09/09/2010

3.340. Linha do oeste. Entrevista muito importante ao Presidente da CP, no Gazeta das Caldas.

http://www.gazetacaldas.com/?p=4186#more-4186
É muito difícil fazer melhor na linha do Oeste” diz o presidente da CP, José Benoliel


Publicado a 3 de Setembro de 2010 .
Nunca a Gazeta das Caldas teve uma entrevista tão completa de um administrador da CP. José Benoliel, presidente da empresa desde há dois meses, respondeu a todas as perguntas sobre a linha do Oeste. Mas, infelizmente, não dá razões para os oestinos se sentirem optimistas com o futuro da linha na qual, segundo diz, só pode fazer melhor se houver modernização.
GAZETA DAS CALDAS – Que planos tem para a linha do Oeste?
JOSÉ BENOLIEL – No curto prazo, vamos continuar a monitorizar a procura e a promover o serviço, tirando o máximo partido das condições actuais da infra-estrutura e do material circulante disponível. Manter a estratégia de parcerias com eventos locais, no presente caso com Óbidos, associando o transporte ferroviário aos eventos o que tem dinamizado a procura e a divulgação do serviço. E a divulgação de pólos de atracção naturais, como a Praia de S. Martinho do Porto com uma componente sazonal muito vincada, é outra estratégia que tem sido seguida.
Já a longo prazo, estamos a colaborar com a Refer no projecto de modernização da linha, no qual se estão a estudar cenários de exploração e de intervenções na infra-estrutura necessários, que permitam avaliar o montante de investimentos que permitam dotar a linha do Oeste de uma capacidade competitiva com outros modos de transporte.
GC – Um upgrade no conforto do material circulante – uma vez que não consegue aumentar a velocidade – não poderia traduzir-se numa maior captação de clientes?
JB – Quando, por exemplo, o tempo de deslocação entre Lisboa e Torres Vedras de carro é de 30 minutos e o comboio demora o dobro do tempo, mesmo comparando com o autocarro que demora cerca de 45 minutos, dificilmente o upgrade no conforto se traduz numa maior captação de clientes que justifique o investimento. Hoje em dia, numa cidade como Torres Vedras que já apresenta um fluxo pendular significativo sobre Lisboa, os clientes do transporte público exigem tempo de deslocação baixo e frequência. De que adiantará melhorar o conforto se não é possível oferecer simultaneamente baixos tempo de deslocação e frequência de serviço?
GC – A CP considera, então, que sem intervenção da Refer, sem mexer na infra-estrutura, não pode fazer melhor?
JB – É muito difícil fazer melhor, não só pela infra-estrutura, mas também pelo tipo de mobilidade existente na linha. No passado o caminho-de-ferro foi estruturante para a região, servindo não só os principais aglomerados populacionais, mas também todo um conjunto de pequenas povoações que existiam e cresceram ao longo da linha.
Todo o desenvolvimento rodoviário centrou-se na aproximação das grandes cidades, pelo que, para que o comboio possa competir com a auto-estrada, terá que ser frequente e directo. Mas para conseguir essa performance numa linha de via única, o serviço regional de curta distancia teria que ficar inviabilizado, deixando ao abandono povoações que continuam a apoiar-se no caminho-de-ferro. Ou seja, poderíamos fazer melhor, mas teríamos que abandonar o serviço de curta distância.
Compete ao caminho-de-ferro e aos governos investir para recuperar a ”noiva”
GC – A linha do Oeste já foi estruturante. Neste momento não é. As pessoas estão divorciadas da linha. Quem tem menos de 40 anos nem considera sequer que o comboio existe…
JB – A linha do Oeste, tal como a maior parte das linhas da rede ferroviária nacional, foi projectada e construída há mais de 100 anos. Nesse tempo, as linhas ferroviárias serviam para desbravar o país e praticamente como único meio de deslocação de média ou grande distância. Desta forma, não foi só a linha do Oeste, mas todas elas que foram estruturantes para as regiões em que se inseriam.
A partir dos anos 80 a motorização em Portugal aumentou significativamente ao mesmo tempo que foram construídas estradas e auto-estradas a ligar os principais centros urbanos.
Assim, os mais novos cresceram num mundo novo, onde o modo de transporte rodoviário foi sendo cada vez mais cómodo, rápido e exaustivamente aliciado por via da publicidade que os fabricantes de automóveis fizeram.
Eu diria que não ocorreu um “divórcio”, mas outros “casamentos” de gerações que cresceram em ambientes completamente diferentes.
Compete ao caminho-de-ferro (e aos governos) investir para recuperar a ”noiva”, demonstrando-lhe as vantagens dos seus atributos em termos de ambiente, economia, segurança e conforto
GC – Por que motivo a linha está partida ao meio, com transbordos nas Caldas, em vez de se considerar todo o eixo Oeste como um só corredor ferroviário que una Lisboa a Coimbra através de Torres Vedras, Caldas, Marinha Grande e Leiria? Não são cidades com mercado potencial interessante a rebaterem sobre Lisboa e Coimbra?
JB – Caldas da Rainha marca uma fronteira muito clara sob o ponto de vista da procura, em que existe uma redução muito acentuada do troço a Norte quando comparado com o troço a Sul. Esta separação é também visível pela oferta de comboios que também é mais reduzida entre Caldas da Rainha e Figueira da Foz.
Já a descontinuidade do serviço entre a norte e sul é essencialmente teórica. Na maior parte dos casos é a mesma automotora que efectua o serviço de continuidade correspondendo o tempo de paragem nas Caldas da Rainha a uma paragem técnica para assegurar as correspondências e cruzamentos.
GC – Desculpe interromper, mas isso não é, de todo, verdade. Só há um único caso em que isso acontece. E é essa mudança de automotora que as pessoas não entendem e desencoraja o uso do modo ferroviário.
JB – Existem efectivamente alguns constrangimentos que dão a percepção de não continuidade, como sejam o reabastecimento de combustível e a limpeza que são efectuados nas Caldas da Rainha, bem como a acoplagem ou desacoplagem de unidades para circulação em múltipla.
São operações que, por motivos de segurança, obrigam em algumas situações que se efectuem sem passageiros a bordo criando um desconforto equivalente a um transbordo.
É claro que será sempre desígnio da CP que estas operações sejam efectuadas tanto quanto possível nas estações terminais, mas existindo a obrigação de uma paragem técnica que permita a operação, então esta será optimizada.
Aprofundando um pouco mais: a linha do Oeste é uma linha em via única, onde as estações que possibilitam o cruzamento de comboios não estão regularmente distribuídas ao longo da linha (impedindo uma optimização do serviço) e onde as correspondências em Meleças e na Bifurcação de Lares para as ligações a Lisboa e Coimbra condicionam os horários.
É claro que se poderia introduzir artificialmente a continuidade de serviço tornando os comboios mais lentos de forma a eliminar os tempos de paragem nas Caldas da Rainha, mas não foi essa a opção porque a procura da continuidade de serviço não era significativa ao ponto de sacrificar a centralidade das Caldas da Rainha como gerador de tráfego.
GC – Como se podem entender essas dificuldades se a Refer afirma que a linha só tem 52% de taxa de ocupação?
JB – É importante compreender como se chega a essa “média estatística”: a capacidade da linha é determinada para uma utilização intensiva de 20 horas diárias (quatro horas são reservadas para a manutenção da linha sempre que necessário). No entanto, ao longo do dia, só no início da manhã e no final da tarde é que a linha tem uma utilização maior, o que naturalmente vicia uma leitura apressada dessa média.
De facto, a capacidade excedentária existe, mas em momentos do dia em que não existe procura.
Mas deixe-me explicar aos seus leitores um pouco melhor as dificuldades da via única.
Se num troço de via única com três pontos de cruzamento consecutivos A, B e C em que o tempo de viagem entre A e B é de 20 minutos, e o tempo de viagem entre B e C é de 15 minutos, podemos alternar a circulação dos comboios entre A e B cada 20 minutos, ou seja teríamos um comboio em cada sentido de 40 em 40minutos, cruzando entre si nos pontos A e B cada 20 minutos.
Mas esta cadência obrigaria também ao cruzamento dos comboios no ponto C, que para se realizar (admitindo a continuidade da via única além deste ponto) imporia que o tempo de viagem entre B e C, apesar da menor distância, fosse também de 20 minutos, portanto mais lento, ou que os comboios no ponto C estejam 5 minutos em “paragem técnica” a aguardar o cruzamento.
Por isso mesmo, os actuais estudos de linhas ferroviárias de via única, novas ou de renovação, têm associado o projecto de exploração, com pontos de cruzamento optimizados e distâncias, medidas em tempo de viagem, regulares entre si, de forma a optimizar a exploração e os investimentos na infraestrutura.
AS UNIDADES DE NEGÓCIOS NÃO SÃO FEUDOS
GC – A linha do Oeste é um feudo da CP Regional? O que decide que uma determinada linha seja também usada pela CP Longo Curso?
JB – Na CP não existem feudos, apenas unidades de negócio que de uma forma coordenada entre si tentam tirar o máximo partido das potencialidades de procura do serviço ferroviário. E no caso da linha do Oeste não existe procura suficiente para uma segmentação da oferta com dois tipos de serviço diferentes, Regional e InterCidades.
GC – O que impede a CP de afectar ao Oeste a frota de Intercidades que estavam a fazer Évora e Beja? Tinham aqueles dois destinos mais mercado do que a totalidade das estações do Oeste?
JB – É verdade que o litoral apresenta um mercado potencial elevado com uma maior concentração de população, e isso é conhecido e repetido várias vezes, mas também não deixa de ser verdade que todo o litoral recebeu fortes investimentos em infra-estrutura rodoviárias e continua a receber.
A A8 está actualmente em obras de alargamento entre Lisboa e a Malveira, e já tem continuidade para Norte. Não se trata de potencial do mercado, mas sim da capacidade competitiva da ferrovia perante a rodovia. Voltamos por isso ao início da nossa conversa, em que toda uma geração cresceu à volta da rodovia e da liberdade da auto-motorização, a qual beneficiou o transporte público rodoviário, remetendo o serviço ferroviário, de eleição para o transporte de massas e de medias e longas distâncias para o serviço regional de baixa procura e curta distância. O que só vem justificar uma vez mais o desenvolvimento do projecto, que está a ser desenvolvido pela Refer com o apoio da CP, de modernização da linha ferroviária do Oeste.
GC – Pediu autorização à tutela para dar esta entrevista?
JB – Não. Não me sinto constrangido ao ponto de não poder dar uma entrevista a quem quer que seja. O que são precisos nas empresas são gestores e não pessoas com receio de tudo e mais alguma coisa.
Carlos Cipriano
cc@gazetacaldas.com