Passos. "Aumentar a chamada salsicha educativa não é a mesma coisa que ter um bom resultado educativo"
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São vários os alertas deixados pelo Conselho Nacional de Educação no relatório "Estado da Educação 2013" subscritos por Passos Coelho. Logo à partida na questão da formação de professores. "Se queremos ter um sistema educativo mais robusto, precisamos de dar uma garantia de qualidade de formação maior do que a tradicionalmente exigida", defendeu o primeiro-ministro, sustentando que o Governo já tomou algumas medidas no sentido de garantir uma maior exigência no acesso aos cursos de formação de professores.
Também o aviso deixado no relatório produzido pelo conselho, presidido atualmente pelo ex-ministro da Educação David Justino, de que os chumbos no ensino básico aumentaram significativamente a partir de 2011, interrompendo uma tendência iniciada há uma década, foi referido por Passos Coelho durante a cerimónia, esta segunda-feira, que assinalou no Conselho Nacional de Educação, em Lisboa, o arranque do ano letivo. Em 2012/2013, a taxa de retenção nos primeiros quatro anos da escola foi de 4,9%. No 5º e 6º anos subiu até aos 12,5% e no 3º ciclo ficou quase nos 16%.
O financiamento público de cursos superiores com fraca empregabilidade e a redução de candidatos a formações de base tecnológica foram outras das preocupações manifestadas por Passos Coelho. "Preocupa-me que haja uma procura menor por áreas importantes para o modelo social e desenvolvimento econômico que queremos".
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Do lado positivo, o líder do Governo fez questão de sublinhar a "paulatina recuperação do atraso educativo" do país, com o acesso de cada vez mais pessoas à formação. E usou uma invulgar expressão para defender que não basta ter apenas mais alunos, mas garantir a qualidade dos resultados. "Sabemos que aumentar a chamada salsicha educativa não é a mesma coisa que ter um bom resultado educativo."
Durante a sessão no CNE foi ainda feita uma homenagem a Adriano Moreira, ex-ministro, ex-deputado e professor universitário, alguém que, para Passos Coelho, "continua a ser, em todos os quadrantes ideológicos e políticos, referido com respeito e admiração".
No discurso de agradecimento, Adriano Moreira não deixou de salientar o papel do Conselho Nacional de Educação, órgão consultivo do Governo, e a "importância de ser ouvido neste grave momento que a Educação está a passar".
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"O Capital", de Karl Marx, que, numa tradução livre, dizia: "Um professor é um trabalhador produtivo, quando, além de trabalhar a cabeça dos alunos, se esfalfa para enriquecer o proprietário da escola. E essa relação não se altera, lá porque o capitalista investiu numa fábrica de ensinar em vez de numa fábrica de salsichas"
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De onde vem a "salsicha educativa" de Passos? A resposta está em Marx
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Esta segunda-feira, ficámos a saber pelo primeiro-ministro que o sistema educativo em Portugal é uma fábrica de salsichas - um conceito, à primeira vista, transformador de professores em operários e de alunos em enchidos e que surgiu pela pena de Karl Marx, numa leitura do escocês Neil Smith, professor universitário que se sentia nesse ambiente, onde "alguns de nós são as salsichas, alguns de nós enchem a tripa com a carne, alguns de nós só manejam as máquinas e alguns são os gerentes".
O geógrafo e antropólogo não se importava especialmente com a imagem que, no início do século passado, já era usada em relação a algumas escolas inglesas e cuja raiz é negativa, sem ofensa para as fábricas de enchidos de carne picada temperada. Neil Smith estava mais preocupado com um fenómeno que lhe parecia global e que por isso exigia uma solução à altura. A sua inquietação principal era, aliás, quem iria governar essa fábrica que tem imensas filiais locais. Mas nunca restringiu a questão à simples "salsicha educativa", como o fez Passos Coelho, embora possa ser uma maneira de combater a ideia dos estudantes de que a maioria da matéria é "chouriço educativo".
Passos versou assim esta segunda-feira, na sessão solene de abertura do ano letivo do Conselho Nacional de Educação, em Lisboa: "Sabemos melhor do que ninguém que aumentar a chamada salsicha educativa não é a mesma coisa que ter um bom resultado educativo. Foi assim que, no passado, a generalização de novos graus de ensino não corresponderam a um salto qualitativo mais exigente no produto escolar. Temos muitos mais alunos a frequentar o ensino básico e secundário, esperamos poder vir a ter significativamente mais alunos a frequentar o ensino superior, mas é importante que o resultado final corresponda a uma melhoria da qualidade do ensino que é prestado."
Mas quem é que usa esta expressão? Se Passos diz "a chamada salsicha educativa" é porque já ouviu alguém falar nela. Numa rápida busca na Net, verifica-se que em português a estreia parece pertencer-lhe e que no resto do mundo fala-se na questão levantada por Neil Smith, mas apenas na "fábrica de salsichas educativa", embora se saiba de antemão que, se numa verdadeira fábrica de salsichas se produzem os tais enchidos de carne picada e temperada, numa escola formam-se estudantes. Por esta ótica, o aluno é a salsicha. No caso da expressão usada pelo líder do governo português, como não soa muito bem dizer "aluno educativo", talvez a salsicha seja a própria escola, o que faria do Estado e dos privados proprietários de estabelecimentos de ensino fabricantes de salsichas.
A educação é cada vez mais uma mercadoria e as escolas fábricas
"Quem governa a fábrica de salsichas?" é o título do artigo escrito por Neil Smith em 2002, dois anos antes da sua morte prematura, publicado na revista Antipode e inspirado num parágrafo de "O Capital", de Karl Marx, que, numa tradução livre, dizia: "Um professor é um trabalhador produtivo, quando, além de trabalhar a cabeça dos alunos, se esfalfa para enriquecer o proprietário da escola. E essa relação não se altera, lá porque o capitalista investiu numa fábrica de ensinar em vez de numa fábrica de salsichas".
"Quem governa a fábrica de salsichas?" é o título do artigo escrito por Neil Smith em 2002, dois anos antes da sua morte prematura, publicado na revista Antipode e inspirado num parágrafo de "O Capital", de Karl Marx, que, numa tradução livre, dizia: "Um professor é um trabalhador produtivo, quando, além de trabalhar a cabeça dos alunos, se esfalfa para enriquecer o proprietário da escola. E essa relação não se altera, lá porque o capitalista investiu numa fábrica de ensinar em vez de numa fábrica de salsichas".
Os sistemas universitários de Estocolmo a Sidney, de Seul a São Paulo - dizia o professor escocês no início deste século -, preocupavam-se, nos anos 1970, em fornecer um ensino público. Agora, correm a reinventar-se como "emblemas" de organizações empresariais. Trata-se, no seu ponto de vista, de uma corrida global, cujos efeitos se começaram a fazer sentir na última década do século XX. Foi o avanço do neoliberalismo, da modificação das relações comerciais, que levou ao mercantilismo no ensino, à transformação da educação em mercadoria com os olhos postos num alvo: o lucro.
A "nova" forma de encarar a escola ganha espaço à medida que a relação entre o capital e o Estado se torna mais íntima e o Estado faz uma retirada estratégica de algumas das suas "antigas" incumbências sociais, sustentava Neil Smith. O professor escocês acreditava que valia a pena lutar pela fábrica de salsichas, uma vez que, se as universidades dessem um passo atrás, teriam dificuldade em desempenhar a sua missão, em especial na parte de investigação. Todavia, seria preciso que, globalmente, se erguessem conjuntos de vozes que pusessem em causa os proprietários, os operários e os produtos das filiais.
Passos Coelho, assumindo-se como neoliberalista, parece estar consciente de todo este processo: não só aceita completamente o conceito - a utilização da expressão no seu discurso surge sem qualquer apreciação ou dúvida -, como está disposto a engordá-lo, se assim se pode dizer quando se trata de enriquecer uma salsicha educativa. Fica-se a saber quem manda na fábrica, apesar de o ministro desta indústria ter demonstrado algumas dificuldades na colocação de "enchedores de tripa".