07/08/2014

8.534.(7ag2014.818') Urbano Tavares Rodrigues

Nasceu a 6dez1923
e morreu a 9ag2013 (como noticia http://www.jn.pt/PaginaInicial/Cultura/Interior.aspx?content_id=3364590)
Morreu o escritor Urbano Tavares Rodrigues
Acabei de saber da sua morte e lamento profundamente", disse à agência Lusa o vereador comunista da Câmara Municipal de Lisboa Ruben de Carvalho, camarada de partido do escritor, jornalista e ensaista Urbano Tavares Rodrigues.
A notícia da morte do escritor foi também divulgada pela sua filha, Isabel Fraga, na página de Facebook "Urbano Tavares Rodrigues - escritor", na qual escreveu esta sexta-feira de manhã: "O meu pai acaba de nos deixar. Estava internado nos Capuchos há 3 dias. Não tenho mais informações. Soube agora mesmo".
Urbano Tavares Rodrigues, escritor, jornalista, militante do Partido Comunista, nasceu a 8 de dezembro de 1923 e tinha completado recentemente 60 anos de vida literária.
Enquanto jornalista, trabalhou no "Diário de Notícias" (para onde entrou logo em 1946), "Diário de Lisboa", "Artes e Letras", "Jornal do Comércio" e "O Século", entre outros órgãos, e enquanto escritor assinou uma obra em que quase sempre expressou preocupações sociais e tendências políticas.
Preso pela PIDE em 1963 e 1968, usou o segundo período de clausura para escrever "Contos de Solidão", que passou clandestinamente para o exterior. Apesar da intensa atividade na oposição, só em 1969 Urbano Tavares Rodrigues se filiou no PCP, pelo qual chegou a ser eleito deputado, embora não tendo aceite exercer o mandato.
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O 1º livro que li dele foi oferecido pelo António Natividade
OS INSUBMISSOS
18abril1970???
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https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/816871811681918/?type=1&theater
 in HORAS DE VIDRO (Pub. Dom Quixote, 2011)

DISSE-TE UM DIA

Disse-te um dia
que havia de dar-te uma estrela
tão real como os sonhos
do rio Guadalquivir
e o perfume adolescente
do teu corpo
a ondular na aurora de Sevilha
Não foste comigo a Barcelona
ver as pesadas corolas e os mosaicos
de La Pedrera
mas espera-me no aeroporto
de nunca antes
o rumor febril dos teu olhos
onde aprendi
que o tempo não existe
Mas a vida pode ser
também mágoa escura
bem sabes Por isso te prendo
as mãos sobre as ancas
para não fugirmos mais um do outro
e bebo todo o sol e afinal o tempo
nos teus lábios

(2007)

Aguarela: Love In Pompey, de Suzanne Frie

*(CC)

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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=905730026108737&set=a.905729902775416.1073741929.100000152439363&type=1&theater
Mulheres do Alentejo

Mulheres do Alentejo
Com papoilas nos olhos
São primaveras erguidas
Contra os bastões contra as balas
Oculto o rosto
Seus negros chapéus descidos
Frene ao sol
O claro choro nas mãos
Com bagos de amanhã.
São cor de terra
Cor de trabalho
Cor da habituação à dor.
Nossa Pátria do sofrimento
E do valor
Meu sinal de luz
Em toda a palavra que escrevo
Meu território do regresso e do futuro
Minha praia de secura
Percorrida pelo ódio e pelo pânico
Eis o ardente povo torturado
Esperança viva de um sonho feito carne
Mulheres searas fontes azinheiras
Nossa esperança, ainda em flor e fruto
No vermelho das feridas deste País de Abril

***
DESTINO

Na mais lebrega alfurja
ou na cama de folhas macias
da floresta
onde a chuva te adormeceu
há sempre um diamante de sol
cujos raios te penetram de
ventura
ao sonhares a palavra
liberdade
(via Ana N)
***
PRIMAVERA
em "Horas de Vidro"
A Primavera vem dançando
com os seus dedos de mistério e turquesa
vem vestida de meio dia e vem valsando
entre os braços dum vento sem firmeza
Nu como a água o teu corpo quieto e ausente
só este inquieto esvoaçar do teu sorriso
loiro o rosto o olhar não sei se mente
se de tão negro e parado é um aviso
do destino que me fixa finalmente
Ai, a Primavera vai passando
com os seus dedos de mistério e de turquesa
segue Primavera vai cantando
que será do nosso amor nesta praia de incerteza
Via Clementina H
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1548647151884295&set=a.112398168842541.19928.100002170750922&type=3&theater
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Via: http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/urbano_tavares_rodrigues_hei_de_ser_comunista_ate_ao_ultimo_instante.html
Hei-de ser comunista até ao último instante
Há menos de um ano Urbano Tavares Rodrigues deu esta entrevista ao Negócios. Poucos meses antes de fazer 90 anos, o escritor faleceu. O Negócios volta a publicar a entrevista. Leia na íntegra.
Urbano. Não há outro. Comunista até ao fim, latifundiário que concordou que a terra é de quem a trabalha, escritor do Alentejo e da resistência. Nasceu em 1923. Esteve exilado em França, doutorou-se em Teixeira Gomes, integrou a marca do Existencialismo.

Foi preso e torturado em Caxias. Fez dos livros uma arma. Andou na guerrilha com Che Guevara. Foi amigo de Cunhal. Admirou e repudiou Gorbachev. Tem fascínio pelas personagens ambíguas. Vive numa casa tão antiga quanto ele, coberta de livros e de pintura. Tem um filho de seis anos que já sabe ler e que faz desenhos cubistas (no final, a mãe mostrou a versão que desenhou de Guernica, de Picasso). É casado com uma mulher muito mais nova, médica psiquiatra, que trata dele e da criança. Está doente. Lançou este Verão um novo livro, duas novelas: "Escutando o Rumor da Vida" e "Solidões em Brasa". Quanto a nós, país, diz que vem aí um estoiro. Um inevitável estoiro.

Vamos começar por um lado que não está directamente relacionado com o livro, que serve de pretexto a esta entrevista, mas que é central em si: ter querido estar com os perdedores. No seu percurso há uma preocupação em não estar ao lado dos cantadores da vitória. Porquê?
Sabe, há uma personagem de que gosto muito na História de Portugal, com a qual tenho certas afinidades. Foi um defensor de causas perdidas. O Prior do Crato.

Escreveu inclusive um livro sobre ele, "Os Cadernos Secretos do Prior do Crato".
Tem uma grande influência no meu crescimento intelectual e na minha obra.

Quando é que o percurso dele lhe interessou?
Encontrei-me com o Prior do Crato quando ele saiu (fugiu!, praticamente) do seminário onde estava e se tornou (como dizer?...) um homem à procura de si e recusando as ordens religiosas e o celibato.

Prior do Crato era um filho bastardo. Participou na campanha que levou a África D. Sebastião.
D. Sebastião não gostava dele. Tanto que na batalha, em vez de o levar ao lado - porque era um príncipe de sangue real - pô-lo na quinta fila. E foi o que o salvou. D. Sebastião foi liquidado e ele foi confundido com um soldado, preso em circunstâncias menos gravosas, e conseguiu evadir-se.
Também há afinidades no encantamento do Prior do Crato com as mulheres e, ao mesmo tempo, no remorso que está ligado a esse encantamento.  

Remorso?
Por poder, eventualmente, tê-las prejudicado, ter sido injusto, ter estragado vidas. O Prior do Crato teve isso. Como o meu passado.

O seu passado de Don Juan.
Nunca fui um Don Juan. Isso nunca fui, não.

Tem fama disso.
O Don Juan é um sedutor com o desejo do império e da sedução. Eu não fui nada disso. Era um menino bonito, tímido, que inspirava ternura nas mulheres. Essa ternura é que arrastava o acto sexual. Se quiser, [era] um Don Juan seduzido, mas não era um sedutor. O sedutor, como o Miguel de Mañara da lenda espanhola, é aquele que quer mesmo seduzir.

Sendo filho de grandes latifundiários, há um momento na sua vida em que se põe ao lado daqueles que têm uma condição social diferente da sua. Esta opção acaba por ter expressão na sua literatura e na sua acção política.
A minha primeira relação com o Alentejo é eminentemente poética. Começo a sentir a natureza apaixonadamente, como qualquer coisa de mágico. Essa relação profunda a certa altura transforma-se porque me dou conta das injustiças sociais. Das desigualdades. Enveredo por um caminho que é uma espécie de socialismo cristão.

Ainda era crente?
Sim. Deixo de ser por causa da confissão. Se me comprometo, se juro, não cometer os mesmos pecados, [sou absolvido]. E tenho de rezar umas tantas orações. Eu sei de antemão que vou cometer esses pecados... Portanto, aquilo parece-me uma farsa. E repudio completamente o catolicismo.

O marxismo aparece por que via?
As primeiras ideias marxistas vêm-me do contacto com o meu primo Fernando Medina, casado com a Maria Eugénia Cunhal, que era comunista. Dá-me a ler pela primeira vez textos do Marx. Tinha talvez 13, 14 anos.

Muito jovem.
Sim, sim. Começo a ser marxista, mas ainda com reticências.

Reticências que resultavam da sua imaturidade intelectual e pessoal?
Resultavam da ideia que eu tinha do Estaline como uma figura monstruosa, inautêntica, suja. Que mantive toda a vida. Dentro do Partido Comunista cheguei a ter problemas por ser anti-estalinista. Tive também problemas na altura da Primavera de Praga. Fui ardentemente pela Primavera de Praga. Tomei posição pública. Cunhal criticou-me brandamente. Mantive sempre um espírito heterodoxo.

Pensei que fosse um ortodoxo.
Nada, nada. O contrário. Eu era muito amigo do Álvaro Cunhal. Tornámo-nos amicíssimos, em grande parte porque éramos ambos artistas. Com sensibilidade para a poesia. Tinha pelo Cunhal uma profunda estima, e falava com ele com grande à vontade. Uma vez disse-lhe: "Acho que era altura de denunciarmos publicamente tudo o que há de podre no estalinismo". Ele respondeu-me: "Acho que tu às vezes tens teias de aranha na cabeça. És profundamente comunista por coração e hás-de sê-lo sempre". É verdade.

Era comunista de coração, mas de cabeça não era. Ou não era sempre.
Não. Mas hei-de ser comunista até ao último instante!

Quer a bandeira do partido comunista sobre a urna?
Quero, quero, quero. Absolutamente.

Que significa esse ritual?
É uma ideia de felicidade que só pode ser assegurada pela pureza desse instante. (Deixe-me ver se consigo explicar isto melhor...) É o momento em que tudo se cristaliza, tudo o que há de belo se reúne. É o fim do fim.  

[O filho António aparece nesse momento e pousa uma pequena taça com smarties, como um adulto pousaria uma taça de frutos secos.]

Voltemos aos textos marxistas que começou a ler na juventude. 
Conheci também um autor que me dá o marxismo em segunda mão, o [Henri] Lefebvre. 
Em 1961 vou a Cuba no momento do ataque [Baía dos Porcos] e conheço pessoalmente e travo relações de amizade com alguém que ia marcar toda a minha vida: o Che Guevara. Tivemos conversas muito interessantes, algumas, justamente, sobre poesia. "A poesia de alta qualidade, mesmo quando não parece directamente ligada ao processo revolucionário, é sempre progressista. Porque a beleza em si é uma forma de progresso, de aperfeiçoamento do ser humano", disse-lhe. O Guevara deu-me esta resposta de que nunca me esqueci: "Talvez tu tenhas razão. Mas se puderem dar um jeitinho para o nosso lado, agradeço!". Isto era o Che.

Porque é que se encantou mais com o Che do que com o Fidel?
Devo dizer que o Fidel se limitou a dar-me um aperto de mão, distraído, no final de um comício. Quando veio ao Porto, também não me encantei com ele, embora tenha falado mais. Mas acho que foi um grande homem, caramba.   

Che tinha uma natureza romântica e revolucionária.
Tinha. E adorava as mulheres. E as mulheres adoravam o Che. Teve uma ligação no México com uma mulher mais velha, que tinha uma grande cultura marxista, e que foi quem fez dele um marxista.

Acreditava verdadeiramente no futuro do socialismo?
Ah, sim. Condenou os crimes e abusos da União Soviética quando esteve em Argel, e depois mergulhou naquela absurda guerrilha da Bolívia um pouco por causa disso. Como protesto contra o socialismo degradado. Andei por lá, ao lado do Che.

Eduardo Lourenço descreveu-o a si como um mosqueteiro audaz. Era assim que se via? Mais do que tudo, o que o movia era um desejo de intervir socialmente?, mudar o mundo?
Era isso. Estive nas juntas de acção patriótica, durante anos. Funcionava por células. Tinham o patrocínio do Mário Soares. Conheci aí o Palma Inácio. Quando ele não conseguia contactar rapidamente o PC - eu ainda não era militante, mas já tinha pseudónimo, dava dinheiro -, [usava-me]. Tive como controleiro um tipo horroroso chamado Lindolfo. Que traiu. Nalgumas situações difíceis, recorri a um amigo, o Fernando Neto, que era unha com carne com o Palma Inácio. De vez em quando o Fernando Neto arranjava uma casa, a falsificação de um passaporte...

Nessas acções, sentia-se um soldado do partido?
Sentia-me um militante.

Eu disse soldado e respondeu militante. São coisas diferentes. Um soldado tem o fazer nas suas mãos.
O Palma Inácio é que era um soldado. O Fernando Neto pediu-me para levar o Palma Inácio ao Alentejo, no meu carro. Foi uma coisa aventurosa. Eu era redactor d'O Século, saí à meia noite do jornal. Ele estava com uma cabeleira loura. "Tira lá essa coisa que chama muito mais a atenção do que a tua cara." Tinha uma coragem fantástica.

Se fosse um ortodoxo, sentir-se-ia um soldado? Pergunto de outra maneira: acatava cegamente orientações do partido?
Provavelmente, sim. E, nesse caso, talvez me sentisse um soldado. 

Depois da queda do muro, quando se começou a desmantelar aquele mundo, o que é que achou que vinha aí?
Primeiro tive um grande entusiasmo com o Gorbachev. Como muita gente. E depois fiquei com um profundo desprezo por ele. Pelo comportamento tão comercial, tão reles, tão oportunista.

Imagino o seu horror quando o viu fazer publicidade à Louis Vuitton.
Nojo, nojo.
Bom, primeiro acreditei. Houve um discurso tão lindo... Deve ter sido dos discursos mais lindos da minha vida. Completamente utópico. Do Graham Greene. Num congresso em Moscovo com o Gorbachev, conheci o Gregory Peck, presidente do sindicato dos actores americanos, um homem alto, bonito, e a Claudia Cardinale, militante do Partido Comunista Italiano. 

Voltou ao que era a União Soviética? Foi muito lá.
Voltei. Surpreendeu-me muito a Geórgia. Nadei entre as alforrecas, no Mar Negro.

Foi coerente com aquilo que defendeu e apregoou. Depois do 25 de Abril, doou as suas terras no Alentejo aos que nela trabalhavam. Conte-me a história. Teve hesitações?
Tive alguma hesitação. Mas nós tínhamos andado, o meu irmão Miguel e eu, na propaganda comunista. A dizer, justamente, "a terra a quem a trabalha". Era uma contradição se não o fizéssemos.

Éramos três. O meu irmão Jorge não tinha as mesmas ideias - era um homem que se interessava fundamentalmente pelo dinheiro. Para podermos dar ao Jorge a parte dele vendemos aquilo a um primo nosso, grande agrário. Comprou se lhe garantíssemos que não lhe ocupavam as terras. Garantimos. A nossa parte, minha e do Miguel, ficou para o sindicato dos trabalhadores agrícolas do distrito de Beja. Pedi licença para tirar da minha parte uma pequena parte para ajudar a minha filha a comprar uma casa. Acharam bem. E ela comprou. Ela também está muito perto das ideias comunistas, embora não seja militante.

A sua vida teria sido diferente se a sua opção fosse outra?
Teria. Teria sido um homem rico, bastante rico. Não teria vivido todas as privações que tenho vivido. Por causa da falta de dinheiro. Despojei-me de tudo o que tinha.

A sua vida foi empolgante. Conheceu o reconhecimento cedo, conheceu muitas pessoas, viveu factos históricos.
É verdade.

Contaram-me que em 1971 um jovem lhe trouxe uma carta do estrangeiro. Abriu a carta, meteu umas folhas no bolso, leu as restantes e comentou: "Este homem só fala de mulheres e teatro, é a única coisa que lhe interessa". Nem uma palavra sobre o conteúdo político da missiva. Por elegância? Por desconfiança? Era um tempo em que não se sabia se o outro era um delator.
Não sei. Mas existia uma grande desconfiança. Lembrei-me agora do meu camarada José Saramago. Ele era o director-adjunto do "Diário de Lisboa" e uma manhã vem direito a mim e mete-me na mão um papelinho. "Não abras agora. Se quiseres, vai à casa de banho e lê". Era o "Avante" clandestino. Percebi então que o José Saramago já tinha entrado para o partido. Sabia que eu era comunista porque o José Manuel Tengarrinha, que era muito amigo do Saramago, lhe deve ter contado.

As minhas relações com Saramago eram muito boas. Ele entrou tarde, mas com coragem, firmeza. Foi um lutador notável.

Numa das novelas do seu livro, "Solidões em Brasa", evoca-se "a longa resistência dos comunistas e outros antifascistas". Fala-se do poder operário, da "participação dos trabalhadores na gestão desses casarões, em breve nacionalizados, de onde eram expulsos, se é que não tinham já fugido, capitalistas e serventuários da ditadura". A palavra "capitalista" tinha para si peçonha?
Tinha! [riso] Ainda tem. O António Ramalho Eanes, que é muito meu amigo (é um homem muito sensível, inteligente, cultíssimo, ao contrário do que as pessoas supõem), progressista, embora não seja comunista, veio ver-me cá a casa. Estava aí [aponta para cadeira ao lado]. "Sabe que eu não tenho as suas ideias políticas, mas compreendo que você seja comunista. É comunista não por ódio, mas por amor". Fiquei muito sensibilizado.

Na página seguinte fala do "veneno da insubmissão". Insubmissão continua a ser uma palavra central em si? O primeiro dos seus livros a ser notado foi "Os Insubmissos".
Sim, continua. O Nuno Júdice fez uma leitura muito fina e profunda do livro. Diz que é um livro cheio de novidade, até na maneira de contar.

"Não quer dizer que não haja coisas boas na União Soviética, porque há, mas os mandantes estão um bocado fossilizados."
Estavam. Agora é aquele canalha do Putin. Um bandido da pior espécie. Um miserável do KGB.  

Vítor Córdova, personagem do livro, bem como outros, são inspirados em si? Podemos ler este livro como umas memórias ficcionadas?
Não, não podem. Porque não são. Apesar de terem algumas coisas minhas.

Nestas duas novelas há uma enorme exaltação da vida e dos sentidos. Há desregramento numa e noutra, e isto é escrito por um homem de quase 90 anos.
Este livro é um livro que tem elementos mágicos e fantásticos. Tem elementos autobiográficos. O Francisco de Medeiros, um dos personagens centrais, tem muito a ver com experiências minhas. Inspira nas mulheres uma ternura que se transforma em sexo.

Fala no começo do livro da "beleza de menino grande e desamparado que as mulheres descobriam em mim". O seu sucesso estava aqui?
Fui eu. A figura da Lídia [na novela é companheira de Francisco] tem semelhanças com a Maria Judite de Carvalho [escritora que foi casada com Urbano].

O personagem Olímpio-Michel também tem muito a ver comigo.

Mas esse é traficante de armas e a páginas tantas mata um líder sírio.
Isso é fantástico! É uma história inventada. Olímpico é sempre um homem duplo. E é quem vai morrer no final com a palavra "absurdo" na boca. Ele tentou construir uma vida de beleza, de sonho, e tem um filhinho que anuncia o futuro.

Como o seu filho António. Criança que representa o futuro e a esperança?
Meu António. Menino com talento para a pintura, o futebol, a natação, tanta coisa. Valentíssimo. Sai a mim. Não é provocador, mas se o empurram, vai soco que ferve!

Era valente de andar ao soco?
Era. Fartei-me de andar à pancada. Porque andei no liceu Camões no tempo da [Segunda] Guerra. Havia os alianófilos, como eu, e os germanófilos. Entre nós havia cenas de pancadaria constantes.

O papel das crianças é trazer a esperança e o futuro?
É. Foi um acontecimento extraordinário ter tido o António. A Ana Maria fartou-se de tomar hormonas. Fizemos inseminação. Eu tinha imensas preocupações. Na minha idade há menos esperma e com menos qualidade, e isso podia reflectir-se numa qualquer deficiência física da criança. Tinha cabelo cor de mel, como eu, que agora está a escurecer.

Este livro é muito diferente do que lhe conhecemos. A sua literatura de resistência passa muito pela leitura do indivíduo no colectivo em que está inserido.
Há uma novela importante na minha obra, "Os Escombros", do livro "A Noite Roxa", que fala justamente disso.

Aqui, mais do que tudo, temos sujeitos individuais. E a consciência política não tem a mesma força.
Mas a ideologia aparece, discretamente. Há um momento em que Francisco está a falar num café de Paris com dois sujeitos que fizeram uma pausa, a caminho de Moscovo, e que lhe dizem: "Tu davas dinheiro para o partido". "Dava e continuo a dar. Desde que mo peçam". É uma tomada de posição progressista.

Ainda não falámos de Portugal.
O Mário Soares, que é um socialista de esquerda, tem uma visão do futuro de Portugal à maneira da Noruega. Mas a Noruega tem circunstâncias especiais. Tem no governo um partido trabalhista, apoiado pelo partido comunista das terras do norte, pelos verdes, e por um partido que se chama social-democrata mas que está à esquerda dos sociais-democratas portugueses, que são neofascistas - os do Passos Coelho. A ideia do Mário Soares é interessante. Não sei se é realizável. A Noruega tem a vantagem de ter petróleo. Tem uma economia com um modo de produção capitalista e uma distribuição socialista da riqueza.

Aqui, é capaz de haver um grande estoiro. Um salve-se quem puder. E a esquerda a tomar o poder. Por causa do estoiro que inevitavelmente se vai dar nos mercados. O Mário Soares está a anunciar isso.

Porque é que considera o governo de Passos neofascista? É uma coisa muito forte de se dizer.
Porque está a limitar cada vez mais o direito à greve (e encontra formas de limitação). O Passos Coelho é um indivíduo pouco escrupuloso. Não correu ainda com o Relvas porque estão ligados, os dois, em negócios sujos. Insultei o Sócrates quando ele esteve no Governo. Chamei-lhe vários nomes que apareceram na Internet. Trafulha, aldrabão, bandido, etc. Hoje acho que o Sócrates, comparado com o Passos Coelho, é uma pessoa com muitas qualidades. O governante por quem tenho estima, e que é uma figura importante moralmente, é o [António] Guterres.

Vai fazer 89 anos. Viveu muito, escreveu muito. Quem é que o impressionou positivamente nos últimos anos?
A Dulce Maria Cardoso e o João Tordo. A Dulce não é só por ser uma grande escritora. É uma mulher que veio ressabiada, retornada, e que, inteligente e sensível como é, foi tomando contacto com a realidade portuguesa; hoje está completamente à esquerda. É muito minha amiga e disse-me: "Só não sou comunista porque tenho um grande amor à minha liberdade, não consigo aliená-la. Mas estou muito perto de si". O João Tordo também é um grande escritor. Tem um livro admirável, "O Bom Inverno".

Vou aproveitar a frase da Dulce e perguntar-lhe se sentiu que alienava a sua liberdade estando no PC. É menos livre por ser comunista?
Olhe que não. O PC sempre aceitou muito bem a minha heterodoxia por eu ser um grande escritor e por saberem que sou muito sinceramente comunista.

(Esta entrevista foi publicada inicialmente a 7 de Setembro de 2012)


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Via: https://pensamentosnomadas.wordpress.com/tag/frases-celebres-de-urbano-tavares-rodrigues/
“Valia a pena fazer um imenso esforço para acreditar nas coisas impossíveis, pois (…) só para as coisas impossíveis valia a pena viver. Estimular, manter a crença nas coisas grandes […]
in 
” – Mas não estaremos nós a viver numa redoma, em círculo fechado, ignorando ou querendo ignorar a indiferença, o egoísmo, a estupidez de uma maioria narcotizada?  – Qual maioria […]
in TERRA OCUPADA

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Via: http://pensamentosnomadas.wordpress.com/2012/02/13/frases-de-terra-ocupada-de-urbano-tavares-rodrigues/








FRASES DE “TERRA OCUPADA”, DE URBANO TAVARES RODRIGUES


” – Mas não estaremos nós a viver numa redoma, em círculo fechado, ignorando ou querendo ignorar a indiferença, o egoísmo, a estupidez de uma maioria narcotizada?
 – Qual maioria qual quê! Alguém que puxe fogo ao rastilho e você verá…
 – Mas se isto é um país sem indústrias, sem proletariado, sem consciência cívica!… Se a própria língua, que é reflexo da vida e por sua vez a modela, ainda mal chegou ao século vinte!”
—–
“- Que diz o jornal?
 – Ora, ainda perguntas, as mesmas mentiras de sempre.
 – Eu já só leio o futebol, Fora disso, que é que tu esperas? Nascem bois com asas no Entroncamento, os suicidas morrem de morte natural, terminam todos os dias definitivamente as operações de limpeza, inauguram-se mais escolas do que as crianças que há… E a ONU é o bombo da festa. Está tudo dito.”
—–
” – E que sentido tem a nossa vida?, que responsabilidade não será amanhã a nossa se ficarmos quietinhos a assistir ao descalabro, nesta grande prisão de gente bem comportada, que é, aos mesmo tempo, o palco de uma peça de Ionesco, onde se tomam a sério as maiores imbecilidades e o bem se confunde a todo o momento com a injustiça, com a hipocrisia?!”
—–
“Não, meu pobre Vaz, o «grande-senhor» e os seus sicários levam sempre a melhor com os teus congéneres. E são afinal muito mais burros do que ferozes. Mas há lá nada cruel, sem consciência nítida disso, do que é esta espécie de estupidez poderosa?! E bem escudada… Não, meu pobre Vaz, o músculo, sozinho, mesmo com as suas taças e medalhas, não vai longe.”
—–
“O meu silêncio, em todo o caso, não mo compraram. Sou da raça hamletiana – mas não estrafego ninguém.”
—–
“Que seriam dos homens, mesmo que se libertassem de certas escravidões económicas e políticas, se não pudessem preservar, defender, nos seus horários pejados de máquinas e de gestos automáticos, essas vozes que ele não queria deixar de ouvir, vozes surdas, que o ligavam, fugidiamente que fosse, aos plátanos a esfolharem-se, às sombras azuis dos telhados com sol, o último sol do dia, aos ardinas – reis-do-trânsito esfarrapados que forçavam os automobilistas a travar, volta não volta -, aos fregueses daquele quieto «café», de tão diversas expressões, que não eram aparelhos, mensuráveis em rentabilidade, em termos de pura necessidade, mas criaturas humanas, com os seus específicos problemas, apelos de simpatia?! Sentia agudamente que a vida merecia ser vivida; e que esse forte, persistente e por vezes luminoso amor à vida, de que ele, anónimo empregado, era tão rico, que lhe batia assim no peito, em ritmo de exaltação, resumindo a dádiva e o perigo, o instinto de liberdade, o orgulho da sua condição, era a coisa mais importante que um homem podia transmitir a outro homem.”
—–
É BOM LEMBRAR QUE ESTE LIVRO FOI ESCRITO EM 1963, EM PLENA DITADURA DO ESTADO NOVO, MAS AINDA ASSIM TÃO ACTUAL TAMBÉM NOS TEMPOS DA “DEMOCRACIA”.
***
Via Citador:

O Amolecimento pela Sociedade de ConsumoNos países subdesenvolvidos, a arte (literatura, pintura, escultura) entra quase sempre em conflito com as classes possidentes, com o poder instituído, com as normas de vida estabelecidas. Em revolta aberta, o artista, originário por via de regra da média e da pequena burguesia ou mais raramente das classes proletárias, contesta o statu quo, propõe soluções revolucionárias ou, quando estas não podem sequer divisar-se, limita-se a derruir (ou a tentar fazê-lo pela crítica, violenta ou irónica) o baluarte dos preconceitos, das defesas que os beneficiários do sistema de produção ergueram contra as aspirações da maioria. Nas sociedades industriais mais adiantadas, o artista pode permanecer numa atitude idêntica de inconformismo; porém, os resultados da sua actividade de criação e reflexão tornam-se matéria vendável e, nalguns casos, matéria integrável.
O consumo do objecto artístico, seja ele o livro, o quadro ou o disco, quando feito sob uma tutela de opinião, que os meios de comunicação de massa, em escala larguíssima , exercem, torna-se, senão totalmente inócuo, pelo menos parcialmente esvaziado do seu conteúdo crítico. Despotencializa-se. Amolece. É o que se verifica, por exemplo, em boa parte, nos Estados Unidos. A ideologia repressiva da liberdade no mundo capitalista monopolista torna-se tanto mais perigosa quanto aborve, ou procura absorver, as próprias formas políticas de exercício das liberdades ditas essenciais, quando aceita no seu seio o escritor, acusador iconoclasta por natureza, recuperando-o em banho asséptico, limando-lhe os dentes. Mas, entendamo-nos, nem sempre o artista se dá conta dessa operação, até porque nem sempre, de facto, é ele próprio o paciente da operação que lhe reduz a perigosidade, senão que o é, sim, a sua obra, a qual, pelo poder diminutivo de uma dada comercialização, se rectifica. 

 in "Ensaios de Escreviver"
A Repulsa do Poder pelo Homem de LetrasA repulsa dos poderes constituídos pelo homem de letras e pelo homem de pensamento (pois tanto a expressão racionalista do filósofo e do sociólogo como a apreensão intuitiva do real a que procede o ficcionista surgem como ameaça aos sistemas de imposição de ideias ou de coerciva persuasão), esse afastamento do intelectual inconformista, transformado assim, com raras excepções (que nalguns casos já beiram o limite da assimilação) em outsider, representa uma destruição de valores culturais, que se traduz não poucas vezes em atraso de gerações. 
Evidentemente, tal relegamento do escritor para zonas de sombra acicata-o por vezes, levando-o a produções vertebradas, que são autênticos gritos da inteligência rebelde e onde não raro se derrama o melhor da capacidade imaginativa, tensa e exasperada, de períodos em que se obscurece a comunicação normal entre os homens e em que a acção do livro, reduzida embora em extensão, ganha uma acutilante qualidade crítica e concentra a dignidade de minorias advertidas culturalmente e firmes no seu espírito de resistência. Mas o saldo não deixa de ser negativo quando se considera não já tudo aquilo que o escritor suporta e sofre, mas - e sobretudo - o muito que a camada dos leitores perde pela falta de convívio efectivo com aqueles que são não, é claro, os meus mentores, mas os que injectam na massa ideias novas, que divisam, na zona penumbrosa em que o futuro se vai pouco a pouco libertando da hora viva, os moventes sinais de amanhã. 

 in 'Ensaios de Escreviver' 
O Fim do Amor Trágico e Romântico?Vivemos, de facto, numa época em que a noção de amor trágico e romântico, que herdámos do século dezanove, se tornou inactual, embora continue ainda a ser vivida por muitos - e até com o carácter de construção moral e estética - essa relação extremamente apaixonada, exigente e exclusiva. A reclamação da liberdade erótica não me parece que de algum modo tenda a degradar a vida, conquanto possa dessublimizá-la e do mesmo passo desmistificá-la, precisamente no propósito de a tornar mais lúcida e mais generosa. Afigura-se-me que na contestação de todas as prepotências firmadas em preconceitos, em princípios estabelecidos apriorísticamente, há sempre um nexo muito íntimo entre a reinvindicação da liberdade erótica, da liberdade no trabalho e da liberdade política. E, naturalmente, quando se dá uma explosão desta espécie, é como uma pedra que rola e que vai agregando uma série de materiais e descobrindo a sua própria composição até às zonas mais profundas da sua estrutura. 

 in "Ensaios de Escreviver"