17/04/2014

7.864.(17abril2014.9.53') Ruy Belo

Nasceu a 27fev 1933
e morreu a 8ag1978
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Região de Cister traz uma opinião de João Maurício...
Ruy Belo, além de Rio Maior...Alcobaça era um dos vértices do triângulo de localidades da vida do poeta...
PROCURAR COLOCAR o texto aqui:
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página no face:

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https://www.facebook.com/pages/Ruy-Belo/122498784505307
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COMO SE ESTIVESSE EM AGOSTO
Estou todo no mês de agosto
Estou escarranchado no lombo nutrido de agosto
sentado à mesa de um café envolto no manto de múltiplas vozes
olhando pela janela uma toalha de mar e a terra ao fundo
debaixo do céu azul e branco do sol e do vento
café e vozes céu terra e mar tudo coisas talvez de agosto
objectos que o deus deste mês se porventura dada a fartura houver também um deus para os meses
utiliza para que assim toda a gente possa falar univocamente de agosto
e agosto não seja o nome frio dos números
mas seja um tempo e a orla da água que banha os pés desse tempo
e as coisas que existem na mão aberta desse tempo
Agosto não é o oitavo mês do ano
as férias há muito previstas e marcadas o sítio
de certos rostos por um instante resplandecentes mas cedo bebidos pelo esquecimento
talvez para o ano vindos na vaga de um novo mês de agosto
Agosto são muitos jornais vagarosamente lidos
de páginas uma a uma passadas como os trinta e um dias deste mês
agosto é o espaço do pensamento da boca boquiaberta
do sol outra vez usado como o único relógio de pulso
Agosto é o regresso dos emigrantes o mês da morte na estrada dos emigrantes
de uns homens que antes eram portugueses e hoje são emigrantes
e voltam a estas paragens como as aves às terras serenas e avaras do norte
Agosto é a estrada estreita que o mar enfia nos campos
como faca que fura sebes de canas campos de couves
e ensombra ainda um pouco mais a sombra de certas árvores
Agosto é eu estar aqui é trazer as mangas arregaçadas
é envelhecer ao sol na dispersão distraída de determinados gestos
é saber que estou de momento separado de secretárias com muitos problemas em suspenso
que me sento numa pedra e oiço uma música e reconheço a minha forma mais frequente de me sentir vivo
embora depois complique o que sinto e diga talvez que me sinto feliz
Por vezes agosto é o nevoeiro essa espessura de certa maneira branca
que me faz pensar que penso e achar que há uma certa profundidade no que por vezes penso
nevoeiro que mora um tempo na minha cabeça e depois
desce até às páginas do livro que leio de maneira diferente
dos livros que leio nos outros meses do ano
Agosto não é a pura palavra não é determinada designação para um tempo
onde cada uma destas coisas anualmente se encontra comigo
Agosto são talvez estas palavras todas onde me perco onde procuro pôr os meus passos
onde afinal penso que permaneço um pouco mais do que no frágil edifício dos dias
Não escrevo neste domingo de agosto onde já houve sinos
e há gestos diferentes dos mesmos gestos que fazemos nos outros dias
Estou um pouco nestas palavras na própria
palavra agosto que ponho sobre o papel
e que embora aponte para agosto não é esse mês de agosto
Estou em agosto estou um pouco em agosto
*
Via Deonilde Rocha
Meditação Anciã
Aqui eu fui feliz aqui fui terra
aqui fui tudo quanto em mim se encerra
aqui me senti bem aqui o vento veio
aqui gostei de gente e tive mãe
em cada árvore e até em cada folha
aqui enchi o peito e mesmo até desfeito
eu fui aquele que da vida vil se orgulha
Aqui fiquei em tudo aquilo em que passei
um avião um riso uns olhos uma luz
eu fui aqui aquilo tudo até a que me opus
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in TODA A TERRA  Lisboa, Moraes Editores, 1976
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Mário Viegas lê Ruy Belo
https://www.youtube.com/watch?v=9OXreLC9aq4
Morte ao meio-dia

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

Que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz do dia
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer

 Boca Bilingue, 1966

*
"Elogio de Maria Teresa"

Eu que às vezes encontro sem saber porquê
um simples não sei quê em estátuas retratos antigos
de límpidas mulheres desconhecidas
eu que de súbito à primeira vista me apaixono adolescentemente
por essas mulheres mortas mas contemporâneas
de um pobre poeta português do século vinte
levadas até ele talvez por um discreto gesto
às formas e às cores impresso por um homem
que na arte encontrava a única razão de vida
abro a pasta e deparo com o teu retrato
um retrato de passe anos atrás tirado
no sítio suburbano onde primeiro vivemos
e juntos suportámos com surpresa a solidão
de sermos dois e ela só vergar os ombros onde os dias nos poisavam
Conheço outros retratos teus onde também estás viva
um deles bem me lembro estava à minha espera em saint-malo
uma tarde ao voltar do monte saint michel
nesse verão bretão onde então procurava
justificação por mínima que fosse para a vida
numa das muitas fugas de mim próprio
que às vezes empreendo embora antecipadamente certo
de que só pela morte enfim me encontrarei comigo
com todos quantos verdadeiramente amei
alguns desconhecidos e alguns mesmo inimigos
sobretudo sedentos de justiça
de que depois somente de bem morto hei-de dispor daquela paz
que sempre apeteci mas nunca procurei
até por não ter tempo para isso nem sequer para saber
coisas simples como saber quem sou porque ao certo só sei
que muito mais passei naquilo em que fiquei
nem que fossem os filhos ou os versos
que fiquei muito mais naquilo onde passei
como passos na areia no inverno ou repentinas sensações
de me sentir de súbito sensivelmente bem
encher o peito de ar sentir-me vivo
São retratos diferentes de quem foste um breve instante
e nele floriste e apenas não murchaste
por haveres ficado um pouco mais em tais fotografias
Mas há em todos eles uma graça inesperada
a surpresa da corça ou restos dessa raça
que há em ti talvez um pouco mais que nas demais mulheres
expressão sempre surpreendente da surpresa
mesmo até para quem te conhece tão bem como eu te conheço
Se nuns mais do que noutros sem excepção desponta
a madrugada que era e é esse teu riso claro
quem primeiro falou de riso claro
talvez houvesse ouvido a água quando corre sobre os seixos de
um ribeiro
talvez a houvesse visto branca e fresca
mas teve de inventar pra conquistar essa metáfora
quando eu que te ouvi rir não fiz mais do que ouvir
e sei que o som da água imita o teu sorriso
Talvez dentro de séculos se não fale já de ti
coisa aliás sem maior importância
que a de não ter alguém deixado o teu retrato
em qualquer dos museus esparsos pelo mundo
Eu estarei morto e pouco poderei fazer
por ti simples mulher da minha vida
Mas isso não importa importa esta manhã
este bar de milão onde olho o teu retrato
enquanto espero o meu pequeno almoço
saboreio as cervejas em jejum tomadas
e começam de súbito a chegar aos meus ouvidos
inesperados os primeiros acordes do concerto imperador
Se um dia penso porventura te perder
mulher simples recôndita e surpreendente
sobre quem recaiu o peso do meu nome
só então saberei quanto valias verdadeiramente
Estás presente em mim como ninguém
e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres
além de ti além de minha mãe
Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste
a tua alegre vida irrequieta
no único infeliz dos teus negócios
por um poeta pobre velho e feio como eu
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia a dia
mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
Bons dias maria teresa até depois
preciso de tomar o meu pequeno almoço
a cerveja era boa mas é bom comer
como come qualquer homem normal
e me poupa ao perigo de até pela idade
me converter subitamente num sentimental

***

a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
*

O poema completo:

Algumas Proposições com Crianças

A criança está completamente imersa na infância
a criança não sabe que há-de fazer da infância
a criança coincide com a infância
a criança deixa-se invadir pela infância como pelo sono
deixa cair a cabeça e voga na infância
a criança mergulha na infância como no mar
a infância é o elemento da criança como a água
é o elemento próprio do peixe
a criança não sabe que pertence à terra
a sabedoria da criança é não saber que morre
a criança morre na adolescência
Se foste criança diz-me a cor do teu país
Eu te digo que o meu era da cor do bibe
e tinha o tamanho de um pau de giz
Naquele tempo tudo acontecia pela primeira vez
Ainda hoje trago os cheiros no nariz
Senhor que a minha vida seja permitir a infância
embora nunca mais eu saiba como ela se diz

A ilustradora: http://www.veilhan-cecile.book.fr/

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Às vezes se te lembras procurava-te
retinha-te esgotava-te e se te não perdia
era só por haver-te já perdido ao encontrar-te
Nada no fundo tinha que dizer-te
e para ver-te verdadeiramente
e na tua visão me comprazer
indispensável era evitar ter-te
Era tudo tão simples quando te esperava
(imagem: naysheℓℓ64, Flickr)

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Ver-te é como ter à minha frente todo o tempo 
é tudo serem para mim estradas largas 
estradas onde passa o sol poente 
é o tempo parar e eu próprio duvidar mas sem pensar 
se o tempo existe se existiu alguma vez 
e nem mesmo meço a devastação do meu passado.

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As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros 
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores 
Os pássaros começam onde as árvores acabam 
Os pássaros fazem cantar as árvores 
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se 
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal 
Como pássaros poisam as folhas na terra 
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores 
mas deixo essa forma de dizer ao romancista 
é complicada e não se dá bem na poesia 
não foi ainda isolada da filosofia 
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros 
Quem é que lá os pendura nos ramos? 
De quem é a mão a inúmera mão? 
Eu passo e muda-se-me o coração 
(imagem: Anna Heimkreiter)

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Via: http://www.escritas.org/pt/poemas/ruy-belo
43 poemas...
1 x exemplo:
E tudo era possível

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

***

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VIA CITADOR:
PovoamentoNo teu amor por mim há uma rua que começa 
Nem árvores nem casas existiam 
antes que tu tivesses palavras 
e todo eu fosse um coração para elas 
Invento-te e o céu azula-se sobre esta 
triste condição de ter de receber 
dos choupos onde cantam 
os impossíveis pássaros 
a nova primavera 
Tocam sinos e levantam voo 
todos os cuidados 
Ó meu amor nem minha mãe 
tinha assim um regaço 
como este dia tem 
E eu chego e sento-me ao lado 
da primavera 

 in "Aquele Grande Rio Eufrates"
Poema QuotidianoÉ tão depressa noite neste bairro 
Nenhum outro porém senhor administrador 
goza de tão eficiente serviço de sol 
Ainda não há muito ele parecia 
domiciliado e residente ao fim da rua 
O senhor não calcula todo o dia 
que festa de luz proporcionou a todos 
Nunca vi e já tenho os meus anos 
lavar a gente as mãos no sol como hoje 
Donas de casa vieram encher de sol 
cântaros alguidares e mais vasos domésticos 
Nunca em tantos pés 
assim humildemente brilhou 
Orientou diz-se até os olhos das crianças 
para a escola e pôs reflexos novos 
nas míseras vidraças lá do fundo 

Há quem diga que o sol foi longe demais 
Algum dos pobres desta freguesia 
apanhou-o na faca misturou-o no pão 
Chegaram a tratá-lo por vizinho 
Por este andar... Foi uma autêntica loucura 
O astro-rei tornado acessível a todos 
ele que ninguém habitualmente saudava 
Sempre o mesmo indiferente 
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados 
Íamos vínhamos entrávamos não víamos 
aquela persistência rubra. Ousaria 
alguém deixar um só daqueles raios 
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas? 

Mas hoje o sol 
morreu como qualquer de nós 
Ficou tão triste a gente destes sítios 
Nunca foi tão depressa noite neste bairro 
 in "Aquele Grande Rio Eufrates"
Elogio da AmadaEi-la que vem ubérrima numerosa escolhida 
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados 
Vem sentada na nova primavera 
cercada de sorrisos no regaço lírios 
olhos feitos de sombra de vento e de momento 
alheia a estes dias que eu nunca consigo 
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso 
começa para além dela a ser longe 
A amada é bem a infância que vem ter comigo 
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos 
e mortes como antes nunca mais 
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria 
no limiar da nossa indiferença 
Os nossos átrios são para os seus pés solitários 
Já todos nós esquecemos a casa dos pais 
ela enche de dias as nossas mãos vazias 
A dor é nela até que deus começa 
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor 
Que importa sermos de uma só manhã e não haver 
                                                                em volta 
árvore mais açoitada pelos diversos ventos? 
Que importa partirmos num desmoronar de poentes? 
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão 
multiplicando-lhe a ausência que importa 
se onde pomos os pés é primavera? 

 in "Aquele Grande Rio Eufrates"
Quanto Morre um HomemQuando eu um dia decisivamente voltar a face 
daquelas coisas que só de perfil contemplei 
quem procurará nelas as linhas do teu rosto? 
Quem dará o teu nome a todas as ruas 
que encontrar no coração e na cidade? 
Quem te porá como fruto nas árvores ou como paisagem 
no brilho de olhos lavados nas quatro estações? 
Quando toda a alegria for clandestina 
alguém te dobrará em cada esquina? 

 in "Aquele Grande Rio Eufrates"
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VIA:
 poema_ruy












http://observador.pt/especiais/os-melhores-poemas-de-amor-da-lingua-portuguesa-para-nove-escritores/
Eu sei que deanie loomis não existe
mas entre as mais essa mulher caminha
e a sua evolução segue uma linha
que à imaginação pura resiste
A vida passa e em passar consiste
e embora eu não tenha a que tinha
ao começar há pouco esta minha
evocação de deanie quem desiste
na flor que dentro em breve há-de murchar?
(e aquela que no auge a não olhar
que saiba que passou e que jamais
lhe será dado ver o que ela era)
Mas em deanie prossegue a primavera
e vejo que caminha entre as mais
Ruy Belo, Homem de Palavra[s]