Mário Cesariny de Vasconcelos
Nasceu a 9agosto1923...Lisboa
e morreu a 26nov2006
***
Via Vida Breve
9agosto2020
"Hoje, MÁRIO CESARINY de Vasconcelos (Lisboa, 9 de Agosto de 1923 — 26 de Novembro de 2006), poeta e pintor surrealista, faria 97 anos.
.
Recordamos, disponível em bit.ly/2OpdnKt, a emissão muito bela d’A RONDA DA NOITE (
Antena 2
) que Luís Caetano lhe dedicou há uns meses, aquando dos treze anos da sua morte, preenchida com poesia dita pelo poeta e ♫ ♫ com música de Claude Debussy, Felix Mendelssohn-Bartholdy, Michelangelo Falvetti, Christoph Willibald Gluck, Rodrigo Leão, Wojciech Kilar, Johann Sebastian Bach, Gabriel Fauré e Philip Glass. ♫ ♫ "***
2noVEMbro2016
ELSINORE
A NOVA EDITORA onde o Ricardo Duarte começa a trabalhar hj
TEM ESTE POEMA
em todos os livros que editou:
http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/28/cesariny1.html
You are welcome to Elsinore
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
Pena Capital
Lisboa, Assírio & Alvim, 1982
***
via Graça Silva
Discurso ao príncipe de Epaminondas, mancebo de grande futuro Despe-te de verdades das grandes primeiro que das pequenas das tuas antes que de quaisquer outras abre uma cova e enterra-as a teu lado primeiro as que te impuseram eras ainda imbele e não possuías mácula senão a de um nome estranho depois as que crescendo penosamente vestiste a verdade do pão a verdade das lágrimas pois não és flor nem luto nem acalanto nem estrela depois as que ganhaste com o teu sémen onde a manhã ergue um espelho vazio e uma criança chora entre nuvens e abismos depois as que hão-de pôr em cima do teu retrato quando lhes forneceres a grande recordação que todos esperam tanto porque a esperam de ti Nada depois, só tu e o teu silêncio e veias de coral rasgando-nos os pulsos Então, meu senhor, poderemos passar pela planície nua o teu corpo com nuvens pelos ombros as minhas mãos cheias de barbas brancas Aí não haverá demora nem abrigo nem chegada mas um quadrado de fogo sobre as nossas cabeças e uma estrada de pedra até ao fim das luzes e um silêncio de morte à nossa passagem In Manual de Prestidigitação Lisboa, Assírio & Alvim, 1981 *** Via JERO e Lusa |
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10202801553434509&set=a.1029365188983.3914.1670949754&type=1&theater
"Entre nós e as palavras, o nosso dever de falar"
*
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mão e as paredes de Elsinore
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
in "Pena Capital"
Fotografia de Susana Paiva
***
http://cesariny.blogs.sapo.pt/
"Eu acho que se se é surrealista, não é porque se pinta uma ave, ou um porco de pernas para o ar. É-se surrealista porque se é surrealista!"
"[o amor] É a única coisa que há para acreditar. O único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel. O amor é o que nos resta do sagrado."
"Sou um poeta bastante sofrível numa época em que o tecto está muito baixo."
***
Via:
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/mario_cesariny/poetas_mariocesariny01.htm
http://poesiaseprosas.no.sapo.pt/mario_cesariny/poetas_mariocesariny_autobiografia01.htm
autografia |
Sou um homem um poeta uma máquina de passar vidro colorido um copo uma pedra uma pedra configurada um avião que sobe levando-te nos seus braços que atravessam agora o último glaciar da terra O meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado à morte! os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que existe nele uma árvore miraculada tenho um pé que já deu a volta ao mundo e a família na rua um é loiro outro moreno e nunca se encontrarão conheço a tua voz como os meus dedos (antes de conhecer-te já eu te ia beijar a tua casa) tenho um sol sobre a pleura e toda a água do mar à minha espera quando amo imito o movimento das marés e os assassínios mais vulgares do ano sou, por fora de mim, a minha gabardina eu o pico do Everest posso ser visto à noite na companhia de gente altamente suspeita e nunca de dia a teus pés florindo a tua boca porque tu és o dia porque tu és terra onde eu há milhares de anos vivo a parábola do rei morto, do vento e da primavera Quanto ao de toda a gente - tenho visto qualquer coisa Viagens a Paris - já se arranjaram algumas. Enlaces e divórcios de ocasião - não foram poucos. Conversas com meteoros internacionais - também, já por cá passaram. E sou, no sentido mais enérgico da palavra na carruagem de propulsão por hálito os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde passei uma só vez tudo isso vive em mim para uma história de sentido ainda oculto magnífica irreal como uma povoação abandonada aos lobos lapidar e seca como uma linha férrea ultrajada pelo tempo é por isso que eu trago um certo peso extinto nas costas a servir de combustível é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser escrupulosamente electrocutadas vivas para não termos de atirá-los semi-mortas à linha E para dizer-te tudo dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou em franca ascensão para ti O Magnífico na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais nem lágrimas à porta das famílias sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado perdido entre lagos de incêndio e o teu retrato grande! Pena Capital II pena capital 2ª edição Assírio & Alvim 1999 |
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
(imagem: CubaGallery on Flickr)
**
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/573305639456894/?type=1&theater
Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos a morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras noturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar
"Pena Capital"
Lisboa, Assírio & Alvim, 1982
Ilustração - Loui Jover
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https://www.facebook.com/imagensfaladas/photos/a.219921738189870.1073741828.219896998192344/279007255614651/?type=1&theater
Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvi-lo já.
É ouvi-lo melhor
Do que o dirias
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.
Tu és melhor — muito melhor! —
Do que tu.
Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.
**
(Lembra-te)
http://ruadaspretas.blogspot.pt/2014/02/mario-cesariny-lembra-te.html
Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos
***
Via:
http://observador.pt/especiais/os-melhores-poemas-de-amor-da-lingua-portuguesa-para-nove-escritores/
Ontem
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
às onze
fumaste
um cigarro
encontrei-te
sentado
ficámos para perder
todos os teus eléctricos
os meus
estavam perdidos
por natureza própria
Andámos
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
dez quilómetros
a pé
ninguém nos viu passar
excepto
claro
os porteiros
é da natureza das coisas
ser-se visto
pelos porteiros
Olha
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
como só tu sabes olhar
a rua os costumes
O Público
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
o vinco das tuas calças
está cheio de frio
e há quatro mil pessoas interessadas
nisso
Não faz mal abracem-me
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
**
os teus olhos
de extremo a extremo azuis
vai ser assim durante muito tempo
decorrerão muitos séculos antes de nós
mas não te importes
não te importes
muito
nós só temos a ver
com o presente
perfeito
corsários de olhos de gato intransponível
maravilhados maravilhosos únicos
nem pretérito nem futuro tem
o estranho verbo nosso
**
Tu estás em mim como eu estive no berço
como a árvore sob a sua crosta
como o navio no fundo do mar
como a árvore sob a sua crosta
como o navio no fundo do mar
**
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
em todas as ruas te perco
in Pena Capital
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
***
Via Maria Elisa Ribeir
Os Pássaros de Londres |
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas da neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam de esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gelo
como se gelo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro verde e negro
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
in "Poemas de Londres"
***