02/07/2013

6.759.(2jullho2013.7.4') Congresso Internacional sobre ECONOMIA SOCIAL. Intervenção do Presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades - Augusto Flor

Congresso Internacional sobre Economia Social
29 Junho 2013 – Estoril
Digníssimo representante do Governo
Digníssimos congressistas
Digníssimos convidados
Minhas senhoras e meus senhores
O tema deste painel desafia-nos a fazer um exercício prospetivo que não pode de modo algum
constituir um exercício de adivinhação. Vivemos momentos da nossa vida coletiva de grande
exigência e, digamos o que dissermos, não há forma de voltar atrás. Temos que aprender com
os erros do passado e do presente. Há quem afirme que aprender com os próprios erros é um
sinal de inteligência. Creio que é mais inteligente aprender com os erros dos outros. Este
painel poderá, por isso, ser oportuno no presente e útil para o futuro.
Falar da “Economia Social Portuguesa: papel no pós-troika”, leva-nos inevitavelmente a olhar
para os últimos anos da nossa vida coletiva, não só desde que perdemos a nossa soberania e
recaiu sobre nós essa fatalidade que nos transformou numa espécie de colónia económica e
financeira onde as palavras mais ouvidas são austeridade, recessão, desemprego, miséria, mas
um pouco mais atrás. Olho, vejo e sinto o que qualquer um vê e sente. A diferença está na
expectativa de vida e no modelo de sociedade que cada um deseja para o seu país e para o seu
povo. Em nome de milhares de dirigentes associativos voluntários e benévolos, congratulo-me
pela oportunidade de partilhar convosco o que sinto e penso.
O meu modesto contributo para este Congresso, centra-se em três aspetos essenciais:
1º - Diagnóstico da situação, causas e consequências;
2º - Os mecanismos existentes e à nossa disposição;
3º - Ideias e contributos para o futuro.
Diagnóstico da situação, causas e consequências;
Se recuarmos aos anos oitenta do século passado, constatamos ter sido um período em que os
valores, os padrões da sociedade portuguesa, mudaram muito. O primado de que cada um
teria que subsistir por si; que o individualismo era a forma de garantir que o Estado não se
“apoderasse” das nossas vidas; que o melhor seria cada um “desenrascar-se” foi, mais ou
menos o tom, em que o discurso do individualismo foi ouvido e assimilado, ou seja,
institucionalizado.
Os problemas começaram a surgir quando as empresas, numa situação semelhante ao que
tinha acontecido em meados da década de setenta, começaram a ter salários em atraso, em
que o então o Bispo de Setúbal, Dom Manuel Martins (1975/1998), para além dos sindicatos,
foi a primeira pessoa a chamar a atenção para esse fenómeno social. Começava aí a
caminhada para o abismo.
Com a nossa entrada na CEE (1986), hoje União Europeia, destruíram-se capacidades
produtivas e, simultaneamente, criaram-se ilusões de que iriamos ficar todos ricos.
Construíram-se auto estradas (1986/1991) que pareciam levar o desenvolvimento ao interior
do país e acabaram por o desertificar. A construção civil (imobiliário) cresceu para além do
necessário e expectável. Obras de iniciativa pública e privada, garantiram trabalho a milhares
de pessoas que hoje estão no desemprego ou emigraram. A acompanhar um ritmo
desenfreado de especulação imobiliária e financeira, alteraram-se os hábitos de consumo,
incentivou-se o endividamento e surgiram teorias sócio-psicológicas que fizeram muitos
incautos acreditar que faziam parte de uma nova classe social, a classe média, ao mesmo
tempo que, paradoxalmente, se negava a existência de classes sociais. Era um novo alerta para
as dificuldades que aqui e ali se sentiam e outras que se avizinhavam. A sociedade civil, atenta
ao desenrolar da situação, mobilizava-se.
Juntando-se a muitas outras já existentes, nasceram novas instituições de solidariedade social
ou modificaram-se a partir de associações com diferentes actividades procurando dar resposta
a novas solicitações. Foi criado um novo estatuto para essas associações pelo decreto-lei
119/83 de 25 de Fevereiro que as tornaram conhecidas por IPSS. Em 1990 é criado o 1º Banco
Alimentar contra a Fome. A sociedade civil mobilizou-se e tentava remediar os efeitos das
políticas públicas que provocaram tal situação.
Contudo, as necessidades de diversos grupos da população tornavam-se evidentes e era
necessário encontrar uma forma de conter a chaga social como alguns lhe chamaram e que, a
qualquer momento, podia resultar numa explosão social. Surgiu assim o RMG – Rendimento
Mínimo Garantido pela lei 19-A/96 de 29 de Junho.
O Estado, a nível central, procurava mitigar os efeitos das políticas públicas e da falta de auto
regulação do mercado nos termos previstos por Adam Smith, com outras políticas públicas
que, no fundo, produziam resultados semelhantes. Assumia apenas parte da sua função social,
transferia para o sector cooperativo e social outra parte e apelava ao sector empresarial que
colaborasse, convencendo-o da sua responsabilidade social.
Por razões históricas e culturais, consolidava-se um modelo social assente essencialmente na
remediação, isto é, na resolução de casos sociais agudos ou de emergência social. Cada
instituição e cada voluntário passaram a ser a “almofada social” de uma população carenciada
e sem perspetivas. Sem a intervenção destas instituições a situação teria sido ainda mais
dramática.
Por esta altura, estarão muitos de vós a pensar como estou triste, pessimista, desolado,
derrotado, ou mesmo enganado. Não, não estou. Há mais de 43 anos que faço voluntariado.
Tenho um elevado grau de compromisso com o próximo e com a comunidade. Já vi e já vivi o
suficiente para transformar cada problema num objeto de estudo e assim poder olhá-lo com
distanciamento e pragmatismo sem perder a sensibilidade e a paixão por aquilo que faço.
Sei por experiência própria e por estudos científicos em que tenho colaborado, que a nossa
ação contribui decisivamente para dar resposta às necessidades mais elementares dos seres
humanos, contribui para a felicidade e para a construção de valores hummanistas. Nós
mudamos, para melhor, a vida das pessoas. Cada ser humano, cada grupo de Humanos tem,
alternadamente, ao longo da sua existência, momentos de dor e sofrimento mas também de
prazer e felicidade. A questão não é se tem ou não estas variáveis, mas antes qual o saldo
intermédio em cada momento da sua vida e, sobretudo, qual o saldo final. Se apostarmos em
outras políticas, se apostarmos na prevenção, o saldo será certamente mais positivo que
negativo e os seres humanos que estão à nossa volta, serão mais felizes. É esse o desafio que
temos pela frente.
Os mecanismos existentes e à nossa disposição;
Fazer política é, de acordo com as condições e recursos disponíveis, fazer opções e tomar
decisões. Com muito ou poucos recursos, não pode deixar de haver políticas públicas e
concertação destas com as instituições da sociedade civil. Podemos dividir em três os
mecanismos existentes e que temos à nossa disposição.
Primeiro, a Constituição da República Portuguesa (CRP) que, mesmo após a sétima revisão,
continua a ter latitude suficiente para enquadrar a economia social enquanto subsector. O
princípio sistemático da coexistência e complementaridade dos sectores público, privado,
cooperativo e social, permite-nos encontrar soluções para uma maior equidade,
subsidiariedade e justiça social. Poderíamos mesmo considerar a sua existência como uma
mais-valia dado que, tal quadro, permite que cada um deles funcione como elemento
regulador dos restantes. A CRP, garante também o princípio da discriminação positiva para o
sector cooperativo e social, bem como medidas materiais para o seu desenvolvimento.
Este aspecto está bem presente na Lei de Bases da Economia Social (LBES) recentemente
publicada (Lei 30/2013 de 8 de Maio) e que mereceu a unanimidade do parlamento. Na esteira
da CRP, a LBES vem clarificar a delimitação conceptual do sector, consolidar a extensão do
princípio da proteção do sector, definir o tipo de relações entre o Estado e o sector e abrir
caminho para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento legislativo através de
regulamentação própria.
Segundo, a rede de estruturas e organizações promotoras de solidariedade e ação social que,
de acordo com a Conta Satélite do INE, são mais de 55.000, das quais, mais de 30.000 são
colectividades de cultura, recreio e desporto. Esta rede conta com mais de meio milhão de
voluntários dos quais cerca de 425.000 estão dedicados ao dirigismo associativo cultural,
recreativo e desportivo. São uma rede social que sendo reconhecida pelos poderes públicos e
pela comunidade, não tem a visibilidade e apoio que merece. Em muitos casos, são o único ou
o último reduto da relação social nas aldeias e lugares do interior, mas também dos bairros
urbanos periféricos das grandes cidades. São o espaço onde se previne a solidão dos mais
idosos, se promove a auto estima dos adultos, se responde às dúvidas existenciais dos jovens e
se oferece um sorriso e uma mão amiga às crianças. Em cada momento da nossa vida
individual ou coletiva, a associação/coletividade está presente e, mais do que serem o grupo
de referência, em muitos casos são o grupo de pertença, são a família. São essenciais para a
integração e coesão social.
Devemos olhar esta rede como um “ser vivo social”, dinâmico, que pela sua proximidade,
sente, conhece e intervém na vida da comunidade. Com as alterações à estrutura autárquica
das freguesias, esta rede social vai ainda ser mais necessária porque, inevitavelmente, os
autarcas que vierem a ser eleitos, vão ficar mais longe das populações e dos seus problemas.
Terceiro, são os mecanismos de aconselhamento que conduzam ao maior e mais concreto
conhecimento dos decisores políticos aos vários níveis, nomeadamente o Governo. O CNES é
um bom exemplo de como a realidade social transmitida pelos agentes sociais que estão no
dia-a-dia no terreno, podem contribuir para a tomada de decisões que vão ao encontro dessa
realidade. São exemplos o Programa de Emergência Social (Out.2011/Dez.2014) com as suas 5
áreas ou o Impulso Jovem, desde que previamente discutidos, assumidos e aferidos pelas
estruturas e instituições da rede social, podem dar frutos e constituir soluções intermédias
para atingir objectivos imediatos e de médio prazo.
Deve igualmente caber a este órgão de aconselhamento, a monitorização dos impactos sociais
das políticas públicas ou da falta delas, de forma a corrigir trajetórias que poderão por erro
conceptual ou fatores externos ao sector, não cumprirem os seus objectivos.
Por fim, falemos das ideias e contributos para o futuro.
Em qualquer sociedade a iniciativa dos cidadãos é sempre necessária e mesmo imprescindível.
Uma sociedade, sem participação cívica estruturada, organizada onde cada indivíduo pode
escolher livremente a actividade social que deseja realizar, perderia toda a capacidade
sinérgica que os seres humanos organizados e motivados pela prática do bem comum e da
solidariedade podem, de facto, oferecer. A associação de indivíduos com vista à resolução de
problemas comuns, é parte do processo de humanização da sociedade e, como tal, intrínseca
ao próprio ser Humano.
Indicadores como o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, comtemplam para além da
esperança média de vida e o rendimento per capita, o padrão de vida, isto é, o grau de
conforto e de felicidade que cada sociedade alcança. Temos que incluir no nosso raciocínio
este elemento como estruturante da nossa ação futura.
Nesse sentido, permitam-me que deixe para a vossa reflexão algumas notas que podem
considerar como propostas.
1. Equacionar/questionar o modelo social existente de forma a evoluirmos da
remediação social para a prevenção social, dando prioridade à sociedade inclusiva,
começando por refletir sobre a natureza e finalidade de cada instituição e pela matriz
das políticas públicas;
2. Aprofundar o conhecimento do sector da economia social entre pares, estabelecendo
parcerias de forma a contribuir para a realimentação económica e financeira do sector
e assim aumentar a sua capacidade de resistência e superação em momentos e épocas
de crise;
3. Pugnar por políticas públicas equilibradas entre famílias do sector social, através de
concertação e integração de programas comuns mantendo as especificidades e
particularidades de cada família, quer no plano das contrapartidas financeiras quer
fiscais que deverão ter como base o princípio da discriminação positiva;
4. Desenvolver um processo de promoção e divulgação das funções e relevância social do
sector de forma a dar maior visibilidade às instituições e às suas actividades,
nomeadamente através do Portal ZOOM/CASES;
5. Desenvolver um processo progressivo de sustentabilidade financeira de forma a
garantir a independência do sector, devendo diversificar as fontes de receitas próprias
e de terceiros, nomeadamente aquelas que podem resultar de uma melhor
distribuição das receitas de jogo licito e do mecenato e de redução de custos
estratégicos nomeadamente da energia e rendas;
6. Dar estabilidade profissional, temporal e emocional, reforçar a componente formação
e qualificação dos dirigentes, trabalhadores e ativistas voluntários afetos ao sector, de
forma a motivá-los para atingir graus de qualidade e certificação pessoais e das
instituições;
7. Aproveitar toda a experiência e as boas práticas no uso de fundos comunitários
provenientes do FEEI-2014/2020, apresentando candidaturas estratégicas com
produção de efeitos de médio e longo prazo, bem estruturadas e fundamentadas pela
via da CASES;
8. Defender a identidade histórica do sector cooperativo e social, distinguindo este dos
conceitos próximos da economia empresarial como “economia social de mercado”,
“capital social e capital humano”, “empresas sociais”, que têm, naturalmente, outra
natureza e finalidade;
9. Criar junto da CASES, uma Bolsa de Valores das instituições sociais como referência da
sua disseminação territorial e de projectos em desenvolvimento, podendo assumir o
papel de instrumento de atração de investidores sociais;
10. Construir um novo conceito de parceria Público/Privado/Social de forma a serem
claros e transparentes os meios e as contrapartidas asseguradas pelas partes e os
objectivos perseguidos, sem descorar as funções sociais do Estado e a
responsabilidade social das empresas e dos cidadãos;
11. Valorizar o papel dos voluntários afetos ao sector de forma que estes sintam o
reconhecimento dos poderes instituídos e assim contribuam para a democracia
participativa como elemento determinante para a qualidade do regime democrático e
de direito em Portugal.
A todos o meu muito obrigado pela atenção dispensada, votos de êxitos nas funções e de
felicidades pessoais.
Augusto Flor, Dr.
Presidente da Confederação Portuguesa
das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto