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1 – a Festa dos Pinhões
Festa dos pinhões é o nome tradicional para a festa do Santo Amaro que rodeia o seu dia, 15 de Janeiro, e que tem como centro a sua vetusta capela, antes uma ermida, localizada num ermo, fora da povoação, e hoje inserida no meio de uma terra que não parou de crescer.
Os pinhões, em fios ou colares, acompanham as festas e romarias do santo em outros templos, como a festa de Santo Amaro na ermida que lhe é consagrada em Alcântara, ou as festas da capela de Santo Amaro em Ourém, situada esta na encosta do castelo local.
Os pinhões, em fios ou colares, acompanham as festas e romarias do santo em outros templos, como a festa de Santo Amaro na ermida que lhe é consagrada em Alcântara, ou as festas da capela de Santo Amaro em Ourém, situada esta na encosta do castelo local.
Para esta associação entre os pinhões e o Santo Amaro, podemos aventar duas hipóteses, uma mais modesta e prosaica, e outra um pouco mais aventurosa e rebuscada. O leitor escolherá a que lhe parecer mais adequada.
Primeiro, a primeira, que se prende com a forma como o pinhão é apanhado e preparado. Sendo, na Europa, obtido a partir das pinhas do pinheiro manso ou pinheira (Pinus pinea); a colheita da pinha distribui-se de Dezembro a Março do ano seguinte, e a partir desta são retiradas as suas sementes, os pinhões, cujo (delicado) processo de secagem ou cozedura em forno de lenha as prepara para serem comidas ou utilizadas na cozinha ao longo de todo o ano. Se hoje em dia, a produção do pinhão tem a exportação como principal destino, tradicionalmente, o pinhão era consumido e utilizado, principalmente, na quadra natalícia, e se aqui não se escoasse o grosso da produção desse ano (quando uma nova produção já se encontrava em marcha), havia uma segunda oportunidade festiva para tal, que era constituída pelas primeiras grandes romarias do ano, o Santo Amaro e o Santo Antão, onde o pinhão era (e é) uma iguaria pontual e apetecida.
A segunda hipótese assenta numa provável raiz pagã para essa associação entre os pinhões e o Santo Amaro. Na Antiguidade, a pinha e o pinheiro manso integravam um conjunto de símbolos empregues nos ritos de fertilidade, da pinha que Dioniso/Baco usava como ceptro, ao pinheiro manso em que se metamorfoseara Átis, o amante de Cíbele, e em honra do qual se conduzia ao templo do Palatino em Roma, um tronco de pinheiro cortado e ungido pelos sacerdotes (CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain, Dicionário dos Símbolos, Editorial Teorema Lda., Lisboa, 1982).
Na nossa realidade próxima, sabemos que o Santo Amaro era venerado pelo povo como santo casamenteiro (Chaves, Luís, O Amor Português – Estudo Ethnographico, Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira, Lisboa, 1922), e há registo de tradições de cortejamento e namoro ligadas às festas de Santo Amaro.
Nas festas do santo em Mascotelos, Guimarães, por exemplo, desenrolava-se o jogo dos brilhantes, em que as jovens arremessavam à cabeça dos romeiros solteiros, bilhetes amorosos para tentarem iniciar um namoro, como conta Alberto Vieira Braga (Curiosidades de Guimarães, XX, Revista de Guimarães, nº 71, ano de 1961 - fonte disponiblizada em formato PDF no portal Casa de Sarmento) que acrescenta: «Ir à romaria de Santo Amaro, é ir ao encontro dos namorados, dos brilhantes, do movimento, da algazarra, dos bons farnéis e, por vezes, da larga pancadaria entre os rivais do derriço».
Este jogo amoroso na romaria ao Santo Amaro, poderia ter como legenda a quadra registada por Luís Chaves na obra citada:
Este jogo amoroso na romaria ao Santo Amaro, poderia ter como legenda a quadra registada por Luís Chaves na obra citada:
Santo Amaro, meu santo Amaro,
tu és o meu santo querido.
venho hoje aqui pedir-te
que me dês um bom marido.
Os colares de pinhões poderão ter começado por ser uma oferenda à pessoa almejada no ritual de namoro, o que fazia todo o sentido na festa de um santo padroeiro dos casamentos. Na Web, encontrei um testemunho, não relativo à uma festa de Santo Amaro, mas à Feira dos Pinhões que se realiza todos os anos em Ansião no mês de Janeiro (cujas origens remontam ao século XVII, e num lugar vizinho a Ansião, Constantina), e na qual se encontra escrito, por autor não identificado, o seguinte: «A venda de colares de pinhões é uma das características mais típicas desta feira, na qual costumam participar cerca de meia centena de feirantes. Os colares sui generis eram comprados pelos rapazes para presentearem a amada. Era uma espécie de sinal para o início do namoro. Aceitar ou não a prenda era o veredito» (Fonte eletrónica: Ansião – feira dos pinhões realiza-se sábado, artigo escrito a 24 de Janeiro de 2008, disponível em http://ansiaonews.blogs.sapo.pt/48149.html, lido em 13 de Janeiro de 2015).
2 - Hagiografia e invocações
São Mauro, que conhecemos como Santo Amaro, terá nascido no ano de 510, filho de um nobre senador romano, Eustíquio, e de sua esposa Júlia. Com apenas doze anos, os pais entregam-no a São Bento de Núrcia para que o educasse na vida monacal. Mauro torna-se um monge zeloso e austero, que cativa a admiração do seu mestre.
No Flos Sanctorum (edição de 1681, na cidade de Lisboa, por António Craesbeeck de Melo, Impressor da Casa Real), composto por frei Diogo do Rosário, narra-se que: «São Bento o amava mais que os outros, e instruído de tal maneira no serviço de Deus, que não havia nenhum tão perfeito na guarda da religião, e muitas vezes vimos que não trazia na Quaresma, túnica, nem cogula, mas só um cilício de burel. Comia somente duas vezes na semana, e tão pouca quantidade que mais parecia gostar do que comer o manjar. Dormia em uma cama de cal e de areia pisada, em cima de uma manta muito áspera; e nunca o viram levantar com os outros monges da cama, porque sempre se levantava a matinas primeiro que todos. Muitas vezes tinha ele rezado cinquenta salmos primeiro que os outros se levantassem, e às vezes todo o Psaltério». Discípulo predileto de São Bento e seu coadjutor, este envia-o para França para fundar a primeira abadia beneditina em solo francês, a abadia de Glanfeuil, na margem do rio Loire, a cujos destinos preside durante quarenta anos, antes de perecer no ano de 584, num dia 15 de Janeiro, segundo a lenda sacra. A São Mauro, como abade e pastor de homens, se deve os atributos iconográficos das suas imagens: o báculo e a mitra abacial. Outras vezes, representam-no com hábito e capuz, recordando a sua humildade, e segurando um livro, que representa a Regra de São Bento.
2.1. Protetor dos ossos
Na obra de frei Diogo do Rosário, a vida de Santo Amaro - segundo a escreve S. Gregório Papa no II livro dos Diálogos, e S. Antonino, na II Parte - está repleta de milagres, da expulsão de demónios à ressuscitação de um morto, mas é a cura milagrosa de ossos ou membros partidos (como o pé partido do criado Sérgio, que o monge cura quando cruzam os Alpes) que os devotos, sobretudo, lhe pedem.
O pároco de Alfeizerão em 1758, Miguel Romão, descreve assim a festa de Santo Amaro:
Em o dia do Santo quinze de Janeiro he vezitada de muita gente das terras vezinhas e tambem das remotas, que publicos milagres, e prodigios que Deuz lhe tem feito por interceSsaõ do Santo, com agradecimento lhe trazem braçoz, maõez, pes, dedos de cera que penduraõ nas paredes da caza do Santo, e supposto muitos milagres moralmente sejaõ certoz, naõ me consta seja algum autentico.
Esta tradição das festas de Santo Amaro, que se perdeu em Alfeizerão, sobrevive nos nossos dias em outras romarias dedicadas ao mesmo santo, como na festa de Santo Amaro na freguesia de Vimeiro, Braga, onde se compra ou se aluga membros em cera que se oferecem ao santo dos ossos em cumprimento de promessas; e o mesmo sucede ainda na romaria de Santo Amaro na capela que lhe é consagrada em Assafarge, concelho de Coimbra.
2.2. Protetor dos pescadores e mareantes
Continuamos com frei Diogo do Rosário:
São Gregório conta que um dia, estando São Bento na sua cela, e indo um santo fradinho chamado Plácido, buscar em um cântaro água a uma lagoa, metendo o vaso na água, por descuido caiu dentro, e a mesma água o foi levando até à distância de um tiro de besta. O varão de Deus, São Bento, dentro da sua cela soube isto e chamou a Amaro e lhe disse: irmão Amaro, corre, que o moço que foi buscar água caiu na lagoa e vai por ela abaixo. Coisa maravilhosa e depois de S. Pedro não usada! Pediu Santo Amaro a bênção a São Bento, e foi depressa cumprir o seu mandado, e correu sobre a água até o lugar onde o fradinho estava, cuidando que ia pela terra, e o trouxe para fora pelos cabelos, e tornando sobre si, e olhando para trás, caiu na conta, e advertiu que correra sobre a água.
É este episódio da vida do santo, que levou a que o olhassem como santo protetor dos pescadores e homens do mar - pedem-lhe que proteja os que ousam navegar sobre o ventre dos mares, salvando-os de serem engolidos por ele, e trazendo-os sãos e salvos a terra firme, como ao fradinho Plácido,
Em Alfeizerão, todos sabem da antiga devoção dos nazarenos pelo Santo Amaro, a quem, num jogo de palavras, apodam de santo do mar. É mesmo quase impossível imaginar essa romaria sem a leal presença dos nazarenos, tão bem evocados no artigo da Graciete Simões que se recuperou para este blogue, e do qual retirei este trecho:
Da Nazaré vinham grupos de pessoas a pé em peregrinação e depois já mais tarde em camionetas de excursão. Era um gosto ver os nazarenos trajados a rigor – as mulheres com as sete saias, as blusas com grandes rendas nas mangas, os cachenés na cabeça, os aventais bordados e as chinelas de verniz. Eles com as camisas de escocês e calças de surrobeco, calçando tamancos de pele e sola de madeira. Usavam barrete de lã na cabeça ou, e por vezes traziam o gabão, de burel castanho, de mangas largas e capuz em bico, cujo comprimento ia até aos tornozelos
(artigo na Gazeta das Caldas de 26 de Janeiro de 2013).
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Quadro do pintor florentino Fra Filippo Lippi (1406-1469): São Bento, na sua cela, pede a Mauro (Amaro) que salve Plácido. À direita, estão retratados estes dois frades na margem do lago |

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