14/03/2014

7.651.(14mar2014.7.7') Karl MARX


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Nasceu a 5maio1818
e morreu a 14mar1883
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"Se o homem é formado pelas circunstâncias, é necessário formar as circunstâncias humanamente"
K. Marx e F. Engels, A Sagrada Família
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5.5.2018
a 5 de Maio de 1818 nascia Karl Heinrich Marx.
Marx para os amigos e inimigos.

Juntamente com Friedrich Engels publicou, em 1848, o Manifesto do Partido Comunista, onde se podem ler as seguintes frases que viriam a abalar o mundo:
Um espectro abala a Europa - o espectro do comunismo.
Os proletários nada têm a perder, a não ser as suas correntes. Proletários de todos os países, uni-vos!

As edições Avante! dispõem de uma vasta colecção das obras de Marx, que podem ser adquiridas online no site das edições Avante!
Sugerimos, para quem ainda não o conhece, a edição comemorativa do bicentenário do seu nascimento:
«Karl Marx – Pequena Biografia» de Evguénia Stepánova
 http://www.editorial-avante.pcp.pt/index.php?option=com_virtuemart&page=shop.product_details&flypage=shop.flypage&product_id=326&Itemid=42&vmcchk=1&Itemid=42
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19jun2018
«Se tivermos escolhido a posição na vida na qual mais podemos fazer pela humanidade, não haverá dificuldades que nos possam vergar, porque são sacrifícios para o bem de todos; não desfrutamos de pequenas alegrias limitadas e egoístas, pelo contrário, a nossa felicidade pertence a milhões de homens […].»
K. Marx, Reflexões de Um Jovem Perante a Escolha de Uma Profissão, 1835
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8jun2018
 Foto de Partido Comunista Português.
 «A experiência demonstra por toda a parte que o melhor meio para libertar a classe operária da hegemonia dos velhos partidos consiste em fundar em cada país um partido proletário com a sua própria política, com uma política que se distingue visivelmente da política seguida pelos outros partidos, por isso mesmo que deve exprimir as condições da emancipação da classe operária. As particularidades desta política podem variar consoante as circunstâncias particulares dos diferentes países. Mas pelo próprio facto de que as relações fundamentais entre o capital e o trabalho são por toda a parte as mesmas, que por toda a parte subsiste o poder das classes possuidoras sobre as classes desfavorecidas, os princípios e o objectivo da política proletária serão idênticos, quando menos em todos os países ocidentais.»

K. Marx, «Comunicação ao Conselho Federal Espanhol da Associação Internacional dos Trabalhadores», 13 de Fevereiro de 1871

 https://www.facebook.com/pcp.pt/photos/a.1933687580283897.1073741828.1548718718780787/2052931188359535/?type=3&theater
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24 e 25 fev2018
José Barata Moura
https://www.youtube.com/watch?time_continue=6554&v=bQaOw8QRIaE




Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática da realidade



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37:21
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DA UTOPIA DOS MUNDOS SONHADOS
À TRANSFORMAÇÃO PRÁTICA DAS REALIDADES.
1. Tema.
Escolhi para título da minha palradura de hoje: «Da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades»1.
Penso que esta formulação – em programa consequentemente desenvolvida – se apresenta como susceptível de traduzir aquele movimento específico que funda a teoria marxista do socialismo, e que, desde o fundo, interpela.
Nos termos sedimentados em que Marx o aborda, e concebe, o socialismo deixa de se cristalizar numa «aspiração» para se converter em transpiração.
Não dispensa os suores na viagem. E na viragem.
Implica um trabalho humano da história: no trânsito da representação peitoral de uns «ideais» generosos (pelos quais visionariamente se anseia) à materialização prática de revolucionamentos necessários (na sua possibilidade real, e no seu ângulo eficaz de incidência, compreendidos).
Esta inflexão, de ordinário, é interpretada de modo redutor. Como uma simples mudança de domicílio: abandonam-se os etéreos aposentos idílicos da «teoria», para um banho de imersão agreste nos aquários agitados da «prática».
Quando o essencial – para abreviatura cómoda – devém pormenor de somenos, a «trajectória» parece que aponta num sentido aparentado. Porém, torna-se imprescindível não elidir, nem esquecer, a complexidade maior que ela carrega no «trajecto».
Não se trata apenas de «levar à prática» um acervo doutrinário, anteriormente fruto de melancólica cogitação delicada, e de fervoroso desejo ardente. Trata-se, sim, de promover o assentamento da própria teoria em alicerces dialecticamente materialistas– onde a transformação material consciente se inscreve –, e a cuja luz os itinerários da prática se esclarecem: no horizonte, e na caminhada.
O pensamento e a acção de Marx proporcionam contribuições inestimáveis – e decisivas – neste roteiro de tarefas em desafio.
Ajudam a compreender, na trama dos seus meandros, a radicação dos processos, para na respectiva dinâmica revolucionariamente intervir.
Ajudam. E muito. Mas não substituem: nem o estudo das realidades entretanto transformadas, nem o combate comunista pelo avanço na sua transformação.
Por isso com justeza lhe comemoramos o segundo centenário do nascimento.
Não como um piedoso exercício de agradecida memória pelo património impar que edificou. Mas para efectivo cumprimento – numa obra que se prolonga – do legado que às nossas lutas continua a entregar.
Na esteira de Marx, passamos a dispôr de um balcão de perspectiva enriquecido para uma transformação do mundo que nos incumbe levar a cabo:
Na diferença dos tempos, no diferenciado labor da nossa temporalidade, e com a exigência de, a tempo, lhe ir introduzindo as diferenças que se impõem.
2. Nos alvores da Modernidade.
«Utopia» – enquanto palavra – fala um grego renascido na Modernidade.
O vocábulo saiu das forjas de Thomas More, martelado num latim helenizante a partir de «não lugar», para, noutro transgénico lexical oriundo da mesma engenharia, significar: «Nenhures» (Nusquama)2. Foi posto em circulação por 1516.
O nosso João de Barros, em 1563, já lhe apreendera – enquanto livro – a trança dos significados: a Utopia de More é uma «fábula moderna», em que ele quis ensinar aos ingleses como se haviam de governar.3.
O impacte da obra foi tal, que passou a designar – retrospectivamente, e para diante – um género literário específico, onde a incidência política toma o viso de uma narrativa «maravilhosa».
Platão vê-se reinterpretado como enfileirando sob essa insígnia4, e Étienne Cabet explana o seu icariano «sistema» (système) social, político, e filosófico – de assumidos contornos «comunistas» – na forma de um «romance» (roman) que expressamente de Thomas More se reivindica5.
A utopia dos mundos sonhados não se reduz, porém, à mera divagação pelo onirismo fantasista.
O discurso utópico cruza os céus referido a um «Além», que em parte alguma do globo conhecido tem estadia6. Mas levanta o voo a partir de situações determinadas de um «aquém», apercebido como manifestamente insatisfatório:
As contrastivas que se estabelecem – ou se deixam tão-só sugeridas – relevam de uma crítica do existente, imbuída de uma vontade de superamento das suas misérias e defeitos.
Thomas More – do mesmo passo que desanca a ociosidade dos senhores feudais que vivem da insaciável sugação do trabalho servil7, e que denuncia as «maquinações» (machinamenta) dos ricos para converter em Lei geral da res publica aquilo que apenas aos seus interesses privados convém8 – verbera igualmente, em tom irónico, a expulsão dos camponeses das terras, a fim de incrementar os ganhos com o comércio da lã (que, entretanto, atingira preços apetitosos no mercado):
«As vossas ovelhas […], que são tão mansas e que se costumam alimentar de tão pouco, agora (ao que dizem) começaram a ser tão vorazes e indómitas que devoram os próprios homens, devastam e despovoam os campos, as casas, as povoações.»9.
Será de interesse notar que é esta, precisamente, a passagem que Marx retém, quando alude a More10, e não – ao arrepio do que alguns estariam à espera – aquelas digressões acerca do humanitarismo «comunista» vigente na sociedade «perfeita» dos Utopianos, onde «todas as coisas são de todos» (omnia omnium sunt)11, de acordo, aliás, com uma ancestral fórmula canonicamente transmitida 12.
Alertando, todavia, para os destemperos de uma aproximação forçada, lembro ainda que não é de excluir que pelas conhecidas afirmações que rematam o Manifesto – dada a situação em que se encontram, os proletários não têm nada a perder, mas «um mundo a ganhar»13 – reverbere algum eco longínquo de uma fina observação que More deixara escapar em formas interrogativas:
«Quem [é que] se empenha [studeo] mais afincadamente [intentius] na mutação das coisas, senão aquele a quem o estado presente da vida menos que tudo [minime] agrada? Ou, em suma, de quem [é} o ímpeto mais audaz para conturbar [conturbo] todas as coisas, na esperança de daí lucrar [spe alicunde lucrandi], senão daquele que já nada [nihil] tem que possa perder?»14.
Embora desprovidos de mediação explicitada que os cimente, estes elementos avulsos sinalizam a maneira como Marx aborda o tema da «utopia».
Trata-se sempre de um fenómeno historicamente situado, cuja significância lhe advém do recorte crítico e da pulsão trans-gressora, a que os entusiasmos da vidência futurante apenas servem de veículo.
Na verdade, para Marx, o utopismo só pode ser devidamente criticado depois de compreendido nas diferentes inserções mundanas em que concretamente se manifesta. Porque as circunstâncias que ele reflecte, os movimentos que acompanha, bem como as perspectivas que projecta – para não falar dos «resultados» a que aporta –, não são abstractamente, em qualquer eventualidade, os mesmos.
Apesar de todas as deficiências que carrega, de todos os enganos que precipita, de todas as ilusões que alimenta e prodigaliza – cuja origem tem, em cada caso, que ser investigada –, o pensamento «utópico» (sobretudo, em certas fases embrionárias de um processo histórico determinado) não deixa de se apresentar, distorcidamente, como «a expressão teórica do movimento prático» (der theoretische Ausdruck der praktischen Bewegung)15. E é nessa contraditória valência material que importa que ele seja surpreendido, para que possa vir a ser ultrapassado.
A «utopia» não é motor de propulsão – como muitos apressadamente julgam –, mas sintoma de um «mau-viver» que aflige, e com o qual os que nela buscam alívio não encontram outra forma de lidar.
3. Quando as situações se agravam.
Não pode causar espanto que, com a sedimentação das relações burguesas, e o desenvolvimento do próprio modo capitalista de produção, o utopismo vá assumindo na coloratura traços «socialistas» crescentes:
Em contraponto à ganância desenfreada de um proprietarismo estridente entoado em clave «egoísta» maior, e desprovido de contemplações no frenesim da extorsão dos ganhos.
De feição genericamente «humanitária» no endereço intelectualizado proposto, mas contando com audiência e impacte entre as classes laboriosas: já proletarizadas, ou em acelerado caminho de proletarização.
E assumindo um figurino em consistente linha com o estádio de maturação ainda rudimentar dos processos objectivos em curso, e das forças sociais que lhes sofriam no dia-a-dia os efeitos mais gravosos.
Hegel havia saudado nos ordenamentos consagrados pela Revolução Francesa o advento de uma era em que o mundo da sociedade passara finalmente a ser comandado pela «cabeça» (Kopf)16. Engels explicará, com justeza, que «este reino da razão não era mais do que o reino da burguesia idealizado» (dies Reich der Vernunft weiter nichts war, als das idealisirte Reich der Bourgeoisie)17.
Entretanto, em cadência de acelerado, a realidade experimentada ia desocultando o reverso das idealizações, o qual comprovava o desordenamento implantado, em que as coisas transcorriam de «pernas para o ar».
Saint-Simon constata que a sociedade coetânea é «o mundo invertido» (le monde renversé), onde aqueles que carecem do necessário ainda abdicam de uma parcela do pouco que lhes resta para engordar uma casta de grandes proprietários que regorgitam de superfluidades18.
Charles Fourier põe a nu as contradições da «civilização» (civilisation) de que os burgueses se ufanam – mas que ele define como «uma guerra do rico contra o pobre» (une guerre du riche contre le pauvre)19, onde se tolera que «a pobreza nasça da própria abundância» (la pauvreté naisse de l’abondance même)20 –, convidando os humanos a que, quanto antes, dela desertem21.
Robert Owen denuncia a degradação em massa das condições de trabalho e de vida dos proletários (homens, mulheres, e crianças) nas insalubres fábricas de Inglaterra, e mostra um condoimento sincero pela infausta sorte que os aflige, e os torna presa fácil dos abusos mais desvergonhados22.
Em suma, como Pierre Leroux sintetiza, na «ordem dos burgueses» (ordre des bourgeois), «o dinheiro é tudo» (l’argent est tout), a sociedade não tem outro princípio que não seja «a satisfação do negócio deles» (la satisfaction de leur négoce), e, por isso, no quadro vigente – usando de uma metáfora shakespeareana de que Marx também se servirá em O Capital23–, o judeu Shylock «tinha razão em querer talhar carne humana» (avait raison de vouloir tailler de la chair humaine), uma vez que, por contrato, ele a tinha comprado24.
Este «estado civilizado» (état civilisé) da burguesia é – como também Fourier refere – um «mundo às avessas» (monde à rebours), onde «a mentira» (le mensonge) e «a indústria repugnante» (l’industrie répugnante) imperam. Por conseguinte, há que pôr o mundo «a direito» (à droit sens), passando, sem demora, àquele «estado societário» (état sociétaire) que se funda na «verdade» (vérité) e na «indústria atraente» (industrie attrayante)25.
Está montado o cenário para as reformações socialistas subirem ao palco.
E, nos alambiques da cogitação generosa, iam-se aprontando os destilados subtis que haveriam de trazer definitivo remédio às maleitas.
Para Saint-Simon, «todos os homens trabalharão»26, porque é a única maneira de prover cabalmente às necessidades sociais27, pondo cobro à parasitagem constatada dos «mandriões» (fainéants) que, roubando, «vivem do trabalho de outrem» (vivent sur le travail d’autrui)28.
Este «novo sistema de organização social» (nouveau système d’organisation sociale) – cientificamente desenhado, em moldes igualitários e fraternos – assumirá o figurino de uma verdadeira «associação» (association)29, estribada num casamento da intelectualidade e dos «industriais»30, que constituem a genuína massa maioritária dos «produtores» da nação, e dos quais se espera uma iminente entrada decisiva, enquanto partido da «regeneração», nos tablados da «política»31.
A incitação bíblica era conhecida: «procurai, e encontrareis»32.
Fourier entende que lhe deu cumprimento cabal, e por isso acha que a doutrina que formula é «a teoria do único homem que procurou e encontrou» – «la théorie du seul homme qui ait cherché et trouvé»33.
Declarando enfaticamente estar já na posse do «livro dos destinos» (livre des destins) – não apenas do mundo social, mas da cosmologia inteira –, Fourier prontifica-se então a revelar ao género humano aquela ciência certa que permite pôr de pé «a teoria da Harmonia universal» (la théorie de l’Harmonie universelle)34 que, por intermédio de «duas invenções» (deux inventions) cuja autoria reivindica35 – «a Associação agrícola» (l’Association agricole)36 e uma organização do trabalho matematicamente construída segundo «séries passionais» (séries passionnelles)37 –, terá por regra a observar, e por infalível resultado na ponta: «enriquecer todas as classes de cidadãos, sem empobrecer nem espoliar nenhuma» (enrichir toutes les classes des citoyens, sans en appauvrir ni spolier aucune)38.
Cimento estruturante destas pequenas sociedades «harmonianas» será, portanto, um interclassismo graduado: uma «associação de «interesses» entre as classes – «rica, média, e pobre» (riche, moyenne, et pauvre) –, em que rancores e lutas se esfumariam39, por, sem quaisquer concessões a um «comunismo» que se repudia como discurso vão40, haver, nos assentamentos modelares desta maneira instituídos, diversificado trabalho atractivo, e sábia retribuição justa, para todos41.
O abandono da desgraçada e vil «civilização» burguesa, mediante a passagem ao «estado societário», é encarado como um problema de mera «opção»42, a efectivar num repente, assim que junto dos «capitalistas e proprietários» (capitalistes et propriétaires) – reticentes à «ideia de uma nova ordem social» (idée d’un nouvel ordre social), mas susceptíveis de serem devidamente convencidos das asseguradas vantagens a retirar da participação no empreendimento43 – se angariem os fundos financeiros indispensáveis à criação dos colonatos44.
Uma vez instituída «a Falange experimental» (la Phalange d’essai)45, e seguidos à risca os preceitos por Fourier enunciados46, abrem-se em definitivo as portadas do paraíso para a vida nova, a qual, aliás, num colorido florilégio de «pinturas antecipadas da felicidade próxima» (peintures anticipées du bonheur prochain)47, devém objecto já de regulamentação minuciosa, assente numa catadupa delirante de cálculos e de miúdas especificações48.
Os conteúdos determinados, e as concepções de enquadramento, variam. Mas o surto de futurações desenvolve-se na base de um conjunto de atitudes – críticas do existente, e utopicamente propositivas – que partilham flagrantes traços comuns.
Depois de, para uso na Europa e na América, desenhar filigranados planos de «aldeias agrícolas» (agricultural villages) e de «comunidades associadas» (associated communities) – todas elas fundadas «no princípio de trabalho, despesa, e propriedade, unidos, e de privilégios iguais» (on the principle of united labour, expenditure, and property, and equal privileges)49 –, Robert Owen chega mesmo a redigir uma obra, expondo os alicerces e a esquadria de «um Novo Mundo Moral» (a New Moral World), onde, pela re-criação educativa do «carácter» dos seres humanos, se edificaria, para todos, uma sociedade de riqueza, de harmonia, e de felicidade, incapaz de conhecer retrocessos, e aberta a um progresso sem limites50.
William Thompson – um economista irlandês de tendências socializantes, no qual Marx divisava «uma combinação contraditória de Godwin, Owen, e Bentham»51 –, por seu turno, também aspira a fundar numa «Ciência Social genuína» (genuine Social Science), susceptível de remover o reinante concorrencialismo individualista assente na «degradação» (degradation) mútua52, ou seja: «o Sistema Co-operativo de Indústria» (the Co-operative System of Industry) por ele proposto, em consequência do qual «todos os trabalhadores se tornam capitalistas» (all laborers become capitalists)53.
4. Utopismo e história.
Estes, e muitos outros, projectos não podem ser lidos e interpretados fazendo abstracção do momento, das condições, dos desígnios, em que foram produzidos. E também não é desse modo – formalista no sobrevoo – que Marx os examina, e avalia.
A conhecida vinculação que Lénine estabelece entre as afirmações do marxismo e a contextura historicamente concreta à qual se reportam é por inteiro pertinente, porquanto reflecte tão-só uma exigência constitutiva daquele proceder que é próprio da dialéctica materialista54.
Os pronunciamentos de Marx acerca da «utopia» têm que ser vistos a esta luz: não ocorrem no ambiente esterilizado de uma mera confrontação descarnada de ideatos doutrinais.
Daí que, designadamente, já na Miséria da Filosofia, fique posta em destaque a articulação que subsiste entre um determinado nível de amadurecimento das realidades no seu devir (com as figuras correspondentes que os combates sociais nelas assumem) e as formas de consciência teorizada que as procuram perspectivar desde um incipiente ponto de vista de classe.
Para compreender, com acuidade rigorosa, os estádios que a própria produção utópica atravessa, este entrelaçamento torna-se crucial:
«Enquanto o proletariado não está ainda suficientemente desenvolvido para se constituir em classe; enquanto, por conseguinte, a própria luta do proletariado com a burguesia não tem ainda um carácter político; e enquanto as forças produtivas não se desenvolveram ainda suficientemente no seio da própria burguesia para deixar entrever as condições materiais necessárias [les conditions matérielles nécéssaires] à alforria do proletariado [à l’affranchissement du prolétariat] e à formação de uma sociedade nova: estes teorizadores [ces théoriciens, imbuídos de socialismo e de comunismo no anseio] não são senão utopistas que, para obviar às precisões das classes oprimidas, improvisam sistemas e correm atrás de uma ciência regeneradora.»55.
A «mentira» de um presente «falso» que se constata e sofre – mas do qual se desconhecem as razões objectivas do surto –, há-de, assim, ser refutada, e combatida, pela reiteração (subjectiva) de um conjunto de «Valores» imutáveis (o padrão «exterior» de «medida»), que os corações ainda não por completo pervertidos vagamente sentem, mas que na «cientificidade» de um saber que os clarividentes descortinam, e expõem, encontra definitiva morada.
Como Engels, em referência ao «modo de ver dos utopistas» (Anschauungsweise der Utopisten) – que dominou boa parte do pensamento social da centúria de oitocentos –, sublinha:
«O socialismo é, para eles todos, a expressão da Verdade absoluta, [da] Razão, e [da] Justiça, e precisa apenas de ser descoberto para, por força própria, conquistar o mundo; uma vez que a Verdade absoluta é independente [unabhängig] de tempo, espaço, e desenvolvimento histórico humano, é mero acaso [Zufall] quando e onde ela seja descoberta.»56.
E, aqui precisamente, Engels trata de recuperar um ponto central das abordagens marxistas, desde A ideologia alemã assinaladas, e que no Manifesto se consolidaram57.
O socialismo – enquanto exame crítico, e transformação material, de um aflitivo existente que impera – não é «um Ideal» (ein Ideal), nem uma doutrina que no mercado das ideias esteja a concurso com outras concepções e figurinos. Radica na materialidade de um ser que – histórica e socialmente – ganha corpo nas vicissitudes e contradições de um modo determinado (capitalista) de produção do viver:
«Para fazer do socialismo uma ciência, ele tinha primeiro que ser colocado num chão real [auf einen realen Boden].»58.
Objectivamente, e subjectivamente.
Pela consolidação objectiva – entretanto, verificada – de um solo desenvolvido, susceptível de alicerçar a possibilidade material dos revolucionamentos exigíveis que (como negação a efectivar) com-porta; e, pela capacidade subjectiva de, partindo desse embasamento na contraditoriedade ínsita no devir das realidades, conceber, e praticar – mobilizando as forças pertinentes para o efeito –, as transformações necessárias.
Assim como o pensar da revolução, para surgir, requer a existência histórica de uma classe revolucionária59, assim também o socialismo, enquanto teoria amadurecida e tempestiva, não dispensa um determinado grau de maturação dos tempos, que o habilite a surpreender na estrutura do real, e a aprontar nas dinâmicas de que ele se entretece, as condições do empreendimento reconfigurador.
O utopismo de feição socialista, nos seus alvores matinais, corresponde às fases rudimentares do processo em que desponta, e que ao seu jeito reflecte. Os desconchavos e as malfeitorias, que ao redor se patenteiam – e que a indiferença dos dominantes como «normalidade» assume, ou como inevitáveis «danos colaterais» hipocritamente absolve –, são objecto de denúncia implacável e de indignados protestos. Ele padece, porém, de uma falta que lhe determina o viso, e acentua a debilidade nos enfoques.
Como, uma vez mais, Engels justificadamente faz notar:
«O socialismo até agora criticava decerto o modo capitalista de produção subsistente e as consequências dele, mas não o podia explicar [erklären] e, portanto, também não [podia] acabar com ele [mit ihr fertig werden]; podia apenas simplesmente rejeitá-lo como mau [als schlecht].»60.
Condenar moralmente a imediatez circundante não basta para que o deplorado se torne inteligível nos andaimes de objectiva realidade dialéctica que o sustentam, e sobre os quais uma qualquer mudança efectiva tem que incidir. Da mesma forma que justaporao existente (repudiado) uma «alternativa» (imaginada como desfecho) não é promover – nem na raiz, nem no trânsito – aquelas alterações que materialmente conduzam a um funcionamento societário em base diferente, e com outros horizontes de respiração.
Coube, na verdade, a Marx – e, em rigor, a Engels também – dar um passo decisivo nesta busca de fundamento compreendido para uma transformação trabalhada do mundo.
De um mundo que, na peripécia do seu devir – e não como «apoteótico» final da história –, se nos continua a apresentar estruturadamente regido pela «lógica sistémica» dos relacionamentos capitalistas.
5. Alguns des-cobrimentos.
Marx não inventou o materialismo, nem inventou a dialéctica: mas descobriu que a historicidade é constitutiva da materialidade do ser, em cujo devir a socialidade humana se inscreve, e a prática – enquanto trabalho de transformação material – dialecticamente escreve.
Ontologicamente, o real não se circunscreve de todo à imediatez fenomenalizada do existente, mas comporta, na unidade em que consiste, um concreto de determinações múltiplas em contraditório processo de realização.
É por isso que «toda a ciência seria supérflua se a forma fenoménica [die Erscheinungsform] e a essência [das Wesen] das coisas coincidissem imediatamente»61, e que ao saber fundamentado compete dar dialecticamente conta da «conexão interna» (innerer Zusammenhang) que vincula o aparecente à totalidade concreta que ele integra e onde vai assumindo figuras diferenciadas62.
Por outro lado – e ainda de um ponto de vista ontológico –, a consciência, com os ideatos que elabora e transporta, não se institui como um reduto à parte e que subsista por si, mas está montada sobre um processo efectivamente real de vida63, onde a forma estruturante dos diversificados metabolismos é essencialmente prática64.
É por isso – e não por reverências deslumbradas a um qualquer «economicismo» rasteiro de fresca voga – que o inquérito tem que se debruçar sobre «a economia» (die Ökonomie), ou seja: sobre «o processo de produção» (der Produktionsprozeß) do viver de uma sociedade determinada que, constituindo «a base material do seu mundo» (die materielle Grundlage ihrer Welt)65, define aquele complexo sistema de relações que ela vai edificando e dentro do qual se movimenta.
Marx não inventou as classes, nem inventou a luta das classes: mas descobriu que elas – longe de serem entidades autónomas e estanques – se configuram, e re-configuram, historicamente no quadro lábil de formações económicas da sociedade diferentes, onde, em etapas diversas, desempenham, pela sua intervenção objectiva, papeis acentuadamente distintos66.
Na determinação dos comportamentos de classe com alcance histórico marcante, o primado advém à materialidade do ser – plasmada nos contornos de uma situação vivida –, e não às representações ocasionais, de recorte e tintura imediata e meramente subjectivos, que dela porventura se façam67.
Daí a relevância de um entendimento correcto das próprias condições que levam à composição, e à recomposição, de uma classe «em si», a qual, pelo carácter político das lutas que trava, vai adquirindo a reflexividade de um «para si», que lhe robustece a coesão e o gume nas intervenções68.
Daí também a indispensabilidade de organizar politicamente69, e de conduzir à convergência na acção70, o conjunto das forças sociais susceptíveis de – em cada estádio e contextura – se firmarem como portadoras, e agentes, dos movimentos de efectiva transformação material.
E, prevenindo declamações entusiásticas evitáveis, mais fecundo do que invocar retoricamente ao proletariado «a vocação histórica» (der geschichtliche Beruf) que lhe assiste no «revolucionamento do modo capitalista de produção» (Umwälzung der kapitalistischen Produktionsweise)71 é, porventura, compreender, no seu fundamento, a dialéctica que o converte no «coveiro» (Totengräber) da própria ordem económica que o engendrou72, para, em conformidade, mais eficazmente agir na demorada prossecução dos serviços fúnebres.
Marx não inventou a mais-valia, nem inventou o capitalismo: mas descobriu o segredo daquela exploração (AusbeutungExploitation) que, estando na base, norteia o horizonte da produção e da reprodução do viver social sob a égide dominadora do paradigma capitalista.
Sem rodeios de complacência, nem cosmética nos alindamentos, «a mais-valia» (der Mehrwert) corporiza «trabalho alheio não-pago» (unbezahlte fremde Arbeit): que o capitalista, como detentor do título jurídico de propriedade sobre os meios de produção, mete ao bolso sob a forma de «lucro» (Profit)73, e cuja origem verdadeira a «máscara» do assalariamento «livremente» contratualizado se encarrega de esconder74.
Esta mais-valia «realiza-se» – designadamente, pela troca de «mercadoria» por «dinheiro» – na concorrida e concorrencial esfera da circulação, mas é engendradanos estaleiros remotos da produção75, constituindo entretanto aquela manjedoura abscôndita (mas imprescindivelmente substante) de que «lucro», «renda fundiária», «juro», retiram o alimento apetecido76.
Em conformidade – e ao arrepio do que habitualmente se crê –, «o capital não é uma coisa [eine Sache], mas uma relação social entre pessoas [ein gesellschaftliches Verhältniß zwischen Personen], mediada por coisas»77, no decorrer da qual se opera «o abichamento» (die Ergatterung) privado da mais-valia: que, como «finalidade e motivo impulsionador» (Zweck und treibendes Motiv) se encontra no cerne de toda a produção capitalista (ainda que, de ordinário, ela seja reticente a reconhecê-lo)78, e cuja taxa de bombagem pode servir de indicador útil, na generalidade das situações, para o grau de exploração a que uma determinada força de trabalho se encontra submetida79.
A esta luz – que o espectáculo da imediatez aparente tapa, mas que do fundo das realidades se eleva com desagradável brilho (ao qual certas «vistas mais sensíveis» se mostram porém intolerantes) –, não passa de sacarina ilusão utopista requentada (ou, noutras variações conhecidas, de sacanoso embuste deliberadamente reaquecido para entreter audiências de papalvos propensos à crença) fantasiar de fresco, e repropôr como salvífica palavra de redenção derradeira, um pijama de «socialismo reformativo», em que se prometem uns arejos de redistribuição «mais justa», mas conservam sem belisco as sacrossantas e intocáveis relações capitalistas de produção80.
Os sistemas de repartição de rendimentos podem assumir decerto modalidades históricas diferenciadas – acerca de cujo teor não é despiciendo lutar –, mas encontram-se comandados pela matriz estrutural que preside ao processo de produçãoimperante81. E esta constitui, por conseguinte, a zona de impacte decisiva sobre a qual o esforço de mudança tem articulada e efectivamente que incidir, dissipando a miragem ou o fascínio daqueles que persistem em querer «as condições da vida burguesa sem as consequências necessárias dessas condições»82.
Acresce que a formação económica da sociedade no seu figurino capitalista não é «nenhum cristal rígido» (kein fester Krystall), mas, sim, «um organismo capaz de transformação e constantemente compreendido no processo da transformação» (ein umwandlungsfähiger und beständig im Prozeß der Umwandlung begriffener Organismus)83, em virtude do entramado de contradições84 que – a diversos níveis, e em devir – internamente lhe trabalha as costuras do bojo, e cuja natureza importa estudar, para no concreto das suas possibilidades dinâmicas em sentido revolucionário intervir, sem ficar à espera de que o comboio chegue a uma estação de recolha, percebendo que as relações capitalistas de produção vigentes constituem já um obstaculizante empecilho ao desenvolvimento real das próprias forças produtivas85 e à satisfação efectiva das necessidades sociais (que se não restringem às da procura solvente).
A tratadística económica burguesa gostava de apresentar «a ordem capitalista» (die kapitalistische Ordnung) – que, em rigor de realidade, é «o movimento total desta desordem» (die Gesamtbewegung dieser Unordnung)86 – como «absoluta e última figura da produção social» (absolute und letzte Gestalt der gessellschaftlichen Produktion).
Marx – para desmancho de eventuais prazeres acalentados, e assentamento das lutas pendentes em solo firme – mostra que o capitalismo não só possui uma génese, como corresponde até a «um estádio de desenvolvimento historicamente transitório» (eine geschichtlich vorübergehende Entwicklungsstufe)87.
6. Mudanças do cenário.
Estes, e outros, descobrimentos – que permitem pôr a nu a estrutura nuclear do mundo capitalista, e surpreender, na própria contraditoriedade do movimento que com-porta, o leque accionável de possibilidades materialmente negadoras que conduzam à edificação do viver social noutros moldes – não inventam piruetas miraculosas para um final apoteótico (já coreografado, e garantido), mas destapam os caminhos pedregososa uma saída trabalhada.
Estamos, na verdade, perante uma modificação radical dos cenários e da oficina, no que toca ao empreendimento das transformações.
Os panegiristas do estabelecido trancam os postigos da mudança, apressam-se «a santificar como lei o subsistente» (das Bestehende als Gesetz zu heiligen)88, e erigem as relações capitalistas de produção – que, entretanto, suplantaram as da feudalidade – em institutos «naturais» (naturels) e «eternos» (éternels), pelo que, para apaziguamento das angústias em sobressalto e tranquilização geral das hostes dos crentes: «houve história, mas não há mais» (il y a eu de l’histoire, mais il n’y en a plus)89.
O «socialismo» de obediência «reformada», no encardido da sua conservadora declinação burguesa corrente e conhecida, admite que se introduzam «melhoramentos administrativos» (administrative Verbesserungen) avulsos, mas desde que não ponham em causa o sistema produtivo instalado, até porque – morigerados na ganância, e remetidos à sua benemérita função de empregadores – «os burgueses são burgueses» (die Bourgeois Bourgeois sind), como se sabe, «no interesse da classe trabalhadora» (im Interesse der arbeitenden Klasse)90...
Nas escrituras e nos laboratórios da utopia, ficciona-se o «já transformado» na imagem paradigmática de um «dever-ser» que às misérias do «ser» é contraposto, ou em escala reduzida ensaiado. Não se pensa o embasamento material da «passagem», nem as mediações que praticamente a operam.
E o momento em que o bafo fantasista é soprado faz toda a diferença.
Os patriarcas do utopismo médio91 – pressentindo embora o vector socialista que a crítica do mundo burguês teria que assumir, mas carecendo de ferramenta adequada para no funcionamento dele inteligivelmente penetrar, e incapazes ainda de apreender no seu alcance pleno as lutas operárias em curso numa realidade capitalista incipiente – circunscreviam o seu desejo de transgressão «a uns sonhos acerca da sociedade modelodo futuro» (a dei sogni sulla società modello dell’avenire)92.
Os epígonos de colheita tardia, ao reeditarem em condições agora amadurecidas (onde o conhecimento cresceu, e a luta de classes se agudizou) o receituário dos antigos patronos, tornam-se, a despeito das exaltações do verbo93, não apenas retrógrados, mas confrangedoramente «reaccionários»94.
Os «consagracionistas» mais retintos repudiam a ideia sequer de um mutamento, que aos «reformadores» de meia-tinta parece aceitável, na condição peregrina de ele nada mudar de essencial.
As «utopias», de coloratura variada, conseguem a triste proeza de converter «o desejado» numa «impossibilidade» real, na medida em que, como já Hegel advertira95, com as suas anelantes transfigurações visionárias, despedem as realidades e saltam por cima de tudo aquilo que até ele poderia conduzir.
É numa paisagem, a traço grosso, definida por parâmetros desta índole que Marx e Engels vêm, não apenas «dizer», mas mostrar, que a transformação efectiva é mesmo possível:
Não por desígnio da «Providência» inquebrantável ou «fatalidade» de quaisquer maquinismos, não por decreto soberano da vontade ou excitação intensiva do desejo, mas porque lhe assiste um fundamento material que dialecticamente cita e, con-cita, o trabalho operário das remodelações.
A esta luz, e no prosseguimento destas tarefas – teórica e praticamente suadas –, há-de entender-se, assim, «uma garantia» (eine Versicherung) que Marx presta quanto às concepções que subscreve, e que não raro, de vários púlpitos pregadas e para efeitos contrários brandidas, continuam a ser distorcidamente apresentadas:
«O comunismo alemão é o adversário mais decidido de todo o utopismo [der entschiedenste Gegner alles Utopismus] e, muito longe de excluir o desenvolvimento histórico, fundamenta-se antes nele»96.
A «transformação» pode ser objecto de sonho, e até mesmo ver-se incluída num cardápio de «ideais» generosos, mas não se transforma o mundo pulando para fora do real, ou esbracejando nele num ataranto de apalpadelas ao sabor dos cataventos.
Transforma-se o mundo, na sua realidade, trabalhando-lhe a entranha. De molde a remover da existência os impedimentos que inviabilizam que ele de outra maneirapossa ser, e a criar para uma vida humana dos humanos – colectiva, e de cada um – condições enriquecidas de humanização.
É neste estaleiro de obras que o socialismo militante e revolucionário – mesmo nos períodos de maré-baixa – desdobra, e exerce, a sua carteira de ofícios.
7. Coda.
De acordo com a encomenda que presidiu ao escalonamento dos temas para esta Conferência, era suposto que eu falasse da filosofia em Marx.
Sobretudo a partir de uma dada altura, por 1845, em que as vertentes-mestras do desenho ganharam solidez no encaixe, Marx não fala muito da filosofia que traz a uso.
Mas – em qualquer área de interesse, e sem prejuízo das especificidades que lhe sejam inerentes – Marx pensa sempre os objectos sobre que se debruça filosoficamente. E num quadro ontológico bem determinado: que prima pela consistência, e que em nenhum exercício de análise pode ser esquecido ou secundarizado.
Com vista a evitar malentendidos frequentados, convém não incorrer, portanto, em certas confusões costumadas.
Do mesmo passo que «ideologia», em muitos contextos, significa «idealismo»97, também, em muitas passagens, a «Filosofia» (sem mais) traduz aquele idealista pendor germânico – na alta cultura coeva, hegemónico – para se deliciar com um umbilical manuseio de ideações, entretido «nesta crença filosófica no poder criador-de-mundo e destruidor-de-mundo dos conceitos» (in diesem philosophischen Glauben an die weltschöpferische und weltzerstörende Macht der Begriffe)98, por completo avesso à, e dissociado da, seriedade implicada em qualquer «estudo do mundo [efectivamente] real» (Studium der wirklichen Welt)99.
Marx ataca, de facto, com uma violência contundente, «a Filosofia», entenda-se: aquelas filosofias que têm domicílio permanente nas correntezas do idealismo. Mas a ontologia, dentro da qual Marx se movimenta para pensar e agir, encontra-se empapada de traços filosóficos: oriundos de uma filosofia outra, entretanto transformada no seu teor, na sua maneira de proceder, nos rumos a que passa a arrimar-se.
O contributo de Marx, e de Engels, para a filosofia – realojada no posto genuíno que reencontra – é susceptível de condensação num enunciado: conceber a unidade de materialismo e de dialéctica, num escopo programático de conferir moldura teórica de assento a intervenções práticas, imediata ou mediatamente, revolucionantes.
E uma nova aclaração se impõe aqui, posto que a semântica do léxico categorial assume valências diversas em horizontes ontológicos distintos.
Hegel havia assinalado já que, «no estudo da ciência» (bei dem Studium der Wissenschaft), o saber tem que arcar com «a canseira do conceito» (die Anstrengung des Begriffs)100, não se restringindo a, nem se satisfazendo com, os meros protocolos da imediatez empírica fixada no «positivamente» dado.
Ainda que num regime idealista (pela bateria de supostos em que assenta), tratava-se de surpreender a dialéctica ínsita no real, nos precisos termos em que, «no pensar concebente» (im begreifenden Denken), «o negativo pertence ao próprio conteúdo» (das Negative gehört dem Inhalte selbst an), quer «como o seu movimento e determinação imanentes» (als seine immanente Bewegung und Bestimmung), quer como «o todo» (das Ganze) que eles constituem101.
A forma filosófica do pensar que Marx e Engels exercitam requer igualmente uma elevação ao «conceito», o que – desta vez, num tabuleiro materialista102– implica a exigência de que o pensado procure reflectir a totalidade dialéctica das determinações materialmente fundadas do patamar de realidade (um ente, um processo, um conjunto de relações) em exame.
É, pois, nesta figura desenvolvida que o compreender se precisa, e vem a ex-pôr: não como um somatório artificioso de «significações» acrescentadas de fora, mas como um abarcamento – concebido – daquela «totalidade rica de muitas determinações e ligações» (reiche Totalität von vielen Bestimmungen und Beziehungen) em que o real na sua concreção deveniente consiste103.
E este ponto permite-nos transitar ao aspecto em que a questão se prolonga, e de que a famosíssima tese onze sobre Feuerbach dá testemunho:
«Os filósofos têm interpretado apenas o mundo de diversos modos [die Welt nur verschieden interpretiert]; trate-se de o transformar [sie zu verändern].»104.
A referência tem inteiro cabimento, mas dispõe de um contexto próximo que, em A ideologia alemã, se aclara.
E – ao invés do que nas ordinárias pressas da leitura fragmentar se imagina – não abrange indiscriminadamente o grémio dos filósofos, nem mesmo na acepção idealistatradicional que se confere ao ministério.
No caso directamente visado, muito em particular, na berlinda estão aqueles entusiastas ferverosos de um «criticismo» jovem-hegeliano com pretensões sociais redentoras, que erigem «A Filosofia» – a deles, claro está – num reformatório espiritual das mentalidades transviadas, confinando a «Revolução» que advogam a este esforço de limpeza das cabeças por câmbio nas ideias.
Como se a substituição dos candeeiros na iluminação pública tapasse os buracos da calçada.
Os estrondosos abalos prometidos pela Crítica crítica, nos seus grandiloquentes anúncios, vêm a redundar, porém, numa insuspeitada, e chã, conservação:
«Esta exigência de transformar a consciência [das Bewußtsein zu verändern] acaba por ir parar à exigência de interpretar o subsistente de outra maneira [das Bestehende anders zu interpretieren], quer dizer: de o reconhecer [como tal, anerkennen] por intermédio de uma outra interpretação [Interpretation].»105.
Ora, para Marx e para Engels, a tarefa não é de todo «santificar» (heiligen) um existente que as mudanças de fraseado deixam incólume, mas, numa certa literalidade, «profanar» (profanieren) o mundo106: transformá-lo materialmente, por uma prática que o combata nos efeitos que fenomenaliza, e revolucione na estruturação.
E, na unidade articulada, e articulante, deste prospecto, o compreender – com filosófico alicerce numa dialéctica materialista – não é dispensado nem entra de licença.
Até porque, desde logo, no que ao viver social respeita, «todos os mistérios» (alle Mysterien) que o enssombram, e asombram, hão-de encontrar «a sua solução racional» (ihre rationelle Lösung) – assumindo aqui o elemento conjuntivo relevância especial – «na prática humana e no conceber dessa prática» (in der menschlichen Praxis und in dem Begreifen dieser Praxis)107.
É tempo de rematar esta fala.
Duas notas muito breves.
Ao arrepio daquilo que alguns piedosamente acreditam, e outros indignadamente apenas supõem – com desígnios, não raro, desencontrados na mira –, enquanto filosofia, o materialismo dialéctico não dá respostas de antemão prontas.
Mas ajuda a pôr de pé um perguntar que, devidamente prosseguido, permite responder:
Aliando a investigação e o estudo – que perscrutam a materialidade dialéctica do ser – a formas consistentemente organizadas de um agir social prático, susceptível de remodelar efectivamente a estrutura e o viso das realidades.
Poderá o acervo estar depositado em calhamaços – que consola imenso saber que existem, mesmo tendo pouca frequentação –, e pode servir até de arranjo floral por arengas de circunstância disseminado.
Mas o materialismo dialecticamente concebido é uma arma para ser usada nos combates.
Convém, por isso, conhecer o armamento. Para lhe dar serventia.
Segunda nota.
Transitar da utopia dos mundos sonhados à transformação prática das realidades foi o programa histórico marxista para o socialismo.
Lembrei-lhe algumas das etapas, e o solo fundamental da amarração.
Nos atribulados da sua trajectória, o trajecto prossegue viagem.
Uma viagem da qual nós não somos apenas passageiros sentados, mas queremos ser operários:
Operadores daquelas transformações que, não estando proibido sonhar, importa, no entanto, ir trazendo à realização.
Na paciência trabalhada de uma esperança, que não se resigna a esperar:
Luta.
E, lutando com uma alegria que tem sentido: vai construindo.
Muito obrigado pela atenção.
Notas
(1) Nota
(2) Trata-se de outra construção engenhosa, a partir do advérbio latino nusquam: «em parte nenhuma».
Para a sinomímia de «Utopia» e de «Nusquama»: Thomas MORE, D. Erasmo (carta de 3 de Setembro de 1516); in Desiderius ERASMUS, Opus Epistolarum, ed. Percy Stafford Allen, Oxford, At the Clarendon Press, 1910, vol. II, p. 339.
(3) «Fabula moderna he a Vtopia de Thomas Moro: mas nella quis elle doctrinar os Ingreses como se auião de gouernar.», João de BARROS, Década terceira da Ásia: Dos feitos que os Portvgueses fezerão no descobrimento & conquista dos mares & terras do Oriente (1563), Prólogo; ed. Jorge Cabral, Lisboa, Jorge Rodriguez, 1628, p. 4 A.
(4) As aproximações entre a República de Platão e a Utopia de More – ainda que sob diferentes ângulos perspectivadas – são recorrentes.
Vejam-se, por exemplo: Jean-Jacques ROUSSEAU, Lettres écrites de la montagne (1764), VI: Oeuvres Complètes, ed. Bernard Gagnebin e Marcel Raymond, Paris, Éditions Gallimard/Bibliothèque de la Pléiade, Paris, 1964, vol. III, p. 810; William GODWIN, Enquiry Concerning Political Justice, and its Influence on Modern Morals and Happiness (1793, 17983): ed. Isaac Kramnick, Harmondsworth, Penguin Books, 19852, p. 729; Immanuel KANT, Der Streit der Fakultäten (1798), II, 10: Gesammelte Schriften, ed. Königlich Preussische Akademie der Wissenschaften (doravante: Ak.), Berlin, Druck und Verlag von Georg Reimer, 19172, vol. VII, p. 93; Johann Gottlieb FICHTE, Der geschlossene Handelsstaat. Ein philosophischer Entwurf als Anhang zur Rechtslehre und Probe einer künftig zu liefernden Politik (1800), Seiner Excellenz Herrn von Struensee: Werke, ed. Immanuel Hermann Fichte, reprod. Berlin, Walter de Gruyter & Co., 1971, vol. III, p. 389; etc
(5) Cf. Étienne CABET, Voyage en IIcarie (1840, 18485), III, I; reimpr. Clifton (New Jersey), Augustus M. Kelley Publishers, 1973, p. 550.
(6) O argumento, em objecção convertido, tinha curso frequentado desde a Antiguidade.
À turba dos recalcitrantes que desqualificavam a ... ideal por não ter existência «em parte alguma da terra» , mas apenas «em discursos» , responde Platão que se trata de um «paradigma» , disponível «no céu» – onde as Ideias se encontram –, e que, «para quem o queira ver» , poderá servir de norma reguladora no «assentar» das sociedades mundanas. Cf. PLATÃO, República, IX, 592 b.
De um modo análogo, Campanella entende a sua «cidade solar», não como «dada por deus» (a Deo data), mas «encontrada por raciocínios filosóficos» (philosophicis syllogismis inventa), com vista a constituir «um modelo a imitar» (exemplum imitandum) nas subsequentes instanciações empíricas. Cf. Tommaso CAMPANELLA, Quaestio quarta de optima republica (1606), Articulus I; La Città del Sole e Questione quarta sull’ottima repubblica, ed. Germana Ernst, Milano, Biblioteca Universale Rizzoli, 1996, pp. 104 e 110, respectivamente.
Torna-se a esta luz compreensível – mas para ao pertinente exame crítico submeter – a frenética preocupação dos «utopistas» posteriores em reivindicar para os «sistemas» respectivos um carimbo de «cientificidade» (mais reclamada do que efectiva).
A título ilustrativo, recordo uma tirada retumbante de Proudhon:
«O nosso maior inimigo, socialistas, é a utopia!» – «Notre plus grand ennemi, socialistes, est l’utopie!», Pierre-Joseph PROUDHON, Système des contradictions économiques, ou Philosophie de la Misère(1846), X; Oeuvres Complètes, Paris, Librairie Internationale, 18673, vol. V, p. 83.
O que de um certo frei Tomás se costuma dizer pode também aplicar-se ao confrade Pedro-José.
(7) «Há, portanto, um número tamanho de nobres que não só passam a vida ociosos como moscardos [que chupam] nos trabalhos de outros, mas ainda, por exemplo, para aumentarem os rendimentos dos seus prédios [agrícolas], esfolam os colonos até à carne viva.» – «Tantus est ergo nobilium numerus, qui non ipsi modo degant ociosi tanquam fuci laboribus aliorum, quos puta suorum praediorum colonos augendis reditibus ad uiuum usque radunt.», MORE, De optimo reipublicae statu, deqve noua insula Vtopia libellus uere aureus, nec minus salutaris quam festiuus [Vtopia] (edição de Basileia, 1518), I; ed. Aires Augusto do Nascimento (doravante: V), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, p. 418.
(8) Olhando o que à volta acontece, More interroga-se sobre se não se estará perante «uma conspiração dos ricos [conspiratio divitum] que, para tratarem dos seus [próprios] proveitos [commoda], em nome e a pretexto [titulus] da república [do Estado, Respublica], inventam e excogitam todos os modos e artimanhas [artes] para, primeiro, conservarem [retineo], sem medo de as perder, aquelas coisas [ea] que por malas artes acumularam, [e,] depois, para comprarem [redimo] para si as obras e os labores de todos os pobres pelo mínimo, e abusarem deles. Estas maquinações, onde alguma vez os ricos as tenham decretado, em nome [do bem] público – isto é, também dos pobres – como sendo de observar, logo se tornam leis.» – «conspiratio diuitum, de suis commodis Reipublicae nomine, tituloque tractantium, comminiscunturque et excogitant omnes modos atque artes quibus, quae malis artibus ipsi congesserunt, ea primum ut absque perdendi metu retineant, post hoc ut pauperum omnium opera, ac laboribus quam minimo sibi redimant, eisque abutantur. Haec machinamenta, ubi semel diuites publico nomine hoc est etiam pauperum, decreuerunt obseruari, iam leges fiunt.», MORE, Vtopia, II; V, p. 668.
(9) «Oues […] uestrae, quae tam mites esse, tamque exiguo solent ali, nunc (ut fertur) tam edaces atque indomitae esse coeperunt, ut homines deuorent ipsos, agros, domos, oppida uastent ac depopulentur.», MORE, Vtopia, I; V, pp. 422 e 424.
(10) «A aristocracia britânica, que por toda a parte substituiu o homem por bovinos [bullocks] e carneiros, será, por sua vez, substituída, num futuro não muito distante, por estes úteis animais. O processo de limpeza das propriedades [clearing estates, mediante o enxotamento da população campesina] – que na Escócia [onde ocorreu, sobretudo, a partir de 1811] acabamos de descrever – foi levado a cabo em Inglaterra, nos séculos XVI, XVII, e XVIII. Já Thomas Morus se queixa dele no começo do século XVI.» – «The British aristocracy, who have everywhere superseded man by bullocks and sheep, will, in a future not very distant, be superseded, in turn, by those useful animals. The process of clearing estates which, in Scotland, we have just now described, was carried out in England in the 16th, 17th and 18th centuries. Thomas Morus already complains of it in the beginning of the 16th century.», Karl MARX,Elections – Finantial Clouds – The Duchess of Sutherland and Slavery (1853); Marx-Engels Gesamtausgabe, ed. Günter Heyden e Anatoli Jegorow (doravante: MEGA2), Berlin, Dietz Verlag, 1984, vol. I/12, pp. 22-23.
Para outras ocorrências de sentido análogo, vejam-se, designadamente: MARX, Zur Kritik der politischen Ökonomie. Urtext (1858), II, 6 (MEGA2, vol. II/2, p. 68) e Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, I, VII, 24, 2 (MEGA2, vol. II/6, p. 648).
(11) Cf. MORE, Vtopia, De religionibus Vtopiensium; V, p. 664.
(12) A ideia dispõe de largo cadastro, sobremaneira, no tocante a sociedades igualitaristas «qualificadas», ou de grupal «comunitarismo» restrito.
Na platónica cidade ideal, estava insituído o princípio de que «os guardiães» não possuem «propriedade nenhuma» : cf. PLATÃO, República, V, 464 bc. E havia notícia de que já Pitágoras estabelecera, na sua congregação, o preceito de que «entre os amigos, todas as coisas [são] comuns»: cf. DIÓGENES LAÉRCIO, Vidas e sentenças dos bem-conceituados em filosofia, X, 11.
Entre os Essénios, «o sentido comunitário» estava tão desenvolvido que se dizia «haver, entre todos os irmãos, um como património só» : cf. Flavius JOSEPHUS, Acerca da Guerra Judaica, II, VIII, 3. Na comunidade cristã primitiva de Jerusalém, recordada porventura destes usos, «todas as coisas [eram] comuns» (..., omnia communia): LUCAS, Actos dos Apóstolos, 2, 44 e 4, 32.
(13) «As classes dominantes podem tremer ante uma revolução comunista. Os proletários não têm nela nada a perder, senão as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar.» – «Mögen die herrschenden Klassen vor einer kommunistischen Revolution zittern. Die Proletarier haben nichts in ihr zu verlieren als ihre Ketten. Sie haben eine Welt zu gewinnen.», MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei(1848), IV; Marx-Engels Werke, ed. IML (doravante: MEW), Berlin, Dietz Verlag, 1974, vol. 4, p. 493.
(14) «Quis intentius mutationi rerum studet, quam cui minime placet praesens uitae status? Aut cui denique audacior impetus ad conturbanda omnia, spe alicunde lucrandi, quam cui iam nihil est quod possit perdere?», MORE, Vtopia, I; V, pp. 464 e 466.
(15) No exame desta problemática – complexa nos ingredientes, e retorsa no seu dinamismo –, torna-se imprescindível ter em conta, designadamente, o momento histórico vivido na sua deveniência objectiva, o posicionamento de classe a que um autor empresta a voz, o papel que à configuração dos ideários advém, e a forma diferenciada em que os próprios ideatos se despositam.
Como, a propósito das transformações nos alvores da Modernidade ocorridas, Marx assinala:
«A abolição [die Abschaffung] das relações de propriedade feudais e a fundação [die Stiftung] da sociedade burguesa moderna não foi, portanto, de modo nenhum o resultado de uma certa doutrina que partisse de um determinado princípio teórico como núcleo [Kern], e daí tirasse ulteriores consequências. Pelo contrário, os princípios e teorias que os escritores da burguesia puseram de pé durante a sua luta com o feudalismo não foram senão a expressão teórica do movimento prático [der theoretische Ausdruck der praktischen Bewegung], e decerto que se pode seguir exactamente como essa expressão foi mais ou menos utopista [utopistisch], dogmática, doutrinária, consoante ela pertenceu a uma fase menos, ou mais, desenvolvida do movimento [efectivamente] real.» – «Die Abschaffung der feudalen Eigentumsverhältnisse und die Stiftung der modernen bürgerlichen Gesellschaft war also keineswegs das Resultat einer gewissen Doktrin, die von einem bestimmten theoretischen Prinzip als Kern ausging und daraus weitere Konsequenzen zog. Vielmehr waren die Prinzipien und Theorien, welche die Schriftsteller der Bourgeoisie während ihres Kampfes mit dem Feudalismus aufstellten, nichts als der theoretische Ausdruck der praktischen Bewegung, und zwar kann man genau verfolgen, wie dieser Ausdruck mehr oder minder utopistisch, dogmatisch, doktrinär war, je nachdem er einer weniger oder mehr entwicklelten Phase der wirklichen Bewegung angehörte.», MARX, Die moralisierende Kritik und die kritisierende Moral (1847); MEW, vol. 4, p. 357.
Sobre este fundo, ganham inteligibilidade acrescida matizes e diferenças concepcionais que não decorrem apenas de flutuações subjectivas na opinação, mas do desenvolvimento histórico das próprias realidades em curso.
Thomas More – com preocupações mais centradas no fomento da produção socialmente útil, e equitativamente distribuída, do que no negócio da finança – refere que os Utopianos «não se servem do dinheiro» (pecunia non utantur), pelo que «não consideram justo» (haud aequum censent) a usura: cobrar a outrem pelo uso do que ao próprio não faz falta. Cf. MORE, Vtopia, II, De peregrinatione Vtopiensivm; V, pp. 530 e 528.
Francis Bacon – ciente já da importância do crédito para uma economia mercantil burguesa que entretanto avançara – debruça-se de preferência sobre os critérios a seguir na morigeração regulamentada do ágio, e assevera aos nefelibatas distraídos:
«É coisa vã [a vanity] conceber que houvesse empréstimo [borrowing] ordinário sem lucro; e é impossível conceber o número de inconvenientes que se seguiriam, se o empréstimo fosse restringido. Por conseguinte, é ocioso falar-se de abolir a usura. Todos os Estados sempre a tiveram, numa, ou noutra, espécie [kind] ou taxa [rate]. Portanto, essa opinião tem que ser recambiada para a Utopia.» – «It is a vanity to conceive that there would be ordinary borrowing without profit; and it is impossible to conceive the number of inconveniences that will ensue, if borrowing be cramped. Therefore to speak of the abolishing of usury is idle. All states have ever had it, in one kind or rate, or other. So as that opinion must be sent to Utopia.», Francis BACON, The Essayes or Counsels, Civill and Morall (1597, 16254), XLI; Works, ed. James Spedding, Robert Leslie Ellis, e Douglas Denon Heath, London, Longman & Co., 1861, vol. VI, p. 475.
(16) Tratou-se de «um entusiamo do Espírito» (ein Enthusiasmus des Geistes), com significado «histórico-mundial» (welthistorisch):
«Desde que o Sol está no firmamento, e que os planetas giram à sua volta, ainda não se vira isto: que o ser humano se coloca sobre a cabeça [auf den Kopf], isto é, sobre o pensamento, e, segundo ele [o pensamento], edifica a realidade [efectiva].» – «Solange die Sonne am Firmamente steht und die Planeten um sie herumkreisen, war das nicht gesehen worden, daß der Mensch sich auf den Kopf, d. i. auf den Gedanken stellt und die Wirklichkeit nach diesem erbaut.», Georg Wilhelm Friedrich HEGEL,Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte (1837, 18402), IV, III, 3; Theorie Werkausgabe, red. Eva Moldenhauer e Karl Markus Michel (doravante: TW), Frankfurt am Main, Suhrkamp Verlag, 1970, vol. 12, p. 529.
(17) Cf. Friedrich ENGELS, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1882), I;
MEGA2, vol. I/27, p. 590.
(18) «A sociedade actual é verdadeiramente o mundo invertido: uma vez que a nação admitiu por princípio fundamental que os pobres deviam ser generosos para com os ricos, e que, em consequência, os menos abastados se privem diariamente de uma parte daquilo que lhes é necessário para aumentar o supérfluo dos grandes proprietários.» – «La société actuelle est véritablement le monde renversé: puisque la nation a admis pour principe fondamental que les pauvres devraient être généreux à l’égard des riches, et qu’en conséquence les moins aisés se privent journellement d’une partie de leur nécessaire pour augmenter le superflu des gros propriétaires.», Claude-Henri de SAINT-SIMON, Lettres aux jurés(1820), I; Oeuvres Choisies, ed. Charles Lemonnier (doravante: OC), Bruxelles, Fr. Van Meenen et Cie Imprimeurs, 1859, vol. II, p. 401.
(19) Cf. Charles FOURIER, Théorie des Quatre Mouvements et des Destinées Générales (1808), III, I; ed. Simone Debout-Oleszkiewicz (doravante: TQM), Paris, Jean-Jacques Pauvert Éditeur, 1967, p. 185.
(20) Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire, ou Invention du procédé d’industrie attrayante et naturelle distribuée en séries passionnées, Préface, I; Paris, Bossange Père – P. Mongie aîné, 1829 (doravante: NMIS), p. 43.
(21) «Sair da civilização para entrar nas vias do bem social!...sair das perfectibilidades perfectíveis a que se chama: Indigência, Velhacaria, Opressão, Carnificina, Excessos climatéricos, Doenças provocadas, Círculo vicioso, Egoísmo geral, Duplicidade de acção.» – «Sortir de la civilisation pour entrer dans les voies du bien social!...sortir des perfectibilités perfectibles qu’on nomme: Indigence, Fourberie, Oppression, Carnage, Excès climatériques, Maladies provoquées, Cercle vitieux, Egoïsme général, Duplicité d’action.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole, I, I, 10; Paris – Londres, Bossange Père/ P. Mongie aîné – Martin Bossange, 1822 (doravante: TADA), vol. II, p. 67.
(22) «Por causas que é desnecessário explicar aqui, o valor do trabalho meramente manual foi reduzido tanto, que o operário [the working man], neste e noutros países, está colocado agora em circunstâncias de longe mais desfavoráveis para a felicidade dele do que o servo ou o vilão estavam no sistema feudal, ou do que o escravo estava em qualquer das nações da Antiguidade.» – «From causes which it is unnecessary here to explain, the value of mere manual labour has been so much reduced, that the working man in this and other countries is now placed under circumstances far more unfavourable to his happiness than the serf or villain was under the feudal system, or than the slave was in any of the nations of antiquity.», Robert OWEN, On the Employment of Children in Manufactories (1818); A New View of Society and Other Writings, ed. John Butt (doravante: NVS), London – New York, J. M. Dent & Sons – E. P. Dutton & Co. (Everyman’s Library), 1972, p. 132.
(23) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 3, 4; MEGA2, vol. II/5, p. 228.
(24) Cf. Pierre LEROUX, De l’individualisme et du socialisme (1834, 18452, 18503), I; De l’égalité, précédé de De l’individualisme et du socialisme, ed. Bruno Viard, Paris – Genève, Éditions Slatkine/ Fleurons, 1996, pp. 45 e 46.
Recordo uma das falas de Shylock, no Mercador de Veneza:
«A libra de carne que eu reclamo dele está [já] comprada caro [dearly]: é minha, e eu hei-de tê-la» – «The pound of flesh which I demand of him, is dearly bought, ‘tis mine, and I will have it», William SHAKESPEARE, Merchant of Venice (1596), IV, 1; Complete Works, ed. Charles Simmons, London, Atlantis University Books, 1980, p. 171.
(25) Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface, I; NMIS, p. 2.
(26) «Tous les hommes travailleront», SAINT-SIMON, Lettres d’un habitant de Genève à ses contemporains (1807), III; OC, vol. I, p. 38.
(27) «A humanidade desfrutaria de toda a felicidade à qual pode pretender, se não houvesse ociosos.» – «L’humanité jouirait de tout le bonheur auquel elle peut prétendre s’il n’y avait pas d’oisifs.», SAINT-SIMON, Introduction aux travaux scientifiques du dix-neuvième siècle. Tome second (1808), Mon Portefeuille, première division, nº 15; OC, vol. I, p. 221.
(28) Cf. SAINT-SIMON, L’industrie, ou Discussions politiques, morales et philosophiques, dans l’intérêt de tous les hommes livrés à des travaux utiles et indépendants, Objet de l’entreprise; Paris, Au Bureau de l’Administration, 1817 (doravante: L’I), vol. II, p. 9.
O sentimento da fractura é manifesto, mas revela ainda debilidades na percepção das efectivas polarizações sociais:
«Hoje, a nação não está mais dividida senão em duas classes: os burgueses – que fizeram a Revolução, e que a dirigiram no interesse deles – aniquilaram o privilégio exclusivo dos nobres de explorarem a fortuna pública; fizeram-se admitir na classe dos governantes, de maneira que, hoje, os industriais devem pagar aos nobres e aos burgueses.» – «Aujourd’hui, la nation n’est plus partagée qu’en deux classes: les bourgeois, qui ont fait la révolution et qui l’on dirigée dans leur intérêt, ont anéanti le privilège exclusif des nobles d’exploiter la fortune publique; ils se sont faits admettre dans la classe des gouvernants, de manière que les industriels doivent aujourd’hui payer les nobles et les bourgeois.», SAINT-SIMON,Catéchisme des industriels. Premier Cahier (1823); OC, vol. III, p. 71.
(29) Cf. SAINT-SIMON, Suite à la brochure: Des Bourbons et des Stuarts (1822), De l’ancien et du nouveau système politique; OC, vol. II, p. 438.
(30) «Para organizar a sociedade da maneira mais favorável aos progressos das ciências e à prosperidade da indústria, é preciso confiar o poder espiritual aos cientistas [savants], e a administração do poder temporal aos industriais.» – «Pour organiser la société de la manière la plus favorable aux progrès des sciences et à la prospérité de l’industrie, il faut confier le pouvoir spirituel aux savants, et l’administration du pouvoir temporel aux industriels.», SAINT-SIMON, Du système industriel. Première Partie (1821), Adresse aux Philanthropes; OC, vol. III, p. 33.
(31) «Os produtores – quer dizer: os cientistas e os artistas, de um lado, os cultivadores, os fabricantes, e os negociantes, do outro –, que formam o verdadeiro corpo da nação, ainda não entraram de todo em actividade política, e, todavia, só a intervenção deles pode preservar o Rei e a Nação das desgraças de que estão ameaçados.» – «Les producteurs, c’est-à-dire les savants et les artistes d’une part, les cultivateurs, les fabricants et les négotiants de l’autre, qui forment le véritable corps de la nation, ne sont point encore entrés en activité politique, et cependant leur intervention peut seule préserver le Roi et la Nation des malheurs dont ils sont menacés.», SAINT-SIMON, Suite à la brochure: Des Bourbons et des Stuarts(1822), De l’ancien système; OC, vol. II, p. 449.
Do ponto de vista económico e social, a preocupação dominante de Saint-Simon é, sem dúvida, a de, no confronto com as sobrevivências de um feudalismo retocado, fazer valer as forças emergentes do «trabalho». No entanto, a condição do assalariamento não surge ainda com nitidez, na especificidade dos seus contornos, identificada.
Na categoria global dos «trabalhadores» (travailleurs), junto com os intelectuais – «os escritores políticos» (les écrivains politiques), «que fazem profissão de meditar sobre os interesses gerais da sociedade» (qui font profession de méditer sur les intérêts généraux de la société) –, subsumem-se, por conseguinte, «aqueles que produzem» (ceux qui produisent) propriamente, e os patrões que os empregam, com filantrópica delicadeza apelidados de: «aqueles que velam pelos produtores» (ceux qui veillent pour les producteurs). Cf. SAINT-SIMON, L’industrie (1817), Objet de l’entreprise; L’I, vol. II, p. 15.
Como a Marx e a Engels não passará despercebido – o que não fora o caso de Lorenz von Stein, ou de Karl Grün (por essa «desatenção» citicados) –, aglutinam-se, deste modo, numa mesma rubrica, «os operários» (die Arbeiter) e «os capitalistas industriais todos» (die sämtlichen industriellen Kapitalisten). Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie. Kritik der neuesten deutschen Philosophie in ihren Repräsentanten Feuerbach, B. Bauer und Stirner, und des deutschen Sozialismus in seinen verschiedenen Propheten (1845-1846), IV; MEW, vol. 3, p. 490.
Mais tarde, no âmbito de uma intentada refiguração «socializante» de um Cristianismo entretanto depurado na repescagem, Saint-Simon enunciará como preceito orientador:
«Toda a sociedade deve trabalhar pelo melhoramento da existência moral e física da classe mais pobre; a sociedade deve organizar-se da maneira mais conveniente para a fazer atingir este grande objectivo.» – «Toute la société doit travailler à l’amélioration de l’existence morale et physique de la classe la plus pauvre; la société doit s’organiser de la manière la plus convenable pour lui faire atteindre ce grand but.», SAINT-SIMON, Nouveau Christianisme (1825), Dialogues entre un conservateur et un novateur, I; OC, vol. III, p. 368.
Comentando esta inflexão tardia, Marx não deixará de observar:
«Tem sobretudo que não se esquecer que só no seu último escrito, o Nouveau Christianisme, St. Simon se apresenta directamente como o porta-voz da classe trabalhadora, e declara a emancipação desta como a finalidade última dos anseios dele. Todos os outros escritos anteriores dele são, de facto, apenas [uma] glorificação da sociedade burguesa moderna contra a [sociedade] feudal, ou [uma glorificação] dos industriais e dos banqueiros contra os marechais e os fabricantes jurídicos de leis do tempo de Napoleão.» – «Man muß überhaupt nicht vergessen, daß erst in seiner letzten Schrift, dem Nouveau Christianisme, St. Simon direkt als Wortführer der arbeitenden Klasse auftritt und ihre Emancipation als Endzweck seines Strebens erklärt. Alle seine frühern Schriften sind in der That nur Verherrlichung der modernen bürgerlichen Gesellschaft gegen die feudale, oder der Industriellen und Bankiers gegen die Marschälle und juristischen Gesetzfabrikanten der Napoleonischen Zeit.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, V, 36; MEGA2, vol. II/15, p. 594.
(32) Cf. MATEUS, Evangelho, 7, 7.
(33) Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), IV, VII, XXVIII; NMIS, p. 316.
(34) «Possuidor do livro dos destinos, eu venho dissipar as trevas políticas e morais, e, sobre as ruínas das ciências incertas, eu elevo a teoria da Harmonia universal.» – «Possesseur du livre des destins, je viens dissiper les ténèbres politiques et morales, et sur les ruines des sciences incertaines j’élève la théorie de l’Harmonie universelle.», FOURIER, Théorie des Quatre Mouvements (1808), II, Épilogue sur le délaissement de la philosophie morale; TQM, p. 180.
(35) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Introduction; TADA, vol. I, p. 79.
(36) A indústria fabril desenvolver-se-á apenas na medida em que respeite, e se articule com, o primado da lavoura:
«As manufacturas – tão preconizadas no sistema político dos modernos, que as coloca ao nível da agricultura – não figuram no estado societário senão a título de acessórios e complementos do sistema agrícola, [como] funções subordinadas às conveniências dele.» – «Les manufactures tant prônées dans le système politique des modernes, qui les met au niveau de l’agriculture, ne figurent dans l’état sociétaire qu’à titre d’accessoires et complémens du système agricole, fonctions subordonnées à ses convenances.», FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), II, XV; NMIS, pp. 164-165.
(37) «A série passional é uma filiação de diversas pequenas corporações ou grupos, em que cada um exerce alguma espécie de uma paixão que se torna paixão de género para a série inteira.» – «Une série passionnelle est une affiliation de diverses petites corporations ou groupes, dont chacun exerce quelqu’espèce d’une passion qui devient passion de genre pour la série entière.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Introduction; TADA, vol. I, p. 15.
(38) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Prolégomènes, Intermède, Inter-Pause; TADA, vol. I, p. 295.
(39) «O segredo da unidade de interesses está, portanto, na Associação. As três classes, uma vez associadas e unidas por interesse, esqueceriam os ódios tanto melhor quanto a hipótese [la chance] de trabalho atraente faria desaparecer as fadigas do povo, e o desprezo do rico por inferiores cujas funções tornadas sedutoras ele partilharia. Aí, acabaria a inveja do pobre pelos ociosos que recolhem sem ter semeado: não existiriam mais nem ociosos nem pobres, e as antipatias sociais cessariam com as causas que as produzem.» – «Le secret de l’unité d’intérêts est donc dans l’Association. Les trois classes une fois associées et unies d’intérêt, oublieraient les haines, d’autant mieux que la chance de travail attrayant ferait disparaître les fatigues du peuple, et le mépris du riche pour des inférieurs dont il partagerait les fonctions devenues séduisantes. Là finirait la jalousie du pauvre contre les oisifs qui récoltent sans avoir semé: il n’existerait plus ni oisifs, ni pauvres, et les antipathies sociales cesseraient avec les causes qui les produisent.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Prolégomènes, I, 2; TADA, vol. I, p. 133.
(40) Esses votos da «comunidade dos bens» (communauté des biens) não passam de «sensaborias morais que a seita [de] Owen põe em jogo» (fadeurs morales que met en jeu la secte Owen). Cf. FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface; NMIS, p. 46.
(41) «A Harmonia não pode conhecer comunidade [nenhuma], nem retribuição colectiva a sociedades familiares ou conjugais; ela está obrigada a tratar individualmente com cada um, mesmo com as crianças acima de 4 anos e meio, e a repartir a cada um, em razão das três faculdades: trabalho, capital, e talentos.» – «L’Harmonie ne peut pas connaître de communauté ni rétribution collective à des sociétés familiales ou conjugales; elle est obligée de traiter avec chacun individuellement, même avec les enfans au-dessus de 4 ½ ans, et de répartir à chacun en raison des trois facultés, travail, capital et talens.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, III; TADA, vol. II, p. 22.
O princípio reitor «harmonista» é o de uma peculiar sociedade por acções, em que se segue
«um método de repartição equitativo, consignando a cada indivíduo (homem, mulher, ou criança) três dividendos afectados às suas três faculdades industriais: CapitalTrabalho, e Talento, e, para ele, plenamente satisfatórios.» – «une méthode de répartition équitable, allouant à chaque individu, homme, femme ou enfant, trois dividendes affectés à ses trois facultés industrielles, CapitalTravail et Talent, et pleinement satisfaisans pour lui.», FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface; NMIS, p. 12.
(42) «Nós temos apenas que optar entre dois regimes industriais, que são: o estado fragmentado [morcelé] e o estado societário» – «Nous n’avons à opter qu’entre deux régimes industriels, qui sont l’état morcelé et l’état sociétaire», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Cis-Légomènes, II, 5; TADA, vol. I, p. 490.
(43) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, IV; TADA, vol. II, pp. 25-31, bem como Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), Préface; NMIS, pp. 13-15.
(44) «Os literatos, cientistas, e artistas, podem decidir subitamente a passagem do género humano à Harmonia, se quiserem excitar a essa fundação uma das grandes personagens, ou [um dos] ricos proprietários, sobre quem eles têm influência.» – «Les littérateurs, savans et artistes, peuvent décider subitement le passage du genre humain à l’Harmonie, s’ils veulent exciter à cette fondation l’un des grands personnages ou riches propriétaires sur qui ils ont de l’influence.», FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Arrière-Propos; TADA, vol. I, p. 585.
(45) Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, I; TADA, vol. II, p. 9.
(46) «Aqueles que tentem fundar sem mim uma falange experimental cairão em mil erros na distribuição das suas Séries apaixonadas» – «Ceux qui essaieront de fonder sans moi une phalange d’essai, tomberont dans mille erreurs sur la distribution de leurs Séries passionnées», FOURIER, Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), I, II, VII; NMIS, p. 106.
(47) Cf. FOURIER, Théorie des Quatre Mouvements (1808), II, Argument; TQM, p. 133.
(48) Vejam-se os exercícios contabilísticos que constam da secção, com o sugestivo título: «A dívida de Inglaterra paga em seis meses pelos ovos de galinha» (La dette d’Angleterre payée en six mois par les oeufs de poule). Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Cis-Légomènes, II, Post-Ambule; TADA, vol. I, pp. 492-496.
Relativamente a pormenorizadas memórias descritivas do urbanismo, e da arquitectura, a que os falanstérios deverão obedecer: FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, I, I, V-VII; TADA, vol. II, pp. 31-42, bem como Le Nouveau Monde Industriel et Sociétaire (1829), II, III, XII; NMIS, pp. 145-153.
Sobre a organização dos oficios – da «marcenaria» (ébénisterie) à «passarinhagem» (oisellerie) – em «fábricas especulativas primárias» (fabriques spéculatives primaires): FOURIER, Le Nouveau Monde Industroel et Sociétaire (1829), II, IV, XV; NMIS, pp. 167-174.
Não faltam ainda indicações sobre a côr e o figurino das vestimentas que identificam os diversos corpos – cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Association composée, II, IV, III, I; TADA, vol. II, p. 245 –, e até, em curiosa minuta, «o modelo de um testamento liberal, tal como um milionário o deveria fazer» (le modèle d’un testament libéral, tel que devrait le faire un millionnaire): FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Extroduction; TADA, vol. I, p. 555.
(49) Em carta-prefácio que dirige ao rei, o livro é nestes termos apresentado:
«Revela os princípios fundamentais de um Novo Mundo Moral, e estabelece assim uma fundação nova sobre a qual re-construir a sociedade e re-criar o carácter da raça humana. Abre à família do homem, sem uma única excepção, os meios de infindo [endless] melhoramento progressivo (físico, intelectual, e moral) e de felicidade, sem a possibilidade de retrogressão, ou de limite atribuível.» – «It unfolds the fundamental principles of a New Moral World, and it thus lays a new foundation on which to re-construct and re-create the character of the human race. It opens to the family of man, without a single exception, the means of endless progressive improvement, physical, intellectual, and moral, and of happiness, without the possibility of retrogression or of assignable limit.», OWEN, The Book of the New Moral World, containing The Rational System of Society, founded on demonstrable facts, developing the constitution and laws of Human Nature and of Society, To His Majesty William IV., King of Great Britain; London, Effingham Wilson, 1836, p. IV.
(50) Cf. OWEN, Report to the County of Lanark (1820), III; NVS, p. 266.
(51) «Eine widerspruchsvolle Combination von Godwin, Owen und Bentham», MARX, Manchester Hefte(1845), Exzerpte aus William Thomson: An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth; MEGA2, vol. IV/4, p. 245.
(52) Cf. William THOMSON, Labor Rewarded. The Claims of Labor and Capital Conciliated: or, How to Secure to Labor the Whole Products of its Exertions, Summary; London, Hunt and Clark, 1827 (doravante: LR), pp. 118-119.
(53) Cf. THOMSON, Labor Rewarded (1827), To the Industrious Classes; LR, p. 4.
Este apelo à «união de capital e trabalho» (union of capital and labor) constava já de um escrito anterior:
«É tão inconsistente com a felicidade humana em geral, como com a maior produção de riqueza, que o capital haja de ser possuído por um conjunto de indivíduos, e o trabalho por outro: a utilidade exige que todos os trabalhadores produtivos hajam de tornar-se capitalistas, que trabalho e capital hajam de estar nas mesmas mãos.» – «It is as inconsistent with human happiness in general, as with the greatest production of wealth, that capital should be possessed by one set of individuals, and labor by another: utility demands that all productive laborers should become capitalists, that labor and capital should be in the same hands.», THOMSON, An Inquiry into the Principles of the Distribution of Wealth, most conducive to Human Happiness; applied to the newly proposed System of Voluntary Equality of Wealth, Concluding Observations; London, Longman, Hurst, Rees, Orme, Brown, and Green – Wheatly and Adlard, 1824, p. 590.
Lembremos que, embora num contexto doutrinário diferenciado, também Fourier preconizava que a Economia Política devia «tomar por objecto de estudo» (s’étudier à) e «problema primeiro» (premier problème): «transformar todos os assalariados em proprietários co-interessados ou associados» (transformer tous les salariés en propriétaires co-intéressés ou associés). Cf. FOURIER, Traité de l’Association Domestique-Agricole (1822), Cis-Légomènes, II, III, XI; TADA, vol. I, p. 466.
(54) «Todo o espírito do marxismo, todo o sistema dele, quer que cada tese seja examinada apenas: a) sob o ângulo histórico, b) apenas em ligação com as outras teses, c) apenas em ligação com a experiência concreta da história.» – «Tout l’esprit du marxisme, tout son système, veut que chaque thèse soit examinée seulement: a) sous l’angle historique; b) seulement en liaison avec les autres thèses; c) seulement en liaison avec l’expérience concrète de l’histoire.», Vladímir Ílitch LÉNINE, Lettre à Inessa Armand, le 30 novembre 1916Oeuvres, ed. IML, Paris-Moscou, Éditions Sociales-Éditions du Progrès, 1974, vol. 35, p. 251.
(55) «Tant que le prolétariat n’est pas encore assez développé pour se constituer en classe, que, par conséquent, la lutte même du prolétariat avec la bourgeoisie n’a pas encore un caractère politique, et que les forces productives ne se sont pas encore assez développées dans le sein de la bourgeoisie elle-même, pour laisser entrevoir les conditions matérielles nécessaires à l’affranchissement du prolétariat et à la formation d’une société nouvelle, ces théoriciens ne sont que des utopistes qui, pour obvier aux besoins des classes opprimées, improvisent des systèmes et courent après une science régénératrice.», MARX,Misère de la Philosophie. Réponse à la Philosophie de la Misère de M. Proudhon (1847), II,1, 7; Oeuvres. Économie, ed. Maximilien Rubel (doravante: O), Paris, Éditions Gallimard/Bibliothèque de la Pléiade, 1965, vol. I, p. 92.
Trata-se de um enfoque – dialecticamente materialista – que Engels, mais tarde, retomará:
«Esta situação histórica dominava também os fundadores do socialismo. Ao estado imaturo da produção capitalista, à situação imatura das classes, correspondiam teorias imaturas. A solução dos problemas sociais – que, nas relações económicas não-desenvolvidas, permanecia ainda oculta – havia de ser tirada da cabeça. A sociedade oferecia apenas coisas insustentáveis [Mißstände]; eliminá-las era tarefa da razão pensante. Tratava-se de inventar um sistema novo da ordem social, mais perfeito, e de o outorgar de fora à sociedade, através de propaganda, se possível, através do exemplo de experimentos-modelo. Estes novos sistemas sociais estavam de antemão condenados à utopia; quanto mais eles fossem elaborados nos seus pormenores, tanto mais tinham que se perder em pura fantastiquice [Phantasterei].» – «Diese geschichtliche Lage beherrschte auch die Stifter des Sozialismus. Dem unreifen Stand der kapitalistischen Produktion, der unreifen Klassenlage, entsprachen unreife Theorien. Die Lösung der gesellschaftlichen Aufgaben, die in den unentwickelten ökonomischen Verhältnissen noch verborgen lag, sollte aus dem Kopfe erzeugt werden. Die Gesellschaft bot nur Mißstände; sie zu beseitigen war Aufgabe der denkenden Vernunft. Es handelte sich darum, ein neues, vollkommneres System der gesellschaftlichen Ordnung zu erfinden und dies der Gesellschaft von Außen her, durch Propaganda, womöglich durch das Beispiel von Muster-Experimenten aufzuoktroyiren. Diese neuen sozialen Systeme waren von vorn herein zur Utopie verdammt; je weiter sie in ihren Einzelheiten ausgearbeitet wurden, desto mehr mußten sie in reine Phantasterei verlaufen.», ENGELS, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft. Philosophie. Politische Ökonomie. Sozialismus [Anti-Dühring] (1878), III, I; MEGA2, vol. I/27, pp. 427-428.
(56) «Der Sozialismus ist ihnen allen der Ausdruck der absoluten Wahrheit, Vernunft und Gerechtigkeit, und braucht nur entdeckt zu werden, um durch eigene Kraft die Welt zu erobern; da die absolute Wahrheit unabhängig ist von Zeit, Raum und menschlicher geschichtlicher Entwicklung, so ist es bloßer Zufall, wann und wo sie entdeckt wird.», ENGELS, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1882), I; MEGA2, vol. I/27, p. 598.
(57) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A, 1 (MEW, vol. 3, pp. 35-36), bem comoManifest der Kommunistischen Partei (1848), II (MEW, vol. 4, pp. 474-475. Veja-se igualmente: ENGELS, Die Kommunisten und Karl Heinzen (1847); MEW, vol. 4, pp. 321-322.
(58) «Um aus dem Sozialismus eine Wissenschaft zu machen, mußte er erst auf einen realen Boden gestellt werden.», ENGELS, Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft (1882), I; MEGA2, vol. I/27, p. 599.
(59) «A existência de pensamentos revolucionários numa determinada época pressupõe já a existência de uma classe revolucionária» – «Die Existenz revolutionärer Gedanken in einer bestimmten Epoche setzt bereits die Existenz einer revolutionären Klasse voraus», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A, 2; MEW, vol. 3, p. 47.
(60) «Der bisherige Sozialismus kritisirte zwar die bestehende kapitalistische Produktionsweise und ihre Folgen, konnte sie aber nicht erklären, also auch nicht mit ihr fertig werden; er konnte sie nur einfach als schlecht verwerfen.», ENGELS, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft [Anti-Dühring] (1878), Einleitung, I; MEGA2, vol. I/27, pp. 236-237.
(61) «Alle Wissenschaft wäre überflüssig, wenn die Erscheinungsform und das Wesen der Dinge unmittelbar zusammenfielen», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, VII, 48, III; MEGA2, vol. II/15, p. 792.
(62) Cf. MARX, Brief an Engels, 27. Juni 1867; MEW, vol. 37, p. 313.
(63) «A consciência [das Bewußtsein] nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewußte Sein], e o ser [das Sein] dos seres humanos é o processo [efectivamente] real de vida deles.» – «Das Bewußtsein kann nie etwas Andres sein als das bewußte Sein, und das Sein der Menschen ist ihr wirklicher Lebensprozeß.», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A; MEW, vol. 3, p. 26.
(64) «Todo o viver social é essencialmente prático.» – «Alles gesellschaftliche Leben ist wesentlichpraktisch.», MARX, Thesen über Feuerbach (1845), 8; MEW, vol. 3, p. 7.
«O processo de trabalho é, antes do mais, um processo entre o ser humano e a Natureza, um processo em que ele medeia, regula, e controla, pela sua acção própria, a sua troca material [metabolismo,Stoffwechsel] com a Natureza. O ser humano enfrenta o próprio material de Natureza [Naturstoff] como um poder de Natureza [Naturmacht]. Ele põe em movimento as forças de Natureza [Naturkräfte] que pertencem à sua corporalidade (braços e pernas, cabeça e mão) para se assimilar o material de Natureza numa forma utilizável para a sua vida própria. Ao operar por este movimento sobre a Natureza fora dele, e ao transformá-la, ele transforma, simultaneamente, a sua natureza própria.» – «Der Arbeitsprozeß ist zunächst ein Prozeß zwischen dem Menschen und der Natur, ein Prozeß, worin er seinen Stoffwechsel mit der Natur durch seine eigne That vermittelt, regelt und kontrolirt. Der Mensch tritt dem Naturstoff selbst als eine Naturmacht gegenüber. Die seiner Leiblichkeit angehörigen Naturkräfte, Arme und Beine, Kopf und Hand, setzt er in Bewegung, um sich den Naturstoff in einer für sein eignes Leben brauchbaren Form zu assimiliren. Indem er durch diese Bewegung auf die Natur außer ihm wirkt und sie verändert, verändert er zugleich seine eigne Natur.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 3, 1; MEGA2, vol. II/5, p. 129.
(65) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 1, 1; MEGA2, vol. II/5, p. 49.
(66) «Ora, no que a mim respeita, não me é devido o mérito de ter descoberto nem a existência das classes na sociedade moderna, nem a sua luta entre si. Antes de mim, há muito que historiadores burgueses tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta das classes e que economistas burgueses [tinham exposto] a anatomia económica delas. O que eu fiz [de] novo [neu] foi: 1) demonstrar que a existência das classes está ligada meramente a determinadas fases históricas de desenvolvimento da produção; 2) que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; 3) que essa ditadura forma ela própria apenas o trânsito à superação [Aufhebungde todas as classes e a umasociedade sem classes.» – «Was mich nun betrifft, so gebührt mir nicht das Verdienst, weder die Existenz der Klassen in der modernen Gesellschaft, noch ihren Kampf unter sich entdeckt zu haben. Bürgerliche Geschichtschreiber hatten längst vor mir die historische Entwicklung dieses Kampfes der Klassen, und bürgerliche Oekonomen die ökonomische Anatomie derselben dargestellt. Was ich neu that war 1) nachzuweisen, daß die Existenz der Klassen bloß an bestimmte historische Entwicklungsphasen der Production gebunden ist; 2) daß der Klassenkampf nothwendig zur Diktatur des Proletariats führt; 3) daß diese Diktatur selbst nur den Uebergang zur Aufhebung aller Klassen und zu einer klassenlosen Gesellschaft bildet.», MARX, Brief an Joseph Weydemeyer, 5. März 1852; MEGA2, vol. III/5, p. 76.
(67) «Não se trata de aquilo que este ou aquele proletário, ou mesmo o proletariado todo, se representamentretanto como meta [Ziel]. Trata-se de aquilo que ele é, e de aquilo que ele, em conformidade a esseser, historicamente será forçado a fazer.» – «Es handelt sich nicht darum, was dieser oder jener Proletarier oder selbst das ganze Proletariat als Ziel sich einstweilen vorstellt. Es handelt sich darum,was es ist und was es diesem Sein gemäß geschichtlich zu tun gezwungen sein wird.», ENGELS-MARX,Die heilige Familie, oder Kritik der kritischen Kritik. Gegen Bruno Bauer und Konsorten (1845), IV, 4, Kritische Randglosse Nr. II; MEW, vol. 2, p. 38.
(68) Como, em referência ao ocorrido em Inglaterra, Marx observa:
«As condições económicas haviam transformado primeiro a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou a essa massa uma situação comum, interesses comuns. Assim, esta massa é já uma classe frente [vis-à-vis] ao capital, mas ainda não para ela própria [pour elle-même]. Na luta [dans la lutte], da qual nós não assinalámos senão algumas fases, esta massa reune-se, constitui-se em classe para ela própria. Os interesses que ela defende tornam-se interesses de classe. Mas a luta de classe a classe é uma luta política.» – «Les conditions économiques avaient d’abord transformé la masse du pays en travailleurs. La domination du capital a créé à cette masse une situation commune, des intérêts communs. Ainsi cette masse est déjà une classe vis-à-vis du capital, mais pas encore pour elle-même. Dans la lutte, dont nous n’avons signalé que quelques phases, cette masse se réunit, elle se constitue en classe pour elle-même. Les intérêts qu’elle défend deviennent des intérêts de classe. Mais la lutte de classe à classe est une lutte politique.», MARX, Misère de la Philosophie (1847), II,5; O, vol. I, pp. 134-135.
(69) «Contra este poder colectivo das classes possidentes, o proletariado não pode agir como classe senão constituindo-se ele próprio em partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes possidentes» – «Contre ce pouvoir collectif des classes possédantes le prolétariat ne peut agir comme classe qu’en se constituant lui-même en parti politique distinct, opposé à tous les anciens partis formés par les classes possédantes», MARX-ENGELS, Résolutions des délégués de la Conférence da l’Association Internationale des Travailleurs (1871), IX; MEGA2, vol. I/22, p. 329.
(70) Vale a pena meditar um saboroso «aviso» (warning), constante de uma carta ao Editor do New-York Daily Tribune:
«Na política, para [alcançar] um dado objectivo [object], um homem pode aliar-se com o próprio diabo: só que ele tem que estar seguro de que está a enganar o diabo, em vez de o diabo o estar a enganar a ele.» – «In politics a man may ally himself, for a given object, with the devil himself – only he must be sure that he is cheating the devil, instead of the devil cheating him.», MARX, Kossuth, Mazzini, and Louis Napoleon (1852); MEGA2, vol. I/11, p. 428.
(71) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, Nachwort; MEGA2, vol. II/6, p. 703.
(72) Cf. MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (1848), I; MEW, vol. 4, p. 474.
Veja-se também: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1883, I, VII, 24, 7; MEGA2, vol. II/8, p. 713.
(73) «Toda a mais-valia – qualquer que seja a figura particular (de lucro, juro, renda, etc.) em que mais tarde se cristalize – é, segundo a sua substância, materialização [Materiaturde tempo de trabalho não-pago. O segredo da autovalorização [Selbstverwerthungdo capital resolve-se em ele ter à suadisposição um quantum determinado de trabalho alheio não-pago.» – «Aller Mehrwerth, in welcherbesondern Gestalt von Profit, Zins, Rente u. s. w. er sich später krystallisire, ist seiner Substanz nachMateriatur unbezahlter Arbeitszeit. Das Geheimniß von der Selbstverwerthung des Kapitals löst sich auf in seine Verfügung über ein bestimmtes Quantum unbezahlter fremder Arbeit.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 5, 3; MEGA2, vol. II/5, p. 432.
(74) «A forma do salário apaga, portanto, completamente, todo o vestígio da divisão do dia de trabalho em trabalho necessário [para a reposição da força de trabalho] e [em] sobretrabalho [Mehrarbeit], em trabalho pago e [em trabalho] não-pago. Todo o trabalho aparece como trabalho pago. No trabalho servil [Frohnarbeit], diferenciam-se espacial e temporalmente, de modo palpavelmente sensível, o trabalho do servo para si próprio e o trabalho forçado para o seu senhor da terra. No trabalho escravo, mesmo a parte do dia de trabalho no qual o escravo apenas repõe o valor dos seus meios de vida próprios, no qual ele trabalha portanto, de facto, para si próprio, aparece como trabalho para o amo dele. Todo o seu trabalho aparece como não-pago. No trabalho assalariado, mesmo o sobretrabalho, ou trabalho não-pago, aparece, ao invés [umgekehrt], como [trabalho] pago. Ali, a relação de propriedade oculta otrabalhar-para-si- próprio [das Fürsichselbstarbeitendo escravo; aqui, a relação de dinheiro [oculta] otrabalhar-de-graça [das Umsonstarbeitendo assalariado. […]. Sobre esta forma fenoménica[Erscheinungsform] – que torna invisível a relação [efectivamente] real, e mostra exactamente o contrário dela –, repousam todas as representações jurídicas do operário como do capitalista, todas as mistificações do modo capitalista de produção, todas as suas ilusões de liberdade, todas as patranhas [Flausen] apologéticas da Economia vulgar.» – «Die Form des Arbeitslohnes löscht also jede Spur der Theilung des Arbeitstags in nothwendige Arbeit und Mehrarbeit, in bezahlte und unbezahlte völlig aus. Alle Arbeit erscheint als bezahlte Arbeit. Bei der Frohnarbeit unterscheiden sich räumlich und zeitlich, handgreiflich sinnlich, die Arbeit des Fröhners für sich selbst und die Zwangsarbeit für seinen Grundherrn. Bei der Sklavenarbeit erscheint selbst der Theil des Arbeitstags, worin der Sklave nur den Werth seiner eignen Lebensmittel erzetzt, den er in der That also für sich selbst arbeitet, als Arbeit für seinen Meister. Alle seine Arbeit erscheint als unbezahlte Arbeit. Bei der Lohnarbeit erscheint umgekehrt selbst die Mehrarbeit oder unbezahlte Arbeit als bezahlt. Dort verbirgt das Eigenthumsverhältniß dasFürsichselbstarbeiten des Sklaven, hier das Geldverhältniß das Umsonstarbeiten des Lohnarbeiters. […]. Auf dieser Erscheinungsform, die das wirkliche Verhältniß unsichtbar macht und grade sein Gegentheil zeigt, beruhn alle Rechtsvorstellungen des Arbeiters wie des Kapitalisten, alle Mystifikationen der kapitalistischen Produktionsweise, alle ihre Freiheitsillusionen, alle apologetischen Flausen der Vulgärökonomie.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 5, 4, a; MEGA2, vol. II/5, p. 437.
(75) «A circulação do capital é realizadora de valor [werthrealisirend], [assim] como o trabalho vivo [é]criador de valor [werthschaffend].» – «Die Circulation des Capitals ist werthrealisirend, wie die lebendige Arbeit werthschaffend.», MARX, Ökonomische Manuskripte 1857/58, Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie. Zweiter Teil, III, Kreislauf des Kapitals; MEGA2, vol. II/1.2, p. 441.
Para uma explicação sucinta do movimento contido na «fórmula universal» (allgemeine Formel) do capital, enquanto «dinheiro – mercadoria – dinheiro’» (G-W-G’), veja-se, por exemplo: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, I, I, 2; MEGA2, vol. II/15, p. 44.
(76) Veja-se, por exemplo, em sede económico-teológica, o esclarecedor capítulo em que se desmontam os segredos que na «fórmula trinitária» (trinitarische Formel) se guardam: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, VII, 48; MEGA2, vol. II/15, pp. 789-806.
(77) «Das Kapital nicht eine Sache ist, sondern ein durch Sachen vermitteltes gesellschaftliches Verhältniß zwischen Personen.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 6, 3; MEGA2, vol. II/5, pp. 611-612.
(78) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Zweiter Band. Hamburg 1885, II, III, 21, II; MEGA2, vol. II/13, p. 467.
(79) «A taxa da mais-valia é, por conseguinte, a expressão exacta para o grau de exploração da força de trabalho pelo capital, ou do operário pelo capitalista.» – «Die Rate des Mehrwerths ist daher der exakte Ausdruck für den Exploitationsgrad der Arbeitskraft durch das Kapital oder des Arbeiters durch den Kapitalisten.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 3, 3; MEGA2, vol. II/5, p. 163.
Vejam-se as aclarações complementares constantes da nota a este passo introduzida no texto da segunda edição do Livro primeiro: MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, I, III, 7, 1; MEGA2, vol. II/6, p. 227.
(80) Neste ramo da indústria pensativa, o cadastro das ocorrências é secular.
Desde os achados de superfície por onde estaciona o «indignacionismo» moral à solta de muito «radicalista» com pouco calo na perscrutação a fundo da raiz, até aos pregões enfáticos de uma «terceira via» de modernaço porte, em recovagem deslumbrada pelos carris da «via única».
Para uma pertinente desmontagem elucidativa de um dos episódios: António AVELÃS NUNES, Do Capitalismo e do Socialismo. Polémica com Jan Tinbergen, Prémio Nobel da Economia, Lisboa, Página a Página, 2017.
(81) «As chamadas relações de repartição correspondem portanto a, e brotam de, formas historicamente determinadas, especificamente sociais, do processo de produção e das relações em que os seres humanos, no processo de reprodução da sua vida humana, entram entre eles. O carácter histórico destas relações de repartição é o carácter histórico das relações de produção, das quais elas apenas expressam um lado. A repartição capitalista é diversa das formas de repartição que brotam de outros modos de produção, e cada forma de repartição desaparece com a forma determinada da produção da qual provém e [à qual] corresponde. A perspectiva que apenas considera como históricas as relações de repartição, mas não as relações de produção, é, por um lado, apenas a perspectiva da crítica que está a começar, mas que está ainda prisioneira, da Economia burguesa. Mas, por outro lado, repousa sobre uma confusão e [uma] identificação do processo social de produção com o simples processo de trabalho, tal como um ser humano anormalmente isolado o tivesse que executar sem quaisquer auxílios sociais.» – «Die sogenannten Vertheilungsverhältnisse entsprechen also, und entspringen aus, historisch bestimmten, specifisch gesellschaftlichen Formen des Produktionsprocesses und der Verhältnisse, welche die Menschen im Reproduktionsproceß ihres menschlichen Lebens unter einander eingehn. Der historische Charakter dieser Vertheilungsverhältnisse ist der historische Charakter der Produktionsverhältnisse, wovon sie nur eine Seite ausdrücken. Die kapitalistische Vertheilung ist verschieden von den Vertheilungsformen, die aus andren Produktionsweisen entspringen, und jede Vertheilungsform verschwindet mit der bestimmten Form der Produktion, der sie entstammt und entspricht. Die Ansicht, die nur die Vertheilungsverhältnisse als historisch betrachtet, aber nicht die Produktionsverhältnisse, ist einerseits nur die Ansicht der beginnenden, aber noch befangnen Kritik der bürgerlichen Oekonomie. Andrerseits aber beruht sie auf einer Verwechslung und Identificirung des gesellschaftlichen Produktionsprocesses mit dem einfachen Arbeitsproceß, wie ihn auch ein abnorm isolirter Mensch ohne alle gesellschaftliche Beihülfe verrichten müßte.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, VII, 51; MEGA2, vol. II/15, p. 855.
(82) «Les conditions de la vie bourgeoise sans les conséquences nécessaires de ces conditions», MARX,Brief an Pawel Wassiljewitsch Annenkow, 28. Dezember 1846; MEGA2, vol. III/2, p. 77.
(83) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, Vorwort; MEGA2, vol. II/5, p. 15.
(84) «O desenvolvimento das contradições [die Entwicklung der Widersprüche] de uma forma histórica de produção é, contudo, o único caminho histórico [der einzig geschichtliche Weg] da sua dissolução [Auflösung] e nova configuração [Neugestaltung].» – «Die Entwicklung der Widersprüche einer geschichtlichen Produktionsform ist jedoch der einzig geschichtliche Weg ihrer Auflösung und Neugestaltung.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1867, I, 4, 4; MEGA2, vol. II/5, p. 400.
(85) «Num certo estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção disponíveis ou, o que é apenas uma expressão jurídica para isso, com as relações de propriedade, no interior das quais elas até aí se tinham movimentado. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, essas relações convertem-se em obstáculos [Fesseln] delas. Entra [em cena], então, uma época de revolução social.» – «Auf einer gewissen Stufe ihrer Entwicklung gerathen die materiellen Produktivkräfte der Gesellschaft in Widerspruch mit den vorhandenen Produktionsverhältnissen, oder was nur ein juristischer Ausdruck dafür ist, mit den Eigenthumsverhältnissen, innerhalb deren sie sich bisher bewegt hatten. Aus Entwicklungsformen der Produktivkräfte schlagen diese Verhältnisse in Fesseln derselben um. Es tritt dann eine Epoche socialer Revolution ein.», MARX, Zur Kritik der politischen Ökonomie. Erstes Heft (1859), Vorwort; MEGA2, vol. II/2, pp. 100-101.
(86) Cf. MARX, Lohnarbeit und Kapital (1849); MEW, vol. 6, p. 405.
(87) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, Nachwort; MEGA2, vol. II/6, p. 701.
(88) Cf. MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Dritter Band. Hamburg 1894, III, II, VI, 47, II; MEGA2, vol. II/15, p. 768.
(89) Cf. MARX, Misère de la Philosophie (1847), II,1, 7: O, vol. I, p. 89.
(90) «Por modificação [Veränderung] das relações materiais de vida este socialismo não entende porém, de modo nenhum, abolição [Abschaffung] das relações burguesas de produção – a qual só por caminho revolucionário [nur auf revolutionäre Wege] é possível –, mas melhoramentos administrativos [administrative Verbesserungen] que se processem sobre o solo destas relações de produção, portanto, que nada alterem na relação de capital e trabalho assalariado, mas, no melhor dos casos, reduzam à burguesia os custos da sua dominação, e lhe simplifiquem o orçamento de Estado. O socialismo burgês só alcança a expressão que lhe corresponde, lá onde se torna mera figura de retórica. Comércio livre! no interesse da classe trabalhadora; protecção alfandegária! no interesse da classe trabalhadora; prisões celulares! no interesse da classe trabalhadora: esta é a última palavra do socialismo burguês, [e] a única dita a sério. O socialismo da burguesia consiste precisamente na afirmação de que os burgueses são burgueses – no interesse da classe trabalhadora.» – «Unter Veränderung der materiellen Lebensverhältnisse versteht dieser Sozialismus aber keineswegs Abschaffung der bürgerlichen Produktionsverhältnisse, die nur auf revolutionärem Wege möglich ist, sondern administrative Verbesserungen, die auf dem Boden dieser Produktionsverhältnisse vor sich gehen, also an dem Verhältnis von Kapital und Lohnarbeit nichts ändern, sondern im besten Fall der Bourgeoisie die Kosten ihrer Herrschaft vermindern und ihren Staatshaushalt vereinfachen. Seinen entsprechenden Ausdruck erreicht der Bourgeoissozialismus erst da, wo er zur bloßen rednerischen Figur wird. Freier Handel! im Interesse der arbeitenden Klasse; Schutzzölle! im Interesse der arbeitenden Klasse; Zellengefängnisse! im Interesse der arbeitenden Klasse: das ist das letzte, das einzige ernstgemeinte Wort des Bourgeoissozialismus. Der Sozialismus der Bourgeoisie besteht eben in der Behauptung, daß die Bourgeois Bourgeois sind – im Interesse der arbeitenden Klasse.», MARX-ENGELS, Manifest der Kommunistischen Partei (1848), III, 2; MEW, vol. 4, p. 489.
(91) «Os membros intermediários» (die Zwischenglieder) da cadeia de pensamento utópico que, arrancando de Thomas More, até à actualidade de Engels se prolongava: cf. ENGELS, Brief an Wilhelm Liebknecht, 12. Februar 1873; MEW, vol. 33, p. 567.
(92) «Os primeiros socialistas (Fourier, Owen, Saint-Simon, etc.), uma vez que as condições sociais não estavam suficientemente desenvolvidas para permitir à classe operária constituir-se em classe militante, tiveram fatalmente que se circunscrever a uns sonhos acerca da sociedade modelo do futuro, e que condenar todas as tentativas – como as greves, as coalizões, os movimentos políticos – iniciadas pelos operários para trazer algum melhoramento à sorte deles.» – «I primi socialisti (Fourier, Owen, Saint-Simon, ecc.) poichè le condizioni sociali non erano abbastanza sviluppate da permettere alla classe operaja di costituirsi in classe militante, hanno dovuto fatalmente circoscriversi a dei sogni sulla società modello dell’avvenire, e condannare tutti i tentativi quali gli scioperi, le coalizioni, i movimenti politici, iniziati dagli operai per portare qualche miglioramento alla loro sorte.», MARX, L’indifferenza in materia politica (1873); MEGA2, vol. I/24, p. 107.
(93) A categoria abrange igualmente o corpo sacerdotal da «mitologia moderna» (moderne Mythologie) que presta culto às «deusas da “Justiça, Liberdade, Igualdade, etc.”» (Göttinnen der “Gerechtigkeit, Freiheit, Gleichheit etc.”). Cf. MARX, Brief an Engels, 1. August 1877 (MEW, vol. 34, p. 66), e tambémBrief an Friedrich Adolph Sorge, 19. Oktober 1877 (MEW, vol. 34, pp. 302-303).
Para o caso de Dühring, veja-se, por exemplo: ENGELS, Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft [Anti-Dühring] (1878), III, I; MEGA2, vol. I/27, p. 434.
(94) «O significado do socialismo, e do comunismo, críticamente utópico [kritisch-utopisch] está na relação inversa do desenvolvimento histórico. Na mesma medida em que a luta das classes se desenvolve e configura, essa elevação fantástica acima dela, esse combate fantástico contra ela, perdem todo o valor prático, toda a justificação teórica. Se, por conseguinte, os progenitores desses sistemas foram também, sob vários aspectos, revolucionários, os seus discípulos formam, de todas as vezes, seitas reaccionárias. Eles atêm-se às velhas intuições dos mestres, frente ao desenvolvimento histórico do proletariado para diante. Por conseguinte, eles procuram consequentemente embotar outra vez a luta de classes, e mediar as oposições. Eles continuam a sonhar ainda com a realização, a título experimental [versuchsweise], das suas utopias sociais, com a instituição de falanstérios isolados, com a fundação de colónias internas, com a erecção de uma pequena Icária – um edição em duodécimos da nova Jerusalém –, e para a edificação de todos estes castelos no ar eles têm que apelar para a filantropia dos corações burgueses e dos ricaços [Geldsäcke].» – «Die Bedeutung des kritisch-utopistischen Sozialismus und Kommunismus steht im ungekehrten Verhältnis zur geschichtlichen Entwicklung. In demselben Maße, worin der Klassenkampf sich entwickelt und gestaltet, verliert diese phantastische Erhebung über denselben, diese phantastische Bekämpfung desselben allen praktischen Wert, alle theoretische Berechtigung. Waren daher die Urheber dieser Systeme auch in vieler Beziehung revolutionär, so bilden ihre Schüler jedesmal reaktionäre Sekten. Sie halten die alten Anschuungen der Meister fest gegenüber der geschichtlichen Fortentwicklung des Proletariats. Sie suchen daher konsequent den Klassenkampf wieder abzustumpfen und die Gegensätze zu vermitteln. Sie träumen noch immer die versuchsweise Verwirklichung ihrer gesellschaftlichen Utopien, Stiftung einzelner Phalanstere, Gründung von Home-Kolonien, Errichtung eines kleinen Ikariens – Duodezausgabe des neuen Jerusalem –, und zum Aufbau aller dieser spanischen Schlösser müssen sie an die Philanthropie der bürgerlichen Herzen und Geldsäcke appellieren.», MARX-ENGELS,Manifest der Kommunistischen Partei (1848), III, 3; MEW, vol. 4, p. 491.
(95) «A impaciência [die Ungeduld] pede o impossível [das Unmögliche], a saber: o alcançamento [die Erreichung] da meta sem os meios.» – «Die Ungeduld verlangt das Unmögliche, nämlich die Erreichung des Ziels ohne die Mittel.», HEGEL, Phänomenologie des Geistes (1807), Vorrede; TW, vol. 3, p. 33.
(96) «Der deutsche Kommunismus der entschiedenste Gegner alles Utopismus ist und, weit entfernt die geschichtliche Entwicklung auszuschließen, sich vielmehr auf sie begründet», MARX, Der “Débat social” vom 6. Februar über die Association démocratique (1848); MEW, vol. 4, p. 512.
(97) «O idealismo alemão não se separa por nenhuma diferença específica da ideologia de todos os outros povos. Também esta considera o mundo como dominado por Ideias, as Ideias e os conceitos como princípios determinantes, determinados pensamentos como o mistério do mundo material acessível aos filósofos.» – «Der deutsche Idealismus sondert sich durch keinen spezifischen Unterschied von der Ideologie aller andern Völker ab. Auch diese betrachtet die Welt als durch Ideen beherrscht, die Ideen und Begriffe als bestimmende Prinzipien, bestimmte Gedanken als das den Philosophen zugängliche Mysterium der materiellen Welt.», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), Vorrede; MEW, vol. 3, p. 14.
(98) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie, III, Der wahre Sozialismus, I, A; MEW, vol. 3, p. 455.
(99) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie, III, 1, Altes Testament: Der Mensch, 6, C; MEW, vol. 3, p. 218.
(100) Cf. HEGEL, Phänomenologie des Geistes (1807), Vorrede; TW, vol. 3, p. 56.
(101) Cf. HEGEL, Phänomenologie des Geistes, Vorrede; TW, vol. 3, p. 57.
(102) «O meu método dialéctico é, pela base [der Grundlage nach], não apenas diverso do de Hegel, mas o o seu contrário directo. Para Hegel, o processo de pensamento [der Denkproceß] – que ele transforma mesmo num sujeito autónomo, sob o nome de Ideia [Idee] – é o demiurgo do [efectivamente] real, que forma apenas o seu fenómeno exterior. Para mim, inversamente, o ideial [das Ideelle] não é nada senão o material [das Materielle] transposto para, e traduzido na, cabeça do ser humano.» – «Meine dialektische Mehtode ist der Grundlage nach von der Hegelschen nicht nur verschieden, sondern ihr direktes Gegentheil. Für Hegel ist der Denkproceß, den er sogar unter dem Namen Idee in ein selbstständiges Subjekt verwandelt, der Demiurg des Wirklichen, das nur seine äußere Erscheinung bildet. Bei mir ist umgekehrt das Ideelle nichts andres als das im Menschenkopf umgesetzte und übersetzte Materielle.», MARX, Das Kapital. Kritik der politischen Ökonomie. Erster Band. Hamburg 1872, Nachwort; MEGA2, vol. II/6, p. 709.
(103) «O concreto é concreto, porque é a reunião [die Zusammenfassung] de muitas determinações, [e,] portanto, [é] unidade do diverso. No pensar, ele aparece, por conseguinte, como processo da reunião, como resultado, não como ponto de partida, apesar de ele ser o ponto de partida [efectivamente] real, e, por conseguinte, também o ponto de partida da intuição e da representação.» – «Das Concrete ist concret weil es die Zusammenfassung vieler Bestimmungen ist, also Einheit des Mannigfaltigen. Im Denken erscheint es daher als Prozeß der Zusammenfassung, als Resultat, nicht als Ausgangspunkt, obgleich es der wirkliche Ausgangspunkt und daher auch der Ausgangspunkt der Anschauung und der Vorstellung ist.», MARX, Ökonomische Manuskripte 1857/58, Einleitung zu den “Grundrissen der Kritik der politischen Ökonomie”, I, 3; MEGA2, vol. II/1.1, p. 36.
(104) «Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert, es kömmt drauf an sie zuverändern.», MARX, Thesen über Feuerbach (1845), 11; MEW, vol. 3, p. 7.
(105) «Diese Forderung, das Bewußtsein zu verändern, läuft auf die Forderung hinaus, das Bestehende anders zu interpretieren, d. h. es vermittelst einer andren Interpretation anzuerkennen.», MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie (1845-1846), I, A, 1; MEW, vol. 3, p. 20.
(106) Cf. MARX-ENGELS, Die deutsche Ideologie, III, 1, Neues Testament: “Ich”, 5, III, 5; MEW, vol. 3, p. 332.
(107) Cf. MARX, Thesen über Feuerbach (1845), 8; MEW, vol. 3, p. 7.
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Abertura da Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx»












Abertura da Conferência «II Centenário do nascimento de Karl Marx»
Com a presente Conferência iniciamos as Comemorações do II Centenário do nascimento de Karl Marx, que decorrerão ao longo de todo o ano de 2018, sob o lema «Legado, Intervenção, Luta. Transformar o Mundo».
Nesta Conferência marcará presença a abordagem de temas de actualidade no campo da economia, da organização social, da política e da filosofia, utilizando e enriquecendo o legado conceptual de Karl Marx. Nestes dois dias dar-se-á expressão às novas realidades económicas e sociais do século XIX – o desenvolvimento do capitalismo e da grande indústria, a entrada da classe operária na cena da História – e apoiando-se nas aquisições do pensamento mais avançado do seu tempo – na filosofia (alemã), na economia política (inglesa) e no movimento socialista (francês) – Marx, em estreita colaboração com Engels, desenhou uma nova concepção do mundo, materialista e dialéctica, apontada à efectiva libertação da Humanidade de todas as formas de exploração e opressão.
Para um Partido da classe operária e de todos os trabalhadores, para um Partido marxista, comemorar a passagem dos duzentos anos do nascimento de Karl Marx é pôr em relevo a natureza, o significado, o desenvolvimento, o contributo para a transformação do mundo da obra do fundador do socialismo científico.
É renovar, na celebração deste acontecimento, o nosso compromisso de Partido patriótico e internacionalista com o projecto revolucionário da construção de uma sociedade nova, liberta da exploração do homem pelo homem, para a realização da qual Marx deu um contributo ímpar.
É erguer todas as nossas capacidades e energias para cumprir as tarefas da luta que travamos em defesa dos interesses dos trabalhadores.
Por mais que os seus adversários o pretendam iludir, as ideias de Marx são mais actuais do que nunca. O marxismo não é uma doutrina revelada, mas uma teoria intrinsecamente ligada com a prática, que se desenvolve e enriquece em função das novas realidades e com o progresso dos conhecimentos científicos.
Ao afirmar-se no palco da história como força social independente, com as suas reivindicações próprias que contestavam a exploração de que era vítima, a classe operária tornou patente que uma nova organização social devia substituir a sociedade capitalista.
Fundamentar a necessidade dessa substituição e indicar as condições objectivas que, pelas suas contradições, a possibilitavam, foi a tarefa que Marx empreendeu, em colaboração com o seu amigo e companheiro de luta, Friedrich Engels.
Isso implicou operar um revolucionamento na concepção filosófica da Natureza e da História, em que a primeira deixou de ser, como até então, considerada como algo de dado, acabado e eternamente repetido, e a segunda como o produto das ideias e acções de grandes homens.
Em contrapartida, para o novo pensar filosófico, que devemos a Marx e Engels, a realidade natural e social passou a ser apreendida no seu desenvolvimento histórico objectivo, resultante das suas contradições internas e da prática transformadora dos homens agindo sobre a Natureza para a satisfação das suas necessidades.
É nesta interacção, socialmente condicionada, com a Natureza que assentam a produção e a reprodução do viver dos homens, as quais determinam em «última instância» a sua história.
O marxismo nunca afirmou, ao contrário do que querem fazer crer os seus críticos ou inimigos declarados, gratos e obedientes ao capital, que o factor económico é o único determinante, reduzindo o marxismo, para melhor o combater, a um determinismo economicista.
A prossecução da vida humana tem-se processado até aqui, exceptuadas as comunidades primitivas, em sociedades divididas em classes sociais em luta pelos seus interesses antagónicos, cujo desenvolvimento histórico Marx e Engels magistralmente evocam no seu Manifesto do Partido Comunista.
Luta essa, que continuava a desenvolver-se e a aprofundar-se sob os seus olhos e dela foram activos intervenientes, participando directamente nos combates revolucionários do seu tempo, nomeadamente nas revoluções de 1848/1849.
Mas foram também, além disso, os seus fiéis porta-vozes e intérpretes, discernindo e evidenciando o papel de vanguarda da classe operária e das massas trabalhadoras na luta contra a exploração capitalista, e de força social a quem, pelas suas condições objectivas de existência, cabe a missão histórica de pôr fim à dominação da burguesia, destruindo o instrumento dessa dominação — o aparelho de Estado burguês — e instituindo um Estado proletário que se extinguirá à medida que se torne realidade o seu objectivo de construção de uma sociedade em que foram eliminadas as classes e, por conseguinte, a possibilidade da exploração do homem pelo homem.
Marx e Engels mostraram igualmente que, na sua libertação do jugo do capital, a classe operária precisa de se organizar em Partido autónomo, com um programa de classe próprio — o Partido Comunista —, pois, como escreveram, «os comunistas são, na prática, o sector mais decidido, sempre impulsionador, dos partidos operários de todos os países» e «na teoria, eles têm, sobre a restante massa do proletariado, a vantagem da compreensão das condições, do curso e dos resultados gerais do movimento proletário».
O proletariado, mesmo constituindo a grande massa da população do planeta, só terá condições de levar a cabo o seu papel histórico elevando a sua organização. Nas palavras de Marx, «o número só pesa na balança se unido pela combinação e guiado pelo conhecimento». Foi essa convicção que levou à fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores, a primeira organização internacional de massas do proletariado, de que Marx e Engels foram os principais dirigentes.
Estes e outros ensinamentos extraídos da análise da realidade histórica objectiva deram um conteúdo concreto à afirmação de Marx, segundo a qual «os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade, em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente encontradas, dadas e transmitidas.»
Não tem qualquer sentido a acusação, nada inocente, de teleologismo atribuída ao marxismo por certos teóricos. O acontecer histórico não está pré-estabelecido, é a realização pela prática transformadora de possibilidades abertas pelas contradições existentes na realidade efectiva e com que os homens se confrontam.
Dizia Marx que o «mérito» da concepção materialista dialéctica do mundo, assim se designa o novo modo de conceber a Natureza e a História a que atrás aludimos, e que, por volta de 1845, Marx e Engels elaboram em obras como a Ideologia Alemã e As teses sobre Feuerbach, e que está na base do primeiro programa de acção dos comunistas, organizados na Liga dos Comunistas, o Manifesto do Partido Comunista, apresentado em 1848 «abertamente perante o mundo inteiro», como nele se proclama — o seu «mérito» consistia em que «nós não queremos antecipar dogmaticamente o mundo, mas encontrar, a partir da crítica do mundo velho, o mundo novo».
Rejeitando por isso «a construção [artificial] do futuro e o aprontar [de planos] para todos os tempos», a que se dedicavam os socialistas utópicos, e ao mesmo tempo desmistificando a apologética capitalista que apresentava o capitalismo como o «fim da história» — espécie de tábua de salvação a que os ideólogos do capitalismo sempre se agarram quando as crises inerentes ao sistema o põem em causa —, Marx vai aliar «a crítica sem contemplações de todo o existente» à prática revolucionária de superação da sociedade capitalista que tem como objectivo estratégico construir uma sociedade comunista que, em O Capital, Marx define como «uma associação de homens livres que trabalham com meios de produção comunitários e que despendem autoconscientemente as suas muitas forças de trabalho individuais como uma força de trabalho social».
Uma sociedade, portanto, em que seja resolvida a contradição fundamental que caracteriza o capitalismo: a contradição entre a produção social e a apropriação privada do seu produto dada a propriedade dos meios de produção pelos capitalistas.
Uma sociedade em que seja posto fim à escravidão assalariada a que a sociedade capitalista condena os trabalhadores por não terem nada de seu a não ser a sua força de trabalho, e que permite aos capitalistas que a compram, numa relação contratual aparentemente equitativa, fazer com que ela lhe produza gratuitamente um valor para além daquele que em troca retribui aos que a despendem sob a forma de salário. Este apenas corresponde ao mínimo necessário para a reposição da força de trabalho dos assalariados e não ao valor por eles criado.
Os capitalistas apropriam-se deste sobretrabalho sob a forma de mais-valia, sendo esta apropriação a essência da produção capitalista, própria apenas dela. Com razão dizia Lénine que a teoria da mais-valia de Marx constituía a pedra angular da sua doutrina económica.
Uma sociedade em que seja a satisfação das necessidades sociais e não a procura do lucro máximo o objectivo da produção social, pois este, desencadeando uma concorrência anárquica entre os capitalistas, leva-os a investir cada vez mais em meios de produção para aumentar a sua produção, aumentando em consequência o exército de reserva de mão-de-obra, e fazendo com que a capacidade de consumo, nomeadamente o consumo pessoal maioritariamente feito pelas massas trabalhadoras, não acompanhe o crescimento dos bens produzidos, que se tornam «excedentários» no mercado mas «deficitários» para assegurar uma vida condigna para todos.
Uma sociedade que, como Marx advertiu, tem de ser configurada «não como ela se desenvolveu a partir da sua própria base, mas, inversamente, tal como precisamente ela sai da sociedade capitalista; [uma sociedade comunista] portanto, que, sob todos os aspectos — económicos, de costumes, espirituais — ainda está carregada das marcas da velha sociedade, de cujo seio proveio».
No rasgar dos caminhos do futuro, a leitura e estudo das obras dos clássicos do marxismo-leninismo é indispensável, sendo de destacar a obra magna de Marx, O Capital, cuja actualidade não reside em nos dar receitas já prontas para os novos fenómenos e contradições que o desenvolvimento do capitalismo vai manifestando e que nos confrontam, mas porque os conceitos e o método de análise da realidade desenvolvidos por Marx, e presentes em O Capital, mostram ser capazes de dar conta das configurações actuais do capitalismo, de apreender a suas contradições e dinâmica. Isso implica simultaneamente um enriquecimento criativo desses conceitos e método no seu confronto concreto com o que é novo e a aferição dos resultados com eles obtidos pela acção prática transformadora, pela acção revolucionária neles inspirada.
O património teórico que a prodigiosa actividade científica e revolucionária de Marx legou à Humanidade não é, como o próprio Marx repetidamente sublinhou, algo de intemporal e acabado, mas ponto de partida para novos aprofundamentos e novos desenvolvimentos no conhecimento e na resposta às realidades de um sistema assente na exploração capitalista, num mundo em constante mudança.
Um património tão sólido e verdadeiro que não só resistiu à erosão do tempo como, tomado como seu pelo movimento operário e amplas massas populares, se afirmou como a mais poderosa arma de transformação social emancipadora.
Um património que, acompanhando os prodigiosos progressos da ciência, se enriqueceu e desenvolveu com a luta do movimento comunista e revolucionário mundial e as experiências de inúmeros combates libertadores dos trabalhadores dos países capitalistas, do movimento de libertação dos povos colonizados, dos países socialistas, de amplos movimentos democráticos, anti-imperialistas e em defesa da paz.
Na passagem do capitalismo, no final do século XIX, à sua fase monopolista colocaram-se numerosas questões de carácter teórico e prático para cuja compreensão e solução Lénine deu uma genial contribuição, nomeadamente com a análise do imperialismo, a concepção de partido proletário de “novo tipo”, a questão do Estado, a táctica e estratégia da classe operária para conquistar o poder político e na construção do socialismo. Obras como «Que Fazer?», «Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo» ou «O Estado e a Revolução», escritas no calor da luta e baseadas no estudo das novas realidades, testemunham bem que “o marxismo não é um dogma mas um guia para a acção” e que “a análise concreta da situação concreta é a alma do marxismo”.
Com Lénine o marxismo conheceu um desenvolvimento tão marcante que o seu nome ficou justamente associado ao de Marx no conceito de marxismo-leninismo, numa relação tão profunda que deita por terra recorrentes ofensivas revisionistas que tentam opor Lénine a Marx.

A Revolução de Outubro, com a conquista do poder pela classe operária e o empreendimento da nova sociedade socialista, confirmou o carácter transitório do capitalismo e as teses fundamentais de Marx relativas à missão histórica da classe operária, ao papel das massas como o grande sujeito da transformação social, ao Estado e à superioridade da democracia socialista, à exigência de socialização dos principais meios de produção e outras.
Simultaneamente, a Revolução de Outubro e a construção do socialismo na União Soviética e noutros países trouxeram consigo novas experiências e propiciaram, e propiciam, novos desenvolvimentos do pensamento marxista na época que vivemos da passagem do capitalismo ao socialismo.
Aqueles que, perante as trágicas derrotas do socialismo no findar do século XX, procuram descredibilizar o marxismo-leninismo e o próprio Marx deveriam saber que o pensamento marxista sempre se desenvolveu tirando lições das experiências positivas e negativas do movimento operário, das vitórias e derrotas da luta emancipadora dos trabalhadores e dos povos.
Os comunistas não têm medo da verdade por mais dura que seja. O marxismo é uma teoria que afastada da realidade social e desligada das massas estiola. Equivocam-se os que vêem nos clássicos um catálogo de respostas prontas a usar para os problemas concretos da luta revolucionária, pois esta só pode ser encontrada na análise concreta da realidade de cada país.
E, quanto a isto, o nosso Partido encontra no seu percurso de luta ao serviço dos trabalhadores, do povo e do país, motivos de orgulho pela sua contribuição para a difusão, confirmação e enriquecimento de teses fundamentais do pensamento marxista.
Atento às leis gerais do desenvolvimento social, mas elaborando a sua linha política e desenvolvendo a sua acção com base na concreta realidade do país, o PCP contribuiu com experiências de muito valor para o movimento comunista internacional, em que avulta a elaboração de um programa, o Programa da Revolução Democrática e Nacional, que teve o mérito histórico de ter sido, nas suas linhas gerais, confirmado pela Revolução de Abril, revolução que em si mesma é ela também uma valiosa contribuição para o enriquecimento da experiência e da teoria marxista.
Vivemos e agimos no século XXI. Profundas transformações se deram no mundo de Marx até aos dias de hoje, incluindo no próprio capitalismo, que no seu desenvolvimento nos colocou perante fenómenos novos e imprevistos a exigirem permanentes e aprofundadas análises.
Mas nem o capitalismo mudou de natureza, nem perdeu actualidade e capacidade operativa na análise e compreensão da realidade de hoje o corpo teórico original de Marx, antes se ampliou a sua capacidade com a inclusão dos contributos de cada nova geração de estudiosos e revolucionários e as experiências de luta do movimento comunista e operário e internacional.
Nesta nossa Conferência isso se tornará evidente, estou certo, mostrando que a grande maioria das leis descobertas por Marx opera ao longo de toda a história da formação capitalista. Da história desse sistema destruidor, como Marx o afirmou, e a vida de hoje o confirma com o refinamento da sua natureza exploradora, opressiva, agressiva e predadora.
Refinamento que se vê com particular clareza no desenvolvimento da última grande crise cíclica do sistema capitalista, desencadeada em 2007/8 e que estende até ao presente. Uma crise que se traduziu num pesado fardo de programas de ajustamento para as costas dos trabalhadores e dos pobres, no agravamento das condições de exploração do trabalho, ao mesmo tempo que se ofereciam recursos abissais ao grande capital, particularmente para o sistema financeiro. Os recursos oferecidos, como já se publicitou, são superiores ao total de receitas arrecadadas com todas as privatizações efectuadas até hoje, enquanto as verbas dos programas de resgate poriam fim à pobreza mundial durante os próximos 50 anos.
Uma gigantesca operação de expropriação dos trabalhadores e dos povos, na qual o Estado do sistema político liberal-burguês, transmutado em Estado Regulador pela ideologia neoliberal dominante, desempenhou de forma mais aberta e menos dissimulada um papel central, ora legitimando a usurpação, ora apurando os mecanismos de exploração do trabalho a coberto da crise, ora garantindo a reprodução da dominação económica e social pelo capital, confirmando a natureza de classe do Estado que Marx identificou e fundamentou.
Perante o aprofundamento da sua crise estrutural, o capitalismo assume de forma crescente a sua vertente destruidora de vidas e de recursos.
Incapaz de ultrapassar as insanáveis contradições inerentes ao seu «código genético», insaciável na avidez de apropriação e acumulação de capital sem limites, o capitalismo conjuga a sua natureza opressora com modalidades novas e mais complexas de exploração do trabalho e de predação planetária, que se acentuou com os processos de globalização capitalista e de financeirização da economia, ligadas que estão na resposta à queda tendencial da taxa média de lucro.
Processos que prosperam e se afirmam no plano político à sombra da cooperação estratégica entre as forças mais reaccionárias e conservadoras e a social-democracia e com o Estado a assumir a função de promotor do capital privado, mercantilizando todos os domínios e sectores da vida económica e social.
O capital tenta contrariar os efeitos da crise estrutural através da baixa salarial, da redefinição do trabalho no sistema produtivo e da liquidação dos direitos económicos, sociais e culturais.
A globalização capitalista e os seus processos de liberalização planetária dos mercados e da livre circulação de capitais, sob o domínio da ditadura das grandes corporações transnacionais, acentuam igualmente o processo de concentração e centralização de capital. Hoje um milhar e meio de grandes empresas multinacionais controlam mais de 60% da economia mundial.
Processos que Marx com perspicácia antecipou, vinculados à busca incessante de produção e apropriação de mais-valia e quando apenas se via em estado embrionário.
As suas consequências são o agravamento da exploração, o desemprego, a precariedade, o aumento das injustiças e desigualdades sociais, o ataque a direitos sociais e laborais, a negação de liberdades e direitos democráticos, mas também a guerra, que surge cada vez mais como a resposta à crise do sistema de exploração e opressão.
O desenvolvimento da crise do capitalismo confirma as teses fundamentais de Marx, mas também de Lénine, sobre as leis que regem o capitalismo na sua fase imperialista. Elas põem em evidência a lei de baixa tendencial da taxa de lucro elaborada por Marx; da tendência para a financeirização da economia, que dirige o capital para a especulação em detrimento do investimento produtivo; a lei da pauperização relativa; a lei do desenvolvimento desigual; a tendência para a estagnação, traduzida na quebra do crescimento do PIB dos principais países capitalistas.
A incapacidade do capitalismo para ultrapassar as suas próprias contradições está bem presente na evolução da sua crise. Desde logo, a contradição entre o capital e o trabalho e a luta permanente em torno da taxa de mais-valia. Mas também a fundamental contradição que caracteriza o capitalismo: a contradição entre carácter social da produção e a sua apropriação privada que se revela cada vez mais aguda.
O capitalismo não é o «fim da História». Como todos os sistemas precedentes, o capitalismo é um modo de produção transitório. A superação revolucionária das suas insanáveis contradições é uma exigência do desenvolvimento social.
Em permanente confronto com as necessidades, os interesses, e as aspirações dos trabalhadores e dos povos, a superação do capitalismo assume-se, com crescente acuidade, por diferentes caminhos e etapas, como objectivo da luta dos trabalhadores e dos povos, enquanto perspectiva e condição de futuro inseparável da plena libertação e realização humanas.
Superação que exige a participação consciente dos trabalhadores e dos povos, a sua unidade, organização e luta no processo de transformação social e, particularmente, o papel histórico da classe operária e dos seus aliados no porvir da sociedade nova, liberta da exploração.
Exige a valorização do papel da luta de massas, factor determinante e decisivo, para assegurar o êxito de qualquer projecto de transformação social progressista, que sirva os trabalhadores e os povos, conscientes que somos do papel da luta de classes como motor da história, e que K. Marx e F. Engels genialmente revelaram.
Precisa de um Partido Comunista forte e permanentemente reforçado, assumindo o seu papel de vanguarda em estreita ligação à classe operária, aos trabalhadores e ao povo.
Um Partido munido dos instrumentos teóricos do marxismo-leninismo. Um Partido que age e luta permanente e quotidianamente em defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo.
Coube a Marx o mérito de ter desvendado a missão histórica da classe operária e, com Engels, ter fundado o partido revolucionário de vanguarda do proletariado e elaborado o primeiro programa comunista. Desde então o movimento comunista tornou-se uma grande força revolucionária, de que são inseparáveis os grandes avanços libertadores entretanto alcançados.
Foi neste processo mundial de alargamento da difusão do marxismo que, em 1921, foi fundado o Partido Comunista Português. Um Partido Comunista que não abdica de o ser, consciente e orgulhoso do seu papel, firme no seu ideal e na afirmação do seu projecto transformador e revolucionário de luta pela construção do socialismo e do comunismo.
Certos de que desta Conferência, com que o PCP inicia as comemorações do II Centenário do nascimento de Karl Marx, resultarão frutuosas contribuições para a análise e para uma intervenção transformadora da realidade do capitalismo com que nos confrontamos, a todos desejamos dois proveitosos e agradáveis dias de trabalho.
Com a convicção profunda que com Marx aprendemos de que é preciso explicar o mundo para o transformar, reafirmamos que, neste combate, podeis sempre contar com o Partido Comunista Português.
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Graciete Cruz:

 Transformações na estrutura e composição das classes sociais

Para o PCP, «o partido político do proletariado, o partido da classe operária e de todos os trabalhadores portugueses», partido que «tem como base teórica o marxismo-leninismo», as comemorações do II Centenário do Nascimento de Karl Marx constituem, em si mesmas, uma oportunidade de excepcional importância para sublinhar a validade e a actualidade do legado do fundador do socialismo científico.
Validade e actualidade que não decorrem de uma visão dogmática e fechada da teoria marxista – por natureza criativa – mas antes da sua concepção materialista e dialéctica, do acerto dos seus princípios e conceitos fundamentais, confirmados e desenvolvidos à luz da realidade da evolução social e de experiências históricas concretas, de que a Revolução de Outubro foi e constituiu a primeira grande comprovação.
«A sociedade actual não é nenhum cristal fixo, mas um organismo vivo capaz de transformação e constantemente compreendido num processo de transformação» diz Marx no prefácio à primeira edição de O Capital.
Naquela que é a sua obra maior, Marx debruça-se sobre a realidade económica e social do modo de produção capitalista, avança a possibilidade de uma transformação geral das relações sociais, que se traduziria na abolição da divisão da sociedade em classes, na edificação da sociedade comunista.
Possibilidade decorrente da verificação de factores como o desenvolvimento das contradições inerentes ao próprio sistema capitalista - e, desde logo, da sua contradição fundamental: a contradição entre o carácter social da produção e a apropriação privada dos meios de produção -, o papel e a intervenção da classe dos operários assalariados e a sua constituição em partido político, num «partido político distinto, oposto a todos os antigos partidos formados pelas classes possidentes», condição «indispensável para assegurar o triunfo da Revolução social e do seu objectivo supremo: a abolição das classes.».
Questão central da teoria marxista, desde logo, no Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, é o papel da luta de classes - e nela o da classe operária, como força motriz da liquidação do capitalismo e da edificação da sociedade nova, liberta da exploração do Homem pelo Homem.

«A história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes»vi afirma-se logo no início do capítulo I. O título do capítulo identificava já as duas classes fundamentais em presença - «Burgueses e Proletários» - mas Engels, numa nota à edição inglesa de 1888 do Manifesto, dá-lhes sentido distintivo mais preciso: «Por burguesia entende-se a classe dos Capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social e empregadores de trabalho assalariado. Por proletariado, a classe dos trabalhadores assalariados modernos, os quais, não tendo meios próprios de produção, estão reduzidos a vender a sua força de trabalho para poderem viver», proletários que «só vivem enquanto encontram trabalho e só encontram trabalho enquanto o seu trabalho aumenta o capital».
Aquele que se constituiu como documento programático do comunismo de base científica e guia de acção do movimento operário revolucionário aponta, de forma clara, a missão histórica universal da classe operária: o derrube da burguesia e a conquista do poder pelo proletariado, a transformação revolucionária da sociedade.
Mas, como Lénine observou, «para a revolução não basta que as classes exploradas e oprimidas tenham consciência da impossibilidade de viver como dantes e exijam mudanças».
Desde a morte de Marx e de Lénine, o mundo conheceu transformações profundas nos planos económico, social e político mas o «sistema de teorias que explicam o mundo e indicam como transformá-lo»x não perdeu validade. Tal como sublinhou Álvaro Cunhal em O Partido com Paredes de Vidro, «Os princípios do marxismo-leninismo constituem um instrumento indispensável para a análise científica da realidade, dos novos fenómenos e da evolução social e para a definição de soluções correctas para os problemas concretos que a situação objectiva e a luta colocam às forças revolucionárias.».
Coloca-se-nos, assim, como questão primordial e intemporal, a exigência de aprofundamento e desenvolvimento da análise da realidade portuguesa, da composição social da sociedade e da arrumação das forças em presença.

O proletariado e a burguesia dos nossos dias não são os mesmos que na época de Marx. A sua transformação reflecte uma realidade social que se complexifica, em resultado do desenvolvimento das forças produtivas e das formas de apropriação dos resultados da produção. E a verdade é que, de Marx aos nossos dias, o modo de produção capitalista conheceu grandes e aceleradas transformações: o capitalismo da livre concorrência passou à fase do capitalismo monopolista e de seguida à do capitalismo monopolista de estado, que conhece novos desenvolvimentos, em resultado, designadamente, da crescente ligação do grande capital em cada país ao grande capital transnacional e da «fusão do poder dos grandes monopólios transnacionais com o poder político dos principais Estados imperialistas e das instituições supranacionais que estes determinam». Não mudou, porém, a essência das relações de produção capitalistas, a que é inerente a exploração do trabalho assalariado.
O nosso processo de aferimento e as conclusões a que hoje chegamos fundam-se, assim, no marxismo, no seu desenvolvimento e na sua aplicação criadora, pesem embora as invectivas grosseiras daqueles que, no dizer de Marx: «derramam as suas trivialidades ignorantes e as suas manias sectárias no tom oracular da infalibilidade científica.».
A nossa análise baseia-se numa estrutura de classes que assenta em duas classes fundamentais - classe operária e burguesia - e dois grupos intermédios, as camadas intermédias assalariadas e as camadas intermédias não assalariadas.
Classe operária, «fundamentalmente constituída pelos trabalhadores assalariados em que é dominante o trabalho directamente produtivo, exercendo a sua actividade nas esferas económicas de produção material, onde não desempenham funções superiores de direcção ou de mera vigilância no enquadramento de outros trabalhadores».
Camadas intermédias assalariadas, constituídas «basicamente por todos os assalariados não operários», incluindo «a esmagadora maioria dos assalariados administrativos, do comércio e dos serviços e … dos assalariados das profissões intelectuais e científicas» e excluindo «os falsos assalariados, que pertencem às camadas superiores da burguesia, como os directores e os membros dos conselhos de administração das grandes empresas, e aqueles que, com funções superiores de direcção e enquadramento, nas grandes empresas privadas ou na administração e instituições públicas, são os seus auxiliares directos na manutenção do regime de exploração».
Camadas intermédias não assalariadas, que «incluem a pequena burguesia e camadas inferiores da burguesia». Pequena burguesia «a classe social constituída pelos trabalhadores por conta própria, possuindo meios de produção ou distribuição, recorrendo fundamentalmente a mão-de-obra familiar e, regular ou excepcionalmente, a um número muito reduzido de assalariados». Camadas inferiores da burguesia «a fracção da burguesia constituída pelos micro empresários […] e pelos pequenos empregadores, com profissões intelectuais e científicas ou técnicas, da indústria, do comércio e serviços ou do sector primário».
Burguesia, «constituída, fundamentalmente, pelos proprietários dos meios de produção e de troca, que vivem da exploração do trabalho alheio […]; todos quantos vivem de grandes rendimentos da propriedade», bem como «os seus auxiliares directos no enquadramento e comando da produção, distribuição, repartição, vida e ordem sociais».
Foi partindo desta arrumação da população que, desenvolvendo e aprofundando abordagens anteriores, em 2004, o XVII Congresso do Partido avançou no estudo da composição e da arrumação das forças de classe na sociedade portuguesa. Era, então, evidente a forte acentuação da polarização social: «Num pólo, a classe operária, a que se agrega o conjunto dos assalariados, todos os explorados, a esmagadora maioria da população. No outro pólo, a burguesia monopolista, a grande burguesia, uma ínfima minoria que comanda o sistema de exploração». Aumentava a complexidade da composição da classe operária que, ainda que menos representada no total dos assalariados, numa visão lata e conforme à realidade do trabalho produtivo, abrangia já parte dos serviços e «parte crescente do trabalho intelectual».
Mais de uma década depois, a observação da realidade actual confirma o acerto da análise e das conclusões essenciais então extraídas. Sem sermos exaustivos e conscientes da fragilidade dos dados estatísticos, tomamos como referência o extraído pelo Partido em 2004, a partir, designadamente, do Censos da População de 2001, em comparação com dados mais recentes, numa base nem sempre coincidente, de várias fontes estatísticas oficiais, na sua maioria referentes ao ano de 2016.
Assim, a população total residente diminuiu - de 10 milhões e 356 mil para 10 milhões e 306 mil e 400 habitantes -, tendo registado significativas variações no período abrangido (crescimento até 2011, fruto do salto migratório, e diminuição desde então, com abrandamento das entradas e exponencial aumento das saídas, em particular na vigência do governo PSD/CDS-PP, e alguma recuperação no final do período em análise); manteve-se a tendência de crescimento do assalariamento, acima da progressão da população activa.
Na classe operária, o proletariado industrial, que, antes, registara algum aumento, perde agora peso e decresce mais no conjunto dos assalariados, reflectindo a crescente desindustrialização do país; o proletariado agrícola e o das pescas continuaram a sua trajectória descendente, enquanto o proletariado dos serviços cresceu, se bem que menos que no período anterior, vendo ainda reduzido o seu peso nos assalariados; alargou-se, grandemente, o conjunto dos assalariados intelectuais e quadros técnicos que intervêm directamente na produção. Numa visão alargada e numa estimativa por defeito, aponta-se para 2 milhões e 62 mil o número de assalariados que, em 2016, integrariam a classe operária, a que haveria que acrescentar milhares de imigrantes clandestinos (só em 2016 foram detectados 2 461 imigrantes em situação irregular), bem como parte dos falsos trabalhadores independentes, que em 2015, segundo a OIT, representariam cerca de 4% do emprego.
Já no que se refere às camadas intermédias assalariadas, o seu crescimento assenta, fundamentalmente, nos assalariados intelectuais e quadros técnicos, enquanto, neste grupo, os outros assalariados perdem peso entre 2011 e 2016.
As camadas intermédias não assalariadas, por seu lado, continuaram a diminuir o seu peso na população activa, confirmando-se a tendência de instabilidade social da pequena burguesia que, só entre 2011 e 2016, viu reduzir-se em 203? mil o número de trabalhadores por conta própria. O campesinato continuou a perder peso, num contexto em que apenas cerca de 14% da população agrícola familiar trabalhava a tempo completo na exploração.
A burguesia volta a crescer, elevando o seu peso na população activa. Segundo o Banco de Portugal, as grandes empresas, ou seja, 0,3% das 418 000 empresas não financeiras em actividade em 2016, geraram 40% do volume de negócios, o que revela a elevada concentração económica do grande capital, sendo que só o comércio representou 38% da facturação. Entretanto, as actividades financeiras, de seguros e imobiliárias tiveram um peso no PIB da ordem dos 14%. A grande burguesia continua a reforçar o seu poderio económico, nomeadamente em sectores estratégicos para o desenvolvimento do país, e a sua influência na vida social e política. Ao mesmo tempo, cresce a integração de grupos a operar no país em grupos económicos transnacionais, cada vez mais submetidos aos objectivos da globalização capitalista e dos que dela beneficiam, em detrimento dos interesses nacionais.
«A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente os instrumentos de produção, portanto as relações de produção, portanto as relações sociais todas.», dizem Marx e Engels no Manifesto.
Bem o sabemos! Num tempo de aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, aí está a chamada 4ª Revolução Industrial, por ele comandada, visando o abaixamento dos custos de produção à custa do aumento da exploração e do próprio direito ao trabalho. Objectivos que os arautos do sistema e os média ao seu serviço reconduzem a uma suposta inevitabilidade histórica, que decorreria da substituição do trabalho humano pela máquina “pensante” e do seu impacto no emprego. Caminho idealizado para atingir um outro objectivo de sempre do capitalismo: pôr fim ao protesto e à luta organizada dos trabalhadores, à luta de classes.
A chamada 4.ª Revolução Industrial está aí, determinará novas transformações na arrumação das forças de classe mas o seu rumo não é imutável. A luta de classes está viva e existirá enquanto subsistir a opressão e a exploração de uma classe sobre outra classe: o capitalismo.
Em 1864, em sessão pública inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores, dirigindo-se aos operários, diz Marx: «[…] tornou-se agora uma verdade demonstrável a todo o espírito sem preconceitos e apenas negada por aqueles cujo interesse está em confinar os outros a um paraíso de tolos que nenhum melhoramento da maquinaria, nenhuma aplicação da ciência à produção, nenhuns inventos de comunicação, nenhumas novas colónias, nenhuma emigração, nenhuma abertura de mercados, nenhum comércio livre, nem todas estas coisas juntas, farão desaparecer as misérias das massas industriosas; mas que, na presente base falsa, qualquer novo desenvolvimento das forças produtivas do trabalho terá de tender a aprofundar os contrates sociais e a agudizar os antagonismos sociais.».
São e serão esses contrates e esses antagonismos sociais e de classes - inconciliáveis por natureza - que, concorrendo para a percepção da exploração, das relações e contradições que se estabelecem entre as classes na produção material e na própria existência, forjando a consciência de classe, conduzirão à incorporação, na organização e na luta da classe operária e dos trabalhadores assalariados, de outros sectores e camadas ainda tolhidos pelo universo enganador das ideias difundidas pela ideologia dominante.
As transformações operadas e as que, hoje em dia, se perfilam no horizonte não só não põem em causa o carácter essencial da luta de classes na transformação revolucionária da sociedade como se mantém actual o sistema das alianças básicas da classe operária – campesinato, intelectuais e camadas intermédias -, implicando, isso sim, o reforço da importância da aliança com os intelectuais e outras camadas intermédias. Classe operária que continua, na etapa actual da revolução, a desempenhar o seu papel histórico de vanguarda revolucionária, agregador de outras classes e camadas anti-monopolistas, na formação da frente social ampla, indispensável à concretização da alternativa política necessária e à edificação da sociedade nova.
E, mais cedo que tarde, decorrente do processo de amadurecimento das condições objectivas e subjectivas necessárias, a revolução eclodirá. Quando, no dizer de Lénine, «os exploradores não possam viver e governar como dantes. Só quando os «de baixo» não querem o que é velho e os «de cima» não podem como dantes, só então a revolução pode vencer.».
 
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A Conferência poderá ser acompanhada em directo em

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Durante o ano de 2018, o Partido Comunista Português assinala o II Centenário do nascimento de Karl Marx, sob o lema «II Centenário do Nascimento de Karl Marx – legado, intervenção, luta. Transformar o mundo».

Inserida no conjunto das comemorações, terá lugar a 24 e 25 de Fevereiro de 2018, na Voz do Operário, em Lisboa, a Conferência do PCP Comemorativa do II Centenário do Nascimento de Karl Marx tendo por objectivo a abordagem de temas da actualidade no campo da economia, da organização social, da política e da filosofia utilizando e enriquecendo o legado conceptual de Marx, com vista não apenas à apreensão teórica da sua dinâmica histórica, mas à abertura de perspectivas de uma intervenção transformadora da realidade do capitalismo com que nos confrontamos.

É com estes objectivos que o/a convidamos a participar nesta Conferência e aprofundar o legado inspirador e emancipador de Karl Marx.

Como disse Álvaro Cunhal, comemorar «é memoriar o passado distante e recente, mas não apenas memoriar o passado. Comemorar [...] é uma forma de intervir e lutar no presente, e de perspectivar com confiança a luta futura».
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21feVER2018
Em Fevereiro de 1848 é editado em Londres o «Manifesto do Partido Comunista». Os seus autores eram Karl Marx e Friedrich Engels.

Não foi apenas a escolha de um nome, mas uma declaração programática, ter sido editado o Manifesto Comunista com o título de Manifesto do Partido Comunista.

O projecto, não só de luta com objectivos a curto e médio prazo, mas de superação do capitalismo e de construção do socialismo continha, como um elemento central, a existência e acção não só de um novo partido, mas de um partido novo.

Um partido independente dos interesses, dos objectivos, da ideologia das forças do capital. Um partido da classe operária, como sublinhou Engels, “constituído, não como a cauda de qualquer partido burguês, mas sim como partido independente, que tem o seu próprio objectivo, a sua própria política”.

Manifesto do Partido Comunista (pdf):https://goo.gl/u3BQ5B
Artigo de Álvaro Cunhal nos 150 do Manifesto:https://goo.gl/XQyeLh

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in militante jan/fev2018

Lutar e aprender com Marx

A entrada de um Novo Ano é sempre motivo de balanço do ano que finda e ocasião para desenhar a intervenção que melhor sirva os trabalhadores e o povo e aproxime o momento da viragem que se impõe na vida política nacional com a concretização da política patriótica e de esquerda preconizada pelo PCP. É simultaneamente tempo de esperança, tempo em que a tradição manda que, deitando fora o que é velho e caduco, renovemos o compromisso militante para com o projecto comunista que constitui a principal razão de ser do nosso Partido e da nossa luta.
Claro que a simples viragem de folha do calendário não introduz por si só qualquer elemento objectivo novo. A situação internacional continua carregada de perigos, em resultado das tentativas do imperialismo para ultrapassar a crise que grassa no sistema capitalista e defender a todo o custo, inclusive com o recurso ao fascismo e à guerra, uma hegemonia em evidente declínio. No espaço da União Europeia a que Portugal foi amarrado, a resposta da Alemanha e do directório que o comanda às dificuldades e contradições que o percorrem continua a ser a «fuga para diante» com o reforço dos seus pilares neoliberal, militarista e federalista. E em Portugal, ao mesmo tempo que são de valorizar os novos avanços na recuperação de direitos e rendimentos que o Orçamento de Estado para 2018 consagra, não pode deixar de se assinalar o seu carácter insuficiente e limitado e, sobretudo, o facto de que o governo minoritário do Partido Socialista continua amarrado aos interesse do grande capital e submisso a imposições externas que impedem a solução dos problemas estruturais do país e comprometem a soberania de Portugal.
Mas no balanço do ano que ficou para trás há elementos importantes que é necessário valorizar e que constituem um sólido ponto de partida e uma clara linha de orientação para a acção a desenvolver no novo ano. Sublinhem-se particularmente dois. O primeiro, o desenvolvimento da luta de massas sem a qual não teria sido possível forçar o governo minoritário do PS a reconhecer importantes reivindicações que o seu programa não contemplava, e que, do mesmo passo, está a pôr em evidência as amarras de classe do PS, bem patentes em relação à legislação laboral ou ao salário mínimo nacional. O segundo, o papel do PCP nos avanços alcançados: tudo o que de mais positivo o Orçamento de Estado contém tem a marca ou o apoio dos comunistas portugueses. A conclusão a tirar é evidente: a intensificação da luta de massas em todas as frentes e o reforço do PCP são uma vez mais as duas principais tarefas colocadas ao colectivo partidário.
A segunda metade do ano ficou marcada pela intensificação e diversificação da luta popular, a começar pela luta nas empresas e locais de trabalho e envolvendo um amplo conjunto de sectores profissionais. Para além da grande Manifestação Nacional de 18 de Novembro promovida pela CGTP/Intersindical tiveram lugar importantes lutas dos trabalhadores da Administração Pública, do sector da Saúde, dos Professores, do Comércio, do sector mineiro, dos transportes, das comunicações, da Autoeuropa, dos CTT e muitas outras. Perante esta realidade o grande patronato e as suas Confederações agitam-se, erguem-se em defesa da «paz social» e da colaboração de classes, reclamam do Governo mais benesses, procuram, com a ajuda do sindicalismo amarelo, impor na chamada concertação social as suas posições, ameaçam com fuga de capitais e apelam mesmo a sanções da UE. E claro, depois de ser acusado de «refrear» o descontentamento popular para fazer um frete ao Governo do PS, o PCP é agora acusado de, devido ao resultado nas eleições autárquicas, estar a agitar artificialmente o mundo do trabalho. Estamos habituados a tais diatribes. Preso por ter cão preso por não ter. A verdade é que há problemas a exigir solução urgente no campo de salários e rendimentos, do investimento nos serviços públicos, do emprego com direitos e a resposta é sempre a mesma: «não há dinheiro», ao mesmo tempo que se escoam milhões e milhões no serviço de uma dívida que deve ser renegociada, no apoio à Banca, nas PPP, nos lucros de grandes empresas que, como a EDP ou os CTT, foram privatizadas e entregues à gula do capital monopolista nacional e estrangeiro. Neste contexto a luta não só tem de prosseguir como se deverá intensificar e os comunistas estarão como sempre na primeira linha.
Esse é, aliás, o único caminho para romper com a política de direita e com os constrangimentos externos que impedem a solução dos problemas estruturais do país, o único caminho para alcançar a alternativa patriótica e de esquerda que o PCP propõe, cujo conteúdo tem de ser objecto de um esforço suplementar de divulgação e explicação entre as massas, pois só com o apoio e a intervenção das próprias massas será possível a viragem que se impõe na vida do país. Viragem que na perspectiva do PCP é parte integrante e inseparável da luta por uma democracia avançada que, no caminho aberto pela Revolução de Abril, constitui a etapa actual da luta pelo socialismo em Portugal. O que, por sua vez, exige o reforço do PCP, dos seus efectivos, da sua ligação às massas, da sua iniciativa política. Um Partido mais forte dará mais força à aspiração e à luta da classe operária, dos trabalhadores e do povo por uma sociedade mais livre e mais justa.
Na sua militância quotidiana, muito marcada pelas exigências de uma dinâmica muito intensa de organização e intervenção, com múltiplas e por vezes muito urgentes tarefas imediatas, os comunistas devem ter sempre presentes os objectivos supremos do Partido, nunca perdendo de vista de onde vem e onde leva o caminho, por vezes duro, que é necessário percorrer. Neste sentido, ao terminar o ano do Centenário da Revolução de Outubro é justo valorizar o vasto conjunto de iniciativas promovidas pelo Partido para assinalar o maior acontecimento libertador da história da Humanidade, evidenciar as taras e contradições do capitalismo e a exigência da sua superação revolucionária, combater o revisionismo histórico anti-comunista e mostrar a superioridade, a actualidade e a necessidade do socialismo. As comemorações, honrando a memória do proletariado russo e da acção criadora e exaltante do partido de Lénine e evidenciando conquistas e realizações da sociedade soviética que o trágico desaparecimento da URSS não apaga, estiveram voltadas para o presente e o futuro da nossa luta, intervieram no duro combate ideológico em que se vai ao ponto de tentar criminalizar o próprio ideal comunista, contribuíram para reforçar as convicções do colectivo partidário na justeza da sua luta pelo progresso social, a paz e o socialismo. O mesmo deverá acontecer com as comemorações do II Centenário do nascimento de Karl Marx neste ano que agora começa e que, já em 24 e 25 de Fevereiro, terá a assinalá-lo uma Conferência promovida pelo PCP. Tal como aconteceu com a Revolução de Outubro «O Militante» também dará ao II Centenário do genial fundador do socialismo científico a atenção que lhe é devida, sem esquecer Engels o seu inseparável companheiro de luta. Esta é mais uma importante ocasião para revisitar as origens e a história do movimento operário e comunista e a fundamentação científica do carácter transitório do capitalismo, a missão histórica do proletariado e a necessidade do partido comunista. A publicação neste número do célebre trabalho de Lénine «As três fontes e as três partes constituintes do marxismo» é uma contribuição para tal objectivo.
Feliz novo ano, camaradas!
http://www.omilitante.pcp.pt/pt/352/Abertura/1208/Lutar-e-aprender-com-Marx.htm
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Sobre a Dívida Pública
http://ocastendo.blogs.sapo.pt/marx-sobre-a-divida-publica-1936335
A dívida pública tornou-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação original. Como com o toque da varinha mágica, reveste o dinheiro improdutivo de poder procriador e transforma-o assim em capital, sem que, para tal, tivesse precisão de se expor às canseiras e riscos inseparáveis da sua aplicação industrial e mesmo usurária. Na realidade, os credores do Estado não dão nada, pois a soma emprestada é transformada em títulos de dívida públicos facilmente negociáveis que, nas mãos deles, continuam a funcionar totalmente como se fossem dinheiro sonante. Mas também – abstraindo da classe dos que desocupados vivem de rendimentos assim criados e da riqueza improvisada dos financeiros que fazem de mediador entre governo e nação, como também da dos arrendatários de impostos, mercadores, fabricantes privados, aos quais uma boa porção de cada empréstimo do Estado realiza o serviço de um capital caído do céu – a dívida do Estado impulsionou as sociedades por acções, o comércio com títulos negociáveis de toda a espécie, a agiotagem, numa palavra: o jogo da bolsa e a moderna bancocracia.
Extracto de O Capital, Primeiro Volume, Livro I, Sétima Secção, 24.º Capítulo, A chamada acumulação original, Ed. Avante, Lisboa, 1997, tomo III, pp. (852-855)
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"Até agora, os homens sempre tiveram ideias falsas a respeito de si mesmos, daquilo que são ou deveriam ser. Organizaram suas relações em função das representações que faziam de Deus, do homem normal etc. Esses produtos de seu cérebro cresceram a ponto de dominá-los completamente. Criadores inclinaram-se diante de suas próprias criações. Livremo-los, pois, das quimeras, das ideias, dos dogmas, dos seres imaginários, sob o jugo dos quais eles se estiolam. Revoltemo-nos contra o domínio dessas ideias. Ensinemos os homens a trocar essas ilusões por pensamentos correspondentes à essência do homem, diz alguém; a ter para com elas uma atitude crítica, diz outro; a tirá-las da cabeça, diz o terceiro e – a realidade atual desmoronará." 

[Karl Marx e Friedrich Engels. In: A Ideologia Alemã]

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«(...) A multiplicidade de interpretações a que a Comuna esteve sujeita e a multiplicidade de interesses que a explicaram em seu favor mostram que ela era uma forma política inteiramente expansiva, ao passo que todas as formas anteriores de governo têm sido marcadamente repressivas. Este era o seu verdadeiro segredo: ela era essencialmente um governo da classe operária, o produto da luta da classe produtora contra a apropriadora, a forma política, finalmente descoberta, com a qual se realiza a emancipação económica do trabalho».

«(...) A Comuna havia pois de servir como uma alavanca para extirpar os fundamentos económicos sobre os quais assenta a existência de classes e, por conseguinte, a dominação de classe. Emancipado o trabalho, todo o homem se torna um trabalhador e o trabalho produtivo deixa de ser um atributo de classe».

in«A Guerra Civil em França»,
Edições «Avante!», Lisboa, 1983, pp. 68 e 69. 

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“O capital tem horror à ausência de lucro. Quando fareja um benefício, o capital torna-se ousado. A 20% fica entusiasmado. A 50% é temerário. A 100% enlouquece à luz de todas as leis humanas. A 300% não recua diante de nenhum crime”.
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 "O Capital"
(uma pitada de luta de classes para aliviar as calorias)
"Eduardo VI (rei da Inglaterra): um estatuto do primeiro ano do seu reinado, 1547, ordena que, se alguém se recusar a trabalhar, deve ser sentenciado como escravo da pessoa que o denunciou como desocupado. O dono deve alimentar o seu escravo com pão e água, bebida fraca e os restos de carne que achar convenientes. Tem o direito de o obrigar a qualquer trabalho ainda que repugnante por meio de chicoteamento e de agrilhoamento. Se o escravo se ausentar por 14 dias, é condenado à escravatura por toda a vida e deve ser marcado a fogo com a letra 'S' na fronte ou nas faces; se ele fugir pela terceira vez, é executado como traidor público. O dono pode vendê-lo, legá-lo, alugá-lo, como escravo, inteiramente como outro bem móvel ou gado. Se os escravos empreenderem algo contra os donos, devem igualmente ser executados. Por informação os juízes de paz devem perseguir o malandro.
Se se verificar que um vadio não fez nada durante três dias, deve ser levado para o seu lugar de nascimento, marcado a fogo com um ferro ao rubro, no peito, com o sinal 'V', e aí, com cadeias, deve ser utilizado nas ruas ou em qualquer outro serviço. Se o vagabundo der um lugar de nascimento falso, como castigo, deve ficar escravo por toda a vida desse lugar, dos moradores ou da corporação e ser marcado a fogo com um S. Todas as pessoas tem o direito de tirar os filhos aos vagabundos e de os manter como aprendizes — os rapazes até aos 24 anos, as raparigas até aos 20 anos. Se fugirem, deverão ficar escravos do dono até essa idade, o qual, consoante quiser, os poderá prender com cadeias, chicotear, etc.
Cada dono pode pôr um anel de ferro à volta do pescoço, do braço ou da perna do seu escravo, para o conhecer melhor e estar seguro de que é seu. A última parte deste estatuto prevê que certos pobres devem ser empregados pelo lugar ou pelos indivíduos que lhes queiram dar de comer e de beber e encontrar trabalho para eles.
Esta espécie de escravos paroquiais conservou-se, em Inglaterra, até bem dentro do século XIX, sob o nome de "roundsmen" (rondadores)".
In O Capital
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http://estoriasdahistoria12.blogspot.pt/2015/07/17-de-julho-de-1867-karl-marx-publica.html

17 de Julho de 1867: Karl Marx publica a sua obra máxima, "O Capital"



O Capital (Das Kapital), principal obra de Karl Marx, é publicado no dia 17 de Julho de 1867. Desde então, a economia e a filosofia marxista foram objecto de estudos e polémicas. Com base nelas foram fundados sindicatos e organizações, feitas revoluções e erigidos Estados.
São mais de 2500 páginas escritas ao longo de 15 anos. Marx conseguiu escrever na íntegra apenas o primeiro volume. Os outros dois tomos foram concluídos após a sua morte graças a fragmentos, bilhetes e anotações deixadas ao amigo Friedrich Engels.
A obra desvendou as engrenagens do capitalismo. Muitos consideram-na o marco do pensamento socialista marxista. Nela são expostos conceitos económicos complexos, como a mais-valia, capital constante e capital variável. Há ainda a análise sobre salário, força de trabalho, teoria da alienação, acumulação primitiva, ou seja, todos os aspectos do modo de produção capitalista, inclusive uma crítica sobre a teoria do valor-trabalho de Adam Smith e outras teorias dos economistas clássicos.
Preocupa-se amplamente com a questão da circulação do dinheiro, dos valores de troca e de usufruto, das taxas de lucro e forças de produtividade. Ele falava de "engolir de todos os povos pela rede do mercado mundial" e da necessidade de eliminar as relações que escravizam as pessoas.
O ideólogo da classe operária nunca vira uma fábrica por dentro. Para a sua obra de três volumes, pesquisou exaustivamente na biblioteca do Museu Britânico, em Londres. Lá, segundo as suas próprias palavras,  "juntou-se enorme quantidade de material" sobre o tema.
Marx levou tempo até chegar à sua obra máxima. Cada vez mais preocupado com os problemas económicos, publica Miséria da Filosofia, em 1847, em resposta ao livro do autor anarquista Proudhon A Filosofia da Miséria. Já demonstrava preocupação em erigir a economia política como ciência.
Em 1859 publicou Contribuição para a Crítica da Economia Política, que já continha dois capítulos: A mercadoria e A moeda, retomados em O Capital. Os seus textos eram escritos em cadernos de rascunho conhecidos comoGrundrisse.
Em O Capital, construiu um gigantesco complexo filosófico com os seus conhecimentos de Ciências Económicas, História e Sociologia, mesclados com os frutos da sua actuação política. As suas conclusões foram apoiadas por numerosas notas de rodapé e citações de referência.
A ideia central era a convicção da derrocada da sociedade capitalista, à qual se seguiria a vitória do socialismo e depois do comunismo, libertando a classe trabalhadora da exploração dos capitalistas.
Com a publicação de O Capital, conquistou reconhecimento universal e, ao lado de Engels, foi elevado à categoria de herói do socialismo científico, para muitos um dogma irrefutável.
A bíblia do proletariado nunca se tornou realmente popular. É de leitura difícil. Críticos neo-marxistas consideram-na superada pelos acontecimentos reais e pela evolução da economia em âmbito global. Esses críticos acreditam que o desenvolvimento transcorreu, sob muitos aspectos, de forma diferente da que Marx esperava. Comparam a realidade de hoje com as teorias de Marx e sua validade em relação ao desenvolvimento real. Acreditam que exactamente assim é que se mantêm fieis ao espírito crítico de Karl Marx.
Fontes: Opera Mundi
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14 de Março de 1883: Morre o filósofo e historiador alemão Karl Marx, em Londres, autor de "O Capital"

Filósofo alemão nascido em Trèves (Renânia) a 5 de Maio de 1818. Acerca dele se afirmou: «No século dezanove foi o pensador que teve, de longe, a influência mais directa, deliberada e poderosa sobre a Humanidade» (Isaiah Berlin). Sensível aos problemas sociais da época, foi influenciado pelas doutrinas do socialismo utópico de Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen e pelas teorias da economia política de Adam Smith e David Ricardo, que tentou superar.O pensamento de Marx define-se essencialmente em oposição ao idealismo hegeliano, embora dele retome a concepção dinâmica da realidade e os princípios da dialética, reinterpretando-os à luz de uma concepção materialista. A crítica fundamental que faz a Hegel é a de que este apenas se apercebeu do desenvolvimento espiritual abstracto, quando a ideia não é mais que «a matéria, trasladada e transformada na cabeça do homem», provocando, simultaneamente, uma inflexão no agir filosófico, afastando-o do domínio puramente teorético para o inserir na esfera da intervenção prática - «até ao presente, os filósofos só se têm preocupado com a interpretação do mundo segundo várias óticas. Todavia, o problema está em ser capaz de o transformar».Recusando a transposição hegeliana do facto empírico para o plano metafísico, defende que não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas o seu ser social que determina a consciência. É a partir dessa premissa que Marx constitui o sistema do materialismo histórico, segundo o qual os processos económicos estão na base de toda a evolução da humanidade, considerando todas as restantes manifestações socioculturais como meras superestruturas ideológicas, estritamente determinadas pelas relações de produção vigentes.
A história das sociedades é encarada como um longo processo dialético em que as classes oprimidas, vítimas de relações de produção desiguais, se revoltam contra as classes dominantes, instaurando uma nova ordem económica. A luta de classes percorre, portanto, todo o devir da humanidade, desde a antiguidade (sociedade esclavagista em que se opõe ao homem livre o escravo), passando pela sociedade feudal (oposição entre suserano e servo), até à sociedade capitalista, na qual a revolução do proletariado, através da abolição da propriedade privada e da coletivização dos meios de produção, suprimirá todos os antagonismos, instaurando o comunismo e a sociedade sem classes.
Marx debruçou-se em particular sobre a formação e a essência do capitalismo considerando que este se fundamenta numa apropriação indevida da mais-valia gerada pelo trabalho numa lógica de acumulação e concentração de riqueza que deixa completamente de lado a função social do trabalho e reduz o proletariado a um estado de alienação em que o trabalho deixa de ser um fator de realização pessoal. A religião, que classifica como «ópio do povo», associa-se a esse processo de alienação, prometendo aos proletários uma satisfação extramundana em troca da sua submissão à ordem estabelecida.
Marx morreu em Berlim a 14 de Março de 1883. O seu sistema, desenvolvido em grande parte em colaboração com Friedrich Engels (1820-1895) e imbuído de objetivos sociais reformistas e emancipadores, marcou decisivamente toda a filosofia política contemporânea.

Karl Marx. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013.

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Karl Marx em 1875





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nasce a 5.5.1818
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José Barata-Moura - A Tópica do Utópico. Marx, Engels e a Crítica do Utopismo

http://vimeo.com/102440806
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ver entrevistas
http://marxemmaio.wordpress.com/
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8, 9 e 10 maio 2014

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21fev1848
http://dorl.pcp.pt/images/classicos/manifesto%20ed%20avante%2097.pdf
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Engels escreveu o Manifesto Comunista com Marx
em fev 1998 o Avante assinalou os 150 anos do manifesto do Partido Comunista:
http://www.pcp.pt/os-150-anos-do-manifesto-do-partido-comunista-conversa-com-francisco-melo-e-jos%C3%A9-barata-moura

Os 150 anos do MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA Conversa com Francisco Melo e José Barata-Moura

Os 150 anos do MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA Conversa com Francisco Melo e José Barata-Moura


Cumprem-se este ano 150 anos sobre a escrita e a publicação de um texto fundamental para o movimento operário mundial - o Manifesto do Partido Comunista, da autoria conjunta de Karl
Marx e Friederich Engels. Associando-se às comemorações deste aniversário, o nosso jornal promoveu uma conversa com os nossos camaradas Francisco Melo e José Barata-Moura, que dirigiram a edição recentemente lançada pelas Edições Avante! e que nos falam não apenas da história e da importância que o documento teve para a clarificação teórica e para a organização da luta do proletariado ao longo de século e meio mas também da sua actualidade nos dias de hoje.
Uma nova edição e a sua história
FRANCISCO MELO — Em 1975 publicaram as Edições«Avante!», sob a direcção científica de Magalhães-Vilhena, uma edição do Manifesto do Partido Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels. Como se dizia no texto inicial «Ao Leitor», tratava-se da primeira tradução «em língua portuguesa, legal ou não, em Portugal ou no Brasil (pelo menos que saibamos), estabelecida directamente sobre os originais, em
alemão e inglês». Desta tradução, acompanhada de «Notas Complementares» de Magalhães-Vilhena que deverão ser consultadas para um estudo aprofundado do Manifesto, foi publicada, em 1982, uma
versão revista, integrada no tomo I das Obras Escolhidas de Marx-Engels. Encontrando-se esgotadas aquelas duas edições, recentemente, uma versão da última, novamente revista, foi publicada, em
separado, pelas Edições «Avante!».Porquê estasucessão de revisões? No já mencionado texto «Ao Leitor» dizia Magalhães Vilhena sobre a tradução editada sob a sua orientação científica: «[...] porque temos consciência da dificuldade imensa da tarefa, sabemos que por hoje não se pode tratar aqui senão de uma tentativa - e o que é mais: de uma primeira tentativa, para a qual nenhuns trabalhos preparatórios, mesmo parciais, abriram de algum modo o caminho. Só do esforço colectivo de elaboração, paciente e longo,resultará, num dia que é de desejar próximo, a edição portuguesa que o imortal Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, exige dos investigadores marxistas de expressão portuguesa». As sucessivas traduções revistas publicadas pelas Edições Avante! têm pretendido ser passos no caminho da concretização da orientação e da exigência apontadas por Magalhães-Vilhena.
BARATA-MOURA
— O Manifesto do Partido Comunista foi publicado pela primeira vez em Londres, na segunda metade de 1848, sem indicação de autoria. Omanuscrito original não foi até hoje encontrado, e apenas nos
restam duas peças de rascunho. A redacção é de Marx. E há até uma indicação quase anedótica - é que, em 24 de Janeiro de 1848, a direcção central da Liga dos Comunistas avisa que, se Marx não enviar o texto para Londres até 1 de Fevereiro, «ulteriores medidas serão contra ele tomadas», e que deverá
devolver a documentação que foi posta à sua disposição para a redacção.Em 1850, Marx dá também a entender que é o autor do Manifesto, numa declaração sobre ainterpretação de posições suas que faz uma revista de Frankfurt. No entanto, do ponto de vista substancial, o Manifesto é uma obra comum, de Marx e de Engels. No 2º Congresso da Liga dos Comunistas, em finais de 1847, Marx e Engels tinham sido encarregues de formular os novos princípios fundamentais do movimento. E em 1850, numa nota a uma publicação parcial do Manifesto, Marx e Engels declaram-se autores do texto.
É importante ter em
conta que, no quadro da colaboração conjunta de Marx e de
Engels, a partir de 1844, e no quadro também da reorganização
e relançamento da Liga dos Comunistas, em 1847, Engels havia
composto já uns Princípios do Comunismo, em forma de
perguntas e respostas. E de facto muita da matéria que aparece
no Manifesto está também presente em textos anteriores e
em intervenções, quer de Marx, quer de Engels.
Outro dado a ter
também em conta é que o formato do Manifesto, e o
próprio título, são sugeridos por Engels numa carta a Marx, de
23/24 de Novembro de 1847.
Significado
e necessidade
do Manifesto
FRANCISCO
MELO — Na primeira página do Manifesto
pode ler-se: «Já é tempo de os comunistas exporem abertamente
perante o mundo inteiro o seu modo de ver, os seus objectivos, as
suas tendências, e de contraporem à lenda do espectro do
comunismo um Manifesto do próprio partido.» Parece-me, pois,
que tinha razão Labriola quando, em 1895, dizia: «De aqui [ou
seja, do Manifesto] começa o socialismo estritamente
moderno.» E acrescentava: «Aqui está a linha de delimitação
de tudo o resto.»
Na verdade, ao dotar
a classe operária de um programa próprio, Marx e Engels
terminavam o processo de formação da primeira organização
revolucionária internacionalista do proletariado. É isto que
marca uma viragem decisiva na história do movimento operário e
terá nele uma influência sem precedentes porque proclamava pela
primeira vez a tarefa revolucionária da classe operária: pôr
fim ao modo de produção capitalista, acabar com a exploração
do homem pelo homem, constituir uma sociedade sem classes, uma
sociedade verdadeiramente humana. E esta tarefa não aparecia
como a expressão do desejo de realização de qualquer secular
sonho dos homens, mas (e aqui está o novo, a tal «linha de
demarcação»), como resultado do conhecimento das leis e
tendências do desenvolvimento social.
O Manifesto
veio, pois, fornecer aos proletários organizados «em
partido político» uma teoria de vanguarda; por isso se diz que,
com ele, o socialismo científico se funde com o movimento
operário, conferindo-lhe um carácter verdadeiramente
revolucionário. Fusão necessária, que Lénine exprimirá, no
começo do século, na célebre frase do seu Que Fazer?:
«Sem teoria revolucionária não pode haver também movimento
revolucionário.»
Intervir
sobre a realidade
JOSÉ
BARATA-MOURA — O Manifesto não é uma obra de
gabinete, nem de intelectuais isolados que se alarmam com o curso
dos acontecimentos e condoem pela sorte dos trabalhadores,
congeminando propostas de salvação.
O Manifesto
surge na base de uma realidade conflitual em desenvolvimento e de
diferentes esforços de a compreender e sobre ela intervir. Surge
de dentro de um movimento, o movimento operário e, em particular
a Liga dos Comunistas, em busca de clarificação teórica e de
reorganização operativa.
Do ponto de vista
subjectivo, da mobilização de pensamento transformador e de
forças sociais em condições de o realizar, o Manifesto
representa um momento alto daquele propósito de congregar, como
Marx tinha escrito numa carta a Arnold Ruge em 1843, «recrutas
para o serviço da humanidade nova», fazendo convergir numa luta
comum aquilo a que ele chama «a humanidade que sofre e que
pensa» e «a humanidade que pensa e que é reprimida».
Nos Anais
Franco-Alemães, de 1844, Marx falará do encontro crítico e
revolucionador das «armas espirituais» da filosofia e das
«armas materiais» do proletariado.
No entanto, a
perspectiva porventura mais inovadora e fecunda do Manifesto
reside no ensaio de inserir a dimensão política e
revolucionária da luta social no processo que constitui a
própria textura material da história que as colectividades
humanas - não apenas no plano económico - vão modelando e
transformando pelo seu trabalho.
É por isso que o
comunismo não aparece como uma doutrina «ideal» que celebra as
perfeições de um dever-ser inatingido, mas como uma
apropriação teórica e prática de um movimento real em curso,
do seio de cuja contraditoriedade efectiva se projectam
possibilidades reais de reconfiguração revolucionante e com um
cunho de classe da produção do viver num sentido alargada e
concretamente emancipador.
Como no Manifesto
se pode ler, «As proposições teóricas dos comunistas de modo
nenhum repousam sobre ideias, sobre princípios, que foram
inventados por este ou por aquele melhorador do mundo. Elas são
apenas expressões gerais das relações efectivas de uma luta de
classes existente, de um movimento histórico que se passa ante
os nossos olhos.»
A crítica e a
transformação revolucionária comunistas enraizam, intervêm e
realizam praticamente um trabalho interno à história, de
configuração humana e humanizante das suas realidades. É de
dentro do movimento real, e como instrumento para a sua
compreensão crítica e transformação revolucionária,
incarnada na prática esclarecida dos agentes que estão em
condições de organizadamente as levarem a cabo, que o Manifesto
é pensado.
Uma
tarefa histórica
FRANCISCO
MELO — Tem sido observado que no Manifesto
se faz uma exaltação do papel histórico da burguesia. Mas
também se pronuncia a sua sentença de morte: partindo da
análise das leis do desenvolvimento social e, em primeiro lugar,
da lei da correspondência necessária das relações de
produção e das forças produtivas, Marx e Engels chegaram à
conclusão da inevitabilidade do derrube da burguesia. Mas eles
não tinham de modo nenhum uma concepção mecanicista do
determinismo histórico. Na verdade, ao evidenciarem o que «se
processava diante dos seus olhos» — «crises comerciais
que, na sua recorrência periódica, põem em questão, cada vez
mais ameaçadoramente, a existência de toda a sociedade
burguesa», a «epidemia da sobreprodução» em que a
«sociedade se vê retransportada a um estado de momentânea
barbárie» (que indignação não despertariam nalgumas boas
almas de hoje estes horrores de há 150 anos?!), etc. —,
Marx e Engels concluíam: «Mas a burguesia não forjou apenas as
armas que lhe trazem a morte; também gerou os homens que
manejarão essas armas — os operários modernos, os
proletários.» Quer dizer, a história age através dos
homens, no caso vertente a classe operária, cujo papel de
«coveira» da burguesia emerge das suas condições de
existência no regime capitalista: ela é a mais explorada, a
mais concentrada, a melhor organizada e a mais disciplinada
— e, por isso, a mais revolucionária.
Um
texto inovador
JOSÉ
BARATA-MOURA
— Do ponto de vista
formal, este texto de 1848 é também inovador. Não é um
catecismo - à maneira do que era então corrente nas
elaborações teóricas do movimento operário para
endoutrinamento de neófitos ávidos de decorar as respostas
identificadoras de um credo. É um Manifesto, algo
que se mostra, que se manifesta, que se dá a conhecer e também faz
conhecer realidades que irreflectidamente se
sofrem, mas que é possível transformar também, actuando sobre
aquilo que as estrutura.
Contrariando a ideia
de que o comunismo é um espectro de contornos misteriosos
e sombrios - que todas as potências reinantes anatematizam e
combatem, e que os próprios adeptos até difundiam e faziam
avançar pelos canais clandestinos das sociedades secretas -,
Marx e Engels entendem que, em articulação com o facto de ele
ser reconhecido já, e apesar de tudo, como um poder, é chegado
o momento de o comunismo vir à luz do dia.
No contexto da
altura, esta foi, sem dúvida, uma orientação política
fundamental.
Para vir eficazmente
à luz do dia, para se tornar manifesto, o comunismo
apresentava já uma base potencial de ancoragem social - o que
não pode ser desligado do avanço das próprias relações
capitalistas - e estava também em condições de apresentar
ideias, pensamentos, linhas políticas de orientação para a
luta de transformação de realidades que deixam de ser apenas
sofridas para passarem a começar a ser conhecidas na sua
génese, desenvolvimento e contraditoriedade.
Este é o
significado teórico fundamental do Manifesto - decisivo
na conjuntura, determinante de muitos outros aprofundamentos que
não deixaram de verificar-se, inspirador para as tarefas que
continuam a concitar a inteligência, o querer e o trabalho dos
comunistas.
As
posições perante o Manifesto
FRANCISCO
MELO — O carácter revolucionário do Manifesto
não poderia deixar de provocar «delimitações» de campos
na própria avaliação que dele se fez e faz.
Alguns exemplos: em
escrito recente, lembrava o Barata-Moura as palavras de Jean
Jaurès, na linha do que poderíamos caracterizar como um
revolucionarismo evolucionista, segundo as quais o Manifestoapenas conteria «pensamentos antigos de onde a verdade
fugiu». Outra era a apreciação de Lénine, expressa poucos
anos antes: «Este pequeno livrinho vale por tomos inteiros: ele
inspira e anima até hoje todo o proletariado organizado e
combatente do mundo civilizado.»
Isto nos finais do
século passado-princípios do actual. Um século depois, estas
posições manter-se-ão? Certamente que sim. O Manifesto
será, por exemplo, rejeitado por aqueles que,
perfilhando uma «estratégia evolucionista e possibilista,
tendem a identificar conquistas democráticas e sociais
possíveis sob o capitalismo com a própria noção de
superação do capitalismo» (extraio esta caracterização da Resolução
Política do nosso XV Congresso). Pelo contrário,
considerá-lo-ão como fazendo parte do seu património
teórico-político aqueles que, constatando que «o
desenvolvimento do capitalismo neste findar de século está a
conduzir a manifestas regressões de carácter social,
democrático e cultural que confrontam a humanidade com o perigo
de graves retrocessos civilizacionais», entendem que «a
alternativa necessária é a superação revolucionária do
capitalismo» (ibid.).
A
perspectiva de luta
JOSÉ
BARATA-MOURA — Se a minha leitura é correcta, o Manifesto
não é, nem um texto moralista, nem um texto utópico. Enraiza
na compreensão e no trabalho da história um projecto
económico, político, social e cultural revolucionário de
transformação, atravessado por uma inequívoca perspectiva de
classe. É pelos interesses globais do proletariado que os
comunistas se batem e «o movimento proletário é o movimento
autónomo da imensa maioria no interesse da imensa maioria».
O capitalismo não
é a encarnação do Mal, mas um modo de produzir e reproduzir o
viver que se foi instalando nas sociedades humanas ao longo de
toda uma génese e maturação, no decorrer da qual importantes
desenvolvimentos, ao nível das forças produtivas, da
organização política, dos valores e da cultura foram tendo
lugar.
Todavia, num quadro
de mundialização crescente, modelado à medida dos seus
interesses e à sua imagem, em que (como já ao tempo de Marx era
perceptível), por detrás de muitas «ilusões políticas e
religiosas», aquilo que se implanta é «a exploração aberta,
desavergonhada e seca». Deixada à solta, entregue a si mesma, a
lógica do capital não pode deixar de produzir, alargadamente,
efeitos desta natureza.
Por sua vez, o
comunismo também não é a descrição utópica de um paraíso a
implantar; o comunismo é a expressão contemporânea daquela
luta de classes que atravessa e conforma a história de que há
memória escrita (e de dentro da qual a própria burguesia
moderna surgiu e se afirmou), e a história que continua a pôr
em confronto os possuidores dos «meios sociais de produção» e
os «trabalhadores assalariados».
Num contexto de
exploração galopante e de crises recorrentes (de que as
comerciais e de sobreprodução constituem apenas uma
ilustração histórica), um revolucionamento real da estrutura
em que assenta o viver social e as reconfigurações subsequentes
(não apernas no domínio da economia) que terão de
empreender-se, colocam como questão central incontornável a
abolição da propriedade burguesa sobre os meios sociais de
produção.
É essa a grande
perspectiva de luta que o Manifesto nos lança, não sem,
do mesmo passo, convocar a nossa atenção para a necessidade de
implementar um poder político democrático, isto é,
efectivamente ao serviço da maioria trabalhadora, de promover a
instrução pública gratuita em bases universais, de cuidar da
produção e da batalha das ideias, de dignificar a condição
feminina, etc., etc.
Para o combate por
estes objectivos (inscritos nas possibilidades que a própria
realidade materialmente prepara e projecta) e para a consecução
destes objectivos é indispensável uma ampla, esclarecida e
organizada mobilização social. A base para essa mobilização
social encontra-se dada pelas próprias condições dos
«desprovidos de propriedade», mas todo um esforço teórico e
prático de esclarecimento, congregação e movimentação tem
que ser empreendido. É nesse movimento que o labor dos
comunistas se inscreve, pelo seu empenho prático decidido e pela
sua perspectivação teórica, num quadro nacional e
internacionalista, no sentido de potenciar a dimensão política
(e não apenas economicista) da luta de classes em curso.
O
internacionalismo e a «defesa da pátria»
FRANCISCO
MELO — Como
já referi, no Manifesto Marx e Engels fundamentam
a ideia do papel dirigente da classe operária na luta por um
mundo sem explorados nem exploradores. O apelo internacionalista
«Proletários de todos os países, uni-vos!» com que encerra o Manifesto
é o corolário não apenas da igualdade internacional da
condição de explorados dos proletários de todos os países,
mas também da identidade internacional da tarefa de que a
história os incumbe. Quererá isto dizer que devem fazer tábua
rasa da luta no plano nacional? A afirmação «os proletários
não têm pátria» poderá induzir uma interpretação nesse
sentido. A frase que imediatamente se lhe segue mostra que se
trata apenas de uma constatação fáctica:«Não se lhes pode
tirar o que não têm.» E a continuação do texto (já Lénine
tinha chamado a atenção para isto em 1916 em carta a Inessa
Armand) é explícita para não permitir fazer de Marx e Engels
advogados de um qualquer niilismo nacional: «Na medida em que o
proletariado tem primeiro de conquistar para si a dominação
política, de se elevar a classe nacional, de se constituir a si
próprio como nação, ele próprio é ainda nacional, mas de
modo nenhum no sentido da burguesia.» (Note-se esta ressalva:
Marx e Engels tinham vindo a denunciar a «defesa da pátria»
por parte da burguesia como uma capa hipócrita para esconder a
sua opressão de outros povos.) Aliás, já páginas antes tinham
afirmado sem equívocos: «O proletariado de cada um dos países
tem naturalmente de começar por resolver os problemas com a sua
própria burguesia.»
Para Marx e Engels
não há, pois, qualquer contradição entre as tarefas nacionais
e internacionais da classe operária. É com inteira fidelidade
ao pensamento de Marx e Engels que ao constatar — e
novamente utilizarei a Resolução Política do XV
Congresso — que «os condicionalismos externos pesam cada
vez mais na ordem interna dos Estados», o nosso Partido afirma:
«Tal realidade não torna "caduca" a importância do
espaço nacional como terreno incontornável da luta de classes
[...]. A defesa da soberania nacional, conjugada com a luta por
relações de cooperação internacional livres das imposições
das grandes potências, ganha mesmo maior importância.
Simultaneamente, a cooperação e a solidariedade
internacionalista, a acção comum ou convergente dos comunistas,
dos progressistas, dos trabalhadores e dos povos, tornam-se
imprescindíveis para a luta de todos e de cada um, para o
avanço do processo libertador no plano mundial.»
Os
comunistas e as alianças
JOSÉ
BARATA-MOURA — O Manifesto contém uma análise
crítica pormenorizada das diferentes correntes que ao tempo se
reclamavam também de um ideário socialista ou comunista. O
objectivo não era sectário nem paroquial. Não se tratava de
identificar e numerar os eleitos, os esclarecidos, os bons.
Tratava-se, sim, de mostrar a necessidade de não se perder de
vista a questão essencial (a do derrubamento da propriedade
burguesa) e de, a partir de uma convergência de fundo nesse
propósito (que corresponde aos interesses dos assalariados no
seu conjunto), promover a «ligação e o entendimento dos
partidos democráticos de todos os países».
FRANCISCO
MELO — No capítulo II do Manifesto, Marx
e Engels expuseram lapidarmente a relação dos comunistas com o
movimento operário e o movimento revolucionário em geral. Um
primeiro aspecto: os comunistas «não têm nenhuns interesses
separados dos interesses do proletariado todo». Daqui decorre
que a acção dos comunistas não tem a sua justificação em si
mesma, mas em servir o proletariado; no entanto, nessa acção em
defesa dos interesses do proletariado cabe-lhes um papel de
vanguarda. Nas palavras do Manifesto:«Os comunistas são,
pois, na prática, o sector mais decidido, sempre impulsionador,
dos partidos operários de todos os países; na teoria, eles
têm, sobre a restante massa do proletariado, a vantagem da
inteligência das condições, do curso e dos resultados gerais
do movimento proletário.»
Ser vanguarda requer
assim condições práticas e teóricas. É nesse sentido que,
nos Estatutos do nosso Partido, ao afirmar-se que «o
papel de vanguarda do Partido decorre da sua natureza de classe»
se acrescenta que ele decorre também «do acerto das suas
análises e da sua orientação política, do projecto de uma
nova sociedade, da coerência entre os princípios e a prática e
da capacidade de organizar e dirigir a luta popular em ligação
permanente, estreita e indissolúvel com as massas,
mobilizando-as e ganhando o seu apoio.»
Um segundo aspecto:
gostaria de chamar a atenção para o que, em perfeita
consonância com as concepções acima referidas, Marx e Engels
dizem no capítulo IV do Manifesto:«por toda a parte os
comunistas apoiam todo o movimento revolucionário contra as
situações sociais e políticas existentes» e lutando «para
alcançar os fins e interesses imediatos da classe operária»,
no entanto, os comunistas «no movimento presente representam
simultaneamente o futuro do movimento». Estas duas asserções
excluem qualquer forma de oportunismo - quer o que sacrifica os
interesses imediatos ao objectivo final, quer o que sobrepõe o
objectivo final às reivindicações imediatas - e estruturam a
política de alianças dos comunistas. Seja-me permitido citar de
novo a Resolução Política do XV Congresso: nela se diz
que o Partido, nas suas alianças, «tendo em conta as diversas
condições concretas históricas e objectivos imediatos, não
abdica da individualidade e identidade próprias, nem sacrifica
princípios centrais da sua natureza, ou o seu objectivo supremo
de luta por uma sociedade socialista».
Ontem
como hoje
JOSÉ
BARATA-MOURA — A grande actualidade do Manifesto
é, por um lado, a de que ele nos fala de uma realidade que, nos
seus aspectos estruturais - e apesar e através de todas as
modificações que sofreu e vem sofrendo -, ainda persiste; e,
por outro lado, a actualidade do Manifesto reside em que
ele tem de ser actuado: não se trata de recitar, de
reproduzir, de aplicar mecânica ou automaticamente o muito que
nele é dito; trata-se de, tendo em conta os caminhos inovadores
que ele abre, tornar manifesto, no concreto dos nossos dias, as
necessidades de compreensão, de críticas e de revolucionamento
de que ele se alimenta e que ele projecta.
É pois um problema,
um desafio e uma tarefa que, pelo menos aos comunistas de hoje,
fica entregue.
Penso que Antonio
Labriola, nos finais do século passado, resumiu bem a utilidade
e a função do Manifesto, quando o caracterizou como «um
instrumento de orientação que é simultaneamente uma arma de
combate».
Escusado será
lembrar que os instrumentos e as armas têm que ser «polidas»,
isto é, há que cuidar da sua manutenção, e que, por outro
lado, são tal - instrumentos e armas - quando convenientemente
manejados e utilizados.
FRANCISCO
MELO — O capítulo III do Manifesto costuma
ser silenciado pelos ideólogos burgueses. E não sem razões o
fazem.
Não ouvimos nós
dizer que hoje apenas se trata de saber como «gerir» o
capitalismo? Ora, não tinham Marx e Engels estigmatizado já no Manifesto
as teorias que procuravam «remediar os males sociais para
assegurar a existência da sociedade burguesa»?
Não ouvimos nós
dizer que estamos no «fim da história» visto que «a forma
presente de organização social e política é completamente
satisfatória para os seres humanos»? Ora, não tinham Marx e
Engels posto a nu já no Manifesto o embuste da
«burguesia, naturalmente, representar-se o mundo em que domina
como o melhor dos mundos»?
E quando uns
propõem uma «actualização do ideal social-democrata» ou «um
relançamento do socialismo democrático» e outros apregoam uma
espécie de Estado-Providência renovado «reduzindo as
desigualdades, moderando os abusos, dando um contributo decisivo
para uma solução moralmente aceitável dos principais problemas
do mundo de hoje», como não nos lembrarmos imediatamente das
palavras de Marx e Engels no Manifesto denunciando as
tentativas de «tirar à classe operária o gosto por todos os
movimentos revolucionários» pregando «melhoramentos
administrativos [...] que nada alterem na relação de capital e
trabalho assalariado, mas que no melhor dos casos reduzam à
burguesia os custos da sua dominação e lhe simplifiquem o
orçamento de Estado»?
E quando os
ideólogos da burguesia de hoje exaltam todos as virtudes da
«economia de mercado» e da «livre concorrência» não estão
a procurar convencer o proletariado a «que fique na sociedade
actual» desfazendo-se «das odiosas representações que faz
dela», como Marx e Engels no Manifesto acusavam de
fazer os ideólogos da burguesia do seu tempo?
Mesmo aqueles que se
quedam na indignação perante os «horrores» do capitalismo
actual não merecem a recriminação de Marx e Engels no Manifesto
de que «só do ponto de vista da classe mais sofredora o
proletariado existe para eles»?
Para terminar: tal
como há 150 anos, também hoje «o socialismo da burguesia
consiste precisamente na afirmação de que os burgueses são
burgueses - no interesse da classe trabalhadora»!
«Avante!» Nº 1263 -
12.Fevereiro.98
*********
5 frases
https://www.youtube.com/watch?v=wFKfTI_8tLs
Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 — Londres, 14 de março de 1883) foi um intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista moderna, que atuou como economista, filósofo, historiador, teórico político e jornalista.

O pensamento de Marx influencia várias áreas, tais como Filosofia, Geografia, História, Direito, Sociologia, Literatura, Pedagogia, Ciência Política, Antropologia, Biologia, Psicologia, Economia, Teologia, Comunicação, Administração, Design, Arquitetura, entre outras. 

Em uma pesquisa realizada pela Radio 4, da BBC, em 2005, foi eleito o maior filósofo de todos os tempos.
***
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https://obeissancemorte.wordpress.com/2015/02/04/carta-de-amor-por-karl-marx/

“Carta de Amor”

Minha querida,
Escrevo-te outra vez porque me sinto sozinho e porque me perturba ter um diálogo contigo na minha cabeça, sem que tu possas saber nada, ou ouvir, ou responder…
A ausência temporária faz bem, porque a presença constante torna as coisas demasiado parecidas para que possam ser distinguidas. A proximidade diminui até as torres, enquanto as ninharias e os lugares comuns, ao perto, se tornam grandes. Os pequenos hábitos, que podem irritar fisicamente e assumir uma forma emocional, desaparecem quando o objecto imediato é removido do campo de visão. As grandes paixões, que pela proximidade assumem a forma da rotina mesquinha, voltam à sua natural dimensão através da magia da distância. É assim com o meu amor. Basta que te roubem de mim num mero sonho para que eu saiba imediatamente que o tempo apenas serviu, como o sol e a chuva servem para as plantas, para crescer.
No momento em que tu desapareces, o meu amor mostra-se como aquilo que na verdade é: um gigante onde se concentra toda a energia do meu espírito e o carácter do meu coração. Faz-me sentir de novo um homem, porque sinto um grande amor. (…) Não o amor do homem Feuerhach, não o amor do metabolismo, não o amor pelo proletariado – mas o amor pelos que nos são queridos e especialmente por ti, faz um homem sentir-se de novo um homem.
Há muitas mulheres no mundo e algumas delas são belas. Mas onde é que eu podia encontrar um rosto em que cada traço, mesmo cada ruga, é uma lembrança das melhores e mais doces memórias da minha vida? Até as dores infinitas, as perdas irreparáveis… eu leio-as na tua doce fisionomia e a dor desaparece num beijo quando beijo a tua cara doce.
Adeus, minha querida, beijo-te mil vezes da cabeça aos pés,
Sempre teu,
Karl
Manchester, 21 de Junho de 1865
***
13nov2011
Karl Marx está na ordem do dia:
“O sistema de crédito, cujo eixo são os supostos bancos nacionais e os grandes prestamistas de dinheiro e agiotas que pululam em torno deles,
confere a esta classe parasitária um poder fabuloso que lhe permite,
não só dizimar periodicamente os capitalistas industriais
como imiscuir-se do modo mais perigoso na verdadeira produção,
de que este bando não sabe absolutamente nada e com a qual nada tem a ver.
As leis de 1844 y 1845 provam o crescente poder destes bandoleiros, a que se aliam os financeiros e os especuladores bolsistas”
***
Ousadia

É por isso que preciso de tudo ousar
Sem nunca ter descanso
Não fiquemos calados
Sem nos querermos realizar
Não nos submetamos
Silenciosos e crédulos
Ao jugo humilhante
Pois que nos restam o desejo e a paixão
Pois que nos resta a ação.
***
"O Homem vive da natureza significa: a Natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de permanecer em constante processo para não morrer. Que a vida física e espeiritual do homem esteja em conexão com a Narureza, não tem outro sentido senão que a Natureza está em concexão com ela própria, pois o homem é uma parte da Natureza."
***
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texto invulgar na obra de Marx, Do Suicídio (1846) teve uma génese insólita. Nas suas leituras vorazes, o autor deparou com o capítulo «Du suicide et de ses causes» das Mémoires de Jacques Peuchet (1758-1830), director dos arquivos da Polícia de Paris, que documentara suicídios na capital francesa entre 1817 e 1824. Marx traduziu livremente para alemão, anotou e comentou passagens de Peuchet, neste surpreendente livro a quatro mãos.

Revendo-se na concepção de suicídio como sinal de um meio social enfermo, Marx desvenda os mecanismos arbitrários que regem a vida privada, revelando tirânicas relações na família, a sociedade patriarcal e a opressão das mulheres como fonte de eternas angústias e trágicos desfechos. 

Mostruário de tiranias que convertem seres humanos em objectos e em propriedade alheia, na sociedade e na família, Do Suicídio antecipa temas como a discussão do aborto e o feminismo, condenando mentalidades tradicionais – essas prisões duradouras – que levam indivíduos a desfazerem-se da própria vida.

Titulo original Peuchet: Vom Selbstmord
Tradução José Miranda Justo
1.ª Edição 2016 – Antígona

***

28 de Setembro de 1864: Karl Marx organiza, em Londres, a I Internacional

O dia 28 de Setembro de 1864 marca a fundação em Londres da Associação Internacional de Trabalhadores, historicamente conhecida como a Primeira Internacional. A Internacional  defendia a rápida abolição dos exércitos nacionais, o direito à greve e a colectivização dos meios de produção. As suas actividades foram interrompidas pela guerra de 1870, porém retoma os trabalhos em 1889 no Congresso de Paris, já sob o nome de Segunda Internacional.
Nos primeiros anos da década de 1860, a conjuntura internacional fez com que lideranças sindicais e activistas socialistas começassem a pensar em fundar uma organização que reunisse os sentimentos universais a favor da luta dos trabalhadores e das nações oprimidas.

Num dia de Setembro de 1864, um jovem trabalhador francês,  Victor Le Lubez, bateu à porta de Karl Marx em Londres, onde vivia. Solicitou-lhe que lhe indicasse um nome de alguém da classe trabalhadora que falasse alemão para uma reunião organizada por sindicalistas ingleses e franceses. Marx prontamente indicou Johann Eccarius, um alfaiate bastante sério e que se saiu a contento.  

A associação internacional dos trabalhadores começou a tomar corpo, Marx, embora abalado com a morte em romântico duelo de Ferdinand Lassalle, o líder dos socialistas alemães e fundador da primeira organização de trabalhadores na Alemanha (a Allgemeinen Deutschen Arbeitervereins), resolveu estar presente no Matins’s Hall em Londres, onde a associação foi anunciada. 
Uma conjugação virtuosa de acontecimentos internacionais sacudiu a letargia e as discussões intermináveis em que o mundo revolucionário e sindical se encontrava. Em 1861, o condottiero italiano Giuseppe Garibaldi ao comando das suas tropas envergando camisas vermelhas, ocupara a Sicília e integrara-a, juntamente com Nápoles, no Reino da Itália ainda em formação. O mundo espantou-se com a ousadia daquela acção levada a cabo por tão poucos. A unificação da península foi a primeira derrota depois de muitos anos das forças ultraconservadoras da Europa de então: a Igreja Católica e o Império Austro-húngaro. A isso se somou a notícia do início da Guerra de Secessão nos Estados Unidos e a abolição da escravatura, a rebelião polaca de 1863 contra o domínio czarista. Em todos esses acontecimentos, houve uma notável onda de solidariedade internacional por aqueles que lutavam a favor da causa da liberdade. 

Impactados com o que ocorria no mundo, vários sindicalistas ingleses como George Odger, Cremer e Wheeler, trataram então de dar procedimento à fundação de uma instituição que captasse e canalizasse o sentimento de fraternidade que então brotava: a International Working Men´s Association. Marx, testemunha do evento, confessou a Engels em carta de 4 de Novembro de 1864, que “permaneceu o tempo inteiro como uma figura muda”, o que não deveria ser fácil para um homem tão loquaz. Após os discursos elegeu-se um Conselho Geral.,com trabalhadores de várias procedências. Marx, indicado como secretário, era o mais célebre. 

A Primeira Internacional Socialista era uma confederação de tendências ideológicas as mais diversas. Além dos sindicalistas puros que não queriam envolver-se na política, havia os proudhonianos, os republicanos, os democratas radicais seguidores de Mazzini, antigos cartistas ingleses, blanquistas franceses e alemães, seguidores de Lassalle. Solicitaram a Marx que redigisse uma declaração de princípios e os estatutos provisórios. 

Quanto ao programa de lutas, ele implicava numa série de reivindicações e propostas, que foram sendo acrescentadas ao longo da curta existência da Primeira Internacional, entre eles: a permanente solidariedade a todos os trabalhadores e às suas lutas; a promoção do trabalho cooperativo; redução da jornada das mulheres e das crianças; difusão da lei da jornada de 10 horas pelo restante das nações; estímulo à organização sindical; o estabelecimento de um Polónia livre e democrática, bem como defesa da autodeterminação das nações, opondo-se firmemente "às imensas usurpações realizadas sem obstáculo por essa potência bárbara, cuja cabeça está em São Petersburgo (a Rússia czarista); exigir que "as sensíveis leis da moral e da justiça, que devem presidir as relações entre indivíduos, sejam as leis supremas das relações entre as nações". 
O Conselho Geral da Internacional Socialista foi formado por George Odger (Presidente; George Wheeler (tesoureiro); Karl Marx (secretário pela Alemanha); G.Fontana (pela Itália); J. Holtorp (pela Polónia); Herman Jung (pela Suíça); P. Lebez (pela França). Desnecessário lembrar que foi Karl Marx quem se tornou a alma da organização, trazendo para perto de si gente da sua confiança e, em geral, intelectualmente qualificada para assumir a responsabilidade da divulgação e da enorme correspondência. Para as classes privilegiadas, para os grandes proprietários, os banqueiros, o grande empresariado e mesmo para as classes médias daquela época, o “demónio” passou a ser mais visível, passou a ter um só nome: a Internacional Socialista, dirigida pelo Doutor Vermelho, Karl Marx. 
Fontes: Opera Mundi
wikipedia (imagens)
Karl Marx
 https://estoriasdahistoria12.blogspot.com/2018/09/28-de-setembro-de-1864-karl-marx.html
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