27/04/2014

7.910.(27abril2014.17.17') Vasco Graça Moura

Nasceu 1942
e morreu a 27abril2014
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princípio do prazer 

à sua volta os pombos cor de lava 
nos arabescos pretos do basalto 
e gente, muita gente que passava 
e se detinha a olhá-la em sobressalto

no seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo rio

trazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fátuo a coroar um mastro

seu porte altivo punha à vista o puro
princípio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lúcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquídea brava

e nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrás dela a vida inteira.

 em "Antologia dos Sessenta Anos"

Arte - Elzbieta Brozek

***
Via Sofia P e B
"Já ninguém morre de amor, eu uma vez
andei lá perto, estive mesmo quase,
era um tempo de humores bem sacudidos,
depressões sincopadas, bem graves, minha querida,
mas afinal não morri, como se vê, ah, não,
passava o tempo a ouvir deus e música de jazz,
emagreci bastante, mas safei-me à justa, oh yes,
ah, sim, pela noite dentro, minha querida.
a gente sopra e não atina, há um aperto
no coração, uma tensão no clarinete e
tão desgraçado o que senti, mas realmente,
mas realmente eu nunca tive jeito, ah, não,
eu nunca tive queda para kamikaze,
é tudo uma questão de swing, de swing, minha querida,
saber sair a tempo, saber sair, é claro, mas saber,
e eu não me arrependi, minha querida, ah, não, ah, sim.
há ritmos na rua que vêm de casa em casa,
ao acender das luzes, uma aqui, outra ali.
mas pode ser que o vendaval um qualquer dia venha
no lusco-fusco da canção parar à minha casa,
o que eu nunca pedi, ah, não, manda calar a gente,
minha querida, toda a gente do bairro,
e então murmurarei, a ver fugir a escala
do clarinete: — morrer ou não morrer, darling, ah, sim."
 in "Antologia dos Sessenta Anos"
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Foi 1 dos que comunicou
nos COMBATES PELA CULTURA
do CFAE
http://www.cm-nazare.pt/News/newsdetail.aspx?news=c71ee10d-999d-4fff-a561-75e0a85f4fe9
Vasco Graça Moura na Biblioteca Municipal da Nazaré
    17-06-2010

    A relação entre a poesia a cultura de um povo foi o tema da palestra de Vasco Graça Moura, inserida no ciclo “Combates pela Cultura”, que se realizou no passado dia 16, no auditório da Biblioteca Municipal da Nazaré.

    Na opinião do escritor e poeta, a relação entre a identidade de um povo e a expressão artística assume particular destaque na «maneira como a língua materna se modela em poesia». «É a partir do momento em que é possível exprimir o mundo, interior e exterior, de maneira diferente, através da concreção poética, que se dá algo de verdadeiramente revolucionário nessa cultura», referiu Graça Moura, perante uma plateia constituída, em larga maioria, por docentes.

    A poesia portuguesa é, no seu entender, marcada por quatro momentos «revolucionários»: o primeiro poema em língua portuguesa, de Paio Soares de Taveirós; e as obras de Luís de Camões, Almeida Garrett e Cesário Verde.

    Em Camões, Vasco Graça Moura encontra a «superior realização no plano épico» do encontro entre língua e cultura. Ao escrever “Os Lusíadas”, a epopeia sobre os grandes feitos de Portugal, Camões demonstrou reunir «enorme domínio e capacidade de elevação da língua, uma capacidade de importar os modelos italianos da época, dando-lhes um cunho nacional, e conjugar extraordinariamente todo um património cultural e histórico», afirmou.

    A «capacidade inovadora no plano da língua que ninguém teve antes» marca, para Graça Moura, a importância revolucionária da obra de Almeida Garrett, e, num quarto momento, Cesário Verde é o autor que «introduz na língua de precisão que só encontraremos mais tarde em António Gedeão», assumindo-se como o «eco poético da nova burguesia e da nova sociedade industrial».

    Natural do Porto e licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Vasco Graça Moura é uma das principais personalidades do panorama cultural português da actualidade. É autor de obras de ensaio, poesia, romance e ainda de traduções. Desempenhou cargos políticos e funções directivas em diversos organismos públicos. Foi presidente da Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.

    É membro de várias associações de escritores e críticos literários e tem recebido, ao longo dos anos, inúmeros prémios e comendas de prestígio.
    Desenvolve uma ampla intervenção pública como comentador e analista político, para além da colaboração literária, dispersa por vários jornais e revistas.

    O ciclo de conferências “Combates pela Cultura” teve início em Março último e prolongar-se-á até Janeiro de 2011, com um conjunto de sessões a decorrer em Alcobaça, Nazaré e Benedita.

    O ciclo de conferências é promovido pelo Centro de Formação das Associações de Escolas Alcobaça/Nazaré, com o apoio da Câmara Municipal da Nazaré.
    ***
    Via Maria Elisa Ribeiro:
    Morreu Vasco da Graça Moura(1942-2014).
    Choro a perda de mais um valor das Letras nacionais. Independentemente das diferenças do pensamento político, ele estava TÃO LONGE da "corja" medíocre que nos desgoverna, que se tornou MAIOR ENTRE OS MAIORES! Célebre a sua determinada recusa do chamado "Acordo Ortográfico" recusado, inclusivamente pelos nossos irmãos brasileiros, que continuará a ser um marco na defesa da Língua Portuguesa. Célebres as suas doutas traduções de autores clássicos, que me ajudaram a compreender o pensamento de muitos deles. Célebre a tradução Maior dos poemas de RILKE, que o tornaram acessível ao mais comum dos leitores.
    Rendo homenagem ao grande Homem de Letras! Paz à sua alma!
    no obscuro desejo
    no obscuro desejo,
    no incerto silêncio,
    nos vagares repetidos,
    na súbita canção
    que nasce como a sombra
    do dia agonizante,
    quando empalidece
    o exterior das coisas,
    e quando não se sabe
    se por dentro adormecem
    ou vacilam, e quando
    se prefere não chegar
    a sabê-lo, a não ser,
    pressentindo-as, ainda
    um momento, na aresta
    indizível do lusco-fusco.
    Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"
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    via: http://www.citador.pt/poemas/soneto-do-amor-e-da-morte-vasco-graca-moura
    soneto do amor e da mortequando eu morrer murmura esta canção 
    que escrevo para ti. quando eu morrer 
    fica junto de mim, não queiras ver 
    as aves pardas do anoitecer 
    a revoar na minha solidão. 

    quando eu morrer segura a minha mão, 
    põe os olhos nos meus se puder ser, 
    se inda neles a luz esmorecer, 
    e diz do nosso amor como se não 

    tivesse de acabar, sempre a doer, 
    sempre a doer de tanta perfeição 
    que ao deixar de bater-me o coração 
    fique por nós o teu inda a bater, 
    quando eu morrer segura a minha mão. 

    in "Antologia dos Sessenta Anos"
    ***********************************insinceridadequis-nos aos dois enlaçados 
    meu amor ao lusco-fusco 
    mas sem saber o que busco: 
    há poentes desolados 
    e o vento às vezes é brusco 

    nem o cheiro a maresia 
    a rebate nas marés 
    na costa de lés a lés 
    mais tempo nos duraria 
    do que a espuma a nossos pés 

    a vida no sol-poente 
    fica assim num triste enleio 
    entre melindre e receio 
    de que a sombra se acrescente 
    e nós perdidos no meio 

    sem perdão e sem disfarce, 
    sem deixar uma pegada 
    por sobre a areia molhada, 
    a ver o dia apagar-se 
    e a noite feita de nada 

    por isso afinal não quero 
    ir contigo ao lusco-fusco, 
    meu amor, nem é sincero 
    fingir eu que assim te espero, 
    sem saber bem o que busco. 
     in "Antologia dos Sessenta Anos"***********o suporte da músicao suporte da música pode ser a relação 
    entre um homem e uma mulher, a pauta 
    dos seus gestos tocando-se, ou dos seus 
    olhares encontrando-se, ou das suas 

    vogais adivinhando-se abertas e recíprocas, 
    ou dos seus obscuros sinais de entendimento, 
    crescendo como trepadeiras entre eles. 
    o suporte da música pode ser uma apetência 

    dos seus ouvidos e do olfacto, de tudo o que se 
    ramifica entre os timbres, os perfumes, 
    mas é também um ritmo interior, uma parcela 
    do cosmos, e eles sabem-no, perpassando 

    por uns frágeis momentos, concentrado 
    num ponto minúsculo, intensamente luminoso, 
    que a música, desvendando-se, desdobra, 
    entre conhecimento e cúmplice harmonia. 
     in "Antologia dos Sessenta Anos"***********lamento para a língua portuguesanão és mais do que as outras, mas és nossa, 
    e crescemos em ti. nem se imagina 
    que alguma vez uma outra língua possa 
    pôr-te incolor, ou inodora, insossa, 
    ser remédio brutal, mera aspirina, 
    ou tirar-nos de vez de alguma fossa, 
    ou dar-nos vida nova e repentina. 
    mas é o teu país que te destroça, 
    o teu próprio país quer-te esquecer 
    e a sua condição te contamina 
    e no seu dia-a-dia te assassina. 
    mostras por ti o que lhe vais fazer: 
    vai-se por cá mingando e desistindo, 
    e desde ti nos deitas a perder 
    e fazes com que fuja o teu poder 
    enquanto o mundo vai de nós fugindo: 
    ruiu a casa que és do nosso ser 
    e este anda por isso desavindo 
    connosco, no sentir e no entender, 
    mas sem que a desavença nos importe 
    nós já falamos nem sequer fingindo 
    que só ruínas vamos repetindo. 
    talvez seja o processo ou o desnorte 
    que mostra como é realidade 
    a relação da língua com a morte, 
    o nó que faz com ela e que entrecorte 
    a corrente da vida na cidade. 
    mais valia que fossem de outra sorte 
    em cada um a força da vontade 
    e tão filosofais melancolias 
    nessa escusada busca da verdade, 
    e que a ti nos prendesse melhor grade. 
    bem que ao longo do tempo ensurdecias, 
    nublando-se entre nós os teus cristais, 
    e entre gentes remotas descobrias 
    o que não eram notas tropicais 
    mas coisas tuas que não tinhas mais, 
    perdidas no enredar das nossas vias 
    por desvairados, lúgubres sinais, 
    mísera sorte, estranha condição, 
    mas cá e lá do que eras tu te esvais, 
    por ser combate de armas desiguais. 
    matam-te a casa, a escola, a profissão, 
    a técnica, a ciência, a propaganda, 
    o discurso político, a paixão 
    de estranhas novidades, a ciranda 
    de violência alvar que não abranda 
    entre rádios, jornais, televisão. 
    e toda a gente o diz, mesmo essa que anda 
    por tal degradação tão mais feliz 
    que o repete por luxo e não comanda, 
    com o bafo de hienas dos covis, 
    mais que uma vela vã nos ventos panda 
    cheia do podre cheiro a que tresanda. 
    foste memória, música e matriz 
    de um áspero combate: apreender 
    e dominar o mundo e as mais subtis 
    equações em que é igual a xis 
    qualquer das dimensões do conhecer, 
    dizer de amor e morte, e a quem quis 
    e soube utilizar-te, do viver, 
    do mais simples viver quotidiano, 
    de ilusões e silêncios, desengano, 
    sombras e luz, risadas e prazer 
    e dor e sofrimento, e de ano a ano, 
    passarem aves, ceifas, estações, 
    o trabalho, o sossego, o tempo insano 
    do sobressalto a vir a todo o pano, 
    e bonanças também e tais razões 
    que no mundo costumam suceder 
    e deslumbram na só variedade 
    de seu modo, lugar e qualidade, 
    e coisas certas, inexactidões, 
    venturas, infortúnios, cativeiros, 
    e paisagens e luas e monções, 
    e os caminhos da terra a percorrer, 
    e arados, atrelagens e veleiros, 
    pedacinhos de conchas, verde jade, 
    doces luminescências e luzeiros, 
    que podias dizer e desdizer 
    no teu corpo de tempo e liberdade. 
    agora que és refugo e cicatriz 
    esperança nenhuma hás-de manter: 
    o teu próprio domínio foi proscrito, 
    laje de lousa gasta em que algum giz 
    se esborratou informe em borrões vis. 
    de assim acontecer, ficou-te o mito 
    de haver milhões que te uivam triunfantes 
    na raiva e na oração, no amor, no grito 
    de desespero, mas foi noutro atrito 
    que tu partiste até as próprias jantes 
    nos estradões da história: estava escrito 
    que iam desconjuntar-te os teus falantes 
    na terra em que nasceste, eu acredito 
    que te fizeram avaria grossa. 
    não rodarás nas rotas como dantes, 
    quer murmures, escrevas, fales, cantes, 
    mas apesar de tudo ainda és nossa, 
    e crescemos em ti. nem imaginas 
    que alguma vez uma outra língua possa 
    pôr-te incolor, ou inodora, insossa, 
    ser remédio brutal, vãs aspirinas, 
    ou tirar-nos de vez de alguma fossa, 
    ou dar-nos vidas novas repentinas. 
    enredada em vilezas, ódios, troça, 
    no teu próprio país te contaminas 
    e é dele essa miséria que te roça. 
    mas com o que te resta me iluminas. 

    in "Antologia dos Sessenta Anos"