15/10/2014

8.891.(15out2014.12.17') Mário Castrim

Nasceu a 31jul1920
e morre a 15out2002
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31julho2021

Alice Vieira: Mário Castrim, meu marido, faria hoje 101 anos. No ano passado tínhamos tudo combinado para festejarmos a data convenientemente--mas o virus deu cabo de tudo, Só publicámos uma reedição de "O Livro dos Salmos" (que, por acaso encontrei à venda aqui na Ericeira, na tabacaria "Mar das Letras") e pouco mais. Esperemos que para o ano o possamos festejar como deve ser. E agora vou olhar para o mar, com a certeza de que ele estará a fazer a mesma coisa--nesta terrra onde vivemo tantos anos e de que ele gostava tanto.

 

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 27 de setembro de 2020 

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Alice Vieira e Mário Castrim...By Luís Osório
POSTAL DE FIM-DE-SEMANA
Alice Vieira e Mário Castrim
1.
No final da adolescência visitei-os em sua casa. Ele estava num sofá, ela era vida, de vez em quando aparecia, ouvia e dizia de si e do mundo. Falámos de televisão, ele era o mítico crítico e ela a escritora de referência para os jovens portugueses, não era coisa pouca, não foi coisa pouca.
Continuei a frequentá-los. A pensar na sua história, no preço que pagaram por serem comunistas e católicos, de um lado e do outro nunca os seus camaradas ou irmãos se puderam tranquilizar, de um lado e do outro julgaram neles não poder confiar totalmente – os comunistas por desconfiarem dos beatos de Deus, os católicos por desconfiarem dos beatos de Lenine.
2.
Conheci poucos como eles, um casal antidogmático, heterodoxo, generoso, respeitador das diferenças, talentoso, romântico. Frutos do destino. Porque ele era jornalista do Diário de Lisboa quando ela enviou um texto para ser publicado no suplemento juvenil, tinha apenas 14 anos. Um texto não publicado, mas suficiente para receber uma carta do jornal que lhe pedia para não desistir de escrever. Assinada por ele. Haveriam de se apaixonar vários anos depois. Ele tinha mais 23 anos. As amigas e família pediram-lhe que não embarcasse em tal monstruosidade, na melhor das hipóteses acabaria a tratar-lhe as mazelas, a ser cuidadora e não uma mulher por inteiro. Mas o destino “ofereceu-lhe” um cancro a ela e foi ele quem a tratou, quem cuidou, quem a convenceu, pela segunda vez, a não desistir.
3.
Viveram 40 anos juntos, Mário morreu em 2002, no início do Outono. O funeral foi celebrado e “organizado” pelos missionários Combonianos com quem o jornalista colaborava de um modo muito próximo.
Porquê a memória? Por uma daquelas coisas que não se explicam, o fio invisível de que falo tão bastas vezes. Há uns largos anos, num texto para amigos, escrevi da morte, o que a alguns assustou: «No dia do meu velório não quero caras tristes, filhos chorosos e o meu amor, os meus amores, família e amigos a pensar que deveríamos ter feito isto e aquilo, que deveriam ter dito o que nunca ousaram, não… Também detestarei demasiada alegria porque me conheço, irritar-me-ei com tanta largueza de espírito, ao menos um bocadinho saudosos, sim… Desde o primeiro momento em que me recordo de recordar que não temo o último parágrafo, será o que será. E se me derem permissão ficarei para ver, tentarei até uma surpresa ou outra, mas confesso-vos que receio o momento em que as portas se fecharem à meia-noite, o instante em que ficarei sozinho até à manhã seguinte, poucas horas que servirão para me afeiçoar à eternidade, horas que temo como a um deserto bíblico».
No mesmo dia, Alice enviou-me uma mensagem. As minhas palavras tinham-na feito voltar ao Outono da despedida, perguntou-me se sabia do pequeno poema que Mário escrevera para ser lido no seu próprio funeral. Que não, respondi-lhe que não.
Enviou-mo.
«Lágrimas, não. Lágrimas, não. A sério.
Enfim, não digo que. É natural.
Mas pronto. Adeus, prazer em conhecer-vos. Filhos, sejamos práticos, sadios.
Nada de flores. Rigorosamente.
Nem as velas, está bem? Se as acenderem,
sou homem para me levantar e vir
soprá-las, e cantar os “parabéns”.
Não falem baixo: é tarde para segredos.
Conversem, mas de modo que eu também
oiça, e melhor a grande noite passe.
Peço pouco na hora desprendida:
fique eu em vós apenas como se
tudo não fosse mais que um sonho bom».
4.
Escreveu-o uma semana antes de morrer. Alice leu-o e permitiu-me que agora o tenha partilhado consigo. As coisas talvez não aconteçam por acaso, valeu bem a pena ter partilhado um pensamento capaz de tornar vivo outro pensamento, as últimas palavras de um mestre. Que aprovaria certamente o que julgo ser a grande inquietação sobre a morte. A de a única que conheço ser a dos vivos. Porque todas as manhãs os vejo, sonâmbulos, ausentes, perdidos de destino ou identidade. Não é fácil voltarmos a viver depois de morrermos em vida, uma sepultura mais pesada do que a terra dos ciprestes, um buraco fundo que não é compreensível para quem nele não caiu. Essa é a única que conheço. Da morte de olhos fechados, carro mortuário e cemitério, nada sei ou, pelo menos, não me lembro de que dela saiba. Mas da outra, da que é feita de vivos ausentes, sei o suficiente para preferir a vida. Enquanto cá estou.
5.
Da outra, do medo real da morte física, só dos tempos de infância em que chorava por antecipação. Não queria que a avó morresse. Porque haveria de morrer se dela precisava? Tenho essa memória: a minha avó materna na máquina de costurar e eu em contas de cabeça. Morreu há muito, o funeral foi no dia dos meus anos. Vendo bem as coisas como poderia não ser? É uma alegria quando a ela regresso, uma felicidade saber que estou acompanhado pelo tal fio invisível de coisas boas. Hoje, mais do que chorar pelos que partiram faria mais sentido fazê-lo pelos que não nasceram, pela vida que não aconteceu, pelas maternidades vazias, pelas mortes que superam os nascimentos. Não é o fim da vida que me preocupa, apenas a falta de esperança.
LO

***

31.07.2020

Alice Vieira sobre o marido

 https://www.facebook.com/watch?ref=search&v=2383696918599060&external_log_id=5c138a9d-8245-4c72-8151-c255c4d247ce&q=alice%20vieira%20-%20autora


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15ouTUbro2019
Via quem lê Sophia...MARIO CASTRIM (inédito)

Lágrimas, não. Lágrimas, não. A sério.
Enfim, não digo que. É natural.
Mas pronto. Adeus, prazer em conhecer-vos.
Filhos: sejamos práticos, sadios.
.
Nada de flores. Rigorosamente.
Nem as velas, está bem? Se as acenderem,
sou homem para me levantar e vir
soprá-las, e cantar os “parabéns”.
.
Não falem baixo: é tarde para segredos.
Conversem, mas de modo que eu também
oiça, e melhor a grande noite passe.
.
Peço pouco na hora desprendida:
fique eu em vós apenas como se
tudo não fosse mais que um sonho bom.”

*
Escrito pelo autor uma semana antes de 'partir'. Alice Vieira leu-o no momento da separação... física. Beijo, amiga Alice.
*
Mário Castrim © Arquivo Global Imagens
*
(LT e CC)

https://www.facebook.com/quem.le.sophia.de.mello.breyner.andresen/photos/a.114014221967684/2460060717363011/?type=3&theater
*
in MOEDA DO SOL (Campo das Letras, 2006)
PAI
difícil quase...
a dormir

oiço meter
a chave à porta
Empurrá-la. Fechar
docemente.
Entrar no quarto
às escuras.
Abeirar-se. Beijar-me
o sono.
A barba
pica.
Serenamente enfim a casa dorme.
*
Papel de parede: Colorful baby birds
*
(LT)
***
Via avante31out2012
http://www.avante.pt/pt/2031/argumentos/122461/
Memória
Mário Castrim – Dez anos

Passaram depressa, quase não dei por eles – Por estes dez anos. Não admira: na verdade, bem se pode dizer que durante estes anos, dia após dia, o Mário continuou comigo. Graças à televisão que era entre nós uma quotidiana preocupação comum? Sim, em certa medida, mas não muito.
Na verdade, o Mário foi para mim muito mais do que um camarada de trabalho, e bem se entenderá porquê se lembrarmos que o Mário Castrim foi muito mais que um crítico de televisão quotidianamente visitado por um toque de genialidade.
Lembro-o, é claro, sempre que a televisão me indigna, ou me desgosta, ou me inquieta, mas lembro-o em muitas mais ocasiões ao longo dos dias. Porque o Mário Castrim era um homem raro, possuído por uma generosidade sem limites, fraterno como nunca encontrei outro, sábio de uma sabedoria que se alimentava de inteligência, de cultura e de ternura. E cidadão exemplaríssimo: sabe-se, para além de qualquer dúvida, que renunciou à grande obra literária que bem poderia ter-nos deixado porque a sacrificou em favor da tarefa cívica de denunciar, dia após dia, o crime político e cultural que era uma televisão ao serviço do fascismo. Bem nos lembramos de que as suas crónicas eram implacáveis, fulminantes, mobilizadoras, E, naturalmente, encorajantes.
O francês Louis Aragon escreveu um dia que «il est contagieux l’éxemple du courage». Durante anos e anos, muitas vezes me lembrei deste verso ao ler crónicas do Mário Castrim.
Passaram depressa estes dez anos. Mas não passou o Mário Castrim. Continua em quantos tiveram a sorte de com ele privarem, de aprender com ele acerca das grandes mas também das pequenas coisas. De o lerem, sendo certo que nunca mais puderam ler textos como os que o Mário escrevia. Na planificação do Avante! para este ano de 2012 desde sempre esteve inscrito o dever de este jornal assinalar o décimo aniversário da morte do Mário, nosso companheiro e nosso mestre. Porque ele não deixou de estar connosco, dia após dia. E aqui vai continuar.
Biografia breve
 
 
Mário Castrim, professor, escritor, jornalista e crítico televisivo, nasceu em Ílhavo, a 31 de Julho de 1920, e faleceu em Lisboa a 15 de Outubro de 2002.
Trabalhou no jornal Diário de Lisboa, até ao encerramento do título, após o que passou a colaborar com o semanário Tal & Qual. Colaborava ainda regularmente com o Avante!, tendo enriquecido o jornal com os seus poemas praticamente até ao fim da vida.
Mário Castrim, pseudónimo de Manuel Nunes da Fonseca, foi o primeiro crítico de televisão em Portugal.
Destacada figura da vida cívica e cultural do País, e militante comunista com muitas décadas de corajosa e coerente intervenção, Mário Castrim deu um valioso contributo, enquanto crítico de televisão, escritor e intelectual, para a formação democrática e humanista de muitas gerações. Por isso mesmo permanece como «referência histórica do género e exemplo a considerar por sucessivas gerações de críticos, mas também ficará na nossa memória como homem culto e lúcido, cidadão comprometido com o seu tempo e fiel às suas convicções», como na altura do seu desaparecimento sublinhou o Sindicato dos Jornalistas.
Escreveu ainda livros infantis e juvenis: «Histórias com Juízo», «Estas são as Letras», «As Mil e Uma Noites», «A Moeda do Sol», a série «As aventuras da girafa Gira Gira», «O Cavalo do Lenço Amarelo é Perigoso», «A Caminho de Fátima», «O Caso da Rua Jau» e «Váril, o Herói»; peças de teatro: «Com os Fantasmas não se Brinca» e «Contar e Cardar». É também autor das obras «Televisão e Censura», «Histórias da Televisão Portuguesa» e de dois livros de poesia: «Nome de Flor» e «Viagens».
Está representado em diversas antologias, nomeadamente, «Um Homem na Cidade», de 1968, que reuniu crónicas de dez jornalistas do Diário de Lisboa.

Ser comunista, hoje
Esperança:
é a maneira
como o futuro fala
ao nosso ouvido.
Depois
há que saber
organizá-lo.

Então
Os comunistas entram em acção.
  
 Versos muito pessoais
III

És livre?
Isto é:
quem amas?

IV

Realizo-me no acto de pagar
as quotas do Partido.
Não tem nada de heróico.
Nada mais natural
como beijar o filho
na hora de deitar.

V

Leio
o AVANTE!
devagar
e com toda a atenção
como se o escrevesse.

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Lágrimas, não. Lágrimas, não. A sério -
Enfim, não digo que. É natural.
Mas pronto. Adeus, prazer em conhecer-vos -
Filhos, sejamos práticos, sadios.

Nada de flores. Rigorosamente.
Nem as velas, está bem? Se as acenderem
Sou homem para me levantar e vir
soprá-las, e cantar os «parabéns».

Não falem baixo: é tarde para segredos.
Conversem, mas de modo que eu também
oiça, e melhor a grande noite passe.

Peço pouco na hora desprendida:
Fique eu em vós apenas como se
Tudo não fosse mais que um sonho bom. 

               (Último poema de Mário Castrim, escrito uma semana antes  do seu falecimento e após cerca de dez semanas de internamento.)
***
Via José Eduardo Oliveira

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10202032852857475&set=a.1029365188983.3914.1670949754&type=1&theater
Efeméride // 15.Out.2002 - Morre o escritor e jornalista português Mário Castrim, 82 anos, autor do Canal da Crítica no Diário de Lisboa e, depois, no semanário Tal e Qual.
*
Mário Castrim, pseudónimo de Manuel Nunes da Fonseca, que nasceu em Ílhavo, a 31 de Julho de 1920, tendo falecido em Lisboa, a 15 de Outubro de 2002, foi jornalista, escritor, professor e crítico de televisão.
*
 É de salientar a sua faceta humorística que fez as delícias de muitos leitores com as sua críticas televisivas, publicadas no Diário de Lisboa, corrosivas, sarcásticas mas de um humor bem saudável mas muito cáustico.
*
 No retrato velho hoje cinzento
estava toda a família reunida.
– Este aqui és tu.

Este tu era eu – três anos, caracóis, calções
colete, botas.
Este sou eu.
É preciso guardar as provas. Os documentos.
Se um dia me fecharem as cancelas e
não me deixarem passar, aponto logo:
– Este sou eu.
– Passe – dirá o guarda que deve haver
na eternidade – e boa viagem, sim?
– Claro – dirá o menino
que entretanto busca em mim
as sete diferenças
como costuma fazer no desenho
do suplemento do jornal
*** (Poema inédito de Mário Castrim).

***
Via página no face
https://www.facebook.com/pages/M%C3%A1rio-Castrim/167547153291591?fref=ts# fiquei a saber que a viúva dele é a grande escritora ALICE VIEIRA!!!
e as obras dele:

  • Nasceu para Lutar
  • Histórias Com Juízo
  • Estas São as Letras
  • As Mil Noites
  • A Moeda do Sol
  • O Cavalo do Lenço Amarelo é Perigoso
  • A Caminho de Fátima
  • O Caso da Rua Jau
  • Váril, o herói
  • A Girafa Gira-Gira (9 vols.)
  • O Lugar do Televisor (3 vols., com as crónicas que publicou na revista Audácia)
***
Via
http://bibliotecariodebabel.com/geral/poemas-ineditos-de-mario-castrim/


Poemas inéditos de Mário Castrim

No dia em que passam dez anos sobre a morte de Mário Castrim, Alice Vieira partilhou, no seu mural do Facebook, três poemas inéditos do jornalista e crítico televisivo do Diário de Lisboa. Transcrevo aqui os dois primeiros:
No retrato velho hoje cinzento
estava toda a família reunida.
– Este aqui és tu.
Este tu era eu – três anos, caracóis, calções
colete, botas.
Este sou eu.
É preciso guardar as provas. Os documentos.
Se um dia me fecharem as cancelas e
não me deixarem passar, aponto logo:
– Este sou eu.
– Passe – dirá o guarda que deve haver
na eternidade – e boa viagem, sim?
– Claro – dirá o menino
que entretanto busca em mim
as sete diferenças
como costuma fazer no desenho
do suplemento do jornal
***
Deste ponto do hotel vê-se qualquer coisa
que logo desde o início se entendeu
não poder ser outra coisa além do Cabo da Roca.
Daqui donde estou se vê que o Cabo é
perfeitamenhte ocidental o mais
ocidental possível.
Mais do que ele, só os nossos olhos.
Eles, para quem a terra não acaba nunca.
Eles, que tocam o ponto exacto onde
um sol de fogo prova que ela é redonda.
A única diferença é o farol. Mas se fores tu
de noite a olhar o mar, os barcos
podem ir à confiança.

Obrigado, Alice.