27/01/2012

5.420.(27jan2012.8.28') Mia Couto

Nasceu a 5julho1955
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Ando a paLAVRAR e a escreVIVER...Mia Couto é 1 exemplo de saber criar novas palavras...
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"Porque dentro de mim, não sou sozinho. Sou muitos. E esses todos disputam minha única vida."
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5jan20/20
5jan2014 postei:
 
6.6'... :* :* começo da noite...quis ler MIA COUTO...
"O importante não é a casa onde moramos.
Mas onde, em nós, a casa mora."
sonhar a realidade com Aaron Paquette e Mia Couto.
Lembrança alada
Em alguma vida fui ave.
Guardo memória
de paisagens espraiadas
e de escarpas em voo rasante.
E sinto em meus pés
o consolo de um pouso soberano
na mais alta copa da floresta.
Liga-me à terra
uma nuvem e seu desleixo de brancura.
Vivo a golpes com coração de asa
e tombo como um relâmpago
faminto de terra.
Guardo a pluma
que resta dentro do peito
como um homem guarda o seu nome
no travesseiro do tempo.
Em alguma ave fui vida.
Mia Couto
Arte - Aaron Paquette
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2SETEmbro2015
Doutor Honoris Causa ..."Não nos usem como arma de canhão", 
, disse que quem quer fazer política que o faça sem apontar "arma ao futuro dos nossos filhos".
"Muito obrigado senhor Presidente por ter nos devolvido o estatuto de família."
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O DISCURSO DELE:
O LIVRO QUE ERA UMA CASA A CASA QUE ERA UM PAÍS
Todos os povos amam a Paz. Os que passaram por uma guerra sabem que não existe valor mais precioso. Sabem que a Paz é um outro nome da própria Vida. Vivemos desde há meses sob a permanente ameaça do regresso à guerra. Os que assim ameaçam devem saber que aquele que está a ser ameaçado não é apenas um governo. O ameaçado é todo um povo, toda uma nação.

Pode não ser este o momento, pode não ser este o lugar. Mas é preciso que os donos das armas escutem o seguinte: não nos usem, a nós, cidadãos de Paz, como um meio de troca. Não nos usem como carne para canhão. Diz o provérbio que “sob os pés dos elefantes quem sofre é o capim”. Mas nós não somos capim. Merecemos todo o respeito, merecemos viver sem medo. Quem quiser fazer política que faça política. Mas não aponte uma arma contra o futuro dos nossos filhos. É isto que queria dizer, antes de dizer qualquer outra coisa.

Que me seja perdoado este empolgado introito. Que me seja perdoada a falta de etiqueta que deveria começar por saudar a presença do Presidente da República, o Presidente Jacinto Filipe Nyussi. Na verdade, Excelentíssimo Presidente, talvez eu tenha adiado esse momento porque um escritor não deveria nunca declarar-se sem palavras. Na verdade, sabendo da sua intensa e preciosa ocupação, eu não encontro palavras para lhe agradecer a honra da sua presença.

O que quero dizer é saudar o seu apelo para repensarmos o modo como nos concebemos como povo e como nação. Queremos ser parte desse esforço, queremos aprender a ser um país que não exclui, um país plural e diverso. Queremos ajudar a construir uma nação que assume, sem medo, as suas diferenças. Esta nova atitude pode ser a cura para uma espécie de autismo de que vínhamos padecendo. Quero saudar a presença do Presidente Joaquim Chissano, é um prazer imenso reveê-lo.

É difícil imaginar quanto, mesmo ouvindo, podemos ser surdos. Seletivamente surdos. Escutamos os que nos são próximos, escutamos os que nos obedecem, escutamos o que nos agrada ouvir. Escutamos os do nosso partido, escutamos sobretudo quem não nos critica. Tudo o resto não existe, tudo o resto é mentira, tudo o resto é calúnia. Tudo o resto é proferido pelos “outros”. E é quase um paradoxo: porque se ocupam páginas inteiras dos jornais a dizer que os “Outros” não devem ser ouvidos. Gastam-se horas de programação radiofónica e televisiva para dizer que os outros não disseram nada. Esses “outros” que querem questionar o que fazemos, esses outros são “estranhos”, a caminho mesmo de serem “estrangeiros”. A verdade, porém, é que ninguém pode anular a existência desses “outros”. Ninguém pode negar que são moçambicanos. Ninguém pode saber se têm razão se não deixarmos que falem livremente. Esta é a grande lição do Presidente Nyussi que entendeu reconciliar uma nação apartada de si mesma. É ele que nos lembra que esses que dizem “não”, são da mesma família dos que dizem “sim”. Esta é uma mesma família que dispõe de uma única casa. Não existe outro lugar, não existe outro destino senão este que dá pelo nome de Moçambique.

Digo tudo isto sem qualquer embaraço. Porque todos nós, a começar por si, Senhor Presidente, queremos fugir da pratica da bajulação. Com a sua atitude de abertura e simplicidade, o Presidente sugere uma outra relação, mais próxima, mais verdadeira. Apesar de tudo, é fácil imaginar que junto a Vossa Excelência já se criou um cortejo de aduladores. Felizmente, veio da sua parte um sinal de alerta: assim que tomou posse, o Presidente Filipe Nyussi começou a receber gente que não batia palmas, gente que tinha interrogações e levantava críticas. Os seus ministros estão a fazer o mesmo, estão a escutar os que pensam diferente, estão a sentar-se com os que deixaram de ser ministros, estão a aprender desses outros que estavam condenados à condição de já terem sido alguém. Parece pouco perante os gigantescos problemas que enfrentamos. Mas esta forma de lidar com as pessoas pode sugerir uma outra forma de lidar com os grandes os desafios.

Por tudo isto queria muito dizer-lhe: muito obrigado, Senhor Presidente. Muito obrigado por nos ter devolvido a nossa dimensão de família. Muito obrigado por ter reabilitado o nosso estatuto de moradores na mesma casa. Durante muito tempo fomos conduzidos a construir fronteiras que nos separavam em pequenas nações dentro da grande Nação moçambicana. Durante muito tempo houve quem sugerisse que havia categorias de moçambicanos, uns mais autênticos que os outros. Ainda hoje sobrevive em alguns esse olhar de polícia de identidades. Ainda hoje há quem avalie os outros pela cor da sua pele, pela cor da tribo, pela cor do seu partido. Ainda hoje, há os que, em lugar de discutir ideias, atacam pessoas. E ainda prevalecem os que, em lugar de procurar soluções, procuram modos de esconder os problemas. Toda esta cosmética foi sendo feita em nome da unidade e do patriotismo. Toda esta encenação de normalidade é uma herança que pedia uma resposta firme. Esta resposta foi trazida por si. Sem grandes proclamações, mas de um modo firme e continuado. Conhecemos hoje essa sua mensagem: podemos ter os recursos que tivermos. Não disso é tão promissor como o nosso património humano feito de tanta gente tão diversa.

O Presidente está a criar uma dinâmica que é bem mais do que uma nova política. É uma nova cultura. E esta cultura pode marcar uma diferença em toda história de Moçambique. Parabéns por quanto já acendeu como esperança, parabéns pelo seu modo paciente, sem recurso ao autoritarismo, sem uso da demagogia fácil. Parabéns pelo caminho iniciado para devolver à política a sua dimensão ética e humana.

Magnífico Reitor, Professor Doutor Lourenço do Rosário

Dizem que os escritores são donos das palavras. Não são. As palavras, felizmente, não tem dono. Às vezes, sinto pena que assim seja. Porque se tivesse esse poder eu o aliviaria das formas de tratamento que são bem mais pesadas que estas minhas novas vestimentas.

Na verdade, o Professor Doutor Lourenço do Rosário não precisa do lustro de um título seja ele qual for. Lourenço do Rosário conquistou um lugar de respeito não apenas na academia mas na sociedade moçambicana como um homem empenhado com a sua gente e com a sua pátria. E essa autoridade moral que vem exercendo na sua função de mediador das conversações no Centro de Conferências Joaquim Chissano. Sabemos como é difícil encontrar, entre nós, personagens capazes de reunir tão amplo consenso. Somos uma nação que foi convidada a assumir-se em dualidades extremas. Os que defendem a lucidez da isenção foram sempre olhados com desconfiança.

As suas recentes palavras são um alerta para quem se esquece que o país não pertence a nenhum partido. Eu vou reproduzir essas suas palavras com o risco de o estar a citar por via dos jornais (e os jornais são mais criativos do que qualquer escritor). O Professor terá dito: “No fundo, o partido da oposição está a revelar a sua pretensão em cumprir aquilo que a gíria popular chama de “chegou a nossa vez”.

Traduzindo as suas palavras na linguagem da oralidade que Professor Rosário tão bem conhece o resultado poderia ser assim: é que para uns, a política é uma panela. É preciso comer muito e rápido porque a colher é muito disputada e a refeição pode durar pouco. Para outros, contudo, a política ainda é a nobre arte de servir os outros, a política ainda é a missão de colocar acima de tudo os interesses de todos. Possivelmente quem tanto reclama contra a partidarização não está contra o princípio em si mesmo. Quer, sim, partidarizar a dois. Não me importa o nome dos partidos. A minha questão não é tanto de ordem política que, para isso, pouca vocação me resta. É uma objecção de natureza moral. Importa-me como cidadão que persista, em alguns dirigentes moçambicanos, a ideia de que Moçambique é um quintal privado. Um quintal cujo destino é ser parcelado, conforme interesses e conveniências.

Permita-me Senhor Reitor que, apesar da solenidade deste acto, o trate pelo qualificativo mais honroso que conheço que é o de “professor”. Não existe outro título que a mim mais me honre. Durante anos, dei aulas em diferentes faculdades em Maputo. Ainda hoje, passados quase dez anos, esses meus alunos passam por mim e tratam-me por professor. Não podem imaginar o quanto isso me comove e quanto receio não ter tamanho para encher aquela palavra. Professor não é quem dá aulas. É quem dá lições. Não é aquele que vai à escola ensinar. É aquele cuja vida é uma escola.

Pois o nosso Professor Lourenço do Rosário chamou-me há uns meses para me comunicar que a Universidade Politécnica me tinha escolhido para receber este grau académico. Ele confessou que receava que eu não aceitasse esta distinção. Não sou uma pessoa de títulos, nem de honrarias. Mas não fui capaz de dizer que não. Por causa da pessoa que me falava, por causa da instituição que ele representava. Ainda tive coragem de lhe perguntar: mas a cerimónia vai ser com protocolos de fardas, discursos e chapéus? E ele respondeu laconicamente: vai ter que ser. E aquele “vai ter que ser” não deixava espaço para negociação.

Demorei meses a me habituar à ideia desta tão solene solenidade. Quando pensava que já me tinha conciliado com o fantasma das vestimentas, aconteceu um pequeno e infeliz incidente. É que tive a triste ideia de mostrar aos meus netos fotografias de uma outra cerimónias de doutoramento. E um deles, entusiasmado, perguntou: mas, avô, vais ter que vestir estas saias compridas? Pois eu quero aproveitar este momento para tranquilizar a minha querida companheira, a Patrícia, que está ali sentada e dizer-lhe o seguinte: Patrícia, por baixo destas longas saias continua a estar um homem de calças.

Quero falar ainda de Luis Bernardo Honwana, o meu padrinho. A palavra “padrinho” ganhou nos dias de hoje uma conotação deslustrosa e, a partir de agora, haverá mesmo, meu caro Luís Bernardo, quem te peça para dares um jeito e arranjes umas vestimentas para algum amigo carente de títulos. Quero dizer, no entanto, que, no teu caso, me reencontro plenamente naquilo que é a etimologia da palavra “padrinho” que é o guia e de norteador. Na verdade, há muito que o Luís Bernardo, sem o saber, vem cumprindo esse papel de modelo na minha actuação como escritor e como pessoa. É preciso repetir aqui o quanto nós, escritores moçambicanos, somos devedores a Luís Bernardo. O que ele nos deixou como legado é bem mais do que ele escreveu. É uma espécie de manifesto inaugural, uma instauração de caminhos que nós depois viemos a trilhar. Luís Bernardo Honwana, José Craveirinha, Noémia de Souza e o João Dias foram os primeiros 4 vértices dessa construção de vozes que, a um certo momento proclamaram: nós queremos escrever a história com a nossa própria caligrafia. Luís Bernardo, bem sei que és avesso a estes tratos: mas eu não posso deixar de expressar a minha infinita gratidão por seres quem és: uma figura tutelar e inspiradora na escrita, na vida e no pensamento.

Há aqui algo que devo ainda revelar: comecei a trabalhar como jornalista exatamente no mesmo jornal em que LBH se havia iniciado também como repórter. Esse jornal chamava-se a TRIBUNA. Aquele foi um tempo muito curioso porque havia um jogo de descobertas. Havia um jornalismo que andava à procura do seu próprio país; mas havia também um país que andava à busca de um jornalismo que fosse seu. E essa dupla procura pedia um jornalismo feito paredes meias com a literatura. Não foi por acaso que não apenas o Luís Bernardo mas José Craveirinha, Rui Knopfli, Carneiro Gonçalves e o Luis Carlos Patraquim foram todos eles jornalistas e escritores. Eu devo muito a essa gente, a esse ambiente de inconformismo que reinava na redação dos jornais. Recordo o primeiro dia que me apresentei na redacção e fui chamado por alguém que eu venerava como poeta e que era o Rui Knopfly. E ele perguntou: queres ser jornalista? E antes mesmo de eu responder ele passou-me uma folha de papel. Nessa folha estava reproduzida uma frase de um cantor norte americano chamado Frank Zappa. E a frase dizia o seguinte: “o jornalismo de hoje consiste em colocar jornalistas que não sabem escrever, entrevistando pessoas que não sabem falar, para pessoas que não sabem ler. “ Foi um bom começo de profissão.

Lembrou Luis Bernardo Honwana os meus pais. E estou grato por essa lembrança que faz justiça à história da minha família. Tudo o que sou vem daí, aquela é nascente do meu Tempo e do tempo dos filhos, dos netos e dos que vierem depois. O mundo em que nasci e me fiz homem alimentava-se do preconceito. Criava muralhas para separar e graduar as raças. As muralhas não ofendiam apenas os que ficavam do lado de lá. Os do lado de cá, convertiam-se eles mesmos em estereótipos. Éramos, de um e do outro lado, diminuídos pelo medo e pelo desconhecimento. Acreditamos que o efeito dos preconceitos raciais e tribais é o de tentar desvalorizar uma outra raça. E isso é verdade. Esses preconceitos resultam também numa outra pérfida consequência que é a negação da existência de pessoas singulares, cada uma com a sua identidade própria. Eis o que faz o racismo, o sexismo e o tribalismo: cada pessoa deixa de ser uma criatura única, passando a ter a identidade do seu grupo. Deixa-se de ter um rosto, uma voz, uma alma: passamos a ser identificados por um rótulo geral: os negros, os brancos, os matsuas, os macuas, os do Norte, os do Sul. Fala-se de alguém e há uma voz que diz: ah, já sei como ele é, conheço esses tipos.

Caros amigos


Irei falar sobre a erosão dos valores morais e de como pode um escritor ajudar na reabilitação do tecido moral da sociedade.

Escolhi este tema porque não conheço ninguém que não se lamente da perda de valores morais. Este é um assunto sobre o qual temos um imediato consenso nacional. Todos estão de acordo, mesmo os que nunca tiveram nenhum valor moral. E até os que tiram vantagem da imoralidade, até esses, depois de lucrarem com da ausência de regras, se queixam que é preciso travar a falta de decoro.

Um dos caminhos que nos pode ajudar a resgatar essa moral perdida pode ser o da literatura. Refiro-me à literatura como a arte de contar e escutar histórias. Falo por mim: as grandes lições de ética que aprendi vieram vestidas de histórias, de lendas, de fábulas. Não estou aqui a inventar coisa nenhuma. Este é o mecanismo mais eficiente e mais antigo de reprodução da moralidade. Em todos os continentes, em todas as gerações, os mais velhos inventaram narrativas para encantar os mais novos. E por via desse encantamento passavam não apenas sabedoria mas uma ideia de decoro, de decência, de respeito e de generosidade.

Há certa de trinta anos atrás Graça Machel - que era então Ministra da Educação - convocou um grupo de escritores para lhes dizer que estava preocupada. Estou preocupada, disse ela, estamos a ensinar nas escolas valores abstractos como o espírito revolucionário, do patriotismo, o internacionalismo. Mas não estamos a ensinar valores mais básicos como a amizade, a lealdade, a generosidade, o ser fiel e cumpridor da palavra, o ser solidário com os outros. E ela pediu-nos que escrevêssemos histórias que seriam publicadas nos livros de ensino. Graça Machel tinha a convicção que uma boa história, uma história sedutora, é mais eficiente do que qualquer texto doutrinário.

Eu queria ilustrar o poder das histórias com dois pequenos exemplos. Nestes próximos momentos partilharei convosco duas vivências e o modo como essas experiências produziram em mim duradouras lições.

O primeiro episódio – uma nação à procura de um hino

Ainda há pouco entoamos nesta sala o Hino Nacional. Este hino tem uma história e eu estou ligado a essa história. Aconteceu assim: no início da década de 80, Samora Machel decidiu que o Hino Nacional então vigente deveria ser mudado. Ele tinha razão: a letra era mais um louvor à própria Frelimo do que de uma exaltação da nação moçambicana. Estávamos ainda longe do multipartidarismo, mas Samora tomou essa decisão. E nessa maneira que era a sua, “requisitou” 4 poetas e 5 músicos e fechou-os numa moradia na Matola com a incumbência de produzirem não uma, mas várias propostas de hinos. Eu era um dos 4 poetas. Eram tempos de guerra, a única coisa que havia nas lojas eram prateleiras vazias. Todos os dias saímos de casa com uma única obsessão: o que trazer para comer para a nossa família. Pois, nessa altura, de repente, estávamos numa casa com piscina, rodeado de mordomias e servidos de comida e bebida. Confesso que nos primeiros dias ficamos de tal modo fascinados que pouco trabalhávamos. Quando, a meio da tarde, escutávamos as sirenes dos carros dos dirigentes nós corríamos para o piano e improvisávamos um ar de grandes cansaços. Ao fim da tarde, eu e os meus colegas entregávamos às nossas esposas que nos vinham visitar, recipientes com a comida que cada um de nós tinha poupado durante o dia. E foi assim que, ao fim de uma semana, produzimos uma meia dúzia de hinos que foram ensaiados por um grupo coral e apresentados a uma comissão avaliadora. Havia duas propostas que mereciam a nossa preferência: uma delas era esta que agora é o nosso hino nacional, a Pátria Amada. A outra era baseada numa composição do maestro Chemane e tinha um estribilho que dizia: “Pátria de heróis! Levanta a tua voz! Viva Moçambique, povo unido, A estrela do amanhã brilhará!” O grupo coral que apresentou esta proposta em vez de Pátria de Heróis cantava: “Pátria de arroz” e a proposta ficou esquecida.

O que sucedeu é que, por razão que desconheço, a iniciativa de Samora não teve seguimento. Samora morreu, o grupo de artistas foi desfeito e cada um de nós voltou para a bicha à espera do repolho e do carapau. E nunca mais nos lembramos do que havíamos feito.

Uma década depois, o novo parlamento pluripartidário procurava um novo hino nacional. E eu fiz parte de um grupo de trabalho criado pela Assembleia da República. Esse grupo juntava pessoas apontadas pelo Partido Frelimo e pela RENAMO. Devo dizer que trabalhamos de facto juntos, num ambiente de concórdia tal que nos esquecíamos de que representávamos duas forças rivais. Fizemos dois concursos públicos mas as propostas recebidas eram todas elas muito fracas. O falecido Albino Magaia publicou então um artigo relembrando os hinos que, dez anos antes, um grupo de artistas havia criado. E foi assim que se resgataram esses registos quando estávamos nos últimos dia de trabalhos da assembleia. Escolhemos o Patria Amada com algumas dúvidas. O que não havia dúvida, porém, era que se o hino não fosse aprovado naquele dia, ter-se-ia que esperar pela próxima sessão meses depois. E aquela era uma questão de enorme sensibilidade e urgência.

Pois nesses derradeiros momentos, os colegas da RENAMO colocaram objecções sobre algumas passagens da letra. Para dizer a verdade, a maior parte dessas objeções tinha sentido. porque alguns dos versos daquela letra eram realmente marcados pelo tempo de revolução. Já não se exaltava nenhuma força política. Mas falava-se de proletários, falava-se no Sol vermelho. Pedi ao grupo de trabalho uns minutos e, ali num quarto ao lado, alterei as passagens que suscitavam polémica. Foi ali que surgiu o “Sol de Junho”, por exemplo, para substituir o Sol Vermelho. E o hino foi aprovado pelo grupo e transferido para debate entre os deputados.

Curiosamente uma das passagens que suscitou mais objecções foi essa que diz “Nós juramos por ti Moçambique, nenhum tirano nos irá escravizar”. Alguns deputados achavam que aquilo não devia estar ali. Porque, segundo eles, nunca teríamos em Moçambique a ameaça de um tirano. Todos os países do mundo podem sofrer essa eventualidade. Nós, não. Não imagino como se pode sustentar essa certeza. Subsiste a ideia ingénua que nós, moçambicanos, estamos, por qualquer razão divina, acima dos comuns mortais. Mas nós somos humanos e existirão entre nós aqueles, que na ganância do mandar, já são tiranos antes mesmo de conquistarem o Poder. Ainda bem, caros amigos, que essa estrofe não foi retirada. Há muitos modos de ser tirano. Há vários modo de ser escravo. E é bom que o nosso hino nos encoraje a não aceitar nenhum forma de tirania ou de escravatura.

Segundo episódio - O não discurso de Samora

No Quarto Congresso da Frelimo, em 1983, fui designado como responsável do Gabinete de Imprensa. Nós, os jornalistas, ficávamos confinados a um compartimento envidraçado, numa espécie de aquário suspenso sobre a grande sala. Na altura, nós já produzíamos emissões de televisão para além, é claro, da rádio e dos jornais. Logo no inicio dos trabalhos, Samora Machel subiu ao pódio para usar da palavra. Trazia consigo o Relatório do Comité Central que era, à maneira dos partidos revolucionários, um documento volumoso. Assim que começou a ler, Samora teve uma breve hesitação, colocou os papéis na bancada e falou de improviso. Foi um improviso breve mas o que ele disse foi, para mim, mais importante e mais duradouro que o extenso relatório do Comité Central. Inclinado sobre o pódio, como se ganhasse a proximidade de uma confidencia, Samora convertei a solene Sala de Congressos num espaço com intimidade familiar. E falou do seu sentimento de estranheza ao ver-se como um ex-guerrilheiro agora rodeado de facilidades, cercado pelas obrigações protocolares e de segurança de um palácio presidencial. E disse mais, falou daquilo que ele chamou das “balas doces do inimigo”. Referia-se às formas mais subtis de sedução e de corrupção que, no seu entender, eram mais perversas que as verdadeiras balas. E ele interrogou-se se os seus companheiros estariam preparados realmente para esse embate, se estavam preparados para enfrentar as balas de açúcar. A sala estava suspensa naquela confidência. A rádio e a televisão transmitiam em direto aquele desabafo do Presidente. E escutavam-se não só as palavras mas os silêncios e a respiração inquieta do presidente. Naquele momento, um oficial do protocolo entrou na Gabinete de Imprensa e entregou-me um papel com uma instrução rabiscada que dizia: interrompam imediatamente a transmissão. Aquilo foi, para mim, um balde de água fria. Porque me parecia, como jornalista e como cidadão, que estava ali a acontecer tinha um alcance didático que não poderia ser recuperado se perdêssemos a transmissão. Mas havia naquele bilhete uma ordem que eu não tinha modo de refutar. Ocorreu-me uma pequena manobra de diversão. Eu queria apenas uns minutinhos adicionais. Quem sabe o Presidente não usasse mais que esses minutos? E escrevi o seguinte nas costas no bilhete: desculpe, não entendo bem a assinatura, não se importa de identificar melhor, afinal é o Presidente quem está falar.... Dobrei muito lentamente a folha e pedi ao mensageiro do protocolo que fosse de volta. Aquele vai e vem deu-me tempo para que o presidente terminasse o seu improviso em transmissão direta.

De toda a minha carreira de onze anos de jornalismo talvez tenha sido este o momento maior. Porque estava ali um dirigente de uma nação que se despia do seu estatuto infalível e partilhava não uma certeza, mas a confissão de uma insegurança, de um fragilidade. Estava ali não um líder revolucionário discursando em voz alta, mas um homem dobrado pela angústia e murmurando dúvidas sobre o quanto valera a pena toda a sua luta.

Durante um intervalo desse mesmo congresso tive a oportunidade de me sentar com um grupo de veteranos da luta de libertação nacional. E eles foram relatando como saíram clandestinamente do país para se juntarem à luta nacionalista. Alguns desses homens confessaram que o principal motivo da sua fuga não era a libertação da pátria. O que os movia a sair de Moçambique era poderem estudar. E quando, na Tanzania, receberam a notícia que, em vez de estudar, iriam combater esses militantes foram assaltados por dilacerantes dúvidas. Alguns pensaram em desertar e fugir dos campos de treino. Foi isto que confessaram. E eu pensei que havia mais coragem naquela confissão, do que em toda a sua arriscada odisseia. Aquelas pequenas histórias humanizavam a narrativa solene e oficial que apresenta a epopeia dos nacionalistas como um desfile de super-homens. Afinal, o ninguém nasceu herói. Ele cresceu, teve duvidas, sentiu medo. A bravura maior não está no modo como combateu aos outros. A grande coragem está no combate interior, esse que fazemos para nos superar a nós mesmos.

Falei-vos há pouco dessa proposta de hino chamada Pátria de heróis que foi entoada como Pátria de Arroz. Lembro-me que, na altura, até gostei do equívoco dos cantores, porque me vieram à memória as palavras de Albert Camus quando recordava a Argélia onde ele nasceu e dizia: “Pobre do país que precisa de heróis”.

Naquela altura achei que talvez fosse preferível uma pátria de arroz a uma pátria de heróis. A verdade é que a nossa epopeia nacional foi apropriada por um discurso vazio de exaltação patrioteira.

O resultado é que as nossas ruas e praças estão recheadas de nomes de heróis. A esses heróis, porém, falta-lhes rosto, falta-lhe voz, falta-lhes vida. Herdámos uma história heroica de heróis sem história. Só temos a História com H maiúsculo. Faltam-nos as pequenas histórias, falta-nos os pequenos episódios que seduzem a imaginação e sustentam a memória.


Caros amigos

Um dia destes, um jovem funcionário propôs-me o pagamento de um suborno para emitir um documento. Aquilo não correu bem porque ele, num certo momento, reconheceu-me e recuou nos seus propósitos.

Para se redimir o jovem explicou-se da seguinte maneira:

- Sabe, senhor Mia eu gostava muito de ser uma pessoa honesta, mas falta-me o patrocínio.

Não será exatamente o patrocínio que nos afasta da honestidade. O que nos falta é criar uma narrativa que prove que a honestidade vale a pena. Houve quem confundisse o combate contra a pobreza absoluta pelo combate pela ganância absoluta. Sugeriram-nos que a auto estima pode ser resolvida pela ostentação do luxo.

Uma certa narrativa quer ainda provar que vale a pena mentir, que vale a pena roubar, e que vale a pena tudo menos ser honesto e trabalhar. Aliás, a palavra “trabalho” suscita fortíssima alergias. Pode-se ter negócios, pode-se ter projetos. Mas ter um trabalho isso é que nunca. Que o trabalho leva muito tempo e, além disso, dá muito trabalho. Mas, no fundo, todos sabemos: enriquecer rápido e sem esforço só pode ser feito de uma maneira: roubando, vigarizando, corrompendo e sendo corrompido. Não existe, no mundo, inteiro, uma outra receita.


Preocupa-nos que os nossos estudantes entrem para universidade com fraco desempenho académico. Pois eu acho mais preocupante ainda que os nossos jovens cresçam sem referências morais. Estamos empenhados em assuntos como o empreendedorismo como se todos os nossos filhos estivessem destinados a serem empresários. Ocupamos em cursos de liderança como se a próxima geração fosse toda destinada a criar políticos e líderes. Não vejo muito interesse em preparar os nossos filhos em serem simplesmente boas pessoas, bons cidadãos do seu país, bons cidadãos do mundo.

Escrevi uma vez que a maior desgraça de um país pobre é que, em vez de produzir riqueza, vai produzindo ricos. Poderia hoje acrescentar que outro problema das nações pobres é que, em vez de produzirem conhecimento, produzem doutores (até eu agora já fui promovido..,) . Em vez de promover pesquisa, emitem diplomas. Outra desgraça de uma nação pobre é o modelo único de sucesso que vendem às novas gerações. E esse modelo está bem patente nos vídeo-clips que passam na nossa televisão: um jovem rico e de maus modos, rodeado de carros de luxo e de meninas fáceis, um jovem que pensa que é americano, um jovem que odeia os pobres porque eles lhes fazem lembrar a sua própria origem.

É preciso remar contra toda essa corrente. É preciso mostrar que vale a pena ser honesto. É preciso criar histórias em que o vencedor não é o mais poderoso. Histórias em que quem foi escolhido não foi o mais arrogante mas o mais tolerante, aquele que mais escuta os outros. Histórias em que o herói não é o lambe-botas, nem o chico-esperto. Talvez essa histórias sejam o tal patrocínio que faltou ao nosso jovem funcionário.

Tudo isto é urgente e imperioso. Porque nós estamos na eminência de desacreditar de nós mesmos. Todos nós já escutámos de alguém a seguinte desistência: não vale a pena, nós somos assim. Nós somos cabritos à espera de ser amarrados num qualquer pasto. Estamos a aprender a desqualificarmo-nos. Estamos a replicar o racismo que outros inventaram para nos despromover como um povo de qualidade moral inferior.

E vou terminar partilhando um episódio real que foi vivido por colegas meus. Depois da Independência, um programa de controlo dos caudais dos rios foi instalado em Moçambique. Formulários foram distribuídos pelas estações hidrológicas espalhadas pelo país. A guerra de desestabilização eclodiu e esse projeto, como tantos outros, foi interrompido por mais de uma dúzia de anos. Quando a Paz se reinstalou, em 1992, as autoridades relançaram esse programa acreditando que, em todo o lado, era necessário recomeçar do zero. Contudo, uma surpresa esperava a brigada que visitou uma isolada estação hidrométrica no interior da Zambézia. O velho guarda tinha-se mantido ativo e cumprira, com zelo diário, a sua missão durante todos aqueles anos. Esgotados os formulários, ele passou a usar as paredes da estação para registar, a carvão, os dados hidrológicos. No interior e exterior, as paredes estavam cobertas de anotações e a velha casa parecia um imenso livro de pedra. Ao receber a brigada o velho guarda estava à porta a estação, com orgulho de quem cumpriu dia após dia: acabou-se o papel, disse ele, mas o meus dedos não acabaram. Este é o meu livro. E apontou para a casa.

E esta é a história com que termino.
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5dez2014
17.17' é um bELO miNUto para partILHArr Mia Couto
SOTAQUE DA TERRA
Estas pedras
sonham ser casa
sei
porque falo
a língua do chão
nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa do mundo,
pegada nas areias do Índico
agora,
ouço em mim
o sotaque da terra
e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol
© MIA COUTO 
In Raiz de Orvalho e outros poemas, 1999
https://www.facebook.com/miacoutooficial/photos/a.298941346819589.66688.298257536887970/606136012766786/?type=3
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3noVEMbro2013
ia Couto
dia do bravíssimooooooooo Mia Couto porque foi distinguido com o prémio internacional de literatura Neustadt (é considerado o prémio Nobel norte-americano.)
A guerra é uma cobra que usa nossos próprios dentes para morder. Seu veneno circulava agora nos rios da nossa alma. O sonho é o olho da vida.
MIA COUTO
NO livro "Terra sonâmbula"
Foto: Sebastião Salgado
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9jun2013
postei:
Porque a minha mão infatigável
procura o interior e o avesso
da aparência
porque o tempo em que vivo
morre de ser ontem
e é urgente inventar
outra maneira de navegar
outro rumo outro pulsar
para dar esperança aos portos
que aguardam pensativos

Do poema "Confidência"
Foto de Zeca Ribeiro
 https://www.facebook.com/miacoutooficial/photos/a.337258242987899/520094028037652/?type=3&theater
***
17seTEMbro2012
1a pitadinha de mia couto
(...) E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer. 
E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu. (...)

***
https://www.facebook.com/FabricaEscrita/photos/a.462529847093435.111436.462489187097501/1074647195881694/?type=1&theater
Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas:
dai-me o tempo
ainda que o não mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança desencontrada
como se de corpos
tivéssemos trocado
para morrer vivendo.

***
5noVEMbro2012
 O que mais dói na miséria é a
ignorância que ela tem de si mesma.
Confrontados com a ausência de tudo,
os homens abstém-se do sonho,
desarmando-se do desejo de serem outros.
In "Vozes Anoitecidas" 

https://www.facebook.com/miacoutooficial/photos/a.298941346819589.66688.298257536887970/437520176295038/?type=3&theater
***
13noVEMbro2011
Rogério Manuel Madeira Raimundo partilhou a foto de Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen.
13 de Novembro de 2011 às 10:15 ·
hj x AQUI rELEVO as Fotos do Mural de "Por quem lê ..." agora com Mia Couto
MIA COUTO, in "RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS" (Caminho, 2009)
FUI SABENDO DE MIM
...
Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia
pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia
fui ficando
por umbrais
aquem do passo
que nunca ousei
eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Desenho a lápis: Waiting, de Karen Clark
***

https://www.facebook.com/ATonalidadeDasPalavras/photos/a.583720471744036.1073741891.373770402739045/617192191730197/?type=1&theater
O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

 in "idades cidades divindades"

***

https://www.facebook.com/774237522591804/photos/a.774310715917818.1073741828.774237522591804/1058002254215328/?type=1&theater
Mente o tempo:
A idade que tenho
Só se mede por infinitos.
Pois eu não vivo por extenso.
Apenas fui Vida
em relampejo de incenso.
E quando me acendi
foi nas abreviaturas do imenso.

 No Livro "Vagas e Lumes"
***
https://www.facebook.com/774237522591804/photos/a.774310715917818.1073741828.774237522591804/1060126617336225/?type=1&theater
"Tristeza não é chorar. Tristeza é não ter para quem chorar."
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/718539341600189/?type=1&theater
Há esperas que nunca se aprendem.
Mesmo sob o dilúvio, continuamos aguardando a chuva.
É de outra água que esperamos.

 em "Versos de Deus, Remédios do Diabo"
***
https://www.facebook.com/298257536887970/photos/a.298941346819589.66688.298257536887970/798997383480647/?type=1&theater
Eu era pequeno,
a árvore era grande,
a casa era infinita.

A casa era de terra,
a árvore era de céu,
e eu era véspera de viagem.

Trecho do poema "O menino, a casa e a árvore"
Do livro "Vagas e Lumes"

Foto de Rui Pires
Uganda
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1429907067269220&set=gm.10153337213137619&type=1&theater
“Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto universo.
Nós lemos emoção nos rostos,
lemos os sinais climáticos nas nuvens,
lemos o chão, 
lemos o Mundo,
lemos a Vida.
Tudo pode ser página.
Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar.”

(ilustração: Artur Viana)
***
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O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria 
espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde 
tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

in "idades cidades divindades"
*
Imagem - Gigino Falconi
***
Via Ana Cardeira:
"Estou completamente cansado de pessoas que só pensam numa coisa: queixar-se e lamentar-se num ritual em que nos fabricamos mentalmente como vítimas. Choramos e lamentamos, lamentamos e choramos. Queixamo-nos até à náusea sobre o que os outros nos fizeram e continuam a fazer. E pensamos que o mundo nos deve qualquer coisa. Lamento dizer-vos que isto não passa de uma ilusão. Ninguém nos deve nada. Ninguém está disposto a abdicar daquilo que tem, com a justificação que nós também queremos o mesmo. Se quisermos algo temos que o saber conquistar. Não podemos continuar a mendigar, meus irmãos e minhas irmãs."
***
https://www.facebook.com/SementeDoAmorEterno/photos/a.118767951611590.23300.118731638281888/345279545627095/?type=1&theater
“O paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos dentro de nós.” 
***
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"O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes. Estas estórias desadormeceram em mim... "

In Vozes Anoitecidas
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=740554322632604&set=a.271455862875788.68686.271444602876914&type=1&theater
Escrevo para ser feliz. A poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner contava histórias para que seus filhos doentes adormecessem. Escrevo para adormecer o mundo que me parece doente. E assim invento histórias.
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204230226509401&set=np.98278604.1576428905&type=1&theater&notif_t=close_friend_activity
Foi para ti 
que desfolhei a chuva 
para ti soltei o perfume da terra 
toquei no nada 
e para ti foi tudo 

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida 

via gisela mendonça
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1493615957518940&set=a.1393838497496687.1073741828.1393828550831015&type=1&theater
"...Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
Pergunta-me
___
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalo

Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
Foto: A sud del mondo
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=326324340853243&set=a.251929848292693.1073741828.251925724959772&type=1&theater
"Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios."
No livro "Antes de Nascer o Mundo"
****
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=771195016259006&set=gm.10153311296552619&type=1&theater
“Eu quero a paz de pertencer a um só lugar, eu quero a tranquilidade de não dividir memórias. Ser todo de uma vida. E assim ter a certeza que morro de uma só única vez. Custa-me ir cumprindo tantas pequenas mortes, essas que apenas nós notamos, na íntima obscuridade de nós.”
***
https://www.facebook.com/PequenasEpifaniasEOutrosDevaneios/photos/a.354351191305197.88426.354347044638945/672287832844863/?type=1&theater
"A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar."
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1429417143996414&set=a.1376603649277764.1073741828.100007844253221&type=1&theater
"A flor que és
não a que possa comprar,
te venho oferecer.

Porque não tem preço
o que te ofereço.

E se me debruço a colher a pétala,
a terra inteira em teus dedos se desfolha.

E se a mais pura flor para ti desenho
a inteira pétala no nada se despenha.
Porque és a sombra do sonho em que anoiteço.

Morrer é ter terra finita.
E eu tenho a febre da inatingível margem.
Por isso encho de mar o teu olhar."
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1496547507225785&set=a.1393838497496687.1073741828.1393828550831015&type=1&theater
"Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela".

In Mar-me-quer
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1496449700568899&set=a.1393838497496687.1073741828.1393828550831015&type=1&theater
Agora ela sabia: um livro é uma canoa. Esse era o
barco que lhe faltava em Antigamente. Tivesse livros e ela faria a travessia para o outro lado do mundo, para o outro lado de si mesma.

In O outro pé da sereia
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1494049794142223&set=a.1393838497496687.1073741828.1393828550831015&type=1&theater
"...Abraça-me.
Abrasa-me."

______________
Cansa-me ser quem serei
porque em tudo esse outro
se parece com o que sou.

Cansa-me o adeus de quem nasce.
E a viagem, à nascença, morre de fadiga.

Só a tua lava me lava.
Resto eu em ti
terra ardendo,
chão de água e fogo.

Abraça-me.
Abrasa-me.

Imagem: Alfonso Cuñado
**
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=703702419675956&set=gm.10153304516217619&type=1&theater
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do tempo...
**
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10201796368424419&set=a.1437043619596.59097.1638168164&type=1&theater
"Saio de mim 
para quem sou
e jamais chego ao destino.

No caminho do ser
meu gozo é me perder.

Meu coração só tem morada
onde se acende um outro peito.

Meu anjo está cego,
meu poeta está mudo,
meu guru ficou amnésico.

O poeta
sabia que não ia por ali
Eu vou por onde não sei.
Meu aqui é sempre além."
***
"... Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. De mais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada, Ninguém no plural.
Ninguéns."
_______________________
In O fio das missangas
A despedideira
Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios. Para que ele seja a minha voz quando Deus me pedir contas.
No resto, quero que tenha medo e me deixe ser mulher, mesmo que nem sempre sua. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no ciclo das águas e dos ventos. E, vez em quando, seja mulher, tanto quanto eu. As suas mãos as quero firmes quando me despir. Mas ainda mais quero que ele me saiba vestir. Como se eu mesma me vestisse e ele fosse a mão da minha vaidade.
Há muito tempo, me casei, também eu. Dispensei uma vida com esse alguém. Até que ele foi. Quando me deixou, já não me deixou a mim. Que eu já era outra, habilitada a ser ninguém. Às vezes, contudo, ainda me adoece uma saudade desse homem. Lembro o tempo em que me encantei, tudo era um princípio. Eu era nova, dezanovinha.
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeirissímo dia, dei conta de que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comercia palavra, em negoceio de sentimento. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra e me divinizei. Como perfume em que perdesse minha própria aparência. Me solvia na fala, insubstanciada
Lembro desse encontro, dessa primogénita primeira vez. Como se aquele momento fosse, afinal toda minha vida. Aconteceu aqui, neste mesmo pátio em que agora o espero. Era uma tarde boa para gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por a parava. A brisa sem voar, quase nidificava. Vez voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida.
No entanto, algo nele aparentava distância. O último escapava entre os seus dedos. Não levava o cigarro à boca. Em seu parado gesto, o tabaco aí mesmo se consumia.
Ele gostava assim: a inteira cinza tombando intacta no chão. Pois eu tombei igualzinha àquela cinza. Desabei inteira sob o corpo dele Depois, me desfiz em poeira, toda estrelada no chão. As mãos dele: o vento espalhando cinzas.
Nesse mesmo pátio em que se estreava me coração tudo iria, afinal, acabar. Porque ele anunciou tudo nesse poente. Que a paixão dele desbrilhara. Sem mais nada, nem outra mulher havendo Só isso: a murchidão do que, antes, florescia. Eu insisti, louca de tristeza. Não havia mesmo outra mulher? Não havia. O único intruso era o tempo, que nossa rotina deixara crescer e pesar. Ele se chegou me beijou a testa. Como se faz a um filho, um beijo longe da boca. Meu peito era um rio lavado, escoado no estuário do choro.
Era essa tarde, já descaída em escuro. Ressalvo. Diz-se que a tarde cai. Diz-se que a noite também cai. Mas eu encontro o contrário: a manhã é que cai. por um cansaço de luz, um suicídio da sombra. Lhe explico. São três os bichos que o tempo tem: manhã, tarde e noite. A noite é quem tem asas. Mas são asas de avestruz. Porque a noite as usa fechadas, ao serviço de nada. A tarde é a felina criatura. Espreguiçando, mandriosa, inventadora de sombras. A manhã, essa, é um caracol, em adolescente espiral. Sobe pelos muros, desenrodilha-se vagarosa. E tomba, no desamparo do meio-dia.
Deixem-me agora evocar, aos goles de lembrança. Enquanto espero que ele volte, de novo, a este pátio. Recordar tudo, de uma só vez, me dá sofrimento. Por isso, vou lembrando aos poucos. Me debruço na varanda e a altura me tonteia. Quase vou na vertigem. Sabem o que descobri? Que minha alma é feita de água. Não posso me debruçar tanto. Senão me entorno e ainda morro vazia, sem gota.
Porque eu não sou por mim. Existo reflectida, ardível em paixão. Como a lua: o que brilho é por luz de outro. A luz desse amante, luz dançando na água. Mesmo que surja assim, agora, distante e fria. Cinza de um cigarro nunca fumado.
Pedi-lhe que viesse uma vez mais. Para que, de novo, se despeça de mim. E passados os anos, tantos que já nem cabem na lembrança, eu ainda choro como se fosse a primeira despedida. Porque esse adeus, só esse aceno é meu, todo inteiramente meu. Um adeus à medida de meu amor.
Assim, ele virá para renovar despedidas. Quando a lágrima escorrer no meu rosto eu a sorverei, como quem bebe o tempo. Essa água é, agora, meu único alimento. Meu último alento. Já não tenho mais desse amor que a sua própria conclusão. Como quem tem um corpo apenas pela ferida de o perder. Por isso, refaço a despedida. Seja esse o modo de o meu amor se fazer eternamente nosso.
Toda a vida acreditei: amor é os dois se duplicarem em um. Mas hoje sinto: ser um é ainda muito. De mais. Ambiciono, sim, ser o múltiplo de nada, Ninguém no plural.
Ninguéns.
O fio das missangas
Foto: Omar Victor Diop
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1494327590781110&set=a.1393838497496687.1073741828.1393828550831015&type=1&theater
***
https://www.facebook.com/imagensfaladas/photos/a.219921738189870.1073741828.219896998192344/278525962329447/?type=1&theater
Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.
***
https://www.facebook.com/OTempoDasPalavras/photos/a.455032984574985.1073741828.455018664576417/644457362299212/?type=1&theater
O silêncio é uma outra maneira da palavra viver e há coisas que não podem ser ditas de outra maneira.

in Jesusalém
***
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No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidão
eu te amei
e acariciei
o teu impercetível crescer
como carne da lua
nos noturnos lábios entreabertos. E amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventar
No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepúsculo e alvorada
Para me acostumar
à tua intermitente ausência
ensinei às timbilas
a espera do silêncio
 (Julho 1981), no livro “Raiz de Orvalho e outros poemas
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1486131218267414&set=a.1393838497496687.1073741828.1393828550831015&type=1&theater
"A mãe é eterna, o pai é imortal.
(...) Injustiça é o mundo prosseguir assim mesmo quando desaparece quem mais amamos..."

(Dizer de Luar-do-Chão)

In "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra"

Imagem: Artistic photos @ Adrian Donoghue
***
https://www.facebook.com/282253575144220/photos/a.282475151788729.59455.282253575144220/659814550721452/?type=1&theater


O que faz andar a estrada?
É o sonho. Enquanto a gente sonhar
A estrada permanecerá viva.
É para isso que servem os caminhos,
Para nos fazerem parentes do futuro...
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1422695118001950&set=gm.10153322299917619&type=1&theater
"Não me deixem tranquilo
não me guardem sossego
eu quero a ânsia da onda
o eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas.
dai-me o tempo
ainda que o não mereça
que eu quero
ter outra vez
idades que nunca tive
para ser sempre
eu e a vida
nesta dança desencontrada
como se de corpos
tivéssemos trocado
para morrer vivendo."
___
in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

***

https://www.facebook.com/462855920485679/photos/a.462894410481830.1073741828.462855920485679/520534704717800/?type=1&theater
SAUDADE

Magoa-me a saudade 
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio,
tua virtude, tua carência
eu, que longe de ti sou fraco
eu, que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim,
os animais que atormentam o meu sono

***
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei.
Ainda assim,
escrevo.
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=764306910260289&set=a.318178541539797.84351.100000429611223&type=1&theater

'Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso.'
***

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Há um rio que nasce dentro de nós,
corre por dentro da casa e desagua não no mar, mas na terra. Esse rio uns chamam de vida.

 in “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”
© Trini Schultz - Imagem

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“O importante não é a casa onde moramos, mas onde, em nós, a casa mora"

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In Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra.

Imagem: Viola Loreti
 

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“Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É preciso que a pureza e a justiça existam dentro de nós”. 
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em Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra

Imagem: A sud del mondo.

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"É de outra água que esperamos"

"Há esperas que nunca se aprendem. Mesmo sob o dilúvio, continuaremos aguardando a chuva. É de outra água que esperamos"

Trechos retirados do livro Veneno de Deus, Remédio do Diabo, da editora Companhia das Letras.

Imagem: JD Ardiansyah

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"A casa morreu 
no lugar onde nasci: 
a minha infância 
não tem mais onde dormir. 

Mas eis que,
de um qualquer pátio,
me chegam silvestres risos
de meninos brincando.

Riem e soletram
as mesmas folias
com que já fui soberano
de castelos e quimeras.

Volto a tocar a parede fria
e sinto em mim o pulso
de quem para sempre vive"

in Tradutor de Chuvas, 2011
Foto: Viola Loreti

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“Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar. “

in “ Idades Cidades Divindades

***
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No teu rosto
competem mil madrugadas
Nos teus lábios
a raiz do sangue
procura suas pétalas
A tua beleza
é essa luta de sombras
é o sobressalto da luz
num tremor de água
é a boca da paixão
mordendo o meu sossego....


.( No teu rosto...)
***

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in “ Idades Cidades Divindades”

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.

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"A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores"
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Photo by Eric Valli



24/05/2010


Pobres dos nosso ricos...Mia Couto escreveu! Afinal 2010 ficará como Ano Europeu que aumentou a Pobreza e a Exclusão Social!!!


Mia Couto - Poeta Moçambicano POBRES DOS NOSSOS RICOS
A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem ...
.................
O ano de 2010 foi declarado como o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão. Para a CGTP-IN esta declaração não pode ser só de intenção, o que exige que se oriente as políticas para as questões estruturantes na luta contra a pobreza e as desigualdades sociais.


Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão
* Combater a pobreza laboral

* Eliminar as suas causas

o desemprego em Portugal ultrapassa os 700 mil
As grandes empresas apresentam lucros e a banca é apoiada pelos governos ...da U E.
Actividades que realizem valor acrescentado precisam-se ...
Que sabes tu fazer ?



3.982.Mia Couto: Pobres dos Nossos ricos e os sete sapatos sujos...

POBRES DOS NOSSOS RICOS
A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.
MIA COUTO
http://www.youtube.com/watch?v=_hBs3bDYKYs
**

02/07/2009


Mia Couto anda por aí a lançar JESUSALÉM

gosto muito do escritor MIA COUTO!!!
de 12 a 15 de Julho vem a Portugal fazer lançamentos do novo livro:
Jesusalém"Profundamente abalado pela morte da mulher, Dordalma, aquela que era "um bocadinho mulata" –, Silvestre Vitalício afasta-se da cidade e do mundo. Com os dois filhos – Mwanito e Ntunzi –, mais o criado ex-militar Zacarias Kalash, faz-se transportar pelo cunhado Aproximado para o lugar mais remoto e inalcançável.
Aí, numa velha coutada de caça em ruínas, funda o seu refúgio, a que dá o nome de Jesusalém, porque a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado".




Assim começa este novo romance de Mia Couto. Mas apenas começa, porque a vida, e a imaginação do autor, quando se combinam, como é aqui o caso, produzem os efeitos mais inesperados e surpreendentes.



Jesusalém é seguramente a mais madura e mais conseguida obra de um escritor em plena posse das suas capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e aliciante ao seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro de que goza nas literaturas de língua portuguesa.
A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste romance. A prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar este nosso mundo


Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista. É professor, biólogo, escritor. Está traduzido em diversas línguas. Entre outros prémios e distinções (de que se destaca a nomeação, por um júri criado para o efeito pela Feira Internacional do Livro do Zimbabwe, de Terra Sonâmbula como um dos doze melhores livros africanos do século xx), foi galardoado, pelo conjunto da sua já vasta obra, com o Prémio Vergílio Ferreira 1999 e com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas 2007. Ainda em 2007 Mia foi distinguido com o Prémio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura pelo seu romance O Outro Pé da Sereia.
***

   ***     
"Porque andei sempre sobre meus pés,
e doeu-me às vezes viver."
****

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FOGO E ÁGUA

Cansa-me ser quem serei
Porque em tudo esse outro
Se parece com o que sou.

Cansa-me o adeus de quem nasce.
E a viagem, à nascença, morre de fadiga.

Só a tua lava me lava.
Resto eu em ti
Terra ardendo,
Chão de água e fogo

Abraça-me.
Abrasa-me.

*
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 Esse homem vai carregado de sofrimento.
- Como sabe?
- Não vê que só o pé esquerdo é que pisa com vontade?
- Aquilo é peso do coração.

"Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra"
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Da velhice
sempre invejei
o adormecer
no meio da conversa.

Esse descer de
pálpebra não é nem
idade nem cansaço.

Fazer da palavra um embalo
é o mais puro e
apurado senso da poesia.

in Sono Coloquial

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"Talvez seja a espessura desse céu que faz os cacimbeiros sonharem tanto. Sonhar é um modo de mentir à vida, uma vingança contra um destino que é sempre tardio e pouco."

 In Venenos de Deus, remédios do Diabo

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POBRES DOS NOSSOS RICOS
A maior desgraça de uma nação pobre é que em vez de produzir riqueza, produz ricos.
Mas ricos sem riqueza.
Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados.
Rico é quem possui meios de produção.
Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro, ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A verdade é esta: são demasiados pobres os nossos "ricos".
Aquilo que têm, não detêm.
Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros.
É produto de roubo e de negociatas.
Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram.
Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura.
Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade.
Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.
MIA COUTO
http://www.youtube.com/watch?v=_hBs3bDYKYs
***

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"Tens medo de fazer amor comigo?
- Tenho - respondeu ele.
- Por eu ser preta?
- Tu não és preta.
- Aqui, sou.
- Não, não é por seres preta que tenho medo.
- Tens medo que eu esteja doente...
- Sei prevenir-me.
- É porquê, então?
- Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti."

 In: Venenos de Deus, Remédios do Diabo

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SOLIDÃO

Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso

Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio

É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou

Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna

Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo.

Em "Raiz de orvalho e outros poemas"

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“Primeiro, desejamos uma mulher que nos faça sentir a Vida. Depois, queremos uma mulher que nos faça esquecer a Vida. Por fim, queremos apenas estar vivos.”

in "O Outro Pé da Sereia"
Fotografia Roberto Dalprá
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A confissão da leoa
“Os meus olhos de mel: foram eles que cativaram Arcanjo Baleiro quando há dezasseis anos nos visitou pela primeira vez. O caçador encontrou-me na berma da estrada 
e, sem saber, salvou-me das investidas de Maliqueto Próprio, o agente policial. 
Disso já falei. Mas não disse que Arcanjo tinha voltado, dias depois, para me fazer convites e promessas. Queiria levar-me para a cidade. E que seríamos tão felizes que perderíamos memória de tudo o que vivêramos antes.
- Venha comigo - insistiu o caçador. - Vamos ser felizes juntos.
Aterrada, recusei. O que ele prometia estava bem para além do que eu sabia sonhar. Espreitei em redor para saber se nos escutavam. Falávamos no terreiro da cozinha, nesse recanto onde as mulheres mais se esquecem de viver. Olhei o fogo eternamente aceso, a lenha empilhada, as panelas deitadas de boca para baixo. Observei tudo aquilo como se não fosse obra de ninguém. Como se as brasas não fossem recolhidas da nossa cozinha para acender, num vizinho, uma outra fogueira. Como se não fossem mãos femininas a eternizar esse lume.
- Não diz nada, Mariamar?
Escutar já é falar. O caçador falava de coisas que eu não conhecia: a cidade, a felicidade, o amor.
Como me sabia bem a sua fala, como me faziam mal as suas palavras! Não cedi, contudo, aos seus convites. Afinal, a felicidade e o amor se parecem.
Não se tenta ser feliz, não se decide amar. É-se feliz,
ama-se.
- Vamos ser felizes, Mariamar.
- Quem lhe disse que quero ser feliz?
Contemplou-me como se eu falasse uma língua que ele não entendia.
Nessa noite houve batuques e danças. No início, guardei-me imóvel, vendo os outros agitarem os corpos com sensualidade, o chão estremecendo como se os tambores estivessem
rufando nas profundezas.
Contive-me até que os meus pés entraram em combustão. Para me livrar desse fogo fui-me entregando, pouco a pouco, ao compasso da música, rodopiando no pátio enluarado. Vendo-me dançar, Arcanjo aproximou-se e me enleou pela cintura, convidando-me a rodar com ele.
- Largue-me, caçador, aqui os dançarinos não se tocam.
- Não quero saber, eu danço da maneira que sei.
Lembrei-me do que diziam os homens de Kulumani: ninguém caça com ninguém. Pois, dançar é como caçar. Cada dançarino toma posse do universo todo inteiro. Rodopiei
sobre mim mesma, antes de o enfrentar:
- Eu não danço consigo. Eu danço para si. Fique sentado e veja como me torno uma rainha.
Submisso, obedeceu. A realidade, essa, deixou de me obedecer. Porque me vi dançando nua no pátio, rebolando no chão, pouco a pouco perdendo a humana compostura.
Arcanjo tombou rendido, sem fala, sem gesto. Vê-lo assim, frágil e indefeso, me fez ser mais mulher. Murmurei doçuras ao seu ouvido e ele se dissolveu no meu regaço.

 A confissão da leoa

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"Há um rio que nasce dentro de nós, corre por dentro da casa e deságua não no mar, mas na terra. A esse rio uns chamam de vida."
***
2009
ex-postagem
gosto muito do escritor MIA COUTO!!!
de 12 a 15 de Julho 2009 vem a Portugal fazer lançamentos do novo livro:
Jesusalém

"Profundamente abalado pela morte da mulher, Dordalma, aquela que era "um bocadinho mulata" –, Silvestre Vitalício afasta-se da cidade e do mundo. Com os dois filhos – Mwanito e Ntunzi –, mais o criado ex-militar Zacarias Kalash, faz-se transportar pelo cunhado Aproximado para o lugar mais remoto e inalcançável.
Aí, numa velha coutada de caça em ruínas, funda o seu refúgio, a que dá o nome de Jesusalém, porque a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado".




Assim começa este novo romance de Mia Couto. Mas apenas começa, porque a vida, e a imaginação do autor, quando se combinam, como é aqui o caso, produzem os efeitos mais inesperados e surpreendentes.



Jesusalém é seguramente a mais madura e mais conseguida obra de um escritor em plena posse das suas capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e aliciante ao seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro de que goza nas literaturas de língua portuguesa.
A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste romance. A prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar este nosso mundo



Mia Couto nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi jornalista. É professor, biólogo, escritor. Está traduzido em diversas línguas. Entre outros prémios e distinções (de que se destaca a nomeação, por um júri criado para o efeito pela Feira Internacional do Livro do Zimbabwe, de Terra Sonâmbula como um dos doze melhores livros africanos do século xx), foi galardoado, pelo conjunto da sua já vasta obra, com o Prémio Vergílio Ferreira 1999 e com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas 2007. Ainda em 2007 Mia foi distinguido com o Prémio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura pelo seu romance O Outro Pé da Sereia.