http://sapinhogelasio.blogspot.com/2011/01/o-desafio-da-governanca-14.html
O desafio da governança: porquê e como superá-lo?
ou
A ausência de cultura cívica e a reduzida participação da sociedade nos processos e práticas do planeamento
As profundas alterações sociais, políticas e económicas ocorridas nas últimas décadas levantam a questão sobre a governabilidade e gestão dos territórios. Será que a gestão territorial pode continuar a ser feita como foi durante o último meio século, ou será necessário encontrar alternativas? E a existirem essas alternativas, quem serão os novos actores dos processos de planeamento e que competências devem evidenciar para a concretização de uma gestão territorial de qualidade?
A necessidade de um novo modelo na gestão do território
Predominou ao longo do século XX, uma corrente defensora do intervencionismo do Estado, através de um planeamento imperativo, como elemento fulcral para o combate às desigualdades regionais e promoção da igualdade no acesso à habitação, aos transportes, à saúde (por exemplo). Assim, o planeamento constituiu um processo contínuo e cíclico, na procura de soluções para a resolução de problemas, sob a liderança pública. Os conflitos de interesses, sobretudo público/privados, foram subalternizados, dada a dominância e a consistência da intervenção pública.
Mas as transformações sociais, políticas e económicas verificadas no último quartel do século XX (choque petrolífero de 1974, queda do muro de Berlim), lançaram dúvidas sobre os pensamentos e práticas existentes, obrigando ao repensar de modelos e políticas, também ao nível do território. Neste novo processo, o Estado passou a ser encarado como uma estrutura opaca e pouco transparente, da qual resultam processos de planeamento de objectivos e métodos pouco participados pelos particulares, envoltos em impostos, numa enorme carga burocrática e num emaranhado legal, por vezes, contraditório. Sem que daí resulte, muitas vezes, uma maior eficácia e eficiência na gestão do território, traduzida em melhorias da qualidade de vida da população em geral.
Em paralelo a estas transformações, assiste-se, hoje em dia, a um processo de transição da sociedade industrial para a sociedade-rede ou sociedade do conhecimento. Esta mudança significa uma mudança social tão significativa como aquela que implicou a passagem de uma sociedade agrícola e artesanal à sociedade industrial. Esta mudança social traduz-se numa profunda transformação que afecta a economia, a estrutura social, a organização do espaço, a educação, a cultura e, naturalmente, a estrutura do governo e o modo de governar.
Justifica-se assim, encontrar novas formas de governar o território, aprofundando a democracia e dando maior eficácia e eficiência às políticas públicas. No entanto, a intervenção da Administração Pública foi sempre vista, até muito recentemente, como capaz de produzir melhor ambiente urbano do que o resultante da livre iniciativa dos mercados.
http://sapinhogelasio.blogspot.com/2011/01/o-desafio-da-governanca-24.html
A necessidade de um novo modelo na gestão do território
Actualmente, um conjunto emergente de fenómenos sociais, políticos e económicos, traz novos desafios à Administração Pública. Estes desafios encontram-se traduzidos na crise financeira do Estado, num novo quadro demográfico, nas janelas de oportunidades trazidas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação, na crescente complexidade de dinâmicas territoriais e na crise do modelo da democracia representativa. Todos eles concorrem, e contribuem, para a profunda fragmentação do Estado (e da própria sociedade). Esta fragmentação, aliada a uma crescente complexificação e especialização sócio-económica, lança reptos importantes também aos processos de desenvolvimento das comunidades urbanas e rurais. Se anteriormente apenas era avaliado o seu desempenho económico-financeiro, hoje são igualmente importantes a manutenção dos seus níveis de eficiência, sem colocar em causa os sistemas ambiental e social.
Constatamos hoje a crise do modelo de intervenção do Estado (com funções hegemónicas na redistribuição territorial dos recursos) e ao aparecimento de tendências de sentido mais liberal e de maior participação da sociedade civil. Verifica-se, também e cada vez mais, num mundo globalizado e globalizante, o aparecimento e o reafirmar de regionalismos que se traduzem em diversidade e riqueza, singulares e próprias. Há cada vez mais a necessidade de conciliar estes anseios locais com a identificação de visões e objectivos comuns a escalas territoriais mais amplas. A viabilização e gestão do interesse público exige hoje o encontrar de soluções e a construção de consensos, o envolvimento de actores dispersos, o reconhecimento de diferenças, a experimentação.
Paralelamente, há um processo de a-territorialização das actividades humanas. O conceito de distância física esbateu-se e hoje são as noções de distância-tempo e distância-custo que determinam e equacionam as deslocações e as comunicações e a própria concepção de espaço e território. Para além disso, a União Europeia identifica a subsidariedade, a integração social e a parceria, para além da sustentabilidade ambiental e da eficiência do mercado, como princípios das acções específicas da administração pública na definição e implementação das políticas urbanas e de ordenamento do território.
Estas novas realidades introduziram novos parâmetros na gestão de conflitos e acordos no planeamento urbano, para as quais são necessárias respostas inovadoras.
O crescente desajustamento na relação entre as estruturas tradicionais de regulação e de representatividade das comunidades, e os agentes económicos e sociais implicados na implementação das políticas urbanas e de ordenamento do território, são os novos desafios da governabilidade dos territórios e lançam as sementes da governança.
http://sapinhogelasio.blogspot.com/2011/01/o-desafio-da-governanca-34.html
Neste contexto, o conceito de governança tem sido utilizado para definir formas de governo mais abertas e participadas, e relações de cooperação entre Estado e parceiros económicos ou cívicos. A governança corresponde aos processos através dos quais as decisões de políticas públicas são feitas e implementadas. Resulta das interacções, relacionamentos e estabelecimento de redes entre os diferentes actores públicos, privados e sociedade civil. A governança inclui a tomada de decisões, a negociação e as diferentes relações de poder entre os diversos actores, de forma a determinar quem é responsável pelo quê, quando e como.
Este desafio pressupõe um Estado eficiente e funcional. Por um lado, capaz de assegurar a representação e defesa do interesse público, designadamente através do seu papel regulador; por outro, assegurar uma gestão integrada e alargada da vida sócio-económica e da sua tradução territorial, através da redistribuição de responsabilidades directas entre o Estado e a sociedade.
Mas são precisamente os pressupostos que conduziram à ideia de governança, nomeadamente, a fragmentação do Estado e a diminuição da sua capacidade interventora (principalmente financeira); a complexidade, rigidez e opacidade da legislação e procedimentos de planeamento e gestão territorial; assim como a ausência de uma cultura cívica valorizadora do ordenamento do território e a diminuta participação da população os grandes desafios a vencer.
Sem os resolver, há o risco de um planeamento meramente indicativo, onde os actores privados assumem todo o protagonismo e o Estado é um mero fiscalizador. Mas um Estado enfraquecido, fragmentado e financeiramente débil, em crise política de valores e do seu papel na sociedade, pode não ser capaz de defender a ideia de interesse público. «Um Estado com uma governação minimalista acarreta o risco de, através de uma burocracia ‘empresarial’, seguir a vontade política dos decisores, em detrimento das condições de eficácia, de eficiência e de rentabilidade social».
Desenvolve-se esta ideia de partilha de responsabilidades (Estado/ Sociedade) quanto ao idealizar e executar um plano, um projecto, para um território, tendo em vista o seu desenvolvimento e a sua sustentabilidade. É assim necessário desenvolver e cultivar uma dimensão ética que deve traduzir estas responsabilidades como fonte de obrigações e como uma garantia com vista à minimização dos riscos de má gestão e à efectiva ponderação dos interesses públicos. Em termos territoriais, estes interesses dizem sobretudo respeito ao ordenamento do território, ao urbanismo, ao ambiente, ao património, mas também às obras públicas, aos serviços públicos, à aquisição de bens e serviços e às tecnologias de informação.
A partilha de responsabilidades passa, também, pela participação pública nos processos de planeamento. Tradicionalmente, esta é feita na parte final do processo, onde a informação é menos transparente e o tempo é pouco para discutir e questionar (tardiamente) opções de ordenamento e desenvolvimento. Para além disso, as populações consideram que nestes processos têm pouca ou nenhuma influência, havendo ainda dificuldades em garantir, e demonstrar, que as medidas do planeamento representam processos de decisão colectivos e não o resultado das posições de determinados grupos e interesses, mesmo que socialmente válidos.
Esta participação pública exige a criação de espaços de cidadania para a deliberação. Espaços que devem ser, por sua vez, flexíveis e bem organizados, com metodologias rigorosas e bem orientadas para o objectivo de identificar, sistematizar e dar prioridade aos interesses e necessidades sociais. Mas esta participação deve ter como finalidade o desenvolvimento da região. A participação na governança não deve ser um simples processo através do qual se fazem chegar sugestões à administração pública. A participação na governança é o reconhecimento da responsabilidade que cada indivíduo tem, da sua importância no passado, no presente e no futuro da sua região, no assumir do seu compromisso como elemento dinamizador de desenvolvimento e sustentabilidade da sua região. «Participação é compromisso e colaboração cidadã».
http://sapinhogelasio.blogspot.com/2011/01/o-desafio-da-governanca-44.html
Para concretizar este envolvimento da sociedade, o Programa Nacional da Politica de Ordenamento do Território (PNPOT), estabelece um conjunto de medidas prioritárias a promover:
- desenvolver acções de sensibilização, educação e mobilização dos cidadãos para uma cultura valorizadora do ordenamento do território, do urbanismo, das paisagens e do património geral;
- introduzir e reforçar nos programas dos vários graus de ensino, desde o ensino básico ao secundário, os princípios orientadores de boas práticas de ordenamento e qualificação do território;
- fomentar a investigação e a inovação na área do ordenamento do território e do urbanismo, nomeadamente através da instituição de bolsas de estudo e prémios especiais;
- divulgar boas práticas em ordenamento do território e urbanismo e incentivar a participação em concursos para atribuição de prémios a nível internacional.
Se para as duas primeiras, o ensino e reforço da Geografia nos diferentes graus de ensino surge como o caminho a trilhar, para a última, exige uma mudança profunda no paradigma da acção dos decisores políticos. Mudança a realizar nomeadamente nos processos de produção, monitorização e divulgação da informação relativa à gestão do território.
Neste processo, os decisores políticos devem apresentar como principais aptidões : uma visão para o futuro do território; a definição de objectivos como iniciativa para a gestão da mudança; a capacidade de adaptar processos e organizações; comunicar, motivar, convencer; capacidade para construção de alianças. Estas aptidões devem estar alicerçadas não só no saber escutar, na empatia, na imaginação, na habilidade do trato, mas fundamentalmente na curiosidade de conhecer diferentes pontos de vista e na vontade de aprendizagem contínua. Só assim será possível entender e contextualizar diferentes pontos de vista e opiniões, procurando a sua compatibilização, através da construção de novos cenários ou projectos que incorporem a grande maioria dos interesses e pontos de vista dos diferentes actores (públicos e privados) e sectores da cidadania envolvidos.
A ideia de governança está assim associada a cinco princípios políticos: abertura, participação, responsabilização eficácia e coerência. Em conjunto, permitirão um aparecimento de um novo modelo de gestão territorial, capaz de responder às rápidas mudanças sociais, económicas, demográficas e ambientais que ocorrem actualmente.
As alterações económicas e sociais ocorridas nos últimos 30 anos introduziram uma grande dinâmica na transformação dos territórios. Parece consensual que a Administração Pública não tem hoje capacidade política e económica de executar as propostas formuladas nos planos. Há assim a necessidade de estabelecer mecanismos de cooperação com os actores privados e a sociedade civil, no sentido de encontrar soluções que respondam de forma eficaz à velocidade das transformações sociais, económicas, demográficas e ambientais actuais.
No entanto, se por um lado, há uma menor capacidade de intervenção por parte da Administração, os actores privados só assumem destaque em projectos de grande visibilidade (territorial e financeira) e a sociedade civil continua emersa num papel quase figurativo quanto aos processos de planeamento. Cabe-lhe um papel mais activo e vigilante, de forma a salvaguardar os seus próprios interesses.
A governança não pode ser ensinada… tem que ser alcançada através de uma cidadania melhorada (Paulo Correia)