, sobretudo, com acesso para o exterior, o que possibilita às pessoas entrarem e saírem da loja sem terem necessariamente de fazer o percurso pelo interior do monumento e pagarem o ingresso. São duas coisas diferentes que podem ser complementares ou não, consoante a vontade das pessoas. Caso se concretize a transferência da loja, eu gostaria que passasse a funcionar no Mosteiro de Alcobaça uma pequena cafetaria, um apoio, como existe na maior parte dos monumentos. Eventualmente, nos meses de Verão, poderia ser complementada com uma pequena esplanada a ser instalada no Claustro da Prisão. Está em projecto e vamos esperar que se concretize.
TINTA FRESCA - Qual a verba total envolvida neste projecto de requalificação do Mosteiro de Alcobaça?CECÍLIA GIL - Estamos a falar de muito dinheiro, que eu não vou equacionar porque essa verba está repartida por diversos anos e pelas diversas empreitadas até 2012. Por outro lado, as obras nem sempre terminam na data exacta, embora não tenha havido grandes atrasos, mas por vezes há verbas que transitam de uns anos para os outros, o complica um pouco as contas. TINTA FRESCA - Mas estamos a falar de muitos milhões de euros?CECÍLIA GIL - Sim. TINTA FRESCA - O que pode esperar o público do Centro de Interpretação?CECÍLIA GIL - O público vai ter tudo o que pode esperar de um centro de interpretação, dentro daquilo que eu conheço nesse âmbito. Vai ter um local bonito com uma tela enorme, com luz adequada, um sítio onde pode sentar-se e fazer uma pausa na visita. Provavelmente, os bancos serão aquecidos, pois as condições de visita no Inverno são extremamente penosas, faz muito frio. O visitante poderá ainda assistir a um filme bem feito que não ultrapassará os 20 minutos porque, como sabe, as pessoas muitas vezes vêm com o tempo contado, muito embora nós tentemos cada vez mais contrariar essa tendência. O Mosteiro de Alcobaça – e creio que todos os monumentos - é para ser vivido de uma forma sensorial e isso não se consegue através de uma visita rápida e temporizada, nem que a visita seja acompanhada. Não passa pelo contar de uma história sempre igual, com um acumular de datas e de nomes, que acaba por cansar as pessoas e, sem querer, caímos naquele turismo de massas que foi ao sítio só para dizer que esteve lá. Não é de todo essa a nossa ideia.(...)
TINTA FRESCA - Algumas pessoas comentaram que o workshop não trouxe nada de novo ou, pelo menos, não foi conclusivo no sentido de se apontar um caminho minimamente consensual.CECÍLIA GIL - Eu acho que um debate não é conclusivo nunca, não é essa a ideia nunca e não é esse o paradigma que está subjacente. Um workshop é um encontro de trabalho, não há uma votação no final para eleger a melhor ideia. Um debate, um colóquio, um workshop, destina-se a transmitir uma linha de pensamento e a saber o que é que determinadas pessoas que nos merecem respeito intelectual ou que estão ligadas ao Mosteiro de Alcobaça, por diversas razões, pensam e cabe a quem assistiu tirar as suas conclusões e equacionar também aquilo que lhe parece melhor. Não nos reunimos para decidir, até porque não temos esse poder, isso ultrapassa-nos.
TINTA FRESCA - Um monumento com esta grandeza está sempre em recuperação, tem elevados custos de manutenção e uma das hipóteses avançadas para minorar esses custos era a instalação de hotel de charme no Mosteiro de Alcobaça. Em que ponto está essa ideia?CECÍLIA GIL - Penso que está em estudo, ou seja, não é uma hipótese a descartar, mas há vários poréns. Julgo que a realidade que existe hoje, e estou a falar em termos económicos e financeiros, é completamente díspar da realidade de há cinco anos. A crise evoluiu no sentido negativo ao longo deste espaço de tempo e não podemos afirmar, sob pena de o fazer levianamente, que os interesses que eventualmente existiam há cinco anos se mantenham.Por outro lado, creio que nunca terá sido feito um estudo de mercado e também não interessa ter aqui instalada uma mega unidade hoteleira para estar desocupada porque aí não estaria garantida a auto-sustentabilidade, nem para o hotel nem para o Mosteiro. Além disso, temos de agir com muito cuidado quer porque somos património classificado pela Unesco e o Mosteiro de Alcobaça não entra na legislação que permite intervenções privadas nos monumentos que estão abandonados porque o Mosteiro de Alcobaça não está abandonado. Tem uma parte devoluta, mas tem uma tutela. Portanto, temos de agir sempre com cautela e precaução, mesmo em relação á confiança que nos poderá ou não merecer quem se mostre interessado em se «instalar» nos espaços devolutos do Mosteiro de Alcobaça. Depois, muito embora a região tenha múltiplos atractivos turísticos, se calhar esses atractivos não estão ainda suficientemente divulgados para atrair pessoas em número suficiente para se fixarem nesta mega instalação hoteleira. De resto, não é essa a vocação deste género de edifícios e dou-lhe o exemplo do Mosteiro de Tibães, onde foi feita uma hospedaria, com condições, que já existiu no Mosteiro de Alcobaça e que, de alguma maneira, existe no Convento de Cristo, em Tomar. São características diferentes da tal mega instalação hoteleira, que seria inserida num espaço fechado. Repare que nós não temos vistas, não temos panorâmica para desfrutar.
TINTA FRESCA - Mas estava prevista também a recuperação do Jardim do Obelisco…CECÍLIA GIL - Nesse caso, retirávamos aos cidadãos em geral a possibilidade de usufruir do Jardim do Obelisco e de toda a envolvente numa cidade que não tem um jardim ou um passeio público. Essa zona ficaria fechada e só disponível para os hóspedes do hotel. Tudo isto são questões polémicas que merecem reflexão, estudo e ponderação. Não quero com isto dizer que vamos continuar a estudar e a ponderar até que as coisas caiam, não me parece de todo que seja essa a atitude certa, mas também não me parece correcto agir de ânimo leve. Há que pensar e tratar com a devida delicadeza as coisas que, em si, são delicadas.
(,,,)A intervenção do Jardim do Obelismo não está contemplada até 2013. Estão contempladas algumas intervenções na cerca, mas não na parte devoluta do Monumento porque esgotaria completamente a verba e temos de fazer opções.
TINTA FRESCA - O anterior ministro da Cultura falava muito na recriação do Património do ponto de vista imaterial, através da literatura, das artes plásticas, do teatro, do cinema. Sei que a actual direcção do Mosteiro tem também feito alguma coisa neste sentido, assim como a anterior, nomeadamente, com protocolos com a SA Marionetas e o contratenor Luís Peças. Esta é uma das suas preocupações?CECÍLIA GIL - É uma das principais preocupações, o meu objectivo é que as pessoas vivam e sintam o Monumento, pois só assim voltam. É essa a experiência pessoal que eu tenho das deambulações que pude fazer por esse País e por esse mundo fora: volto aos locais que me tocaram. Ou outros diluem-se no tempo e na memória. Se alguém com uma determinada sensibilidade entra neste Mosteiro e, inesperadamente, ouve a voz do contratenor Luís Peças, o momento torna-se único e não o vai esquecer. Não é só o caso do Luís Peças, a companhia SA Marionetas tem desenvolvido um trabalho notável, bem patente na exposição que está patente na Ala Sul até ao dia 19 de Fevereiro. Além disso, há muitas outras coisas que podem tornar a visita e o usufruto do Monumento inesquecível, sobretudo, no trabalho com crianças e jovens, daí o papel tão importante do nosso serviço educativo, que, de resto, recebeu uma menção honrosa por parte da Associação Portuguesa de Museologia, distinguindo a qualidade do trabalho aqui desenvolvido durante o ano de 2009. Tudo temos feito no sentido de multiplicar as nossas acções junto de crianças e jovens de forma a que a respectiva passagem por este Monumento fique como marca para a vida e apeteça voltar. Está também em curso um outro protocolo com a Academia de Música de Alcobaça que eu pretendo ver ultimado com alguma brevidade e, entretanto, temos vindo a alargar o nosso ciclo de parcerias, com as escolas, com o CEERIA e com a Câmara Municipal de Alcobaça, com quem temos uma parceria importantíssima e fundamental para o bom funcionamento do Monumento.
(...)TINTA FRESCA - Está a decorrer uma intervenção no retábulo “Morte de São Bernardo”?CECÍLIA GIL - Não, ao abrigo da Lei do Mecenato, a primeira fase da intervenção da Morte de São Bernardo foi concluída em 2009, com o patrocínio da Caixa de Crédito Agrícola de Alcobaça. Foi feita a limpeza, consolidação e conservação do registo horizontal do retábulo. As verbas já não chegaram para intervirmos no registo vertical, até pela maior complexidade. Para fazer essa intervenção necessitamos da colocação de um andaime dentro do próprio retábulo, o que é complicado e moroso, tanto mais que a locomoção dentro do retábulo, sem agredir as esculturas, não é fácil. O que está a decorrer neste momento é a limpeza dos túmulos de Pedro e Inês, que realmente estavam a ser afectados no seu estado de conservação pela acumulação de sujidade. Foi uma questão que muito me preocupou durante este Verão. Penso que os túmulos nunca tinham tido a intervenção de um conservador/restaurador e, felizmente, quando coloquei a questão à Tutela a resposta foi positiva e, neste momento, a operação de limpeza e conservação preventiva está a decorrer.
TINTA FRESCA - Neste momento, são visíveis também ervas na fachada do Mosteiro. Há alguma intervenção prevista para resolver este problema?CECÍLIA GIL - Está em estudo. O cidadão comum pensa que é muito fácil debelar este género de parasitas, mas não é. Não se pode “simplesmente” montar um andaime – e montar um andaime já de si é caro - e arrancar as ervas porque, ao fazê-lo, estamos a fragilizar irreversivelmente a pedra. Este tipo de parasitas vegetais tem, em regra, raízes compridas, muito extensas e ao puxar estamos a causar danos irreversíveis, por vezes, na pedra. Além disso, como não conseguimos extrair a raiz por completo porque está entranhada nas fissuras, estamos a dar força à planta parasita porque estamos a podá-la. Portanto, aquela ideia de que o que interessa é alguém chegar ali e tirar as ervas está a quilómetros de distância da realidade. Os herbicidas muitas vezes não podem ser aplicados porque colidem com o pH da pedra causando também danos irreversíveis. De qualquer modo, foi celebrado há alguns meses um protocolo entre o IGESPAR e a associação Valor Pedra que prevê a instalação de um laboratório-piloto no Mosteiro de Alcobaça onde será feito o estudo atento das patologias da pedra na própria constituição física e química da pedra do monumento. É um estudo que não existe e aí poderemos vir a ter condições, sem despesa ou com uma despesa incipiente, para pensarmos na pedra como um ser vivo que realmente é, que adoece e tem patologias.
TINTA FRESCA - O problema do excesso de pombos está resolvido?CECÍLIA GIL - Os pombos neste momento são uma praga nacional e europeia. As modificações climatéricas tem fomentado a proliferação dos pombos. A existência de muitos pombos dentro do monumento foi uma coisa que me preocupou muito este Verão. Está prevista a breve trecho a instalação de um equipamento que impede a intrusão dos pombos no monumento sem lhes fazer mal. O estudo foi feito este verão e a todo o momento o equipamento pode ser colocado cá. Neste momento a situação está controlada e vamos esperar que não existam novas pragas porque antes disso, o equipamento será certamente colocado. TINTA FRESCA - O que aconteceu ao controlo da natalidade dos pombos, tentado com a Câmara Municipal há alguns anos?CECÍLIA GIL - Foi tentado, mas não resultou. Não me pergunte porquê porque não sou veterinária, mas não fez diminuir o número de pombos no interior do monumento. Apesar de tudo, foi um programa escrupulosamente cumprido.
(...)TINTA FRESCA - Como tem estado a evolução das visitas nestes últimos três anos?CECÍLIA GIL - Não vale a pena fugir à verdade, eu não o faço, por norma. O ingresso nos museus e nos monumentos baixou em todo o País. Felizmente, no Mosteiro de Alcobaça não é muito notória essa descida. Estamos a viver uma grande crise económica e financeira, com as respectivas consequências. As famílias não têm meios financeiros e aumentaram as entradas gratuitas. O turismo sénior, neste momento, é uma realidade de muito peso porque enquanto as pessoas tiveram a aposentação garantida na maior parte isso permite-lhes usufruir de qualidade de vida, embora tenham sofrido alguma penalização. Mas não se compara com outros escalões etários, onde há desemprego, dívidas assumidas, etc.
(...)TINTA FRESCA - O que vai acontecer ao gradeamento junto à fachada do Mosteiro. Entretanto caiu e foi retirado, vai ser de vez?CECÍLIA GIL - Está em aberto, porém, essa questão é delicada. Durante nove séculos de existência nunca houve qualquer acidente naquela escadaria, mas a partir do momento em que a questão é colocada passa a existir e a ser fonte de preocupação. Nesse contexto, foi estudado o que poderia ser colocado naquela escadaria e todas as soluções estudadas por quem de direito – e estou a falar de equipas de arquitectos – são esteticamente “muito pesadas” e o resultado é francamente desagradável e quase agressivo em termos visuais. Aliás, aquilo que lá estava também o era e, ainda assim, foi a solução mais leve que foi encontrada. Porém, a estrutura colocada durou 15 dias! As pessoas sentam-se, encostam-se e ela verga e degrada-se e não podemos reparar uma estrutura de 15 em 15 dias. Por outro lado, não podemos colocar vedações, com todo o peso que a palavra implica, no patim da escadaria do Mosteiro de Alcobaça, sob pena de desvirtuarmos completamente aquilo que herdámos. Portanto, a questão não é assim tão simples e não pode ser analisada levianamente. Nem qualquer estrutura serve, sempre que removemos e reparamos uma estrutura estamos a agredir a pedra, a reparação é cara e a recolocação é igualmente cara. Em Património, é necessário cautela, sensatez, muita ponderação.
TINTA FRESCA - As pessoas com mobilidade condicionada continuam a entrar pela Praça D. Afonso Henriques?CECÍLIA GIL - Sim, pela Sala dos Monges. Neste momento, temos cadeiras de rodas eléctricas à disposição dos deficientes motores e não desistimos ainda de estudar uma solução que melhore o acesso e usufruto do monumento, mas não é fácil. Basta olhar para este Mosteiro e temos imediatamente a percepção do grande número de barreiras arquitectónicas que ele comporta, quer no exterior quer no interior e a não desvirtuação do património passa também pelo seu lado estético.(...). Mário Lopes
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