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Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República
TDT - Um negócio desastroso com impactos directos para a vida das pessoas
Quinta 5 de Janeiro de 2012
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Quinta 5 de Janeiro de 2012
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
A manter-se o atual rumo que se tem verificado até agora, e se nada for feito imediatamente, o processo de introdução da Televisão Digital Terrestre em Portugal, e o correspondente desligamento das atuais emissões analógicas, ficará recordado como um dos negócios mais vergonhosos, mais desastrosos, com impactos diretos para a vida das pessoas.
É um verdadeiro escândalo nacional que continua a acontecer como se nada fosse, apesar dos sucessivos alertas, das reuniões e audições nesta Assembleia em que o problema se colocou ao longo do tempo. O primeiro responsável desta situação é o PS que estava no Governo e decidiu isto em 2008. O principal responsável atual é o Governo PSD/CDS, que deixou correr o problema e em Novembro passado vendeu em leilão as frequências para a rede 4G – aproveitando o apagão analógico que interessa (e muito!) às operadoras!
Temos portanto que, de hoje a uma semana, é desligada a emissão analógica da televisão em sinal aberto na vasta e altamente povoada faixa do território litoral do país.
Mas na cobertura das emissões terrestres da TDT, a situação é da maior gravidade. Milhares de pessoas que atualmente estão cobertas por sinal analógico, pura e simplesmente vêm os emissores e retransmissores das suas regiões desligados. São inúmeros os retransmissores que atualmente servem as populações com qualidade – e que vão ser pura e simplesmente desligados.
Afirma-se que a cobertura TDT atual chega a 90% da população (muito abaixo dos atuais 98% de cobertura da RTP1), mas a realidade é outra!
Os dados da ANACOM baseiam-se em simulações feitas em computador, ignorando variáveis como condições meteorológicas, variações locais de relevo ou obstrução das antenas. Chegam-nos os testemunhos de que, em muitas áreas supostamente cobertas, não é possível captar a TDT. Noutras zonas, por exemplo dentro da zona piloto de Alenquer (com inúmeras reclamações sem resposta efetiva da ANACOM), em condições meteorológicas adversas o sinal cai completamente.
A PT, empresa concessionária da rede TDT em Portugal, colocou um mínimo de emissores no território; concentrou-os nas áreas de maior densidade populacional de modo a maximizar com um mínimo de custos a quota de cobertura a que estava obrigado – mas deixando vastas áreas geográficas sem emissão terrestre.
Há concelhos inteiros que na verdade não têm alternativa nenhuma senão o acesso à televisão por satélite – como se estivessem na Floresta Amazónica ou no deserto do Saara!
Apenas a título de exemplo, são os casos de Vila Praia de Âncora, Paredes de Coura, Vieira do Minho, Arganil, Manteigas, Portel, Ferreira do Alentejo, Almodôvar, Alcoutim. É o caso do Grupo Ocidental do Arquipélago dos Açores! É o caso da maior parte do território de concelhos como Oliveira do Hospital, Seia, Vouzela, Castro Daire, Grândola, Ourique e muitos outros.
Alega a ANACOM que toda a população excluída da TDT está coberta via satélite. Mas quanto custa a instalação para esse acesso? Cerca de 116 euros por equipamento – para um só televisor!
Entretanto, é claro que a PT tem o exclusivo da venda dos recetores satélite. E quando as autarquias denunciam este escandaloso abandono das populações e exigem soluções concretas, aparece a PT a oferecer à Câmara os seus serviços – o último caso que nos chegou foi da proposta à Câmara de Vouzela, para a instalação de três pontos emissores de micro cobertura a povoações do concelho, pela módica quantia de 90 mil euros.
Chama-se a isto criar dificuldades para vender soluções!
Quanto à rede de distribuição, está publicada na Internet a lista dos revendedores autorizados. Lá está, por exemplo, a loja de Vila Nova de Cerveira, cujo dono nem sabia que constava da lista e muito menos que devia vender kits satélite! A loja PT mais próxima fica em Viana do Castelo a 45 quilómetros de distância…
Nas lojas PT, invariavelmente, ao pretender informações sobre o kit as pessoas são incentivadas a subscrever contratos MEO. Nos últimos dias têm sido frenéticos os contactos telefónicos para a casa das pessoas a impingirem-lhe assinaturas do serviço de acesso pago das várias operadoras. Ligam a dizer que vão desligar a TV, e para que possam ver a nova TV têm que subscrever uma assinatura.
Esta situação tem obtido o silêncio cúmplice da ANACOM, que agora vem dizer que os descodificadores são subsidiados! Pasme-se: em 22 euros, após uma burocracia labiríntica, 22 euros para algumas pessoas, num total de encargos que ascende a cerca de 116 euros por equipamento. Mas o que neste momento se impinge, casa a casa, já não são descodificadores: são assinaturas de televisão por cabo/satélite. Pedem dinheiro a famílias que não o têm, para poderem continuar a ver TV. É nada menos que uma vergonha nacional!
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhores Membros do Governo,
Mais uma vez aqui reafirmamos o alerta quanto à oportunidade perdida que tem sido o processo da Televisão Digital Terrestre, e a ameaça de degradação que pode até daí resultar para a acessibilidade do Serviço Público de Televisão.
A verdade que se está a escamotear é que com a TDT podemos ter mais serviço público em sinal aberto e não menos. Podemos ter economias de escala e gerir melhor os recursos, com mais e melhor oferta. Não é isso que está a acontecer.
A TDT podia ser a oportunidade para uma oferta televisiva para todos. Que incluísse em todas as emissões a possibilidade de acesso a tradução para língua gestual, a legendagem em direto, a áudio-descrição. Tudo isso foi ignorado.
Se ao serviço público fosse atribuído um multiplex próprio, a população poderia aceder de forma livre e gratuita a todos os canais da Televisão Pública – incluindo àqueles que hoje estão disponíveis apenas na TV de acesso pago! Esta possibilidade nunca foi considerada.
Portugal terá como triste distinção o facto de ser o país europeu com o menor número de canais nesta plataforma. Por toda a Europa, a introdução da TDT foi fator de maior variedade de oferta televisiva.
•Espanha: 20 canais de acesso gratuito, cinco dos quais do serviço público.
•Reino Unido: 38 canais de acesso gratuito, nove dos quais do serviço público.
•Itália: 27 canais de acesso gratuito, oito dos quais do serviço público.
•França: 29 canais de acesso gratuito, oito dos quais do serviço público.
•Alemanha: dos 20 canais de acesso gratuito, nove dos quais do serviço público.
A oferta televisiva na plataforma digital terrestre inicialmente previa um 5.º canal generalista, transmissões em alta definição ainda na fase de simulcast, serviços interativos inovadores, a televisão móvel e uma plataforma paga com a presença de canais regionais que deveriam priorizar produções locais. Tudo isso foi abortado.
E porquê? Porque tudo neste processo da TDT foi motivado, não pela defesa do bem público, mas sim pela defesa de interesses privados de grandes grupos económicos, nomeadamente das operadoras de telecomunicações e em particular da PT.
Este processo está a transformar-se num gigantesco mecanismo de angariação de clientes para a MEO do Grupo PT, de venda de recetores de satélite fornecidos pela PT, de venda e instalação de pontos emissores de micro cobertura. E de libertação de frequências para o negócio das comunicações móveis 4G, para a Vodafone, a Optimus/Sonaecom e, claro, a PT.
Aqui se demonstra mais uma vez como o poder político está e continua ao serviço do poder económico – e como o poder económico, e neste caso em particular a PT, está a viver acima, muito acima das nossas possibilidades!
Não será por falta de aviso que o Governo não atua. Ainda tem uma semana para intervir. Mais adiante, discutiremos o Projeto de Resolução do PCP com propostas concretas para resolver esta situação. Mas para já exige-se que o Governo assuma as suas responsabilidades,
Disse.