14/04/2014

7.840.(14abril2014.8.14') cAMARada José Gomes Ferreira

Nasceu a 9junho1900
e morreu a 8fev1985
***
25mAIO2018
Via Maria Elisa Ribeiro
 Se eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
e esta ternura dos olhos que se dão.
Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
- mas o desejo de ser a noite que me guia
e baixinho ao bafo da tua respiração
contar-te todas as minhas covardias.
Ao pé de ti não me apetece ser herói
mas abrir-te mais o abismo que me dói
nos acorda deste sol de morte viva.
Ser como sou e ver-te como és:
Dois bichos de suor com sombra aos pés.
Complicações de luas e saliva...

 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2181244231892134&set=a.104671869549391.10003.100000197344912&type=3&theater
***
https://www.facebook.com/438287162968857/photos/a.438288659635374.1073741827.438287162968857/959894034141498/?type=3&theater
filho algures da noite
onde procuro e me encontro
na quente e fria neblina
da lua esquiva

dum uivo surdo
em asas negras prateadas
pela floresta
onde sorrindo... reinvento-me
liberto-me e descanso.

dark crow 7..17

***
castendo
Jose Gomes Ferreira_caricatura
http://ocastendo.blogs.sapo.pt/jose-gomes-ferreira-todos-os-punhais-2175214
Desenho de Fernando Campos (o sítio dos desenhos)

Todos os punhais
Todos os punhais que fulgem nos gritos,
Todas as fomes que doem no pão
Todo o suor que luz nas estrelas
Todas as lanças nos dedos da reza,
Todos os soluços para ressuscitar os filhos mortos,
Todos os desejos nos alçapões do frio,
Todas as jóias nos pescoços dos espelhos rachados
Todos os assassinos que andaram aos colo das mães,
Todos os atestados de pobreza com lágrimas de carimbo,
Todos os murmúrios do sol no quarto ao lado à hora da morte…

Tudo, tudo, tudo
Se condensou de repente
Numa nuvem negra de milhões de lágrimas
A humilharem-me de ternura
– eu que quero ser alheio, duro, indiferente…

…. Enquanto os outros dançam, cantam, bebem,
vivem, amam, riem, suam
neste pobre planeta
magoado das pedras e dos homens
onde cresceu por acaso o meu coração no musgo
aberto para a consciência absurda
deste remorso sem sentido.
***
30jun2010
-

http://ocastendo.blogs.sapo.pt/955081.html
***
avante
24jun2010
http://www.avante.pt/pt/1908/temas/109274/
Uma testemunha participante do Século XX

Nasceu a 9 de Junho de 1900 e morreu a 8 de Fevereiro de 1985, este poeta atento e solidário, fabulador imaginoso e dotado daquela sabedoria que vem de saber olhar para si próprio com ironia e humor. Autor de uma obra plurifacetada e, entretanto, marcada por uma intensa e complexa unidade intencional e objectiva, José Gomes Ferreira é sobretudo um poeta, se pudermos entender a palavra como indicando aquele que exerce um ofício de palavras que afeiçoam um mundo e põem em contacto aquelas muitas e desvairadas gentes que em comum vivem.
A sua obra, para além da poesia, conta com vários livros de ficção em prosa: contos, novelas, e um romance, histórias e vagabundagens, crónicas, Aventuras de João sem medo, panfleto mágico em forma de Romance (1963), O Mundo dos Outros (1950), Tempo escandinavo, contos (1969), O Irreal Quotidiano, histórias e invenções, 1971; escritos diarísticos e memorialísticos como Imitação dos dias, diário inventado (1965) Dias Comuns, diário, I- IV(volumes inéditos V a XX) A memória das palavras I ou o gosto de falar de mim (1965) e Relatório de Sombras ou a Memória das palavras II (1980).
A poesia começou a reuni-la em volumes que se intitulavam Poesia+ um número de série (Poesia I, II, até Poesia VI); para passarem depois a chamar-se Poeta Militante 1.º volume, título que um subtítulo significativo e provocante passou a acompanhar (Viagem do Século Vinte em mim) e a ostentar a circunstância de se tratar da «Obra Poética Completa» ou das «Obras Completas de José Gomes Ferreira».
Título e subtítulo são marcas de algo que é fundamental na sua poética, ou seja na sua «teoria» em acto da poesia. A palavra «militante» vem do vocabulário político ou da política. Sendo a qualidade primeira e distintiva deste poeta, ela significa que o poeta tem com a poesia e a imaginação verbal uma relação de compromisso forte, de fidelidade activa, de atenção e cuidado. Mas por outro lado a palavra guarda da sua pertença ao vocabulário político, precisamente a ideia de que a relação com a poesia e o mundo é também uma relação política.
O subtítulo, por sua vez, atribui ao poeta e à sua poesia um papel de testemunha, singularmente formulado: não é o poeta que viaja ao longo do séc.XX é esse século que viaja no poeta. O que pode isto querer dizer? Por um lado, o poeta não é, enquanto olhar e acção específicas e exclusivas, a instância e o agente fundamental. Por outro lado, é como se fosse o próprio século que, desenvolvendo-se no espaço interior do poeta («Em mim»), deixasse nele impresso os seus acontecimentos, os seus fantasmas, os seus gestos e jeitos, no espelho ou na matéria impressionável, como se diz da película de um filme. Idealmente, o poeta seria uma espécie de superfície ou de caderno de registos que recolheria os sinais que a viagem do século neles viria inscrever.
A passividade impressionável do sujeito é, entretanto, muito mais aparente que real. Porque se esse espaço, que a expressão «em mim» assinala, é uma espécie de teatro íntimo, nele ouvem-se os ecos do existir comum, das lutas e dos combates colectivos; e de várias formas o poeta assume-se mais do que como espectador, como testemunha e testemunha-participante, ou seja, como participante naquilo mesmo de que dá testemunho.
***
Ao longo da sua vida sempre foi daqueles que não aceitou o fascismo e lhe resistiu; com o 25 de Abril galvanizou-o a esperança na emancipação colectiva. Por isso sofrerá com o desencadear da contra-revolução.
A 20 de Maio de 1979, participa em Baleizão, na homenagem a Catarina Eufémia. Para ele como para muitos outros escritores e artistas, intelectuais, democratas e revolucionários a Reforma Agrária era um exemplo claro e maior da justeza e da necessidade do processo revolucionário, da capacidade dos trabalhadores assumirem a organização do trabalho, controlarem as condições de produção, da confluência das solidariedades, da efectiva transformação revolucionária do mundo e da vida.
Nos finais de Setembro desse mesmo ano (1979) participa em Montemor no funeral de dois trabalhadores rurais, António Maria Casquinha e José Geraldo «Caravela», ambos da UCP Salvador Joaquim do Pomar, assassinados a tiros de metralhadora pela GNR em 27 desse mês, na herdade de Vale de Nobre, pertencente à UCP Bento Gonçalves, a cujos trabalhadores iam prestar solidariedade. José Gomes Ferreira foi como disse ao funeral e escreveu o poema XV da sequência «Termidor Errado».

(Em memória de José Caravela e António Maria Casquinha, mortos em Montemor-o-novo pela Guarda)

1
Aqui
Nesta planície de sol suado
Dois homens desafiaram a morte, cara a cara,
em defesa do seu gado
de cornos e tetas.

Aqui onde
agora vejo crescer uma seara
de espigas pretas

2

Quando os dois camponeses desceram às covas,
Ante os punhos cerrados de todos nós,
Chorei!

Sim, chorei,
Sentindo nos olhos a voz
do que há de mais profundo
nas raízes dos homens e das flores
a correrem-me em lágrimas na face.

Chorei pelos mortos e pelos matadores
- almas de frio fundo.

Digam-me lá:
Para que serviria ser poeta
Se não chorasse
Publicamente
Diante do mundo?

O vergonhoso, antidemocrático e anticonstitucional ataque à Reforma Agrária fazia as suas primeiras vítimas; José Gomes Ferreira apercebia-se disso e na sua poesia como com a sua vida dava testemunho disso e protestava. Poeta da emoção, enquanto movimento afectivo e moral, indignava-se.
Em 29 de Fevereiro de 1980, este velho militante de esquerda, este homem de coração grande e generoso, companheiro. desde há muito, da longa jornada do PCP e dos seus militantes, desloca-se à Soeiro Pereira Gomes. Tomara uma decisão e vinha cumpri-la: inscreve-se então no Partido Comunista Português. Quem o recebeu foi o camarada Carlos Aboim Inglês que redigiu a notícia que o Avante! publicaria na sua edição de 6 de Março.

José Gomes Ferreira
Camarada! Dia 29 de Fevereiro de 1980, pelas cinco e meia da tarde, chuvosa, caminhaste pelas ruas com o passo firme da tua alma grande e vieste bater à porta da nossa Casa, na Soeiro Pereira Gomes. Na fala directa de quem pensou e se decidiu em consciência disseste enxutamente ao que vinhas: que te aceitássemos como membro do Partido Comunista Português. Aos 80 anos. Em coerência com toda uma vida, repensada e assumida. Dando resposta combativa a um presente que não é fácil. De olhos postos, juvenis, no futuro que faremos, que fazemos.
As tuas palavras, o teu acto, tinha aquele peso e asas que pões em tudo. Simples, como as coisas verdadeiras do coração. Como um acto lúcido que se cumpre na hora, por determinação de homem independente que sempre foste e serás. De homem solidário que és, de raiz – poeta militante, companheiro dos homens que sofrem, sonham e lutam. E que, juntos como os dedos da mão, de mãos dadas, hão-de chegar ao fim da estrada e depois hão-de rasgar as estradas novas de Portugal livre, independente, socialista, para os homens novos que estão nascendo já.
Ficámos de te dar resposta. E. ressalvando embora a pública notícia, que não está nos nossos usos, mas que a luta aconselha nestes tempos de promoção, de crescimento necessário, aqui estamos para te responder dizendo apenas, com respeito e alegria compartilhada decerto por todo o grande colectivo fraternal do nosso Partido – que te saudamos, camarada! Abril vencerá!

É este mesmo camarada que em representação do PCP profere algumas palavras no funeral de José Gomes Ferreira:

Amigo José Gomes Ferreira, amigo de nós todos:
«Homem moral» e «poeta dos factos», como de ti mesmo disseste um dia – foste. E por isso mesmo foste muito mais também, tanto, que me é curta a voz para dizê-lo. Irmão de sangue gémeo do teu povo, respiração solidária sempre com a sua - tu foste voz alta das angústias, sofrimentos e trabalhos de sucessivas gerações de teus irmãos: tu foste cronista fiel dos nossos sonhos quotidianos e de toda a vida; tu foste uma luminosa brasa ardendo na longa noite da resistência antifascista e anti-obscurantista; tu foste um dos cabouqueiros tenazes da madrugada de Abril: tu foste um sábio e prático visionário do futuro.
Tiveste sempre os pés bem assentes, na concreta terra nossa colectiva, viveste sempre de mãos dadas - e por isso, poeta inconfundível, original, único, soubeste falar-nos na nossa linguagem de homens comuns terrenos, daquilo que o teu alto voo permitia descortinar além das nuvens e dos estreitos horizontes.
Foste um homem bom, um homem simples, corno são os homens realmente grandes. Foste um amigo verdadeiro de inúmeros amigos. Foste inimigo intransigente de filisteus e abutres vários.
Homem grande do nosso povo, figura grande da nossa cultura, cidadão eminente da nossa identidade nacional, vulto com dimensão à escala da humanidade - por isso nós todos te admiramos, nos orgulhamos de ti, e te amamos fraternalmente.

Minhas Senhoras e meus Senhores,
amigos, camaradas:


Foi este homem íntegro, este velho e sempre jovem companheiro das heróicas jornadas, que no dia 29 de Fevereiro de 1980, num tempo que então visivelmente se fazia mais agreste e perigoso para nós e para Abril - foi este homem que veio pelo seu pé, com a mesma determinação e naturalidade, coerência e coragem de toda a sua vida, até nós, ao Partido da classe operária portuguesa, e nele ingressou inteiro com a sua modéstia e grandeza. Não buscava a glória, porque já era glorioso. Vinha apenas dar-se, como os comunistas se dão. Ao seu povo, à nossa grande causa emancipadora dos homens.
Sabemos que ficámos, nós e ele, mais ricos e mais fortes nesse dia, para esta luta que continua e hoje tem de continuar com acrescida decisão e confiança. Para ele, foi o acto cívico culminante da sua vida de homem independente até à morte, foi a lógica opção definitiva da sua obra de poeta militante. Militante de raiz, de flores, de frutos, de sementes.
Creio que foi para muitos mais uma lição exemplar que nos legou. Para nós, comunistas portugueses, foi mais uma imensa alegria.

Camarada poeta Zé Gomes

Viemos aqui acompanhar-te para o derradeiro adeus. Mas nós não podemos, e não queremos, dizer adeus aos nossos irmãos. E porque em cada um de nós, em todos, se manterá vivo algo da tua obra, património que é do nosso povo e da nossa pátria; porque em nós, em nossos filhos, pelos séculos, perdurará infatigável a tua esperança militante - ainda não é hoje que te diremos adeus. Dizemos-te, tão-somente, até amanhã, camarada - porque tu hás-de ir connosco até ao fim da estrada, até esse amanhã de liberdade, de justiça, de felicidade pelo qual lutaste toda a tua vida, pelo qual continuamos a lutar hoje, pelo qual lutaremos sempre, e que havemos de alcançar e construir. Abril vencerá, Abril frutificará, podes estar certo disso, Zé Gomes.

Como reparamos, o camarada Carlos Aboim Inglês promete que a memória de José Gomes Ferreira não se perderá nem desvanecerá, porque ao escolher o lado em que queria estar e esteve – o lado da classe operária, dos trabalhadores e do povo português – José Gomes Ferreira conquistou um lugar na nossa memória; e nós, comunistas portugueses, somos aqueles que não esquecemos os nossos e todos aqueles que nos acompanharam no trabalho, no protesto e na luta, no projecto e na esperança de uma comunidade de trabalhadores soberanos, uma comunidade emancipada que será a única capaz de citar os nomes de todos os seus.
Hoje ao recordarmos José Gomes Ferreira, vinte e cinco anos passados sobre a sua morte, recordamo-lo como um poeta intensamente solidário, sempre que dizemos um poema seu. A sua poesia aí está à espera de ser lida ou relida. A seguir à morte, um véu espesso de descaso e esquecimento costuma, entre nós, esconder a obra de muitos poetas. Sobretudo, quando é o caso daqueles que durante a vida,escolheram estar ao lado dos trabalhadores, acontece que uma certa historiografia oficial não revela interesse por lê-los e valorizá-los. Entretanto, no caso de José Gomes Ferreira, a sua obra recomeça a encontrar a releitura atenta, inteligente e competente de personalidades da crítica de gerações universitárias mais recentes.
Registem-se dois exemplos. O primeiro é o do ensaio «Poesia e Autografia em José Gomes Ferreira» que Rosa Maria Martelo, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, integra no seu livro Em parte incerta – estudos de poesia portuguesa moderna e contemporânea (2004). Entendendo a obra de José Gomes Ferreira «como um extenso auto-retrato, constituído através de um jogo de remissões extremamente elaborado e complexo», a autora estuda as relações existentes entre os versos e os parênteses que surgem no início ou no fim dos poemas de José Gomes Ferreira, e falará do «reconhecimento da existência de uma relação inextricável entre poesia e circunstancialidade, num sentido que abrange quer acontecimentos políticos de fortes repercussões nacionais e mundiais quer acontecimentos aparentemente irrelevantes como "o pontapé numa pedra, o medo de atravessar o corredor às escuras, a flor pisada (…) e principalmente essa coisa nenhuma que é o alimento dos poetas vorazes"». E continua:
«Tão atenta ao quotidiano mais imediato ou pessoal quanto aos grandes acontecimentos político-sociais que marcaram o século XX, a obra poética de José Gomes Ferreira abarca um campo de enorme diversidade, encontrando como condição de unidade precisamente o auto-retrato do poeta militante, sendo este último entendido como «um homem que cumprisse apenas o ofício natural de reagir poeticamente perante a vida».
O segundo exemplo é o de uma tese de doutoramento, apresentada e defendida por Carina Infante do Carmo, em 2007, na Universidade do Algarve, onde é actualmente professora, e que foi recentemente publicada, já em 2010, A militância melancólica ou a figura de autor em José Gomes Ferreira.
Estudando por sua vez o carácter autobiográfico, a diarística e as memórias na obra de José Gomes Ferreira e dedicando atenção aos modos de construção da sua poesia e ao jogo com a figura do autor, acabará assim as suas «eflexões finais»:
«[…] Em José Gomes Ferreira funciona «sempre o mesmo pêndulo de arame no coração» a repercutir o fulgor iluminado da esperança e a fantasmagoria das sombras e do bolor. Por essa via, a personagem do autor acompanha e integra o movimento perpétuo do mundo, sem esvaziar ou desligar a memória pessoal da colectiva e, naturalmente sem escamotear a invenção a que todo o exercício autobiográfico dá lugar.»
Continuaremos a ler-te, camarada.
**
13fev2014
http://www.avante.pt/pt/2098/temas/128984/
José Gomes Ferreira, poeta militante
O sonho não se rende
Eu

para aqui esquecido no século XX

enviado especial do Pesadelo a mim mesmo,

sozinho

vigilante

vejam:

Testemunha de olhos secos


José Gomes Ferreira, um dos nomes cimeiros da lírica portuguesa do século XX, exímio inventor de metáforas, driblando, como poucos, os signos imagéticos da linguagem poética, nasceu no Porto a 9 de Junho de 1900. Tenho a idade que o século vinte tiver, portanto, dizia quando instado a pronunciar-se sobre a idade, acrescentando com ironia, em jeito de fuga: Até 2000 ainda espero... Depois desisto.
Nascido de uma família de fortes tradições republicanas – o pai, Alexandre Ferreira, orador fluente e combativo, foi deputado por Lisboa na 1.ª República Democrática e fundador da Universidade Livre que o fascismo, obviamente, fecharia em 1926 – cedo começou a interessar-se pela leitura (aos cinco anos já sabia ler, diz-nos ele nas suas memórias), pela música e, por influência paterna, pelos ideais republicanos.
Em 1906, a família muda-se para Lisboa, cidade onde o jovem José Gomes fará a escola primária e, já depois da implantação da República, os estudos secundários no Liceu Camões e, mais tarde, no Gil Vicente. Regressemos às suas memórias:
A minha aprendizagem musical começou também por esse tempo: lembro-me de que mal comecei a juntar as notas escrevi ao alto numa pauta: Sinfonia Lusitana. E embora os meus conhecimentos musicais fossem então reduzidos (nunca foram, aliás, profundos), dediquei-me com entusiasmo à composição, aventura que culminou com a execução de um Poema Sinfónico pela orquestra do David de Sousa, no Politeama de Lisboa, tinha eu 17 anos.
Dos professores, recordo-me principalmente de João Soares, e do Padre Fiadeiro, antigo confessor da rainha D. Amélia e meu professor de Português. Mas será na sua passagem pelo Liceu Gil Vicente que conhecerá um grupo de professores que o marcará nesse período e cuja influência será determinante no desenvolvimento do gosto pela literatura, no incitamento poético e na constituição de uma sólida personalidade atenta às inquietações do seu tempo, humanista e solidária: Leonardo Coimbra, Newton de Macedo, Ângelo Ribeiro, Câmara Reis. Descobre, nesse período, a poesia de Teixeira de Pascoais, Gomes Leal, os romances de Raúl Brandão, aos quais acrescenta, de moto próprio, Tolstoy, Dostoievsky e Gorky.
Essa prática poética inicial, incipiente segundo as suas palavras, culminará com a publicação do livro Lírios do Monte, em 1918. Rejeitará essa obra de estreia, porque, segundo afirma, se terá tratado de um equívoco adolescente, de pires desabafos campestres.
Alexandre Pinheiro Torres, o seu mais atento crítico, tentará, sem grande convicção, pôr alguma água na fervura: Neste livro de estreia há já o despontar de uma vaga solidariedade social, de tipo romântico, que se corporiza na figura abstracta do Cavador, que o moço poeta classifica de «Mártir». Intuitivo mas atento e lúcido, com precoce mas apurado sentido crítico, o jovem poeta dá por finda, de forma irónica, a sua primeira incursão poética: «Lírios do Monte» é o meu remorso. De tal forma que ainda hoje, quando me calha folhear, colérico, esses ignóbeis versos, sinto ganas de ir à procura de todos os meus antigos professores do liceu para lhes pedir explicações e quebrar-lhes a cara! Sim, sim, quebrar-lhes a cara! Vocês são os responsáveis de tudo: das boninas, das avenas, dos abrolhos a rimarem com olhos, dos lírios a rimarem com martírios e de toda a minha ignorância do mundo exterior a empurrar-me para a ilusão de só existir beleza dentro de mim!
A fina ironia, um humor desarmante e o aguçado sentido crítico, serão, a partir daí, a marca mais funda, mais silente do seu peculiar modo de escrever. Um estilo que se tornou forma inimitável de utilização das palavras, de as moldar a um universo poético único quer no modo de abordar os fenómenos sociais do seu tempo, quer na transfiguração do real quotidiano, ou ainda na inexcedível, hábil metaforização com que erguia as palavras/armas da nossa resistência: Ó pastor que choras/o teu rebanho onde está/deita as mágoas fora/carneiros é o que mais há.
No «fatídico» ano de 1926, José Gomes Ferreira parte para a Noruega como cônsul de Portugal em Kristiansund, cargo que ocupará até 1929. Sobre essa experiência, da qual deixa vários testemunhos dispersos pela sua obra de memórias, publicará, em 1969, um magnífico livro de contos, Tempo Escandinavo.
De volta a Lisboa, o poeta casa com Ingrid Hestnes, e é já com a vida familiar estabelecida que, em 1931, publica na revista PresençaViver Sempre Também Cansa, que será o primeiro poema em que a sua voz surge já plenamente definida, se bem que ainda configurando traços das dinâmicas textuais que o terão influenciado, e sobre os quais, aliás, escreveu: o romantismo, sobretudo de Camilo Castelo Branco e o realismo empírico de Gomes Leal. Viver Sempre Também Cansa é, no entanto, um poema de viragem na sua arte poética, um texto de lúdica lucidez como o designou Casimiro de Brito. Assim o entendeu, igualmente, o autor de Acordai, quando a ele se refere: Na noite de 8 de Maio de 1931, num segundo andar da rua Marquês da Fronteira, encontrei, finalmente, a expressão autêntica do poeta autêntico, há tanto procurada: à terceira tentativa, para uma série de poesias que eu intitulava «Poemas da Reincidência», escrevi dum jacto e quase sem emendas o poema «Viver Sempre Também Cansa». No entanto, este poema, apesar do subtil lirismo que o atravessa, denuncia já algumas linhas de conflitualidade – que posteriormente o poeta extremará  entre o eu individual e o eu social que, de forma mais clara e dialéctica, José Gomes elevará, inquiridor lúcido, a patamares de auto-acusação e desassombro cujos contornos persistirão na sua obra, feita de um lirismo mistificador do universo, como refere Manuel G. Simões,antinomias que o autor resolverá de modo diverso nas obras posteriores, ou seja a partir de 1936/37, com Panfleto Contra a Paisagem. A contestação do real, a revolta que explode nos seus versos, carregados de angústia, contra os dias ignaros e sórdidos, um grito de denúncia a que a esperança se atrela como estandarte de luta, de resistência, de pleno sentido da justiça e da verdade: O nosso mundo é este/vil e suado/dos dedos dos homens/sujos de morte //Um mundo forrado/de pele de mãos/com pedras roídas/das nossas sombras //Um mundo lodoso/do suor dos outros/e sangue nos ecos/colados nos passos... // (...) Um mundo de cárceres/com grades de súplica/e o vento a soprar/nos muros de gritos. (...) O nosso mundo é este/suado de morte/e não o das árvores/floridas de música/a ignorarem/que vão morrer/ E se soubessem,/dariam flor? // Pois os homens sabem/e cantam e cantam/com morte e suor. //O nosso mundo é este... //(Mas há-de ser outro). 
Sonhemos 
A poética de José Gomes Ferreira tenta reconquistar, na sua dilacerante revolta, o sentido lírico do real, o justo, humano equilíbrio no degradado viver quotidiano; transformar o pólen dos dias na consciência permanente, imanente dos homens face à sua terrível condição, para que o real se torne suportável. Só recuperando as traves do sonho, os caminhos extensos do porvir, o homem se libertará desta morte com insónia/chamada vida. Só olhando e estando atentos à violência que sobre nós exercem os traidores, desnudando o real do inumano que nos impõem para viver, regressando aos símbolos, aos signos milenares e míticos que a poesia expressa, transfiguraremos o real, tornando-o nosso e reconhecível, mesmo que para tanto seja necessário dissecá-lo até ao osso: Deixem-nos o planeta descarnado e áspero/para vermos bem os esqueletos de tudo, até das nuvens.
José Gomes Ferreira foi sempre um atento e crítico leitor de si mesmo. Daí o autor de Gaveta de Nuvens ter mantido, apesar da aparente dispersão, temática e temporal da sua obra, uma unidade que torna singulares, como se de um único, polifónico poema se tratasse, os textos compilados nos livros Poesia I (1948); Poesia II (1950); Poesia III (1962); Poesia IV (1970) Poesia V (1973); poemas posteriormente reunidos nos volumes I, II III, de Poeta Militante (1978). José Gomes será, como ele próprio afirma, testemunha de olhos secos, do século que com ele nasceu, que na reinvenção prodigiosa do seu verbo, ora terno ora constituindo-se em demolidores gritos de denúncia agreste, o século se passeia.
Essa imanente forma de atenção ao real, a vertical, dorida inquietação como o enfrentava, está igualmente patente nas notas que acompanham muitos dos seus textos, como esta que introduz um dos poemas de Diário dos Dias Agrestes: Enquanto os aliados a caminho de Berlim morrem, eu entretenho-me a ver chover na Rua da Palma, espalmado num portal a cheirar a urina. Será este arguto sentido de impotência e culpa individual que o poeta tentará transmitir aos seus concidadãos para que a crua nudez da indignação se torne insuportável e o grito de revolta cresça e expluda, tornando-se colectivo expressivo mote para a acção, consequente e libertário; se transforme na palavra inaugural de um novo tempo: não fiques para trás, ó companheiro/é de aço esta fúria que nos leva/para não te perderes no nevoeiro/segue os nossos corações na treva.
Sobre as suas «heróicas», escreverá num dos textos de Gaveta de Nuvens: Escrevi no Senhor da Serra, duas letras para Canções do Fernando Lopes-Graça: Ò Pastor Que Choras e Papoilas. Versos funcionais que não pretendiam ser belos por si mesmos separados da melodia, mas servir um conjunto determinado. Tão funcionais e belos são estes poemas que os tornámos hinos nossos, canções do nosso mais perene património colectivo – para cantarmos nos dias altos da revolta, ou nos dias justos da nossa comum alegria.
José Gomes foi, não só, o poeta que pensava, de forma permanente e autocrítica, esta estranha coisa, esta mordente singularidade de se ser português, mas, simultaneamente, o poeta em cuja voz pulsava os inquietos rumores de um mundo minado pela violência, pela injustiça e pela usura; uma voz marcada pela resistência, denunciadora de tudo quanto fere, macula e degrada a condição humana. Daí que os seus versos transportem, sem rebuços, o dilacerante, irreprimível grito (dói-me a boca de silêncio/vou gritar!) que polemiza sobre os arquétipos de uma realidade que o constrangia e revoltava, trazendo em seu bojo o sonho de um outro porvir, recusando com pés de névoa/na minha combustão de desalinho, um mundo de que lhe chegam ecos de miséria, opressão e guerra, interrogando, com angústia que sangra, a lama chamejante desse tempo sujo. O poeta sente como que o peso cósmico do Universo, e essa viva e actuante condição de ser transforma a sua poesia no reflexo da realidade histórica e política do seu tempo, tentando que a força das palavras (grito, arma) sirva aos homens quando unidos como os dedos da mão puderem enfim chegar ao fim da estrada mudando os rumos da História e transformando-a na busca constante, dialéctica, ética e solidária, pela dignidade da condição humana, razão última, activa e permanente, de ser e de existir, dado que é preciso viver de fronte levantada dado que A Morte é para os mortos.
Penso que a obra literária de Gomes Ferreira expressa, desde os anos 1930, uma grande unidade formal e um inquestionável posicionamento crítico face ao real. Poeta de um tempo – o século XX – cuja obra prolongava, anunciando, na profunda componente humanista que a estrutura, o futuro, que ele, no sensível modo de o imaginar, antevia justo, fraterno, límpido, povoado por homens com mãos de pássaro à espera de outras mãos de algum dia,/suadas da camaradagem do mundo novo. Utopia? Não, só o poeta inteiro e íntegro a inscrever, no dorso das palavras, as rotas do devir sonhado. Só os que não sabem, ou não conseguem sonhar os dias que virão, agitadores do medo e do papão, os propagandistas do não há alternativa, os ignaros que advogam a impossibilidade de mudança, ignoram o grito da voz dos homens que no seu modo enxuto de cantar, constroem, com estrelas de suor/e mãos de argila, o novo, o Canto Comum que na nossa indignada voz habita, que ampliará os dias altos e os tornará nossos e possíveis.
O apuro estético, o virtuosismo formal, da obra de José Gomes Ferreira, não esconde o homem político, genuína e afectivamente preocupado com os destino dos seus concidadãos. Existe na sua obra, segundo Lúcia Lepecki um efeito de totalidade, que percorre a memória do passado – a infância, a adolescência, as tertúlias, as amizades, o tempo escandinavo – e se projecta no clamor dos dias de Abril e no futuro. Uma poesia que se constrói, afirma, sobre as derivas históricas do século XX mas se recusa a nele se fechar e se junta ao coro dos poetas mais novos. É esse modo jovial e desarmante de ser que o levará a afirmar, no acto de posse dos corpos gerentes da Associação Portuguesa de Escritores, da qual foi o primeiro presidente, ser esse O primeiro acto verdadeiramente poético da minha vida.
Nos dias que antecederam Abril (20 e 24), anotava José Gomes no seu Diário do Dias Comuns: Antes de ontem e ontem prenderam em Lisboa e no Porto perto de 30 pessoas da Seara Nova, Notícias da Amadora, etc. Das pessoas indicadas só conheço pessoalmente o Orlando Gonçalves, que não vejo há algum tempo, e o Mário Ventura Henriques (...) – Prisões, prisões, prisões... Recebemos uma carta do Marcello em que nos diz ter intercedido pelo António Modesto Navarro, mas que o preveníssemos se as suas ordens não tivessem sido cumpridas. Não foi preciso. No dia 25, Abril abriu as portas – das prisões e dos sonhos!


Terminador errado (25/11/1975



Há quem julgue que nos venceu

só porque estamos para aqui famintos e nus,

de novo sem terra nem céu

a apanhar do chão,

às escondidas do luar,

os frutos proibidos



Mas não.



Temos ainda uma arma de luz

para lutar:

SONHAMOS



... enquanto os outros, os traidores,

sem lutas nem cicatrizes

entregam a terra ao rasto do gamos

e douram os olhos dos velhos senhores

com voos de perdizes...



Sim, sonhamos.

E o sonho quem o derrota? 
mesmo quando vamos

    perdidos na rota

    de um barco sem remos

    na tempestade de um vulcão



    Sim, camaradas, sonhamos.



    SONHEMOS!

     
    José Gomes Ferreira (1900/1985) 


    Bibliografia: Obras de José Gomes Ferreira; José Gomes Ferreira – Fotobiografia, de Raúl Hestnes Ferreira; SOBREIMPRESSÕES, de Maria Lúcia Lepecki; INCISÕES OBLÍQUAS, de António Ramos Rosa; Prefácio a «Poesia I», de José Gomes Ferreira, por Alexandre Pinheiro Torres – Colecção «Poetas de Hoje» – Portugália Editora
    ***
    Via Graça Silva:
    Dá-me a tua mão
    Dá-me a tua mão.

    Deixa que a minha solidão
    prolongue mais a tua
    — para aqui os dois de mãos dadas
    nas noites estreladas,
    a ver os fantasmas a dançar na lua.

    Dá-me a tua mão, companheira,
    até o Abismo da Ternura Derradeira.
     in “Poeta Militante I”
    ***
    Via Amélia Vieira:

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=366168510257398&set=a.271616623045921.1073742131.100005927551960&type=1&theater
    *

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=365980420276207&set=a.271616623045921.1073742131.100005927551960&type=1&theater
    *

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=365980216942894&set=a.271616623045921.1073742131.100005927551960&type=1&theater
    ***
    Via José Eduardo Oliveira:
     "Que sabemos nós dos outros?", 
     Biografia
    José Gomes Ferreira nasceu no Porto a 9 de Junho de 1900. Com quatro anos de idade mudou-se para a Lisboa. O pai, Alexandre Ferreira, era um empresário que se fixou na actual zona do Lumiar, em Lisboa, tendo doado as suas propriedades para a construção da Casa de Repouso dos Inválidos do Comércio. José estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com Leonardo Coimbra, onde teve o primeiro contacto com a poesia. Colaborou com Fernando Pessoa, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição.

    A sua consciência política começou a florescer também ela cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito em 1924, tendo trabalhado posteriormente como cônsul na cidade de Kristiansund, na Noruega. Paralelamente seguiu uma carreira como compositor, chegando a ter a sua obra Suite Rústica estreada pela orquestra de David de Sousa.
     Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem, Sr. Doutor, Gazeta Musical e de Todas as Artes e Ilustração[1] (1926-1975). Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Gomes, Álvaro.
    Inicia-se na poesia com o poema "Viver sempre também cansa" em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal (colaboração).

    Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento de Unidade Democrática), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".

    Tornou-se Sub-Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em Fevereiro do ano seguinte.

    Em 1983 foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica.

    José Gomes Ferreira faleceu em Lisboa, a 8 de Fevereiro de 1985, vítima de uma doença prolongada.

     Em 1985 a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o seu nome a uma rua situada entre a Rua Silva Carvalho e a Avenida Engenheiro Duarte Pacheco em Lisboa.

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10206686693520583&set=a.1029365188983.3914.1670949754&type=3&theater
    ***
    9jun2013
    postei:
     Fábrica de Escrita
    Estou farto de escavar nos olhos
    abismos de ternura
    onde cabem todos menos eu.
    Estou farto de palavras de perdão
    que me ferem a boca
    dum frio de lágrimas quentes de punhal.
    Estou farto desta dor inútil
    de chorar por mim nos outros.
    - Eu que nem sequer tenho a coragem de escrever
    os versos que me fazem doer.

    José Gomes Ferreira
    (Porto, 9 de Junho de 1900 - Lisboa, 8 de Fevereiro de 1985)
    https://www.facebook.com/FabricaEscrita/photos/a.462529847093435/623263671020051/?type=3&theater
    ***
    https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/884106298291802/?type=1&theater
     in POETA MILITANTE II (Círculo de Leitores, 1978)
    XLIII
    (Na morte de Manuela Porto)
    Devia morrer-se de outra maneira.
    Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
    Ou em nuvens.
    Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos os amigos mais íntimos com um cartão de convite para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica ao mundo que vai transformar-se em nuvem hoje às 9 horas. Traje de passeio."
    E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos escuros, olhos de lua de cerimónia, viríamos todos assistir à despedida. Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio."Adeus! Adeus!" E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento, numa lassidão de arrancar raízes… (primeiro, os olhos… em seguida, os lábios…depois os cabelos…) a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se em fumo… tão leve…tão subtil…tão pólen…como aquela nuvem além (vêem?) - nesta tarde de Outono ainda tocada por um vento de lábios azuis…
    *
    Fotografia: Above Them All, de Mike Dawson
    *(CC)
    ***
    ACORDAI!!!
    https://www.youtube.com/watch?v=gtp0kdmdRAE
    Acordai
    acordai
    homens que dormis
    a embalar a dor
    dos silêncios vis
    vinde no clamor
    das almas viris
    arrancar a flor
    que dorme na raíz

    Acordai
    acordai
    raios e tufões
    que dormis no ar
    e nas multidões
    vinde incendiar
    de astros e canções
    as pedras do mar
    o mundo e os corações

    Acordai
    acendei
    de almas e de sóis
    este mar sem cais
    nem luz de faróis
    e acordai depois
    das lutas finais
    os nossos heróis
    que dormem nos covais
    Acordai!
    *

    Acordai, Tereza Salgueiro y el Ensamble Lusitania

    https://www.youtube.com/watch?v=es-3-psGMUU
    ***
    NO FACE:

    https://www.facebook.com/pages/Jos%C3%A9-Gomes-Ferreira/438287162968857?fref=photo

    https://www.facebook.com/pages/Jos%C3%A9-Gomes-Ferreira/438287162968857?hc_location=timeline
    ***

    https://www.facebook.com/438287162968857/photos/a.438288659635374.1073741827.438287162968857/596668560464049/?type=1&theater
    corvogato
    o eco da noite prolongas
    do teu leito ao teu prato
    dos mil espelhos sem sombras

    e em dois... seremos um
    talvez milhões
    desse fogo... o não mais findar
    onde nos profundos céus
    expeles o cheiro... o gemido
    na procura do nosso mundo sem fim.

    Nine in Tales

    Vonandi Bahr
    unforgettable fire

    ***

    https://www.facebook.com/andante.associacao.artistica/photos/a.214341331953107.59793.132465900140651/877072569013310/?type=1&theater
    Vivam Apenas

    Vivam, apenas
    Sejam bons como o sol.
    Livres como o vento.
    Naturais como as fontes.

    Imitem as árvores dos caminhos
    que dão flores e frutos
    sem complicações.

    Mas não queiram convencer os cardos
    e transformar os espinhos
    em rosas e canções.

    E principalmente não pensem na morte.
    Não sofram por causa dos cadáveres
    que só são belos
    quando se desenham na terra em flores.

    Vivam, apenas.
    A morte é para os mortos!

    A ilustradora: http://www.manuelajarry.com/
    ***
    https://www.facebook.com/438287162968857/photos/a.438288659635374.1073741827.438287162968857/594876403976598/?type=1&theater
    quero voar
    mas saem da lama
    garras de chão
    que me prendem os tornozelos.

    quero morrer
    mas descem das nuvens
    braços de angústia
    que me seguram pelos cabelos.

    e assim suspenso
    no clamor da tempestade
    como um saco de problemas
    tapo os olhos com as lágrimas
    para não ver as algemas...

    (mas qualquer balouçar ao vento me parece liberdade.)

    Vonandi Bahr
    em qualquer suspiro ferve o momento

    ***
    Entrei no café com um rio na algibeira

    Entrei no café com um rio na algibeira
    e pu-lo no chão,
    a vê-lo correr
    da imaginação...

    A seguir, tirei do bolso do colete
    nuvens e estrelas
    e estendi um tapete
    de flores
    a concebê-las.

    Depois, encostado à mesa,
    tirei da boca um pássaro a cantar
    e enfeitei com ele a Natureza
    das árvores em torno
    a cheirarem ao luar
    que eu imagino.

    Ler mais:
    http://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=246

    Publicado por Fidelizarte Lda

    ***
    in escritas.org
    Choro!
    Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
    as crianças violadas
    nos muros da noite
    húmidos de carne lívida
    onde as rosas se desgrenham
    para os cabelos dos charcos.
    Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
    diante desta mulher que ri
    com um sol de soluços na boca
    — no exílio dos Rumos Decepados.
    Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
    este sequestro de ir buscar cadáveres
    ao peso dos poços
    — onde já nem sequer há lodo
    para as estrelas descerem
    arrependidas de céu.
    Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
    a coragem do último sorriso
    para o rosto bem-amado
    naquela Noite dos Muros a erguerem-se nos olhos
    com as mãos ainda à procura do eterno
    na carne de despir,
    suada de ilusão.
    Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro
    todas as humilhações das mulheres de joelhos nos tapetes da súplica
    todos os vagabundos caídos ao luar onde o sol para atirar camélias
    todas as prostitutas esbofeteadas pelos esqueleto de repente dos espelhos
    todas as horas-da-morte nos casebres em que as aranhas tecem vestidos para o sopro do
    silêncio
    todas as crianças com cães batidos no crispar das bocas sujas
    de miséria...
    Ninguém vê as minhas lágrimas, mas choro...
    Mas não por mim, ouviram?
    Eu não preciso de lágrimas!
    Eu não quero lágrimas!
    Levanto-me e proíbo as estrelas de fingir que choram por mim!
    Deixem-me para aqui, seco,
    senhor de insónias e de cardos,
    neste ódio enternecido
    de chorar em segredo pelos outros
    à espera daquele Dia
    em que o meu coração
    estoire de amor a Terra
    com as lágrimas públicas de pedra incendiada
    a correrem-me nas faces
    — num arrepio de Primavera
    e de Catástrofe!
    Via Maria Elisa R
    ***

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=666804573355260&set=a.559507790751606.1073741828.559343457434706&type=1&theater
    Se eu pudesse Iluminar por dentro as Palavras de todos os Dias
    para te dizer, com a Simplicidade do bater do Coração,
    que afinal ao pé de Ti apenas sinto as mãos mais Frias
    e esta Ternura dos Olhos que se Dão.

    Nem Asas, nem Estrelas, nem Flores sem Chão
    - mas o Desejo de ser a Noite que me Guia
    e baixinho ao Bafo da tua Respiração
    contar-te todas as minhas Covardias.

    Ao pé de Ti não me apetece ser Herói
    mas abrir-te mais o Abismo que me Dói
    nos Cardos deste sol de Morte Viva.

    Ser como Sou e ver-te como És:
    dois Bichos de suor com Sombra aos pés.
    Complicações de Luas e Saliva…”

    O Idílio do Recomeço

    Imagem - © Caras Ionut


    ***

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=714475135301505&set=a.112398168842541.19928.100002170750922&type=1&theater
    JOSÉ GOMES FERREIRA  sobre Picasso

    Mais nos ensinou Picasso:
    que não se é jovem apenas biologicamente,
    em virtude
    da força com que se luta, o vigor do passo,
    o sangue ardente,
    nenhuma ruga na face,
    o punho agreste e rude.

    Na opinião dele
    a juventude
    nada tem a ver com a pele.
    é um sonho mais profundo.
    Constrói-se, faz-se
    hora a hora, dia a dia,
    segundo a segundo.

    Sobretudo quando se é comunista
    como ele era,
    e se ambiciona um Novo Mundo
    em que exista
    a imaginação, a alegria
    e a dupla primavera
    nos homens e na Terra.

    ***
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=486992148098358&set=a.438288659635374.1073741827.438287162968857&type=1&theater
    quero voar
    mas saem da lama
    garras de chão
    que me prendem os tornozelos.

    quero morrer
    mas descem das nuvens
    braços de angústia
    que me seguram pelos cabelos.

    e assim suspenso
    no clamor da tempestade
    como um saco de problemas
    tapo os olhos com as lágrimas
    para não ver as algemas...

    (mas qualquer balouçar ao vento me parece liberdade.)

    Vonandi Bahr
    brisas

    ***

    https://www.facebook.com/imagensfaladas/photos/a.219921738189870.1073741828.219896998192344/295864930595550/?type=1&theater
    Porque é que este sonho absurdo 
    a que chamam realidade
    não me obedece como os outros
    que trago na cabeça?

    Eis a grande raiva!
    Misturem-na com rosas
    e chamem-lhe vida.

    (imagem: Anna Frolova)

    ***
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=486952748102298&set=a.438288659635374.1073741827.438287162968857&type=1&theater
    nenhures ...
    sente apenas
    escuta o silêncio
    e em cada momento 
    respira

    o rio
    tão sábio
    quanto a noite

    vasto na imensidão
    pernoitando no desejo
    numa vertiginosa viagem
    o sentir ... teu.

    Nine in Momentos14

    Vonandi Bahr
    imensidão

    ***
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=477722085692031&set=a.438288659635374.1073741827.438287162968857&type=1&theater
    fujo a tempo
    numa corrida louca
    prendem-me por momentos
    sempre coisa pouca
    já nada interessa
    estou cansado de partir
    mas ... até quando ?

    Nine in ‘a Nova Casa’

    Vonandi Bahr
    inato

    ***
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=474167866047453&set=a.438288659635374.1073741827.438287162968857&type=1&theater
    eu nem sei 
    o que se passa comigo 
    neste momento 
    parece-me que todo o medo 
    desapareceu … para sempre 
    o meu reflexo desprende-se
    numa forma tímida
    através da luz no meu quarto

    entre os véus e o céu… eu absorvo
    no nevoeiro o som e os tons perduram
    tragam-me o néctar e o sabor do silêncio
    … altera-se
    como se tivesse nascido
    agora neste momento.

    Nine in Momentos (sabor de espírito L1)

    Vonandi Bahr & Bruna Ribeiro
    meditando

    ***
    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=502552969875609&set=a.438288659635374.1073741827.438287162968857&type=1&theater
    o amor que sinto 
    é um labirinto

    nele me perdi
    com o coração
    cheio de ter fome
    do mundo e de ti
    (sabes o teu nome)
    sombra necessária
    de um sol que não vejo,
    onde cabe o pária,
    a revolução
    e a reforma agrária
    sonho do Alentejo.
    só assim me pinto
    neste amor que sinto.

    amor que me fere
    chame-se mulher
    onda de veludo
    pátria mal-amada
    chame-se "amar nada"
    chame-se "amar tudo".

    e porque não minto
    sou um labirinto.

    Vonandi Bahr
    chama-me

    ***

    https://www.facebook.com/photo.php?fbid=625943824127244&set=a.107207769334188.12956.100001348957610&type=1&theater
    Acordai
    acordai
    homens que dormis
    a embalar a dor
    dos silêncios vis
    vinde no clamor
    das almas viris
    arrancar a flor
    que dorme na raiz

    Acordai
    acordai
    raios e tufões
    que dormis no ar
    e nas multidões
    vinde incendiar
    de astros e canções
    as pedras do mar
    o mundo e os corações

    Acordai
    acendei
    de almas e de sóis
    este mar sem cais
    nem luz de faróis
    e acordai depois
    das lutas finais
    os nossos heróis
    que dormem nos covais
    Acordai!

    *
    imagem da web

    ***

    https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/532141346906657/?type=1&theater
    Chove...

    Mas isso que importa!,
    se estou aqui abrigado nesta porta
    a ouvir a chuva que cai do céu
    uma melodia de silêncio
    que ninguém mais ouve
    senão eu?

    Chove...

    Mas é do destino
    de quem ama
    ouvir um violino
    até na lama.

    Fotografia de Rui Videira

    ***

     sol é sempre o mesmo e o céu azul
    ora é azul, nitidamente azul,
    ora é cinzento, negro, quase-verde…
    Mas nunca tem a cor inesperada.

    O mundo não se modifica.
    As árvores dão flores,
    folhas, frutos e pássaros
    como máquinas verdes.

    As paisagens também não se transformam.
    Não cai neve vermelha,
    não há flores que voem,
    a lua não tem olhos
    e ninguém vai pintar olhos à lua.

    Tudo é igual, mecânico e exacto.

    Ainda por cima os homens são os homens.
    Soluçam, bebem, riem e digerem
    sem imaginação.
    E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
    discursos de Mussolini,
    guerras, orgulhos em transe,
    automóveis de corrida…
    E obrigam-me a viver até à Morte!

    Pois não era mais humano
    morrer por um bocadinho,
    de vez em quando,
    e recomeçar depois,
    achando tudo mais novo?

    Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
    morrer em cima dum divã
    com a cabeça sobre uma almofada,
    confiante e sereno por saber
    que tu velavas, por mim, meu amor do Norte.

    Quando viessem perguntar por mim,
    havias de dizer com teu sorriso
    onde arde um coração em melodia:
    “Matou-se esta manhã.
    Agora não o vou ressuscitar por uma bagatela.”
    E virias depois, suavemente,
    velar por mim, subtil e cuidadosa,
    pé ante pé, não fosses acordar
    a Morte ainda menina no meu colo…

    (imagem: Henri Cartier-Bresson)
    ***

    e eu pudesse iluminar por dentro as palavras de todos os dias
    para te dizer, com a simplicidade do bater do coração,
    que afinal ao pé de ti apenas sinto as mãos mais frias
    e esta ternura dos olhos que se dão.

    Nem asas, nem estrelas, nem flores sem chão
    - mas o desejo de ser a noite que me guia
    e baixinho ao bafo da tua respiração
    contar-te todas as minhas covardias.

    Ao pé de ti não me apetece ser herói
    mas abrir-te mais o abismo que me dói
    nos cardos deste sol de morte viva.

    Ser como sou e ver-te como és:
    dois bichos de suor com sombra aos pés.
    Complicações de luas e saliva

    in IDÍLIO DE RECOMEÇO - XI

    (imagem: Oliver)

    ***
    Via António Inglês:
    ÀS 2 HORAS E 30 MINUTOS DO DIA 8 DE FEVEREIRO DE 1985, MORRE, EM LISBOA, VÍTIMA DE BRONCOPNEUMONIA, O ESCRITOR E POETA PORTUGUÊS JOSÉ GOMES FERREIRA.
    José Gomes Ferreira nasceu no Porto a 9 de Junho de 1900. Com quatro anos de idade mudou-se para a capital. O pai, Alexandre Ferreira, era um empresário que se fixou na actual zona do Lumiar, em Lisboa, tendo doado as suas propriedades para a construção da Casa de Repouso dos Inválidos do Comércio. José estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente, com Leonardo Coimbra, onde teve o primeiro contacto com a poesia. Colaborou com Fernando Pessoa, ainda muito jovem, num soneto para a revista Ressurreição.

    A sua consciência política começou a florescer também ela cedo, sobretudo por influência do pai (democrata republicano). Licencia-se em Direito em 1924, tendo trabalhado posteriormente como cônsul na cidade de Kristiansund, na Noruega. Paralelamente seguiu uma carreira como compositor, chegando a ter a sua obra Suite Rústica estreada pela orquestra de David de Sousa.
    Regressa a Portugal em 1930 e dedica-se ao jornalismo. Fez colaborações importantes tais como nas publicações Presença, Seara Nova, Descobrimento, Imagem,Sr. Doutor, Gazeta Musical e de Todas as Artes e Ilustração (1926-1975). Também traduziu filmes sob o pseudónimo de Gomes, Álvaro.
    Inicia-se na poesia com o poema "Viver sempre também cansa" em 1931, publicado na revista Presença. Apesar de já ter feito algumas publicações nomeadamente os livros Lírios do Monte e Longe, foi só em 1948 que começou a publicação séria do seu trabalho, com Poesia I e Homenagem Poética a António Gomes Leal(colaboração).
    Comparece a todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e, pouco antes do MUD (Movimento de Unidade Democrática), colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".
    Tornou-se Sub-Presidente da Associação Portuguesa de Escritores em 1978 e foi candidato em 1979, da APU (Aliança Povo Unido), por Lisboa, nas eleições legislativas intercalares desse ano. Associou-se ao PCP (Partido Comunista Português) em Fevereiro do ano seguinte.
    Em 1983 foi submetido a uma delicada intervenção cirúrgica.
    José Gomes Ferreira faleceu em Lisboa, a 8 de Fevereiro de 1985, vítima de uma doença prolongada.
    Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
    ***
    sugestão da nossa "vereadora" Clementina Henriques

    Uma preciosidade da minha amiga Amélia
    a companhia do poeta:
    José Gomes Ferreira/Fernando Lopes Graça
    fizeram esta canção
    Como o outlook diz não poder entregar à maioria,
    mando sem o anexo
    -poderão abrir o youtube no url indicado



    Acordai!
    Acordai
    acordai
    homens que dormis
    a embalar a dor
    dos silêncios vis
    vinde no clamor
    das almas viris
    arrancar a flor
    que dorme na raíz
    Acordai
    acordai
    raios e tufões
    que dormis no ar
    e nas multidões
    vinde incendiar
    de astros e canções
    as pedras do mar
    o mundo e os corações
    Acordai
    acendei
    de almas e de sóis
    este mar sem cais
    nem luz de faróis
    e acordai depois
    das lutas finais
    os nossos heróis
    que dormem nos covais
    Acordai!
    Letra: José Gomes Ferreira ;música:Fernando Lopes Graça (na imagem)

    aqui cantada pelo Coro da Academia dos Amadores de Música

    site da Amélia Pais