e morreu a 21ago1986
***
19abril
é dia mundial da Bicicleta
e os óculos/bicicleta do poeta:
FOTO ALEXANDRE DELGADO O'NEILL
http://expresso.sapo.pt/dossies/diario/2017-04-06-Os-ineditos-do-falso-facil#gs.x20I0xg***
19dez2017
via Maria Sobral Velez e Graça Maria
"Poema do Desamor"
Desmama-te desanca-te desbunda-te
Não se pode morar nos olhos de um gato
Beija embainha grunhe geme
Não se pode morar nos olhos de um gato
Serve-te serve sorve lambe trinca
Não se pode morar nos olhos de um gato
Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te
Não se pode morar nos olhos de um gato
Arfa arqueja moleja aleija
Não se pode morar nos olhos de um gato
Ferra marca dispara enodoa
Não se pode morar nos olhos de um gato
Faz festa protesta desembesta
Não se pode morar nos olhos de um gato
Arranha arrepanha apanha espanca
Não se pode morar nos olhos de um gato"
Não se pode morar nos olhos de um gato
Beija embainha grunhe geme
Não se pode morar nos olhos de um gato
Serve-te serve sorve lambe trinca
Não se pode morar nos olhos de um gato
Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te
Não se pode morar nos olhos de um gato
Arfa arqueja moleja aleija
Não se pode morar nos olhos de um gato
Ferra marca dispara enodoa
Não se pode morar nos olhos de um gato
Faz festa protesta desembesta
Não se pode morar nos olhos de um gato
Arranha arrepanha apanha espanca
Não se pode morar nos olhos de um gato"
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10208890039362833&set=a.3570654199601.116701.1670376265&type=3&theater
*
https://www.youtube.com/watch?v=L4Pw61fB6Z4&feature=youtu.be***https://www.facebook.com/quem.le.sophia.de.mello.breyner.andresen/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/1221665931202502/?type=3&theater
in NO REINO DA DINAMARCA (1958), in POESIAS COMPLETAS 1951/1986 (INCM, 3ª ed. , 1995)
AGORA ESCREVO (excerto)
[...]
E o amor,
Não o que destrói, o que não é amor,
Não a fúria dos corpos quando trocam
Desespero por desespero,
Não a suprema tristeza de existir,
A obscena arte de viver,
A ciência de não dar e receber,
Mas o amor que se traduz
Pela bondade, a confiança,
A pureza, a fraternidade,
A força de viver, de triunfar da morte,
De triunfar da sorte,
A vertigem de conhecer
Necessidade e liberdade!
[...]
*Acrílico sobre tela: The Kiss, de Vivian Anderson
*(CC)
***
2011
fiz partILHA
"hoje AQUI pedalei a poesia de aLEXandre o' neil
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1925289263374&set=a.1081356805590.12781.1576428905&type=3&theater
Em pleno Azul - Alexandre O'neill
https://www.facebook.com/pages/Alexandre-ONeill/115477905134463?fref=photo
***
O poeta que jogava com as palavras
Precursor do surrealismo em Portugal, poeta do realismo e do concretismo, provocador e irónico. O´Neill tocava o absurdo e o lugar comum com trocadilhos geniais. Num jogo lúdico e lúcido de palavras, falava de coisas sérias: do medo, do amor, de Portugal.
O´Neill era um poeta de Lisboa. Boémio assíduo, conversador de tertúlias, vagueava pelas ruas, de caderninho na mão, a tomar nota dos “pequenos absurdos do quotidiano”. Queria ver de perto a “patriazinha iletrada”, apanhar-lhe os ridículos e parodiar os brandos costumes.Tratava o material recolhido com a mais fina das ironias, em trocadilhos certeiros e mordazes, num discurso povoado de neologismos, calão, gíria e tudo o mais que pudesse tirar os portugueses do sério. Ele que se dizia “um grande poeta menor”, que gostava de sublinhar a inutilidade da poesia, foi neste ofício que se manteve até à morte, em 1986.
Antes de chegar a poeta, O´Neill, que reprovara nos exames e abandonara os estudos, aprendeu a viver de biscates e do que escrevia. Foi escriturário, empregado de seguros, tradutor de romances, de poesia e de manuais científicos, colaborador de jornais e revistas, autor de textos para cinema e teatro, televisão e rádio, letrista de fados e um dos mais importantes criativos publicitários. É dele o genial “Há mar e mar, há ir e voltar”, slogan com direito a figurar no dicionário de provérbios portugueses.
Este irresistível jogo de palavras, exercício lúdico e de lucidez, faz parte da sua poesia. Como o lugar-comum, o cliché, o gosto pelo absurdo que lhe ficou do surrealismo, movimento de que foi precursor em Portugal. Ao lado de Mário Cesariny, José-Augusto França, Fernando Vespeira e António Pedro fundou em 1947 o Grupo Surrealista de Lisboa, do qual saiu pouco tempo depois.
Autodidata, individualista e provocador, via-se essencialmente como um realista, que “apenas registava o aqui e o agora”. Sem misticismos, porque “detestava o que chamava de mistério da poesia”, percorria temas como o amor, o medo e a solidão. Mas Portugal, “país pobrete e nada alegrete”, era recorrente nos versos que fazia. “Um Adeus Português” é o mais famoso, como aqui recorda Maria Antónia Oliveira, especialista da obra de Alexandre O´Neill, o poeta “caixadóclos”.
***
21 de Agosto de 1986: Morre o poeta Alexandre O'Neill
Poeta português,
Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões nasceu a 19 de dezembro de
1924, em Lisboa, e morreu a 21 de agosto de 1986, na mesma cidade. Para além de
se ter dedicado à poesia, Alexandre O'Neill exerceu a atividade profissional de
técnico publicitário. Fundador do Grupo Surrealista de Lisboa, com Mário
Cesariny, António Pedro, José-Augusto França, diretamente influenciado pelo
surrealismo bretoniano, desvinculou-se do grupo a partir de Tempo de
Fantasmas (1951), embora a
passagem pelo surrealismo marque indelevelmente a sua postura estética. A sua
distanciação em relação a este movimento não obstou a que um estilo sarcástico e
irónico muito pessoal se impregnasse de algumas características do Surrealismo,
abordando noutros passos o Concretismo, preocupando-se não em fazer "bonito",
mas sim "bom e expressivo". Para Clara Rocha, a poesia de Alexandre O'Neill
coincide com o programa surrealista a dois níveis: "a libertação total do homem
e a libertação total da arte. O que implica: primeiro, uma poesia de
'intervenção', exortando os homens a libertarem-se dos constrangimentos de toda
a ordem que os tolhem e oprimem (familiares, sociais, morais, quotidianos,
psicológico, políticos, etc.); segundo, a libertação da palavra de todas as
formas de censura (estética, moral, lógica, do bom senso, etc.)" (cf. ROCHA,
Clara - prefácio a Poesias
Completas, 1982, p. 12).
Para Fernando J. B. Martinho (retomando um artigo de Quadernici
Portoghesi), a diferença de
O'Neill relativamente à poética surrealista situa-se na "preferência,
relativamente à oposição 'falar/imaginar', pelo primeiro polo", numa consequente
atenção dispensada, nos livros posteriores a Tempo de
Fantasmas, como No Reino da
Dinamarca ou Abandono
Vigiado,
"à sociedade portuguesa de que vai traçar como que a radiografia,
surpreendendo-a na sua mediocridade, nos seus ridículos, nos seus pequenos
vícios provincianos" (MARTINHO, Fernando J. B., op. cit., 1996, pp.
39-40). Nessa medida, e ainda segundo o mesmo crítico, se "o surrealismo
ortodoxo põe a sua crença na existência de um 'ponto do espírito em que [...] o
real e o imaginário' deixariam 'de ser percebidos contraditoriamente', em
Alexandre O' Neill toda a busca parece centrar-se na 'vida' e no 'real'"
(id.
ibi, p.
40).
Recebeu, pelas suas Poesias
Completas, o
Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos
Literários (1983).
Fontes: Infopédia
wikipedia (imagens)
PORTUGAL
Ó Portugal, se fosses só
três sílabas,
linda vista para o
mar,
Minho verde, Algarve de
cal,
jerico rapando o
espinhaço da terra,
surdo e
miudinho,
moinho a braços com um
vento
testarudo, mas embolado
e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o
sol, o sul,
o ladino
pardal,
o manso boi
coloquial,
a rechinante
sardinha,
a desancada
varina,
o plumitivo ladrilhado
de lindos adjectivos,
a muda queixa
amendoada
duns olhos
pestanítidos,
se fosses só a cegarrega
do estio, dos estilos,
o ferrugento cão
asmático das praias,
o grilo engaiolado, a
grila no lábio,
o calendário na parede,
o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só
três sílabas
de plástico, que era
mais barato!
*
Doceiras de Amarante,
barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da
Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu
derriço,
galo que cante a cores na minha
prateleira,
alvura arrendada para o meu
devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o
cachaço.
Portugal: questão que eu
tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso,
fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem
perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós . .
.
***
https://www.youtube.com/watch?v=OzwdYxxhwPc
Perfilados de Medo
Perfilados de medo agradecemos
o medo que nos salva da loucura
Decisão e coragem valem menos
e a vida sem viver é mais segura
Aventureiros já sem aventura
perfilados de medo combatemos
irónicos fantasmas à procura
do que não fomos, do que não seremos
Perfilados de medo, sem mais voz
o coração nos dentes oprimido
os loucos, os fantasmas somos nós
Rebanho pelo medo perseguido
já vivemos tão juntos e tão sós
que da vida perdemos o sentido
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1235830189767918&set=a.187796867904594.52383.100000228456151&type=3&theater
O MELHOR PRETEXTO
É tão frágil a vida,
tão efémero, tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo ?)
tão efémero, tudo!
(Não é verdade, amiga,
olhinhos-cor-de-musgo ?)
E ao mesmo tempo é forte,
forte da veleidade,
de resistir à morte
quanto maior a idade.
forte da veleidade,
de resistir à morte
quanto maior a idade.
Assim, aos trinta e sete,
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimento, vínculos.
fechados alguns ciclos,
a vida ainda pede
mais sentimento, vínculos.
Não tanto os que nos deram
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber
a fúria de viver,
como esses descobertos
depois de se saber
Que a vida não é outra
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos).
senão a que fazemos
(e a vida é uma só,
pois jamais voltaremos).
Partidários da vida,
melhor: do que está vivo,
digamos "não!" a tudo
que tenha outro sentido.
melhor: do que está vivo,
digamos "não!" a tudo
que tenha outro sentido.
E que melhor pretexto
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?
(quem o saiba que o diga!)
teremos p'ra viver
senão a própria vida?
(Fotografía: Benoit Paillé
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/788793914574731/?type=1&theater
Minuciosa formiga
não tem que se lhe diga:
leva a sua palhinha
asinha, asinha.
Assim devera eu ser
e não esta cigarra
que se põe a cantar
e me deita a perder.
Assim devera eu ser:
de patinhas no chão,
formiguinha ao trabalho
e ao tostão.
Assim devera eu ser
se não fora não querer.
ver video gift:
https://www.youtube.com/watch?v=FopfaCWei6E&list=RDFopfaCWei6E#t=5*
Amália Rodrigues
https://www.youtube.com/watch?v=ydr6qAH6u7k
***
https://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/888332024515710/?type=1&theater
Saber viver é vender a alma ao diabo
Gosto dos que não sabem viver,
dos que se esquecem de comer a sopa
((Allez-vous bientôt manger votre soupe,
s... b... de marchand de nuages?»)
e embarcam na primeira nuvem
para um reino sem pressa e sem dever.
Gosto dos que sonham enquanto o leite sobe,
transborda e escorre, já rio no chão,
e gosto de quem lhes segue o sonho
e lhes margina o rio com árvores de papel.
Gosto de Ofélia ao sabor da corrente.
Contigo é que me entendo,
piquena que te matas por amor
a cada novo e infeliz amor
e um dia morres mesmo
em «grande parva, que ele há tanto homem!»
(Dá Veloso-o-Frecheiro um grande grito?..)
Gosto do Napoleão-dos-Manicómios,
da Julieta-das-Trapeiras,
do Tenório-dos-Bairros
que passa fomeca mas não perde proa e parlapié...
Passarinheiros, também gosto de vocês!
Será isso viver, vender canários
que mais parecem sabonetes de limão,
vender fuliginosos passarocos implumes?
Não é viver.
É arte, lazeira, briol, poesia pura!
Não faço (quem é parvo?) a apologia do mendigo;
não me bandeio (que eu já vi esse filme...)
com gerações perdidas.
Mas senta aqui, mendigo:
vamos fazer um esparguete dos teus atacadores
e comê-lo como as pessoas educadas,
que não levantam o esparguete acima da cabeça
nem o chupam como você, seu irrecuperável!
E tu, derradeira geração perdida,
confia-me os teus sonhos de pureza
e cai de borco, que eu chamo-te ao meio-dia...
Por que não põem cifrões em vez de cruzes
nos túmulos desses rapazes desembarcados p'ra
[morrer?
Gosto deles assim, tão sem futuro,
enquanto se anunciam boas perspectivas
para o franco frrrrançais
e os politichiens si habiles, si rusés,
evitam mesmo a tempo a cornada fatal!
Les portugueux...
não pensam noutra coisa
senão no arame, nos carcanhóis, na estilha,
nos pintores, nas aflitas,
no tojé, na grana, no tempero,
nos marcolinos, nas fanfas, no balúrdio e
... sont toujours gueux,
mas gosto deles só porque não querem
apanhar as nozes...
Dize tu: - Já começou, porém, a racionalização do
[trabalho.
Direi eu: - Todavia o manguito será por muito tempo
o mais económico dos gestos!
*
Saber viver é vender a alma ao diabo,
a um diabo humanal, sem qualquer transcendência,
a um diabo que não espreita a alma, mas o furo,
a um satanazim que se dá por contente
de te levar a ti, de escarnecer de mim...
in Poesias Completas
***
https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/805580872811012/?type=1&theater
in NO REINO DA DINAMARCA (1958), in POESIAS COMPLETAS 1951/1986 (INCM, 3ª ed. , 1995)
O BEIJO
Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo.
Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?
É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.
E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
De duas bocas que se juntam loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...
*
Pintura: Hold on With a Kiss, de Carol Cavalaris
https://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/957518297597082/?type=1&theater
O tempo sujo
Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção
São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação
Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungara para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia
Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar
Foto: "Street Photography" - by Rui Palha
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=712605565495715&set=a.383326821756926.89367.100002388331039&type=1&theater
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
in 'No Reino da Dinamarca'
***
https://www.facebook.com/559343457434706/photos/a.559507790751606.1073741828.559343457434706/727232743979109/?type=1&theater
Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!
© Sam Carlo - Imagemhttps://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/895768497105396/?type=1&theater
Catorze versos
O primeiro é assim: fica de parte.
No segundo já posso prometer
que no terceiro vai haver mais arte.
Mas afinal não houve... Que fazer?
Melhor será calar, pois que dizer
nem no sexto conseguirei destarte.
Os acentos errados é favor nao ver;
nem os versos errados, que também sei hacer...
Ó nono verso porque vais embora
sem que eu te sublime neste décimo?
Ao décimo-primeiro dediquei uma hora.
Errei-o. Mas que importa se a poesia,
mesmo que o não errasse, já não vinha?
É este o último e, como os outros, péssimo...
Poesias Completas, Abandono Vigiado
Ed. Assírio e Alvim
Foto encontrada na net
***
https://www.facebook.com/282054545145829/photos/a.282056735145610.78181.282054545145829/647983758552904/?type=1&theater
"Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração."
***
https://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/884210394927873/?type=1&theater
Fim de semana.
Estirado na areia, a olhar o azul,
ainda me treme o parvalhão do corpo,
do que houve que fazer para ganhar o nosso,
do que houve para esburgar para limpar o osso,
do que houve que descer para alcançar o céu,
já não digo esse de Vossa Reverência,
mas este onde estou, de azul e areia
para onde, aos milhares, nos abalançamos,
como quem, às pressas, o corpo semeia.
***
https://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/875432745805638/?type=1&theater
Portugal
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há “papo-de-anjo” que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
in Poesias Completas
Assírio & Alvim
***
https://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/867392893276290/?type=1&theater
Com o silêncio do punhal num peito
Com o silêncio do punhal num peito,
O silêncio do sangue a converter
Em fio breve o coração desfeito
Que nas pedras acaba de morrer,
Vive em mim o teu nome, tão perfeito
Que mais ninguém o pode conhecer!
É a morte que vivo e não aceito;
É a vida que espero não perder.
Viver a vida e não viver a morte;
Procurar noutros olhos a medida,
Vencer o tempo, dominar a sorte,
Atraiçoar a morte com a vida!
Depois morrer de coração aberto
E no sangue o teu nome já liberto…
***
https://www.facebook.com/115477905134463/photos/a.661048873910694.1073741824.115477905134463/864295723586007/?type=1&theater
Um adeus português
Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.
Portugal (Lisboa) 1924-1986
in Poesias Completas
Editor: Assirio & Alvim
photo by Google
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OS AMANTES DE NOVEMBRO
Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
In No Reino da Dinamarca, 1958
***
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O Amor é o Amor
O amor é o amor — e depois?!
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
Na nossa carne estamos
sem destino, sem medo, sem pudor
e trocamos — somos um? somos dois?
espírito e calor!
O amor é o amor — e depois?
in 'Abandono Vigiado'
Auguste Ottin:
Polyphemus Surprising Acis and Galatea,1866 - the Fontaine Médicis (detail)
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"Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração."
art" ben goossens"
https://www.youtube.com/watch?v=BgQeJ6BqRLI
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Flor de acaso ou ave deslumbrante,
Palavra tremendo nas redes da poesia,
O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo
De todas as cores do dia!
Arte - Irma Kusiani
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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=793089300704153&set=a.462529847093435.111436.462489187097501&type=1&theater
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A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer
A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.
A meu favor tenho uma rua em transe
Um alto incêndio em nome de nós todos
***
-O Poema Pouco Original do MedoO medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
*
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
in 'Abandono Viciado'
***
Fala a sério e fala no gozo
Fá la pela calada e fala claro
Fala deveras saboroso
Fala barato e fala caro
Fala ao ouvido fala ao coração
Falinhas mansas ou palavrão
Fala à miúda mas fá la bem
Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe
Fala francês fala béu béu
Fala fininho e fala grosso
Desentulha a garganta levanta o pescoço
Fala como se falar fosse andar
Fala com elegância muito e devagar.
Falinhas mansas ou palavrão
Fala à miúda mas fá la bem
Fala ao teu pai mas ouve a tua mãe
Fala francês fala béu béu
Fala fininho e fala grosso
Desentulha a garganta levanta o pescoço
Fala como se falar fosse andar
Fala com elegância muito e devagar.
***
Alexandre O'Neill / Amália Rodrigues “Gaivota”
“Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração…”
Fotografia - © Gordon Piks
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração…”
Fotografia - © Gordon Piks
***
Inventário
Um dente d'ouro a rir dos panfletos
Um marido afinal ignorante
Dois corvos mesmo muito pretos
Um polícia que diz que garante
A costureira muito desgraçada
Uma máquina infernal de fazer fumo
Um professor que não sabe quase nada
Um colossalmente bom aluno
Um revolver já desiludido
Uma criança doida de alegria
Um imenso tempo perdido
Um adepto da simetria
Um conde que cora ao ser condecorado
Um homem que ri de tristeza
Um amante perdido encontrado
Um gafanhoto chamado surpresa
O desertor cantando no coreto
Um malandrão que vem pe-ante-pé
Um senhor vestidíssimo de preto
Um organista que perde a fé
Um sujeito enganando os amorosos
Um cachimbo cantando a marselhesa
Dois detidos de fato perigosos
Um instantinho de beleza
Um octogenário divertido
Um menino coleccionando estampas
Um congressista que diz Eu não prossigo
Uma velha que morre a páginas tantas
Foto: "Street Photography" - by Rui Palha
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in POESIAS COMPLETAS 1951/1986 (INCM, 3ª ed., 1995)
OS AMANTES DE NOVEMBRO
Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
Óleo sobre Tela: Alley By The Lake, de Leonid Afremov
*(CC)