21/03/2017

7.174.(21mar2017.7.7') Dinis Machado

Nasceu a 21mar1930
e morreu a 3out2008
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Via Citador:
http://www.citador.pt/cact.php?op=7&author=136&firstrec=10
O castigo é muitas vezes o prémio para a mais exigente liberdade

Jornal de Notícias / 20040404
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A linguagem é apenas uma parte da realidade que conseguimos tirar ao silêncio para nos abrirmos melhor

Jornal de Notícias / 20031109
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As palavras, estejam reunidas como estiverem, explicam-nos sempre pouco

Jornal de Notícias / 20031109
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O galope da economia determina os limites morais da governação. O que se passa numa escala não controlável é que as decisões nascem do rumo arbitrário do dinheiro

Jornal de Notícias / 20031116
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Qualquer texto, por mais certeiro que seja, dificilmente consegue apropriar-se dessa zona em que, ao nos explicarmos melhor, ainda nos explicamos menos do que seria necessário

Jornal de Notícias / 20031109
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A base dos conflitos que se agitam hoje nas sociedades nasce da fricção constante entre a produção e a distribuição

Jornal de Notícias / 20031102
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Uma parte dos (nossos) problemas são pessoais, com adaptações obrigatórias. O indivíduo da nossa época tem qualquer coisa de lugar perdido. É a transformação, a globalização, a novidade permanente e a confusão excessiva
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Hoje, no nosso séc. XXI, coroado de ciência e de tecnologias, coma desocultação que os ventos da liberdade foram permitindo, o lado sacralizado das governações perdeu muito dos seus estatutos práticos e dominadores porque a economia, disciplina cheia de códigos arrevesados e obscuros, é imparavelmente devoradora

Jornal de Notícias / 20031116
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Matam-se pessoas ou faz-se-lhes mal; ou ajuda-se quem é possível ajudar se sobra vontade e desejo de o fazer neste nosso universo tão feito de alcatruzes da nora. Há um letreiro invisível: escolha o seu lugar. Escolha bem ou escolha mal porque terá sempre a sua apropriada claque.

Jornal de Notícias / 20040815
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A arte, experiência lúdica, tem um estatuto muito particular: procura a sua cidadania em zonas fugidias de aplicação social. É uma realidade com regras próprias. Aí se tenta viver e sobreviver, criando. Não a incomoda o sacrifício pessoal, tem o alvoroço da descoberta e da partilha. Uma vida sem arte, a que se faz ou a que se consome, é muito pouco.

Jornal de Notícias / 20040912
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A ideia da prática artística foi sempre uma atitude existencial que preenchia vazios e que procurava materializações fugidias ou obscuras. Tudo pode ser convocado: Deus ou o lugar de todos os enigmas, o sofrimento ou o riso, o companheirismo ou a falta - situações vitais para os que foram apelidados (não me lembro onde li) dos seres humanos mais inquietos e insatisfeitos que habitam o nosso planeta.

Jornal de Notícias / 20040919
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http://ler.blogs.sapo.pt/166754.html
Dinis Machado, o autor de O Que Diz Moleromorreu hoje, sexta-feira. Ele era, também, Dennis McShade.
 Dinis Machado é o autor de um dos livros que, se fôssemos mais tocados pela palavra «gratidão», elogiaríamos com mais frequência: O Que Diz Molero, publicado quando a ficção portuguesa não sabia que era portuguesa e ignorava que tinha de trocar de bandeiras, por volta de 1977. O Que Diz Molero, o livro que não envelhece, foi o primeiro grande best-seller de ficção portuguesa depois da revolução e transportava uma imensa alegria nas suas páginas. Ora, na época em que a chamada «literatura policial» não se escrevia em nome próprio (até porque, no Portugal de Salazar, não havia razões para que os romances se ocupassem de crimes lusitanos – que «não existiam»), Dinis Machado inventou um personagem admirável, o assassino Peter Maynard (devedor de Pierre Ménard, a quem Jorge Luis Borges atribui a proeza de reescrever o Quijote palavra a palavra), e um pseudónimo adequado para figurar como autor: Dennis McShade. [Do Editorial da LER 72]



O assassino Peter Maynard regressa 40 anos depois – e com ele três grandes policiais (e um inédito) do autor de O Que Diz Molero

Dennis McShade, tal como o gémeo Dinis Machado, nasceu para ser um grande escritor. Por trás de cada historinha banal está todo um universo literário que, até à época, ninguém ainda lograra alcançar, assim tão bem disfarçado de policial de bolso», escreve José Xavier Ezequiel no posfácio de Mão Direita do Diabo, título que inaugura a reedição dos romances policiais de McShade – publicados entre 1967 e 1968 na colecção «Rififi», da Íbis, dirigida pelo próprio Dinis Machado –, pela Assírio & Alvim (com grafismo de João Fazenda), a que se juntam Requiem para Dom Quixote (nas livrarias em Outubro), Mulher e Arma com Guitarra Espanhola (Março ou Abril de 2009) e o inédito Blackpot (fim de 2009), de que publicamos, em exclusivo, o primeiro e curtíssimo capítulo.
Dez anos antes do magistral O Que Diz Molero (1977), Dinis Machado (n.1930) construía, através do seu pseudónimo literário e «disfarçado de policial de bolso», uma galeria fascinante de personagens (Lucky Cassino, Johnny Arteleso, Eddie Piano ou Charlie di Luca, só para citar alguns do primeiro volume da trilogia) que se movimentam num universo repleto de referências – das suas referências, os filmes negros dos anos 40 e 50, a obra de Orson Welles, de James Cagney, etc. –, como recorda Maria da Piedade Ferreira, editora da Oceanos, que trabalhou com o jornalista e escritor durante mais de 10 anos. E no centro desse universo está Peter Maynard – não é inocente a ligação ao conto «Pierre Ménard, Autor do Quixote», de Jorge Luis Borges –, assassino profissional a contas com uma úlcera, anjo vingador entre as sombras, justo entre os injustos e que, no intervalo dos seus monólogos, ouve Mozart e Debussy, lê Céline, Ionesco ou Walt Whitman e cita John Huston e Howard Hawks. Só não sobrevive a um triângulo amoroso: Olga, a Beretta e um copo de leite. 
«Montálban pode ficar descansado», acrescenta José Xavier Ezequiel no posfácio, «nunca ninguém vai perceber que, quando Pepe Carvalho nasceu, já Peter Maynard comia pão com côdea.»  [JP] [LER 72]
 
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«Let’s get out of here»


[Dinis Machado recordado por Maria da Piedade Ferreira, na LER 72]

«Let’s get out of here», dizia ele, era a frase que mais se ouvia nos filmes americanos. Ele, o Dinis Machado, foi meu colega de trabalho e meu amigo – meu amigo ainda é – durante mais de 10 anos.
Conheci-o na Íbis, uma editora que ficava algures na Venda Nova, e onde ele era editor da revista Tintin e de livros policiais e de cowboys, nos idos de 68. Eu passei a traduzir in­ve­rosímeis livros onde o herói às vezes morria na página 20 para ressuscitar na página 53 e foi assim que entrei, pela ­porta das traseiras e pela mão do Dinis Machado, no mundo da edição. Foi também nessa colecção, com um pseudónimo «ameri­cano», que ele publicou a trilogia policial que agora ­é reeditada pela Assírio e Alvim.

Mais tarde partilhámos a mesma sala durante muitos anos sem eu saber que para além dos seus múltiplos interesses, que iam da literatura e do cinema, de preferência americano, à Volta a Portugal em Bicicleta, que acompanhara muitas ­vezes enquanto jornalista, ou ao futebol, ele estava a escrever um livro, de que nunca falava e que mais tarde me mostrou para saber a minha opinião. Era O Que Diz Molero e foi um choque. Um choque primeiro para mim, quando o li, e depois para o Dinis Machado, quando o sucesso lhe desabou em cima.

Tudo começou com um artigo do Luís Pacheco e a partir daí foi uma onda que não parava de crescer. O Dinis Machado foi, nessa altura, e com razão, um homem feliz. Ainda hoje O Que Diz Molero é lido por novas gerações e eu, que o reli há pouco, não lhe encontrei nem uma ruga de idade.

Mas falando ainda do Dinis Machado que então conheci, era um homem discreto, grande fumador, dado a raras mas tempestuosas fúrias, que passavam depressa, mas também a uma grande ternura pelas pessoas de quem gostava, especialmente a mulher e a filha e os amigos que vinham já da infância no Bairro Alto e que ele conservava. Era um admirador incondicional do Citizen Kane, que conhecia pormenorizadamente, de Orson Welles ou de James Cagney, dos filmes ­negros dos anos 40 e 50, e era capaz de falar deles entusias­ticamente. Numa época em que a minha geração se interessava par­ticularmente pela literatura e pelos filmes franceses, ele mantinha-se fiel às suas paixões de sempre.
Aprendi muito com ele e recordo com muita saudade os tempos em que convivíamos diariamente, os mais felizes ­como os mais difíceis, os do sucesso e os da ressaca do sucesso.
Um beijo amigo, Dinis Machado e let’s get out of here!
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biografia
Dinis Machado
http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=8058
Escritor. Iniciou a sua carreira como jornalista desportivo e crítico de cinema. Trabalhou nos jornaisRecordNorte DesportivoDiário Ilustrado e Diário de Lisboa. Organizou nos princípios dos anos sessenta os primeiros Ciclos de Cinema da Casa da Imprensa e fez crítica cinematográfica na revistaFilme. Nos anos setenta foi director, com António Ramos, da edição portuguesa da revista de banda desenhada, Spirou. Sob o pseudónimo de Dennis McShade deu a lume três romances policiais. Traduziu, com Rita Alves Machado, Truman Capote (Um Natal, 1983).

Sobre o seu romance O Que Diz Molero – grande êxito editorial, traduzido em várias línguas e objecto de uma versão teatral de Nuno Artur Silva – afirmou Eduardo Lourenço tratar-se «de um livro-chave do nosso tempo». António Mega Ferreira considerou-o o «mais importante texto de ficção que se publicou em Portugal nos últimos anos [...] páginas miraculosamente repletas de sinais da mais bela, inteligente e emocionada escrita produzida por um escritor português na década de 70.» E Luiz Pacheco fala de «uma cavalgada furiosa de episódios, uma feira, um tropel de gente, uma festa popular de malucos e malucas, tudo chalado, uma alegria enorme quase insensata, o sintimento nos momentos doloridos mas tudo tão próximo de nós e tão naturalmente reproduzido na escrita.»
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. V, Lisboa, 1998
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http://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=309