23/11/2014

9.105.(23nov2014.8.55') Eugénio Rosa explica mbem como os governos e os supervisores cedem aos banqueiros

estudo completo aqui:
http://nblo.gs/11y9jL
***
O caso BES/GES e a submissão do governo e dos supervisores aos banqueiros

Eugénio Rosa – Economista – 
este e outros estudos disponíveis em 
www.eugeniorosa.com 
A IMPORTÂNCIA DA BANCA PARA A ECONOMIA E A SUBSERVIÊNCIA DO PODER
POLITICO E DOS SUPERVISORES AOS BANQUEIROS
Apesar de muitas perguntas feitas pelos deputados da Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) pouco ou nada contribuírem para o esclarecimento do caso BES/GES,
pois são sobre matérias secundárias, mesmo assim já ficaram claras situações que
revelam mais uma vez que tanto as autoridades de supervisão como o próprio governo
estão reféns dos banqueiros, ou seja, que o poder politico e a regulação estão
subjugados ao poder económico. Mas antes de analisar essas situações, interessa
recordar a importância que tem a banca para a economia e para o próprio país, o que é
muitas vezes esquecido, assim como o peso do BES no setor bancário que é necessário
ter presente para se compreender devidamente a dimensão e consequências deste caso
A IMPORTÂNCIA DA BANCA E O PESO DO BES NO SETOR BANCÁRIO
O quadro 1, com dados do Banco de Portugal, mostra, melhor do que a propaganda
oficial, não só a importância da banca mas também a situação da economia portuguesa
Quadro 1- Recursos captados aos clientes (principalmente depósitos) e crédito concedido
(ver no original - clicar no link - em cima)
FONTE: Boletim Estatístico - Novembro de 2014- Banco Portugal
A banca é vital na vida do país. E isto porque é na banca que a maioria dos portugueses
deposita as suas poupanças e, depois, a banca, utilizando os recursos assim captados,
concede crédito à economia, às famílias e ao Estado para poderem funcionar. Portanto o
dinheiro emprestado pela banca é, na sua maioria, dinheiro depositado pelos
portugueses nessa mesma banca. Este é um aspeto essencial que não deve ser
esquecido na análise do caso BES/GES e de outros (BNP, BPP). É o dinheiro dos
portugueses que está em jogo, e não dos banqueiros. Os banqueiros utilizam recursos
que são, na sua esmagadora maioria, dos portugueses, e não propriedade sua.
Entre Dez-2010 e Junho de 2014, os recursos captados aos clientes por toda a banca em
Portugal aumentaram em 18.482 milhões € (+8%) pois passaram de 232.90 milhões €
para 250.572 milhões €, enquanto o crédito liquido concedido pela banca diminuiu, no
mesmo período, em 53.926 milhões € (-16,9%), pois passou de 318.936 milhões € para
apenas 265.010 milhões € o que contribuiu para agravar a situação económica. E o mais
grave é que o crédito tem continuado a diminuir este ano pois, entre Dez2013 e
Jun.2014, reduziu-se em mais 7.006 milhões €, o que revela que a recuperação da
economia, de que fala o governo e os seus defensores nos media, não tem
correspondência na realidade, já que a economia não funciona sem credito. O que tem
aumentado são as ”Imparidades”, ou seja, as perdas prováveis pela concessão de mau
crédito resultantes não só da crise, mas também da má gestão que impera em toda a
banca. Entre 2010 e Jun2014, as “imparidades, aumentaram 79,2%, tendo crescido
11,9% só nos primeiros seis meses de 2014 o que confirma também que a situação
económica e social do país continua a agravar-se em 2014 o que desmente as
afirmações otimistas o governo. Eis os resultados também a “boa gestão dos banqueiros”
No setor bancário, os cinco maiores bancos – CGD, BCP, BES (agora Novo Banco), BPI
e Santander-Totta - ocupam uma posição dominante, estendendo a sua posição de
domínio a todo o setor financeiro que, para além da banca, inclui as seguradoras, as
sociedades gestoras de fundos de pensões, as sociedades gestoras de fundos
imobiliários, as sociedades gestoras de fundos mobiliários e as sociedades gestoras de
património. Neste estudo vamos apenas analisar a posição destes cinco grupos
financeiros no setor bancário. O quadro 2 permite fazer essa análise.
Quadro 2- A posição de domínio dos cinco principais grupos bancários- Dados de 2013
(ver no original - clicar no link - em cima)
FONTE: Relatorios e Contas dos bancos-2013 e Bol. Estatistico do Banco de Portugal
Portanto, os cinco maiores bancos controlam 78,9% de todos os recursos captados aos
clientes, e 76,1% de todo o crédito concedido no país. É um poder enorme que resulta do
enorme poder que têm em controlar meios financeiros gigantescos. E fazem tudo isto
com dinheiro alheio, com o dinheiro que os portugueses depositam na banca. É
precisamente este enorme poder, obtido da forma referida, que lhes permite dominar o
poder político e os próprios reguladores. O poder político e as entidades supervisoras
acabam, no fundo, por ficar reféns do poder financeiro. E a maior parte deste poder está
em mãos privadas. Mesmo a CGD, apesar de ser um banco público, tem sido submetido
a uma gestão tipicamente privada e contrária aos interesses do desenvolvimento do país.
A prova-lo está, no passado, o credito elevado concedido a Manuel Fino e a Joe Berardo
para adquirirem uma posição importante, respetivamente, na CIMPOR e no BCP assim
como a gestão do BPN e, recentemente, o volumoso credito concedido a empresas do
GES que acarretaram elevadíssimos prejuízos para a CGD e para os contribuintes que
depois têm de a recapitalizar. E no setor bancário, o BES ocupava uma posição
determinante – o 3º lugar – com uma quota de mercado superior a 14%.
O CASO BES/GES ESTÁ A MOSTRAR NOVAMENTE QUE O GOVERNO E OS
 SUPERVISÕES ESTÃO REFÉNS DOS BANQUEIROS
Para quem tenha acompanhado o trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
ao caso BES/GES, certamente terá referenciado, pelo menos, cinco situações que
revelam, com clareza, que tanto o governo como os reguladores continuam reféns dos
banqueiros. E essas situações são as seguintes: (1) A garantia pessoal de 3.500 milhões
€ dada pelo Estado português ao BES que transitou para o “Novo Banco”; (2) O crédito
de 3.500 milhões € concedidos pelo BES ao BESA (Angola) que ultrapassou os limites
prudenciais fixados pelo próprio regulador; (3) A ausência atempada de informação à
CMVM por parte do Banco de Portugal o que permitiu aos “investidores institucionais”
(grandes bancos e fundos) vender atempadamente as ações e outros títulos que
possuíam do BES/GES aos investidores iludidos pelas afirmações tranquilizadoras das
autoridades (em particular pequenos investidores, fortemente lesados); (4) A recusa da
ministra das Finanças em aceitar uma proposta de alteração legislativa do Banco de
Portugal que permitia afastar administradores da banca por falta de idoneidade com o
pretexto que ela podia ser inconstitucional (o que é um estranho num governo que se tem
caraterizado por aprovar leis inconstitucionais e em afrontar o Tribunal Constitucional); (5)
A sobrevalorização da seguradora Tranquilidade dada como garantia de 700 milhões €
ao BES com o acordo do Banco de Portugal. Comecemos então pela primeira.
1- Garantia pessoal do Estado Português no montante de 3.500 milhões €
concedida ao BES que foi transferida para o “Novo Banco”
Na pág. 59 do Prospeto da emissão de ações no valor de 1.100 milhões € do BES
realizada em Maio-Junho de 2014 pode-se ler o seguinte: “O BES têm atualmente três
emissões de obrigações não subordinadas que se vencem em Dezembro de 2014 e
Fevereiro de 2015, emitidas com garantia pessoal do Estado Português 0no montante
global de 3.500 milhões €”. Por outro lado, na pág. 67 do Relatório do OE-2015 , no
quadro “stock da divida garantida pelo Estado às instituições de credito” estão inscritos
precisamente 3.500 milhões € de garantia do Estado ao “Novo Banco”. Confrontado com
perguntas sobre esta questão – Qual foi o valor das obrigações colocadas pelo BES?
Que valor desta divida transitou para o “Novo Banco”? Que garantia do Estado existe em
relação a estas obrigações? Que acontecerá no caso desta garantia ser acionado se o
“Novo Banco” não pagar as obrigações emitidas aquando do seu vencimento? – Carlos
Costa fugiu à questão, respondendo que a garantia tinha sido dada para que o BES
pudesse financiar a economia, mas não deu aos deputados qualquer esclarecimento
sobre o que aconteceria se tal garantia fosse acionada, e o deputado que fez a pergunta
não insistiu. E assim os contribuintes correm o risco de ter de pagar mais esta divida do
BES – 3.500 milhões € - a somar ao empréstimo concedido pelo Estado ao Fundo de
Resolução no montante de 3.900 milhões €. É mais um exemplo concreto do Estado ao
serviço dos grupos financeiros.
2-O crédito concedido pelo BES ao BESA (Angola) para além dos limites prudenciais que se
transformou num enorme prejuízo a suportar também pelos pequenos acionistas
No setor bancário existem regras prudenciais impostas pelo próprio regulador – o Banco
de Portugal – para mitigar (reduzir) o risco que resulta da concentração de crédito e do
relacionamento entre contrapartes. E uma dessas regras importantes é que um banco
não deve conceder crédito a uma empresa do grupo que ultrapasse 25% dos seus fundos
próprios. Apesar dessa regra imposta pelo próprio Banco de Portugal, o BES concedeu
crédito ao BESA (Angola) no montante de 3.500 milhões € que ultrapassou certamente o
limite de 25% dos seus Fundos Próprios perante a passividade do Banco de Portugal.
Confrontado com uma pergunta feita por um deputado sobre esta matéria, o governador
do Banco de Portugal deu mais uma vez uma resposta que mostra bem a subserviência
do supervisor aos banqueiros. E a resposta foi a seguinte: Como o BESA era uma
empresa subsidiária do BES, e era consolidado no BES, e como esse crédito era um bom
credito esse limite não se aplicava. O certo é que esse crédito não era um bom crédito
como a realidade veio a provar, causando elevados prejuízos aos seus acionistas,
incluindo pequenos acionistas, e a outros credores contribuindo também para a ruína do
BES. Mais um exemplo das consequências do supervisor se encontrar refém do capital
financeiro.
3-A falta de informação à CMVM por parte do Banco de Portugal causou elevados
prejuízos nomeadamente aos pequenos acionistas
Carlos Tavares, presidente da CMVM afirmou na comissão de inquérito que não tinha
sido avisado atempadamente quer pelo governo quer pelo Banco de Portugal da
preparação da “Medida de Resolução” pois se o tivesse, teria impedido, nesse período, a
transação em bolsa de títulos do BES. A manutenção da CMVM à margem de todo o
processo foi altamente vantajosa para os chamados “investidores institucionais” que,
informados ou suspeitando da medida que o Banco de Portugal estava a preparar,
venderam maciçamente em bolsa os títulos que possuíam do BES, reduzindo assim os
prejuízos que iriam ter. Quem comprou é que perdeu tudo, que certamente foram
pequenos acionistas que normalmente não têm acesso a informação importante e que
são mais facilmente enganados. Confrontado com uma pergunta na comissão de
inquérito sobre esta matéria – Que investidores institucionais estavam a ser investigados
por suspeita de terem tido acesso a informação privilegiada? – Carlos Tavares, alegando
segredo de justiça, não respondeu. No entanto, era importante que os deputados da CIP
procurassem saber quais foram os “investidores institucionais” que venderam
maciçamente títulos do BES e que investidores compraram nesse período, pois ficaria
assim claro quem foi beneficiado pelo facto de nem o governo nem o Banco de Portugal
terem avisado atempadamente a CMVM da medida de Resolução em preparação.
4- A recusa da ministra das Finanças em defender uma proposta de alteração legislativa
que permitia ao Banco de Portugal afastar administradores por falta de idoneidade
O governador do Banco de Portugal queixou-se aos deputados da comissão de inquérito
que não tinha afastado mais cedo Salgado Espirito Santo pelo facto do governo não ter
aceite uma proposta de alteração legislativa que permitia ao supervisor, em caso de ter
indícios seguros de falta de idoneidade de um administrador, afastá-lo. Numa “Nota
técnica” distribuída aos deputados, o governador do Banco de Portugal diz qual era a
alteração que foi recusada pelo ministra das Finanças – ser possível afastar um
administrador “entre outras circunstâncias atendíveis, cuja relevância o Banco de
Portugal apreciará à luz das finalidades preventivas do artº 30º do RGICSF e dos critérios
enunciados no número anterior, considera-se indicador da falta de idoneidade” – já que,
com base na lei atualmente em vigor, os tribunais estavam a considerar que só depois de
duas condenações judiciais que revelavam “a gravidade e reiteração das infrações” é que
um administrador de um banco podia ser afastado por falta de idoneidade. E o Banco de
Portugal, refém mais uma vez dos banqueiros, não quis avançar em demitir Salgado
Espirito Santo por falta de idoneidade, pois temia ser desautorizado pelos tribunais.
Confrontada a ministra com esta acusação do governador do Banco de Portugal, a
resposta não deixou de ser surpreendente e surrealista: “Esse passo ia para além do
razoável, era ir longe de mais, era discricionário, tinha relutância em aceitar esse poder”,
o que não deixa de ser surpreendente por parte de um membro de um governo que
tentou por mais de uma vez violar a própria Constituição da República, e que
reiteradamente não respeitou os direitos adquiridos pelos pensionistas assim as
expetativas legitimas dos portugueses. Em tudo isto fica também claro a subserviência do
poder político e dos reguladores aos banqueiros, uns por medo que os tribunais os
desautorizaram, outros com o receio de desagradar os grupos financeiros.

5- Um empresa avaliada por 700 milhões € para resolver um problema do grupo
BES/GES quando valia apenas 250 milhões €, e aceite pelo Banco de Portugal
Outra situação insólita que se verificou na reunião da Comissão de Inquérito Parlamentar,
que mostra também de uma forma clara que o supervisor está refém dos banqueiros, foi
quando o presidente do Instituto de Seguros de Portugal afirmou que nunca tinha
percebido por que razão a seguradora Tranquilidade tivesse sido avaliada pela consultora
PwC em 730 milhões €, valor este que foi aceite pelo Banco de Portugal, quando valia
apenas entre 200 milhões e 250 milhões €. E aquele valor de 730 milhões € refere-se,
como consta também da “Nota técnica” do Banco de Portugal (pág. 4), “à concessão de
um mecanismo de garantia ao BES 0 através do qual, em caso de incumprimento da
ESI, a ESFG se substituiria à ESI no reembolso do papel comercial”. A ESI precisava de
apresentar uma garantia de 700 milhões €, e por essa razão a seguradora Tranquilidade
foi avaliada por 730 milhões € e aceite pelo supervisor. Desta forma, a própria entidade
de supervisão, aceitou uma garantia fictícia já que o seu valor representava cerca de um
terço da divida. É clara mais uma vez a subserviência do regulador em relação aos
banqueiros, o que mostra também o tipo e a qualidade de supervisão bancária existente
em Portugal, o que não pode tranquilizar nem os depositantes que confiam as suas
poupanças aos bancos nem outros credores da banca.
Tudo isto também prova de uma forma clara, que manter a banca sob gestão privada,
tendo em conta o seu enorme poder, é fazer o país e os portugueses correr um risco
muito elevado que pode ter consequências dramáticas e irreparáveis.