Algumas notas de reflexão e posicionamento sobre os temas postos em debate pela ANAFRE
O documento de reflexão colocado à discussão pela direcção da ANAFRE, a pretexto de questões reais e da maior importância para o Poder Local Democrático e, em particular, para as freguesias, recoloca ideias já estafadas e abundantemente promovidas no passado recente:
1.ª - A de que há freguesias que devem ser extintas (é de crer que, numa primeira fase, por «falta de dimensão»), através da absorção por outras ou por fusão com as vizinhas;
2.ª - A de que o Código Administrativo de boa memória deve ser restaurado, pelo menos na parte em que classificava as autarquias em rurais e urbanas, de 1.ª, 2.ª ou 3.ª ordem;
3.ª - A de que o inimigo principal das freguesias é o conjunto dos municípios, de quem devem ser retirados os recursos que lhes faltam, as atribuições que pretendem e ainda os meios correspondentes;
4.ª - A de que a lei deve impor executivos da escolha do presidente da junta, possivelmente por sua designação pessoal.
O documento não prescinde de picardias, uma das quais releva da habitual chantagem sobre quem não quer mudar o que está bem, e – o que é mais importante – demonstra um perfeito alinhamento, não com as freguesias e as populações, mas com os objectivos do Governo partilhados pela maioria que o apoia na Assembleia da República e pelo PSD, tanto no que toca à agenda (a oportunidade política) como ao conteúdo (a reorganização administrativa, as novas regras para o financiamento das autarquias, o alargamento das atribuições gerando novas responsabilidades e a revisão do sistema eleitoral).
As autarquias (municípios e freguesias existentes, como o seriam as regiões administrativas) existem, essencialmente, para despender recursos públicos em obras e acções que interessem, antes de mais, às populações respectivas e Portugal é, nos quadros da União Europeia e dos países da OCDE, dos que menos recursos públicos colocam à disposição das autarquias, mesmo se consideradas as diferenças de responsabilidades de país para país.
A extinção de freguesias (e de municípios, como se vai aventando), para além dum atentado à vida e representação democráticas, é um passo mais na desertificação do interior do país, na degradação de vastas áreas do território nacional e no agravamento das já deficientes condições de vida. Os contabilistas alcançarão um corte ridículo na despesa pública; os economistas, se alguns restam, irão assinalar custos acrescidos com deslocações e tempo de trabalho perdido para os cidadãos e, logicamente, para a economia do país, além do definhamento de pequenas economias locais que subsistem; os autarcas que o sejam de verdade, esses não podem deixar de pressentir as dificuldades e os problemas daquelas pessoas, com fracos recursos, a quem fecharam os correios, o posto médico, a escola e, agora, a junta de freguesia.
A crise, o deficit, os PEC, em lugar de conduzirem ao alargamento dos recursos postos à disposição dos chamados «governos de proximidade», unanimemente reconhecidos como sendo aqueles em que, pesem embora erros e distorções, os dinheiros públicos melhor são aplicados e mais rendem económica e socialmente, são pretexto para reduzir os meios, aumentar as responsabilidades, extinguir entes públicos e diminuir a representatividade dos seus órgãos e, afinal, reduzir a participação dos cidadãos nas decisões que lhes respeitam e a qualidade democracia.
A reorganização administrativa que se impõe passa pelo que tem sido o sentido da intervenção nos últimos 35 anos, a saber, o da criação (cautelosa) de municípios e de freguesias, aproximando cada vez mais a administração dos cidadãos, alargando a reprodutividade dos pequenos investimentos imprescindíveis ao bem-estar e à dinamização dos tecidos económicos das comunidades e prevenindo a desagregação social.
Mas passa também por fazer diferente do que se tem feito no que toca ao respeito pelas normas constitucionais aplicáveis: distribuir com justiça os recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias locais; descentralizar, alargando as atribuições destas com o reforço dos meios necessários; respeitar a sua autonomia; instituir as Regiões Administrativas.
Com medidas justas e o poder administrativo regional democraticamente constituído é possível reduzir bem mais a despesa pública do que através da extinção de um largo número de freguesias.
Contra a crise é necessária mais democracia, mais e maior participação dos cidadãos, maior proximidade e transparência da administração e não menos pessoas públicas, menos órgãos eleitos, menos cidadãos a decidir sobre a coisa pública, mais distância entre administradores e administrados, mais secretismo nas decisões.
As freguesias prosseguem um escopo de atribuições comum, que carece de clarificação e actualização, e devem poder aderir, em circunstâncias e nas condições predeterminadas pela lei, a um leque mais alargado, tudo sem prejuízo da cooperação institucional em matérias adequadas à sua natureza, nomeadamente através da celebração de protocolos de cooperação ou para o exercício de atribuições municipais no seu território.
A diferenciação das freguesias não carece de qualquer tipo de classificação discriminatória e já existe pacificamente quanto a parâmetros e aspectos diversos da sua vida própria.
A absoluta exclusividade das atribuições das freguesias ou de qualquer outro ente público territorial é uma falsa questão: salvo excepções muito concretas (como as que permitem determinar o núcleo das atribuições essenciais à existência de uma freguesia), a esmagadora maioria das atribuições das pessoas públicas territoriais sobrepõe-se e distingue-se sobretudo pelo nível e pela escala.
As divergências com os municípios, naturais em dois entes públicos que agem sobre o mesmo território a benefício das mesmas pessoas e com ópticas e escalas diferentes, não constituem o obstáculo essencial à existência e ao desenvolvimento das freguesias – o obstáculo maior e que a todos lesa é a perspectiva centralista dos governos e das maiorias que os suportam e o carácter, igualmente centralista, das políticas que prosseguem e das medidas administrativas que desenvolvem.
A colegialidade dos órgãos do poder local e a pluralidade na sua constituição são essenciais à transparência na gestão e à confiança dos cidadãos na democracia. São de crocodilo as lágrimas e de fariseu os apelos daqueles que, permanentemente, gritam pela democracia e pela participação democrática e não perdem uma oportunidade para lhe diminuir a amplitude, reduzir o número de cidadãos eleitos, concentrar poderes no menor número possível, tornar opaco e distante o seu funcionamento.
Em resumo:
Mais do que uma séria preocupação sobre a organização administrativa do país – que a existir conduziria desde logo à indispensável criação de Regiões Administrativas – o que se visa com o projecto de “racionalizar” é extinguir freguesias e concelhos, uma extinção, que a pretexto da crise e do défice, tem por objectivo empobrecer a expressão democrática da organização política, reduzir a participação e representação democráticas, eliminar expressões de proximidade e intervenção populares nos processos de decisão e controlo da vida politica local.
É a qualidade da democracia e também a qualidade de vida das comunidades locais que são os alvos directos deste objectivo. Medidas e objectivos inseparáveis de outros como os de alteração às leis eleitorais ou o da ofensiva em curso contra a autonomia financeira e administrativa do poder local.
A “reforma” pretendida por PS e PSD traduzir-se-ia, a ser aprovada, em prejuízos para as populações; em mais abandono, desertificação e assimetrias regionais; em menos atenção e investimento local indispensáveis à vida económica e social dos territórios abrangidos; em enfraquecimento da defesa de interesses da população e de representação dos seus direitos; em menos participação democrática.
...........
16Março 12h29' cister fm postou:
2011-03-14 12:51:00
CDU contesta extinção de freguesias.
A CDU de Alcobaça é contra a proposta de extinção das pequenas freguesias e concelhos, argumentado que “a medida irá sair cara ao país”.
Para além de estar contra a redução do número de concelhos, Rogério Raimundo defende que o governo deve, em alternativa, “introduzir políticas que fomentem a fixação das populações” nas freguesias rurais, sob pena de se estar a "desertificar o país".
O vereador da CDU afirma que as tentativas do PS e do PSD para cortarem nos gastos só tem trazido problemas às pessoas e autarquias locais, lembrando os casos dos "mega" centros escolares e dos encerramentos dos centros de saúde.
O vereador da CDU desconhece se a intenção é ajustar o ordenamento do território a uma futura regionalização, mas salienta que é contra a extinção de pequenas freguesias, seja qual for o pretexto dos principais partidos políticos.