nasceu por volta de 1470...
e morre a 3feVER1536..Évora
***
Não Receeis Fazer Bem
Senhoras não hajais medo
não receeis fazer bem
tende o coração mui quedo
e vossas mercês verão cedo
quão grandes bens do bem vem.
Não torvem vosso sentido
as cousas qu'haveis ouvido
porqu'é lei de deos d'amor
bem, vertude nem primor
nunca jamais ser perdido.
Por verdes o galardão
que do amor recebeu
porque por ele morreu
nestas trovas saberão
o que ganhou ou perdeu.
Não perdeu senão a vida
que pudera ser perdida
sem na ninguém conhecer
e ganhou por bem querer
ser sua morte tão sentida.
Ganhou mais que sendo dantes
nom mais que fermosa dama
serem seus filhos ifantes
seus amores abastantes
de deixarem tanta fama.
Outra mor honra direi:
como o príncepe foi rei
sem tardar mas mui asinha
a fez alçar por rainha
sendo morta o fez por lei.
Os principais reis d'Espanha
de Portugal e Castela
e emperador d'Alemanha
olhai que honra tamanha
que todos decendem dela.
Rei de Nápoles também
duque de Bregonha a quem
todo França medo havia
e em campo el rei vencia
todos estes dela vem.
Por verdes como vingou
a morte que lh'ordenaram
como foi rei trabalhou
e fez tanto que tomou
aqueles que a mataram.
A um fez espedaçar
e ò outro fez tirar
por detrás o coração
pois amor dá galardão
não deixe ninguém d'amar.
Cabo
Em todos seus testamentos
a decrarou por molher
e por s'isto melhor crer
fez dous ricos moimentos
em qu'ambos vereis jazer:
rei, rainha coroados
mui juntos não apartados
no cruzeiro d' Alcobaça
quem puder fazer bem faça
pois por bem se dão tais grados.
(Excerto)
Garcia de Resende, in 'Cancioneiro Geral de Garcia de Resende'
*
os galantes poucos são
cousas de prazer esquecem
os negócios vêm e vão
nunca minguam, sempre crescem.
Não há já nenhum folgar
nem manhas exercitar
é tanto o requerimento
que ninguém não traz o tento
senão em querer medrar.
Mil pessoas achareis
menos das que cá leixastes
doutras vos espantareis
porque vê-las não cuidastes
da maneira que vereis.
Uns acabam outros vem
e uns tem outros não tem
e os mais polo geral
folgam muito d'ouvir mal
e pouco de dizer bem.
Se cá sois bem ensinado
cada feira valeis menos
e se mal sois estranhado
dous dias e logo vemos
ficardes mais estimado.
E vai isto de maneira
que na capela cadeira
d'espaldas tem escudeiros
e consentem-lh'os porteiros
estarem na dianteira.
Anda tudo tão danado
que o que menos merece
se mostra mais agravado
e d'homens que não conhece
é el rei emportunado.
E estes que Deos padeça
hão de cobrir a cabeça
perant'ele no serão
e só por isso lá vão
sem haver quem os conheça.
Bons e maus todos já trazem
os rabos alevantados
em lobas frisadas jazem
capuzes apestanados
pola ponta do pé trazem
contas e lenços lavrados
e da sala namorados
e nunca dizem de quem
e pousando em Santarém
são assi afidalgados.
Quem for muito comedido
e quem for josteficado
não será muito valido
quem for desavergonhado
será com todos cabido.
Não há homens de primor
nem quem sirva por amor
senão por ter e mandar
nem há quem queira lembrar
o proveito do senhor.
Quem tem renda quer poupar
e quem gasta bem o seu
não no podem comportar
hão-no logo por sandeu
e qu'é siso entesourar.
Os velhos são namorados
os mancebos acupados
os casados são solteiros
os fracos são mui guerreiros
e os clérigos casados.
Há cá poucas amizades
e grandes competimentos
custumam pouco verdades
servem-se muito de ventos
e cousas de vaidades.
Não lembra a ninguém rezão
senão só encher a mão
e passe por u puder
nem creais que bem fazer
faz ninguém se el rei não.
E se quer ir ter verão
algum cabo ou invernar
e d'alguns toma a tenção
cada um o quer levar
para onde tem seu pão.
Pois nisto não tem respeito
senão só a seu proveito
vede bem qu'aconselhar
farão num bom pelejar
ou em outro grande feito.
Cabo
Porque sei qu'esperareis
que vos dê novas de mim
vos dou estas qu'ouvireis
qu'estou são em Almeirim
da sorte qu'aqui vereis.
Nunca mais saí daqui
üa hora nem parti
de servir e d'aguardar
e acerca do medrar
tal m'estou qual me naci.
(Excerto)
De Garcia de Resende, estando el rei em Almeirim, a Manuel de Goios, que estava por capitão na Mina e lhe mandou pedir que lhe escrevesse novas da corte, as quais lhe manda.
Garcia de Resende, in 'Cancioneiro Geral de Garcia de Resende'
http://www.citador.pt/poemas/nao-receeis-fazer-bem-garcia-de-resendenão receeis fazer bem
tende o coração mui quedo
e vossas mercês verão cedo
quão grandes bens do bem vem.
Não torvem vosso sentido
as cousas qu'haveis ouvido
porqu'é lei de deos d'amor
bem, vertude nem primor
nunca jamais ser perdido.
Por verdes o galardão
que do amor recebeu
porque por ele morreu
nestas trovas saberão
o que ganhou ou perdeu.
Não perdeu senão a vida
que pudera ser perdida
sem na ninguém conhecer
e ganhou por bem querer
ser sua morte tão sentida.
Ganhou mais que sendo dantes
nom mais que fermosa dama
serem seus filhos ifantes
seus amores abastantes
de deixarem tanta fama.
Outra mor honra direi:
como o príncepe foi rei
sem tardar mas mui asinha
a fez alçar por rainha
sendo morta o fez por lei.
Os principais reis d'Espanha
de Portugal e Castela
e emperador d'Alemanha
olhai que honra tamanha
que todos decendem dela.
Rei de Nápoles também
duque de Bregonha a quem
todo França medo havia
e em campo el rei vencia
todos estes dela vem.
Por verdes como vingou
a morte que lh'ordenaram
como foi rei trabalhou
e fez tanto que tomou
aqueles que a mataram.
A um fez espedaçar
e ò outro fez tirar
por detrás o coração
pois amor dá galardão
não deixe ninguém d'amar.
Cabo
Em todos seus testamentos
a decrarou por molher
e por s'isto melhor crer
fez dous ricos moimentos
em qu'ambos vereis jazer:
rei, rainha coroados
mui juntos não apartados
no cruzeiro d' Alcobaça
quem puder fazer bem faça
pois por bem se dão tais grados.
(Excerto)
Garcia de Resende, in 'Cancioneiro Geral de Garcia de Resende'
*
Novas da Corte
As damas nunca parecemos galantes poucos são
cousas de prazer esquecem
os negócios vêm e vão
nunca minguam, sempre crescem.
Não há já nenhum folgar
nem manhas exercitar
é tanto o requerimento
que ninguém não traz o tento
senão em querer medrar.
Mil pessoas achareis
menos das que cá leixastes
doutras vos espantareis
porque vê-las não cuidastes
da maneira que vereis.
Uns acabam outros vem
e uns tem outros não tem
e os mais polo geral
folgam muito d'ouvir mal
e pouco de dizer bem.
Se cá sois bem ensinado
cada feira valeis menos
e se mal sois estranhado
dous dias e logo vemos
ficardes mais estimado.
E vai isto de maneira
que na capela cadeira
d'espaldas tem escudeiros
e consentem-lh'os porteiros
estarem na dianteira.
Anda tudo tão danado
que o que menos merece
se mostra mais agravado
e d'homens que não conhece
é el rei emportunado.
E estes que Deos padeça
hão de cobrir a cabeça
perant'ele no serão
e só por isso lá vão
sem haver quem os conheça.
Bons e maus todos já trazem
os rabos alevantados
em lobas frisadas jazem
capuzes apestanados
pola ponta do pé trazem
contas e lenços lavrados
e da sala namorados
e nunca dizem de quem
e pousando em Santarém
são assi afidalgados.
Quem for muito comedido
e quem for josteficado
não será muito valido
quem for desavergonhado
será com todos cabido.
Não há homens de primor
nem quem sirva por amor
senão por ter e mandar
nem há quem queira lembrar
o proveito do senhor.
Quem tem renda quer poupar
e quem gasta bem o seu
não no podem comportar
hão-no logo por sandeu
e qu'é siso entesourar.
Os velhos são namorados
os mancebos acupados
os casados são solteiros
os fracos são mui guerreiros
e os clérigos casados.
Há cá poucas amizades
e grandes competimentos
custumam pouco verdades
servem-se muito de ventos
e cousas de vaidades.
Não lembra a ninguém rezão
senão só encher a mão
e passe por u puder
nem creais que bem fazer
faz ninguém se el rei não.
E se quer ir ter verão
algum cabo ou invernar
e d'alguns toma a tenção
cada um o quer levar
para onde tem seu pão.
Pois nisto não tem respeito
senão só a seu proveito
vede bem qu'aconselhar
farão num bom pelejar
ou em outro grande feito.
Cabo
Porque sei qu'esperareis
que vos dê novas de mim
vos dou estas qu'ouvireis
qu'estou são em Almeirim
da sorte qu'aqui vereis.
Nunca mais saí daqui
üa hora nem parti
de servir e d'aguardar
e acerca do medrar
tal m'estou qual me naci.
(Excerto)
De Garcia de Resende, estando el rei em Almeirim, a Manuel de Goios, que estava por capitão na Mina e lhe mandou pedir que lhe escrevesse novas da corte, as quais lhe manda.
Garcia de Resende, in 'Cancioneiro Geral de Garcia de Resende'
***
Vida e Obra
Garcia de Resende (1470-1536) nasceu em Évora. Cedo se revelou dotado para letras, tendo sido autor de composições em verso e em prosa e o compilador do Cancioneiro Geral.
Como era apanágio do seu tempo, desenvolveu diversas facetas, entre as quais o desenho, a poesia e a música e foi um animador apreciado dos serões palacianos.
O seu nome ficou para sempre associado à compilação do Cancioneiro Geral, que constitui uma matriz da memória de mais de 200 poetas.
Leitura Escultórica
Escultura
Peça assumidamente figurativa, na tradição da estatuária, mas com uma linguagem formal de marcada contemporaneidade.
Construída por dois elementos procura-se uma composição identificadora d a personalidade do poeta, equilibrada com o espaço em que se integra, procurando a fusão da área limitada da “folha” com a zona que a envolve.
O elemento principal é a figura de Garcia Resende com um tratamento de grande síntese mas suficientemente definidor do que se conhece da personagem e da indumentária da época.
O segundo elemento, a “escrivaninha” é a mesa de trabalho onde simbolicamente se cruzam todos os seus “talentos”.
O conjunto será instalado perto do extremo de uma plataforma que, nascendo no espaço “folha” que lhe é destinado, se dirige para a zona verde envolvente e nela mergulha.
Esta plataforma contém uma “passadeira” de relva todo os seu comprimento a qual simboliza o percurso de uma vida vivida na corte.
A escultura é executada em granito rosa e na plataforma terá a todo o seu comprimento uma caixa que permitirá a sementeira de relva.
Leitura Poética
Um homem da Renascença com um percurso que atravessa três reinados, mantendo-se sempre ao serviço e na proximidade dos reis. Alegre, de trato cordial, certamente competente consegue, com estas qualidades, permanecer longo tempo em funções importantes na Corte. Percebe-se pelas referências encontradas, ser de figura volumosa. Gil Vicente refere a sua rotundidade e a “cara de tamboril”.
Escultor
António Vidigal
Consulte a sua obra no catálogo das Bibliotecas Municipais de Oeiras. Clique aqui.
http://parquedospoetas.cm-oeiras.pt/?page_id=1284
***
03 de Fevereiro de 1536: Morre, em Évora, o poeta e cronista português Garcia de Resende, compilador do Cancioneiro Geral
Escritor
português, nasceu em Évora por volta de 1470, de uma família nobre, a que
pertencem dois humanistas ilustres: André de Resende e André Falcão de Resende.
Contemporâneo de Gil Vicente e de Sá de Miranda, Garcia de Resende desenvolveu
na corte o seu talento de escritor e de artista, como poeta, músico, desenhador
e cronista, granjeando ainda em vida uma aura de homem culto e ilustre. Morreu
em 1536, sendo sepultado na capela de Nossa Senhora que mandara edificar.
Personalidade complexa, homem de gosto e cultura, Garcia de Resende impôs-se
sobretudo como escritor e compilador.
Ainda jovem, é acolhido no paço sob a proteção de
um tio materno, desembargador, e nomeado moço de câmara e de escrivaninha por D.
João II, merecendo a amizade do monarca. Sob o reinado de D. Manuel, recebe
novos privilégios: integra, em 1498, o séquito que acompanha o monarca na viagem
à corte dos Reis Católicos; participa, em 1514, na embaixada ao Papa Leão X; é
nomeado Cavaleiro da Ordem de Cristo, em 1515; e, no ano seguinte, escrivão da
Fazenda do príncipe D. João.
A partir de 1530, fixou residência em Évora para
ultimar os seus escritos, leal ao princípio enunciado no prólogo ao Cancioneiro
Geral de não continuar a incúria com que
os portugueses registam as coisas "dinas de grande memoria", votando-as, assim,
ao esquecimento. Nascido do propósito de perpetuar a poesia cultivada nos serões
palacianos, as "cousas de folgar e gentylezas", oCancioneiro
Geral, coligido por Garcia de Resende,
publicado em Lisboa, em 1516, entroncando na tradição peninsular dos
cancioneiros coletivos, oferece um repositório poético muito vasto e
literariamente diversificado.
A
colaboração de Garcia de Resende no Cancioneiro
Geral é
quantitativa e qualitativamente das mais salientes. Um dos "ajudantes" mais
requisitados em composições coletivas, participa no concurso lançado por Fernão
da Silveira ao melhor louvor de Dona Filipa de Vilhena, no refrão lançado pelo
conde de Vimioso a "ûa Senhora", no de D. Diogo de Meneses, a Dona Filipa de
Abreu, no de D. Diogo a Dona Beatriz de Vilhena, no de Aires Teles a Joana de
Mendonça, no de João da Silveira a Dona Margarida Freire, entre muitos outros,
não só de teor amoroso e jocoso/amoroso, mas também de maldizer, empenhando-se
ainda no fabrico de entretenimentos de corte onde o artifício poético tem uma
função exclusivamente lúdica, como é o caso das quarenta e oito trovas compostas
por ordem do rei para um jogo de cartas, vinte e quatro femininas e vinte e
quatro masculinas, doze de louvor e doze de deslouvor, para serem sorteadas, num
serão, pelos cortesãos. Mas é sobretudo nas composições individuais que o
talento de Garcia de Resende se destaca. Recriando o molde dos Infernos
dos Namorados, as
"Trovas que Garcia de Resende / Fez à Morte de Dona Ines de Cas-/tro", uma longa
prosopopeia onde Dona Inês narra a história do seu amor e as circunstâncias da
sua morte, endereçada por Resende às damas como exemplo máximo de "gualardam de
amor", legarão à tradição literária uma imagem do par amoroso como símbolo
sublime do amor trágico. Ainda de temática amorosa, as composições mais breves,
cantigas, vilancetes, glosas, desenvolvendo frequentemente motes alheios,
revelam a capacidade de exprimir num apuramento formal lapidar os paradoxos da
vassalagem amorosa.
O corpus poético de Resende no Cancioneiro inclui ainda composições de temática social que
revelam uma postura crítica relativamente às transformações históricas e
políticas que revolucionaram a sociedade, os seus costumes e a sua moral, na
viragem do século XV para o século XVI. Na ajuda às trovas de Luis da Silveira a
Dom Nuno Manuel, opondo um tempo passado a um tempo presente, onde o conceito de
honra já não faz sentido, subscreve uma acusação direta à dissimulação e
hipocrisia usadas por certos amigos para sobreviver na corte: "Esperança de
proveito / faz fingir mil amizades, / mui cheas de seu respeito, / mui vazias de
verdades. / (...) Todos tiram aa barreira / d'haver fazenda e dinheiro, / ser
honrado e cavaleiro / nam há ninguem que o queira...".
A mesma denúncia dos desmandos da sociedade é, de
forma irónica, mais amplamente desenvolvida na carta enviada a Manuel de Góis
sobre novas da corte. Aí, as notícias sobre as damas, sobre as atividades do rei
e dos galantes, sobre os últimos feitos da tentativa de conquista no Norte de
África deixam subtilmente passar uma sátira aos desmandos da vida cortesã - a
ambição, os descontentamentos, a futilidade e, sobretudo, o desconhecimento de
princípios como a lealdade, a retidão, a sinceridade:
"Nam há
homem de primor / nem quem sirva por amor / senam por ter e mandar, / nem há
quem queira lembrar / o proveito do senhor. / (...) Há cá poucas amizades / e
grandes competimentos, / custumam pouco verdades, / servem-se muito de / ventos
e cousas de vaidades / (...) nem creais que bem fazer / faz ninguem, / se El-Rei
nam."
As glosas de
crítica à vida de corte acabam por dar corpo à afirmação individual de
um eu oposto aos outros, colocado na charneira da mudança dos tempos, mas
fiel a um Portugal já passado, pois, indiferente a todas as novas que relata,
Resende permanece o mesmo: "Nunca mais sahi daqui / ûa hora nem parti / de
servir e d' aguardar / e acerca de medrar / tal m' estou qual me
naci."
Prepara-se,
assim, o terreno para a composição de uma obra de espiritualidade que conheceu
ainda em vida do autor três edições sucessivas, o Breve
memorial dos pecados e cousas que pertençem há confissam hordenado por Garcia de
Resende fidalguo da casa del Rei nosso senhor. Trata-se de um guia penitencial redigido
provavelmente em coautoria com D. Jorge de Almeida, bispo de Coimbra, e que
apresenta várias particularidades de especial importância para a história do
sentimento religioso em Portugal no início do século XVI. Destinado a leigos,
este primeiro "memorial dos pecados" em língua vulgar assume, no questionário, a
enunciação do próprio penitente que, ao realizar o seu exame de consciência,
percorre com minúcia todas as circunstâncias pelas quais poderia ter incorrido
em pecado, oferecendo-nos, em simultâneo, um testemunho do estado da disciplina
penitencial em Portugal, no momento da Reforma protestante, e um eco dos
problemas e inquietações da mentalidade quinhentista.
Com efeito,
o editor do Lyvro
das Obras de Garcia de Resende, impresso
postumamente, em 1545, apresenta-nos um autor polígrafo, coligindo nesse volume
a Chronica
/ que trata da vida, e grandissimas / virtudes, e bondades, magnanimo esforço,
excellentes / costumes, e manhas, e claros feytos do Christianissimo / Dom Joam
o Segundo deste nome, e dos Reys de Portu- / gal o decimo tercio de gloriosa
memorea, os
pequenos relatos históricos da Entrada
Del Rey Dom Manoel em Castella e
a Hida
da Infanta Dona Beatriz Pera Saboya, e textos
de teor religioso, a Paixão
Segundo os Quatro Evãgelistas e Sermãosobre os
três Reis Magos. A reedição do Lyvro em 1554,
conservando os registos históricos e suprimindo os textos espirituais,
oferece-nos ainda o longo poema Miscellanea
de Garcia de Resende, e variedade de historias, costumes, casos, e cousas / que
em seu tempo aconteceram.
Redigida em
Évora entre 1530 e 1533, apropriando de forma original a fonte manuscrita de Rui
de Pina, e movida pelo desejo de retribuir com esta vida e narração de virtudes,
os "bons ensinos" e apreço com que o monarca paternalmente o distinguira (cf.
cap. CCI), a Crónica
de D. João II esboça um
retrato psicológico do monarca, resultado de notas e lembranças cumuladas ao
longo de uma convivência íntima. Precedida de uma pequena súmula sobre as
"Virtudes/, Feições, Costumes, e Manhas..." do monarca e cruzando o registo
biográfico, com os registos histórico, novelístico, encomiástico e elegíaco, a
leitura da Crónica
de D. João II nutre-se
de um interesse histórico, mas também literário, dando provas, em capítulos como
o da morte do Príncipe Afonso, do seu talento como prosador.
Composta nos mesmos anos, a Miscelânea dá conta, numa longa retrospetiva em verso,
anaforicamente sugerida pelo vocábulo "Vimos...", dos grandes acontecimentos da
história europeia e portuguesa ocorridos entre meados do século XV e primeiros
decénios do século XVI. Designada por Veríssimo Serrão (1973), como o
"testamento" do autor, a Miscelânea testemunha uma consciência profunda das mudanças
que acompanharam o nascimento da época moderna: as viagens de descoberta, a
constituição de impérios, a emergência do capitalismo, o desmoronar do sistema
feudal, o desenvolvimento da cultura palaciana, a ascensão de novas classes
dominantes e novos valores, o aparecimento da imprensa, etc. Confluindo de certo
modo na temática do desconcerto do mundo, resolvida na crença de que só a fé em
Deus dá sentido à sucessão de "novidades", a Miscelânea nasce, acima de tudo, do desejo humanista, já
enunciado no prólogo ao Cancioneiro, de registar em vulgar todos os feitos que, mau
grado a sua "mundana gloria", não devem ser esquecidos, abrindo
inconscientemente caminho para uma glorificação da epopeia portuguesa, ainda por
fazer:
"Se fallara dos passados / dinos de grandes
memorias / capitães tam esmerados, / de fectos tam signalados / fezera grandes
historias; / has quais deixo de fazer; / pois ninguem non quer dizer /
louvor
Fontes: Infopédia
wikipedia
(imagens)
Primeira edição do Cancioneiro Geral (1516)
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