A sua eleição, em 2004, para secretário-geral do PCP, marcou um novo ciclo: pela primeira vez em democracia, depois de Cunhal e Carvalhas, este partido tinha um líder de origem operária. A Imprensa gabou-lhe a espontaneidade do estilo. Uma década depois, ele mostra como a sua direção não significou qualquer mudança de rumo. E que o PCP continua na eterna demanda de "um outro PS"
Pelos vistos, não vamos mesmo ter legislativas antecipadas, como se vê pela recente entrevista de Cavaco Silva ao Expresso. Se o PCP ainda tinha algumas esperanças...
O PR teve sempre um objetivo. Apoiar e salvar a política de direita. Face a um Governo socialmente isolado e politicamente derrotado, e um PS comprometido com tudo o que é estruturante na política de direita, conclui pela necessidade do consenso entre PS e PSD, com ou sem o "aguadeiro" CDS. Com a arrogância que o caracteriza, só admite governos de maioria absoluta que executem e  acelerem a política de exploração e empobrecimento do País.
A corrida para as legislativas começou com as primárias no PS. Porque lhes chamou "uma farsa"?
Porque partiam de uma mistificação. O nosso sistema eleitoral não prevê eleições para primeiro-ministro, mas para o PR, os deputados e os autarcas.
Mas o resultado conseguido por António Costa parece dar-lhe um bom élan para as legislativas.
Não nos ingerimos nesse conflito interno. Mas, em relação ao resultado, há que ser prudente e não considerar que isto está tudo arrumado. O soberano, que é o povo português, ainda não decidiu. Houve ali um processo de mudança de caras. Já quanto à política, tenho dúvidas, tendo em conta o pouco que António Costa já anunciou.
O que lhe pareceu a moção de estratégia que Costa vai levar ao Congresso?
Independentemente da necessidade de identificar as linhas concretas da proposta, ressaltam as omissões, seja sobre a dívida, política europeia, tratado orçamental, política económica, justiça fiscal, direitos laborais.
Sem rutura com estas políticas, que têm conduzido o País ao desastre, não há verdadeira alternativa. A moção foge a essa questão essencial, que não se compadece com declarações genéricas e boas intenções.
Acredita que o PS possa vir a fazer coligações à esquerda?
Todos os sinais que nos têm chegado, descontando as proclamações quanto a essa ideia aparentemente simpática dos acordos à esquerda, ainda não nos permitem ver nada de concreto, pelo menos naquilo que é estruturante.
Quando digo à esquerda, não me refiro apenas ao PCP. Além do BE, temos hoje novas forças, como o Livre ou o Fórum Manifesto. Não sente que todos eles lhe entram um pouco "em casa"?
Não notamos muito, sinceramente. Ainda não houve eleições, mas digo isso por experiência própria, pelo que vejo e ouço. Ando por todo o País e o que nos chegam são manifestações de apreço e de incentivo, vindas de pessoas que não são da CDU. Não sinto qualquer espécie de infiltração de outras forças políticas.
Imagine que o PS lhe propunha uma coligação ou um acordo de incidência parlamentar. Quais seriam as condições que poria?
Corremos o risco de dar a entender que isto se trata de algum programa mínimo. Mas há questões estruturantes, que são incontornáveis.
Como quais?
Antes de mais, a necessidade de rutura com esta política, que tem vindo a ser realizada há 38 anos. Precisaríamos de saber se sim ou não seria possível uma alternativa patriótica e de esquerda, em que um dos eixos centrais seria a renegociação da dívida. E se sim ou não haveria uma aposta no nosso aparelho produtivo, criando emprego, em vez de uma política de privatizações. E logo aqui surgiram problemas. Mesmo em relação a privatizações futuras, o que o PS de António Costa já avançou foi a possibilidade de privatização de parte da TAP.
Que não aceitaria, presumo.
É evidente. Outro eixo fundamental seria uma elencagem das medidas tomadas pelos governos de Sócrates e principalmente este, do PSD/CDS, que fizeram muito mal aos trabalhadores, como os cortes de salários, os ataques aos direitos, a redução no pagamento de horas extra, a tentativa de eliminação da contratação coletiva. É um libelo acusatório do que foi feito pelo PSD e CDS, mas também pelo próprio PS, que não foi tão violento, mas abriu uma porta que, depois, a direita escancarou.
Outras questões essenciais para nós - o fim da destruição do SNS, que era tendencialmente gratuito, tal como a Educação, e a defesa da sustentabilidade da Segurança Social, o que implica outras fontes de financiamento. Além disso, precisaríamos de saber se sim ou não continuamos amarrados a esses espartilhos, que decorrem dos sucessivos Tratados de Maastricht, de Lisboa e agora do Tratado Orçamental. Sempre defendemos a nossa independência nacional, que está hoje posta em causa. Como se posiciona o PS perante esses espartilhos? Também neste caso as notícias não são boas. Aqui está um exemplo do que já tentámos, naturalmente, falar com eles. Mas o PS não dá resposta. 
Como assim? Porque não recebeu o PCP?
Não há relações cortadas com o PS. Mas, em relação à matéria de facto, o PS foge desse debate como o diabo da cruz.
Quando o PCP fala na renegociação da dívida, quer dizer exatamente o quê? Ou quanto?
Avançámos com a necessidade de renegociação logo em 2011, antes do que consideramos o pacto de agressão. A dívida já era então um problema e hoje tornou-se um problema maior. Na altura fomos acusados de blasfémia. Infelizmente, o tempo deu-nos razão.
Somos devedores, é um facto. Mas, mesmo como devedores, temos direitos. E para que não se chegue à situação dramática, não de dizermos que não pagamos, mas de não podermos, efetivamente, pagar, com sérias consequências para o País, então devemos encetar um processo de renegociação das maturidades, dos juros, dos prazos, um processo no qual o Governo e, naturalmente, a AR tivessem um papel.
Não temos aqui qualquer receita acabada. Mas isto tem de ser discutido de forma organizada e com sentido de responsabilidade. Fiquei surpreendido logo que ouvi o novo líder parlamentar do PS, Ferro Rodrigues, dizer que o seu partido não tem posição sobre isso. Como é possível? Não ter posição é recuar mais do que a proposta já em si recuada de Seguro, que ainda chegou a defender a restruturação de alguns itens. Nem isso o PS parece querer assumir.
O PCP continua a defender referendos sobre a saída do euro e da UE?
A saída da UE é questão que não está colocada. Em relação ao euro, partimos apenas da realidade. Portugal perdeu muito com ele e há já muita gente a refletir sobre isso. Esta política de um euro forte, esta exigência de não podermos gerir, flexibilizar uma moeda própria, está a levar a situação dramática que, juntamente com a dívida, condiciona o nosso futuro.
Não defendemos um ato súbito, mas um processo, feito em sede própria, com o envolvimento das instituições. Devemos preparar-nos, não vá até dar-se o caso, como esteve próximo de suceder, de uma possível expulsão do euro. Mas qualquer decisão deve ser sempre tomada de acordo com a opinião do povo português.
O recém-medalhado Durão Barroso fez a afirmação retumbante de que Portugal vai receber da UE "uma pipa de massa", 26 mil milhões de euros em fundos estruturais até 2020. Nós perguntámos no Parlamento Europeu quanto é que Portugal pagará à UE neste período. A resposta foi cerca de 60 mil milhões de euros, isto é, três pipas de massa. E isto nada tem a ver com a dívida: trata-se apenas das contribuições por sermos países membros.
A Europa não é uma linha divisória entre PS e PCP, que inviabilizaria qualquer acordo?
É um elemento estruturante, de facto.
A resposta do PS e das novas forças de esquerda para a saída da crise é a necessidade de "mais Europa", quase sempre sinónimo de federalismo. Ao contrário, o PCP quer menos Europa.
Não defendemos menos Europa. Queremos uma Europa de cooperação, de paz, de respeito mútuo entre os países, de coesão económica e social. Enfim, uma outra Europa, dos trabalhadores e dos povos. Estamos é contra a Europa dos monopólios, do federalismo, do militarismo e do neoliberalismo, feita à medida dos interesses dos grandes grupos económicos e do setor financeiro e destinada a criar clivagens entre países mais poderosos e países secundários, quase marginais. Em termos de divergência das economias, tornou-se um pouco a panela de barro contra a panela de ferro. Há, de facto, uma linha de rutura entre nós e os que acham que esta Europa está bem.
Mas Costa disse na campanha que poderia fazer acordos pontuais, consoante os assuntos, nuns casos à esquerda noutros à direita.
Isso é aquela teoria da geometria variável, que Guterres ensaiou. Até fez um acordo com o deputado Campelo, do queijo Limiano.
O BE partiu-se, quando teve de debater se devia ou não governar com "este PS". Mas há quase 40 anos que "este PS" é também o cavalo de batalha do PCP. Ainda acredita que há de aparecer outro?
Não sou tão otimista. Participei nos debates todos em 38 anos. E, em última análise, o PS sempre se entendeu com a direita. E isso porque fez uma opção primeira. Desde os governos de Soares, fosse com o PSD, o CDS ou sozinho, o PS fez sempre esse encosto à direita. Não foi o PCP que o empurrou. Os socialistas - e há muitos, eleitores e militantes, que desejariam entender-se com o PCP ?- deviam interrogar-se sobre isso.
Mas no discurso do PCP há aqui uma contradição. Quando analisa os resultados eleitorais, fala por vezes numa "maioria de esquerda", somando os votos do PS e do PCP . Mas o PS não é, de facto, um partido ideologicamente mais próximo do PSD, já que são ambos partidos de classes médias?
É mais próximo do PSD no plano ideológico e no próprio projeto político. Mas existe uma base eleitoral maioritária, que se afirma de esquerda. Depois, o PS usa esses resultados não para ir ao encontro dessa maioria sociológica, mas para se identificar com o PSD.
Fala nessa base maioritária de esquerda. Mas, olhando para os sindicatos, há quase 40 anos que as bases do PS e PSD também estão juntas, na UGT. A corrente socialista da CGTP é muito pequena.
Quando alguém se inscreve num sindicato da CGTP, não se lhe pede cartão do partido. Mas há largos milhares de trabalhadores que votam PS e que estão com a CGTP e o seu projeto. Por isso, a UGT nunca cresceu mais do que nuns setores específicos, enquanto a CGTP é a grande central representativa dos trabalhadores portugueses.
A nova liderança da UGT anunciou, no início, a sua aposta numa maior aproximação à CGTP. Houve, de facto, alguma mudança?
Não tenho informação sobre o grau de entendimento entre as duas centrais, designadamente em sede de Concertação Social. Mas, em relação a essas declarações iniciais, creio que o fervor tem vindo a ser cada vez menor. No entanto, quero ter alguma prudência, pois não conheço, como disse, o grau das relações existentes.
O PCP saltou uma geração. Tanto na AR como no Parlamento Europeu, entregou os lugares à geração dos 20, 30 e poucos anos. Isso é uma mensagem que quer transmitir? Ou um eleitorado que pretende captar?
Sempre defendemos renovação. Já fui o mais novo e hoje sou o mais velho da Comissão Política. Tendo em conta capacidades, disponibilidades e o princípio de que ninguém pode ser prejudicado nem beneficiado por ir ocupar esses lugares. Podemos não acertar a 100 por cento. Mas, se em dez saírem oito bons, será uma boa média. E é preciso alguma audácia para concretizar essa mudança. Faz-se com o teste da experiência e juntando-os com quadros mais antigos.  É um caldeamento interessantíssimo. Não há qualquer conflito geracional.
O Podemos, em Espanha, ou o Syriza, na Grécia, surgem dessa mesma geração, muito afetada pelo desemprego. O salto geracional do PCP tem alguma coisa a ver com isto?
Em Portugal a situação é diferente, até pela existência deste partido, pela sua forma séria de estar.  A política da UE fustiga as novas gerações, encarregou-se de tornar o sonho quase proibido. A social-democracia apresentava-se como uma força com justiça social. Mas tudo isso falhou. O descontentamento das novas gerações leva-as à procura de novos discursos. Muitos vêm para o PCP. É impressionante o número de jovens com menos de 30 anos que estão a inscrever-se.
Deduzo que considere, então, o Podemos e outros como uma espécie de epifenómenos.
Basta consultarmos a História, particularmente na década de 60, para vermos o aparecimento de novos movimentos, que irromperam com grande força e, depois, desapareceram. Mesmo aqui em Portugal algumas forças que apareceram, não progrediram. E creio que algumas hoje em lançamento também se esvaziarão, porque apenas respondem a conjunturas. Isto não é uma depreciação, porque assistimos a manifestações importantes, sobretudo de jovens. Mas o grande problema depois é a falta de um projeto.
Será desta geração que um dia, mais congresso menos congresso, sairá o próximo secretário-geral?
Neste momento, nem sequer está ainda a ser preparado o próximo congresso.
Não falei no próximo.
A precariedade da vida é uma coisa terrível e o ser humano tem sempre este drama de não durar para sempre. Não sou eterno. Quanto à solução, surgirá mediante as condições objetivas e subjetivas.
Por si, quanto mais tempo gostaria de continuar no lugar? Tem alguma previsão?
Não. Sempre considerei que uma pessoa em qualquer lugar de responsabilidade devia ter a capacidade de sair quando ainda tem capacidade para decidir. Não é arrastar-se. A determinante será a decisão do coletivo partidário. Aliás, o Comité  Central, se entender substituir o secretário-geral, nem precisa convocar o Congresso. Se fizesse isso, seria clarinho como água em termos estatutários. Mas, por agora, não lhes noto essa tendência. Estamos em fase de concretizar projetos. E as pessoas que hoje me abordam, mesmo de fora do partido, é para me dizerem "ande lá para a frente!".