"O Mosteiro não pode ser visto como um centro comercial"
O director do Mosteiro de Alcobaça revela a vontade de atrair novos públicos ao monumento, além de concordar com a instalação de um hotel nos espaços devolutos, mas reconhece que não vê com bons olhos uma certa "banalização" no acesso a um património da Humanidade.
REGIÃO DE CISTER (RC) > Está desde Agosto do ano passado à frente dos destinos do Mosteiro. Como têm sido estes meses?
JORGE PEREIRA DE SAMPAIO (JPS) > Temos a sorte de ter uma excelente equipa e tem havido um espírito de coesão bastante grande entre todos os funcionários e tem sido excelente o apoio dado pela Câmara aos eventos realizados. Permitiu não só assegurar o que já existia, como criar coisas novas. Tem havido uma boa programação e temos eventos previstos até Agosto de 2012. Porém, no estado em que o País se encontra, tudo ainda poderá ter alterações.
RC > Em Alcobaça, a sua nomeação foi relativamente consensual. Por esse facto, sentiu, de alguma forma, uma responsabilidade acrescida?
JPS > Sim. Mas é natural que haja pessoas que gostam e pessoas que não gostam de nós. Enquanto programador, já vinha fazendo uma série de eventos em Alcobaça, desde as comemorações de Inês de Castro em 2005 - com 24 iniciativas em Alcobaça -, e depois comissariei uma série de exposições, que me deram imenso gosto. Quando se está num papel destes, pode-se sempre ser acusado de ser demasiado erudito ou de estar mais virado para um tipo de cultura nacional ou internacional. Mas há uma preocupação que tenho tido e continuarei a ter: abrir o Mosteiro à população e à região, com actividades amplas, democráticas e transversais, mas não esquecendo que esta casa é um monumento nacional classificado como Património Mundial. Ou seja, poder ter eventos que possam agradar à população, local e não só, mas não vulgarizando o monumento com algum tipo de programação que seja banal.
RC > Já tinha experiência na organização de eventos. E na liderança de pessoas, como está a ser a experiência?
JPS > É certo que não tinha experiência em liderar equipas. Tenho assumido essa liderança, acima de tudo, com seriedade, mas com humor. É importante agir de forma tranquila, dar responsabilidades às pessoas. Uma das iniciativas que tomámos agora, para que as pessoas tenham a noção do espírito de equipa, é que a partir do início de Maio, vamos ter, de duas em duas semanas, conferências feitas pelos técnicos superiores do Mosteiro. É uma forma, não só de dar palco a toda a gente, como de as pessoas sentirem que fazem parte da mesma equipa. Não é à toa que as portas do meu gabinete estão, geralmente, abertas. Salvo para aqueles segredos que apenas dizem respeito à direcção do Mosteiro.
RC > Como tem sido a convivência com antigos directores do Mosteiro?
JPS > Tem sido muito tranquila. Há muito boa relação de trabalho entre todos. Tanto mais que as duas ex-directoras [Isabel Costeira e Cecília Gil] estão, neste momento, a desenvolver trabalho interessantíssimo e vão também participar nestas conferências. A relação é tranquila e de certeza que conto sempre com a experiência e o saber acumulado que têm, porque já passaram por este cargo que para mim é novo.
RC > Como explica que muita da população de Alcobaça, Nazaré e concelhos limítrofes não tenha ainda visitado o Mosteiro?
JPS > São fenómenos complexos. Uma das coisas que reparei é que, por exemplo, nos mesmos espectáculos que aconteceram em Alcobaça e em Coimbra, por ocasião das comemorações de Inês de Castro, sempre estiveram mais pessoas em Alcobaça do que em Coimbra. São fenómenos que nem sempre são fáceis de perceber. Mas nós não nos podemos queixar. Há exposições nas quais as pessoas se revêem. Fizemos a proposta à Câmara de Alcobaça para montar uma exposição que junte um conjunto de fotografias de todas as pessoas que tenham casado no Mosteiro. Pegando no tema do amor entre Pedro e Inês, esta será uma exposição que abrange toda a região. É o tipo de iniciativa que leva muito público local, como aconteceu com a exposição ‘Alcobaça Revisitada’ que comissariei em 2007 e reuniu 1600 fotografias de toda a região e que levou milhares de pessoas à Galeria. O concerto da Casa da Música no ano passado ou a inauguração da exposição retrospectiva dos 50 anos de pintura de Ana Maria Botelho são dois exemplos de eventos que levaram centenas de pessoas ao Mosteiro.
RC > As pessoas vão aos eventos, mas conhecem o Mosteiro?
JPS > Acho que toda a população, ou quase toda, conhece. Toda a minha geração e a que está para trás conhece o Mosteiro e penso que os mais novos também têm essa oportunidade. As visitas de alunos, através do Serviço Educativo, têm sido um êxito: há meses de espera para marcar visitas. Há uma boa relação com as escolas. Temos uma óptima equipa no Serviço Educativo e que está a trabalhar muitíssimo bem nessa área, que é para nós muito importante.
RC > A Mostra Internacional de Doces e Licores Conventuais é um evento de massas, que leva milhares de pessoas ao Mosteiro. É esse o caminho para aumentar a presença de público no monumento?
JPS > O Mosteiro não pode ser visto como um centro comercial. Essa é uma preocupação que tenho e as pessoas têm de se consciencializar disso. Convencionou-se fazer os Doces numa zona nobre do Mosteiro. É uma realidade que apanhei e que prossigo e que deve ser equacionada e melhorada.
Joaquim Paulo e Ana Ferraz Pereira