30/08/2015

9.979.(30ag2015.20.20') Oliver Sacks

Nasceu a 9jul1933
e morreu a 30ag2015
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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10206109634874745&set=a.3214904566369.139307.1078975975&type=3&theater
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Via DN
21.02.2015
"A minha vida"
http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=4413546&page=-1
Oliver Sacks, professor de neurologia da Universidade de Nova Iorque e autor de vários livros, como Despertares, publicou este texto no jornal The New York Times. O DN reproduz hoje em exclusivo.

Há um mês sentia-me de boa saúde, de perfeita saúde mesmo. Aos 81 anos ainda nado mais de mil e quinhentos metros por dia. Mas a minha sorte acabou - há poucas semanas fiquei a saber que tenho múltiplas metástases no fígado. Há nove anos descobriu-se que eu tinha um tumor raro no olho, um melanoma ocular. Apesar de a radiação e o tratamento com laser terem acabado por me deixar cego desse olho, só em casos muito raros é que esses tumores metastizam. Eu estou entre os pouco afortunados 2%.
Sinto-me grato por me terem sido concedidos nove anos de boa saúde e produtividade desde o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. O cancro ocupa um terço do meu fígado e, apesar de o seu avanço poder ser retardado, este tipo específico de cancro não pode ser detido.
Agora está na minha mão escolher como viver os meses que me restam. Tenho de viver da forma mais rica, mais profunda, mais produtiva que conseguir. A este respeito sinto-me encorajado pelas palavras de um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao saber que estava mortalmente doente aos 65 anos, escreveu uma autobiografia curta num único dia de abril de 1776. Deu--lhe o título de A Minha Vida.
"Antecipo agora um fim rápido", escreveu. "Padeci muito poucas dores com a minha doença; e o que é mais estranho, não obstante o grande declínio da minha pessoa, nunca sofri um momento de abatimento do meu espírito. Possuo o mesmo ardor de sempre no estudo e a mesma alegria na companhia dos outros."
Tive a sorte suficiente para viver para lá dos 80 e os 15 anos que me foram concedidos para além das seis dezenas e meia de Hume foram igualmente ricos em trabalho e em amor. Durante esse tempo publiquei cinco livros e terminei uma autobiografia (um pouco mais longa do que as poucas páginas de Hume) para ser publicada nesta primavera; tenho vários outros livros quase acabados.
Hume disse ainda: "Sou... um homem de disposição suave, de temperamento controlado, de um humor alegre, aberto e social, capaz de criar laços, mas pouco suscetível a inimizades e de grande moderação em todas as minhas paixões."
Aqui afasto-me de Hume. Apesar de ter vivido relacionamentos amorosos e amizades e não ter verdadeiras inimizades, não posso dizer (nem o dirá qualquer pessoa que me conheça) que sou um homem de disposição suave. Pelo contrário, sou um homem de disposição veemente, com violentos entusiasmos e extrema imoderação em todas as minhas paixões.
E, no entanto, uma linha do ensaio de Hume atinge-me como particularmente verdadeira: "É difícil ser-se mais desligado da vida do que eu sou neste momento", escreveu ele.
Durante os últimos dias fui capaz de ver a minha vida a partir de uma grande altitude, como uma espécie de paisagem, e com um sentido profundo da ligação de todas as suas partes. Isto não significa que a vida tenha acabado para mim.
Pelo contrário, sinto-me intensamente vivo e quero e espero que no tempo que me resta possa aprofundar as minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se tiver força para tal, atingir novos níveis de compreensão e discernimento.
Isso envolverá audácia, clareza e sinceridade; tentar acertar as minhas contas com o mundo. Mas haverá tempo, também, para me divertir (e até mesmo para algum disparate ainda).
Sinto, de repente, uma perspetiva e um objetivo claros. Não há tempo para nada que não o essencial. Tenho de me concentrar em mim, no meu trabalho e nos meus amigos. Já não verei o noticiário todas as noites. Já não prestarei qualquer atenção à política ou a debates sobre o aquecimento global.
Isto não é indiferença, mas antes desprendimento - ainda me preocupo profundamente com o Médio Oriente, o aquecimento global, a desigualdade crescente, mas estas coisas já não me dizem respeito; pertencem ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos - até mesmo o que fez a biópsia e diagnosticou as minhas metástases. Sinto que o futuro está em boas mãos.
Nos últimos dez anos tornei-me cada vez mais consciente das mortes entre os meus contemporâneos. A minha geração está de saída e senti cada morte como um descolamento, um arrancar de uma parte de mim. Não haverá ninguém como nós quando desaparecermos, mas também não há ninguém igual a ninguém, nunca. Quando as pessoas morrem, elas não podem ser substituídas. Deixam buracos que não podem ser preenchidos, pois é o destino - o destino genético e neural - de cada ser humano ser um indivíduo único, para encontrar o seu próprio caminho, viver a sua própria vida, morrer a sua própria morte.
Não posso fingir que não tenho medo. Mas o meu sentimento predominante é o de gratidão. Eu amei e fui amado; foi-me dado muito e dei algo em troca; li e viajei e pensei e escrevi. Eu tive uma relação com o mundo, a relação especial entre escritores e leitores.
Acima de tudo, eu tenho sido um ser senciente, um animal pensante neste belo planeta e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e uma enorme aventura.
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Via Pensador:
A música pode tanto estimular e criar memórias que duram para sempre.
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O que sabemos é que ao se fecharem as janelas químicas, outro despertar aconteceu. O espírito humano é mais forte que qualquer remédio. E é isso que precisa ser alimentado por meio do trabalho, lazer, da amizade e da família. Isso é o que importa. Foi disso que nos esquecemos. Das coisas mais simples.

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cada percepção é uma criação, cada lembrança é uma recriação — toda recordação é relacionante, generalizante,recategorizante. Sob essa perspectiva não pode haver nenhuma lembrança fixa, nenhuma visão "pura" do passado, não contaminada pelo presente. Para Edelman, assim como para Bartlett, há sempre processos dinâmicos em ação, e lembrar é sempre reconstrução, não reprodução.
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http://www.wook.pt/authors/detail/id/5789
O médico e escritor inglês Oliver Sacks nasceu em 1933, em Londres, sendo filho de um casal de físicos. Formou-se como médico em Oxford e no início da década de 60 mudou-se para os Estados Unidos da América. Neste país estudou em regime de internato em São Francisco e, posteriormente, frequentou neurologia na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Em 1965 foi viver para Nova Iorque, onde se tornou professor de neurologia na Escola de Medicina Albert Einstein, professor assistente de neurologia na Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque e consultor de neurologia numa instituição de caridade. 
Em 1966 começou a trabalhar, também como neurologista, no Hospital Berth Abraham, no Bronx, em Nova Iorque. Aqui lidou com um grupo de doentes, que se caracterizavam por estar décadas num estado catatónico, incapazes de fazer qualquer tipo de movimento. Constatou que esses doentes eram os sobreviventes de uma grande epidemia da doença do sono que assolou o mundo entre 1916 e 1927. Tratou-os então com um medicamento novo, o L-dopa, que permitiu que eles regressassem a uma vida normal. Este caso inspirou-o a escrever em 1973 o livro Awakenings, a sua segunda obra literária, que viria a servir de inspiração a Harold Pinter para escrever a peça de teatro A Kind of Alaska e à realizadora Penny Marshall a fazer o filme Despertares. Este filme, estreado em 1990, tinha como actores principais Robin Williams, no papel de Sacks, e Robert De Niro. 
Mas ainda antes deste filme estrear, Sacks tinha-se tornado conhecido, especialmente nos Estados Unidos da América, com o livro The Man Who Mistook His Wife for a Hat (O Homem que confundiu a mulher com um chapéu). Esta obra, lançada em 1985, era uma colecção de histórias de casos verdadeiros nos limites das experiências neurológicas. Tratava-se do relato de histórias da luta de doentes com a esquizofrenia, a doença de Parkinson, a doença de Alzheimer, síndrome de Tourett, autismo, etc. 
Em 1989 Oliver Sacks foi distinguido pela Fundação Guggenheim pelo seu trabalho na área por ele designada de neuroantropologia da Síndroma de Tourette, na qual os doentes têm tiques involuntários. O estudo analisa, nomeadamente, o modo como era percepcionada a doença em diferentes culturas. 
Os seus livros, escritos desde 1970 e traduzidos para mais de vinte línguas, tornaram-se campeões de vendas e ganharam diversos prémios em todo o mundo, sendo utilizados em aulas nas universidades. Inspiraram também artistas de diversas áreas culturais. Mas Sacks notabilizou-se também pelos seus escritos na Imprensa, tanto generalista como especializada em medicina. 
Oliver Sacks é membro honorário da Academia Americana de Artes e Letras, da Academia Americana de Artes e Ciências e da Academia das Ciências de Nova Iorque.
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Orelha do livro Oliver Sacks é um neurologista que reivindica para o saber médico uma nova abordagem descritiva, que aproxima os ”relatos de casos” a técnicas romanescas, transformando estudos científicos em peças literárias com personagens e enredos tão imponderáveis quanto universais. É impossível ler seus ensaios sem pensar em Freud, o neurologista austríaco que, a partir de relatos clínicos com intensa lapidação estilística, acabou por ampliar os horizontes de representação da vida anímica e fez da psicanálise a matriz do imaginário e do pensamento modernos. Algo semelhante ocorre com Sacks. Em O homem que confundiu sua mulher comum chapéu, estamos na presença de um médico que acolhe a todo momento o novo, o inesperado que irrompe em cada testemunho do drama particular de seus pacientes.
https://social.stoa.usp.br/articles/0016/2389/Sacks_Oliver_-_O_homem_que_confundiu_sua_mulher_com_um_chap.pdf
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Via Público:






autor de Despertares, adormeceu para sempre


Em Fevereiro, o célebre neurologista e escritor britânico anunciara nos media que estava a morrer. Eis um apanhado póstumo da vida multifacetada do médico que pôs a pessoa no centro da narrativa médica e explicou ao mundo as doenças mais paradoxais do cérebro humano.
http://www.publico.pt/ciencia/noticia/morreu-oliver-sacks-o-explorador-do-cerebro-1706394
 professor de neurologia da Universidade de Nova Iorque, autor de best-sellers cheios daquilo a que ele chamava de “contos clínicos” – e que deram origem a filmes de Hollywood como Despertares (com Robert de Niro e Robin Williams) e À primeira vista (com Val Kilmer e Mira Sorvino) –, morreu este domingo de cancro ocular na sua casa em Nova Iorque. Tinha 82 anos de idade.
No seu último livro, uma autobiografia intitulada On the Move (“em movimento”, “em mudança”) e publicada há uns meses, Sacks revelava partes pouco conhecidas da sua intensa história pessoal: foi motard e halterofilista, foi viciado em anfetaminas. Era um homossexual, que só agora, em tempos mais tolerantes, o assume publicamente – mas que praticava o celibato há 35 anos.
E não há muita margem para dúvidas: viveu cada momento dessa vida em cheio. Basta ler os inúmeros testemunhos e artigos de amigos e admiradores publicados na imprensa internacional nos últimos meses, na sequência da sua “morte anunciada”.
Daí que seja difícil abordar aqui todas as facetas e fases da vida deste médico, apaixonado por química e música, física e neurociências. Mas uma coisa é certa: o que o tornou mundialmente conhecido – e de facto, incontornável para milhões de leitores – foi esse cruzamento único que Sacks inventou entre a neurologia e a arte de contar, motivado pelo seu amor pelos seus doentes.
“Sacks contribuiu para humanizar uma série de estranhas perturbações neurológicas – e, em certa medida, tornou naturais bizarros sintomas tais com os tiques e os tremores dos doentes”, disse ao PÚBLICO por email o conhecido neurocientista português António Damásio. “Fez os leitores perceber que, por detrás da estranheza dessas manifestações, há também uma pessoa que pensa e que sente. Essa foi um feito notável, conseguido por Sacks ao longo de décadas de escrita incessante.”
Sacks escrevia com uma humanidade e uma empatia sem iguais (já para não falar da sua mestria literária e científica) sobre as patologias neurológicas mais bizarras. E tinha sempre coisas profundas e emocionantes a dizer sobre a luta dos doentes com as suas trágicas doenças, descrevendo como ninguém os mistérios do mais misterioso dos órgãos que é o cérebro humano.
A prova disso, a admiração que nutria por ele o poeta anglo-americano (e seu amigo) W.H. Auden (1907–1973). Ou a que tem hoje a escritora britânica Hilary Mantel (autora, entre outros, do aclamado romance Wolf Hall), que declarava, num curto texto em 2013 no jornal The Guardian, que Sacks era o seu herói e que ele tinha “elevado a história clínica ao patamar da literatura”, acrescentando que “[Sacks] nunca faz o leitor sentir-se um voyeur; a sua abordagem é subtil, e o que emerge de todo o seu trabalho é o seu respeito pelos seus sujeitos. Parece amar os seres humanos (…). Não ama a humanidade em abstracto, mas admira e aprende com cada indivíduo, não importa o quão devastado [pela doença]”.
De Londres para Nova Iorque
Nascido em Londres em 1933, numa família de médicos e cientistas, Sacks estudou medicina na Universidade de Oxford e a seguir emigrou para os EUA, onde fez o internato em São Francisco e Los Angeles, lê-se na curta biografia no seu site oficial. E a partir de 1965, passou a residir e a exercer a neurologia em Nova Iorque, dedicando-se a tratar pessoas com doenças neurológicas literalmente fora deste mundo (não é por acaso que intitularia, mais tarde, um dos seus grandes livros de contos clínicos Um Antropólogo em Marte).
Foi em 1973 que publicou Despertares, o seu segundo livro, que mais tarde daria lugar ao filme com o mesmo nome, com Robin Williams no papel de Sacks. Mas a sua “saga” com o grupo de doentes descritos no livro, “congelados no tempo” desde os anos 1920 devido a uma misteriosa epidemia de “encefalite letárgica” e esquecidos num hospício do Bronx, começara pouco depois da sua chegada à Big Apple. Sacks fê-los literalmente acordar, quatro décadas depois, quando teve a ideia de lhes administrar um então novo medicamento contra a doença de Parkinson, a L-Dopa.
Todavia, o que celebrizou Sacks – na medicina e na escrita – foi a sua primeira recolha de “contos clínicos” propriamente ditos, O Homem que Confundiu a Mulher com um Chapéu, publicada em 1985. A história que dá título a esta antologia não podia deixar ninguém indiferente: era a de um homem que sofria de “prosopagnosia” (como aliás o próprio Sacks), uma doença rara que torna a pessoa incapaz de distinguir os rostos humanos entre si apesar de ter uma visão e um processamento pelo cérebro da informação visual totalmente normais. O encenador de teatro britânico Peter Brook criaria nos anos 1990, em Paris, o espectáculo L’Homme qui (O homem que), com base nesses contos de Sacks.