16/02/2015

9.601.(16fev2015.8.33') Philip Levine

Nasceu 10jan1928
e morreu a 14fev2015
***
Via Público
https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/dois-poemas-de-philip-levine-1686353
Pequeno Villon

Diz-me ele que em Banguecoque o roubam
Por ser branco; em Londres porque é preto;
Em Barcelona, judeu; em Paris, árabe:
Em todo o lado & a qualquer hora, & ele defende-se.

Ergue sete dedos grossos e pequenos
Para me mostrar que vem em sétimo lugar a nível mundial,
E não há qualquer paixão na sua voz, nem raiva
No liso dos olhos castanhos raiados de sangue.

Pede-me que lhe conte tudo o que me lembrar
Do meu pai, seu tio; fala da guerra
No Norte de África e do que veio depois,
A perda do pai, a perda do irmão,

As montras da padaria partidas, e o pão fresco
Polvilhado de vidro, o cheiro quente a centeio,
Tão forte que ele comia até ficar com a boca cheia de sangue.
Eles vivem aqui, vivem aqui e não morrem,

E aponta a cabeça negra sulcada
De anéis de cabelo preto. Toca-me o cabelo,
Diz-me para nunca desprezar
As duras cerdas que protegem a cabeça do lutador.

De dedos tristes, percorre-me a cara,
Como sou claro, diz-me, e macio.
Ficámos de pé até ao fim desta primeira e última visita.
Duro, 50 quilos, um metro e meio,

Não era maior que uma rapariga, agarra-me pelos ombros,
Beija-me na boca, os olhos ainda abertos,
Meu irmão imaginário, meu primo,
Eu próprio de outra forma, por toda a sua dor.

 Not This Pig, Wesleyan University Press, 1968
(Tradução de Hugo Pinto Santos)

*
A Verdade Pura e Simples

Comprei dólar e meio de batatas vermelhas, pequenas,
cozinhei-as em casa, cozidas, com a casca,
e comi-as ao jantar com um pouco de manteiga e sal.
Depois caminhei pelos campos ressequidos
nos arredores da cidade. A luz de meados de Junho
suspendia-se por cima dos escuros sulcos que tinha aos pés,
e sobre os carvalhos do monte os pássaros
reuniam-se para a noite, os gaios e tordos
trinavam de um lado para o outro, os tentilhões ainda cortando
a luz poeirenta. A mulher que me vendeu as batatas
era polaca; parecia saída
da minha infância, com uma camisola de lantejoulas cor-de-rosa e de óculos de sol,
a gabar a perfeição de toda a sua fruta e verduras
junto à berma da estrada e a insistir para eu provar
mesmo o milho cru, pálido e doce que carregava para todo o lado,
jurava ela, de Nova Jérsia. "Coma, coma", dizia,
"Mesmo que não coma, eu digo que comeu."
Há coisas que sabe
toda a vida. São tão simples e verdadeiras
que têm de se dizer sem qualquer elegância, sem métrica nem rima,
têm de se pôr na mesa junto ao saleiro,
o copo de água, a ausência de luz que se reúne
à sombra das molduras, têm de estar
nuas e sós, têm de estar por si sós.
Eu e o meu amigo Henri chegámos a isto os dois em 1965,
antes de eu me ir embora, antes de ele se começar a matar,
e ambos começarmos a trair o nosso amor. Consegues perceber
a que sabe o que eu digo? A cebolas e batatas, uma simples
pitada de sal, manteiga copiosa a derreter, é claro,
fica lá no fundo da garganta como uma verdade
que nunca se pronunciou porque nunca era altura certa,
lá fica o resto da tua vida, por dizer,
feito desse lodo a que chamamos terra, o metal que chamamos sal,
numa forma para a qual não temos palavras, e vive-se disso.

The Simple Truth, Knopf, 1994
(Tradução de Hugo Pinto Santos)
***
16fev2015
Morreu Philip Levine, poeta norte-americano que deu voz à classe trabalhadora
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=760230

O poeta norte-americano Philip Levine, autor premiado cujos poemas se centravam na vida da classe trabalhadora, morreu na sua residência em Fresno, na Califórnia, aos 87 anos, noticiou hoje o New York Times.


Segundo a sua mulher, Frances Levine, o poeta, com quem era casada há 60 anos, morreu no sábado, depois de lhe ter sido diagnosticado cancro do pâncreas e do fígado há menos de um mês.
Levine, cujas distinções incluíam um Pulitzer Prize ("The Simple Truth", 1995) e dois National Book Awards ("Ashes: Poems New and Old", 1980, e "What Work Is", 1991), foi professor na Universidade Estatal da Califórnia, em Fresno, durante mais de três décadas, e ocupou entre outubro de 2011 e maio de 2012 as funções de Poeta Laureado Consultor de Poesia, para as quais foi nomeado pela Biblioteca do Congresso norte-americano, aos 83 anos.
Nascido a 10 de janeiro de 1928 em Detroit, numa família de imigrantes judeus russos, Philip Levine cresceu durante a Grande Depressão e começou a trabalhar em fábricas aos 14 anos.
Escrevia poesia nas horas vagas, determinado "a encontrar uma voz para os que não tinham voz", como declarou numa entrevista à Detroit Magazine.
"Apercebi-me de que as pessoas com quem trabalhava não tinham voz, num certo sentido. Em termos da literatura dos Estados Unidos, não estavam a ser ouvidas, ninguém falava para elas, e como qualquer jovem eu fiz este juramento tonto de que falaria por elas e que seria essa a minha vida", relatou.
Ao contrário do poeta da classe trabalhadora Charles Bukowski, a poesia de Levine mostrou-se "menos interessada nos derrotados e explorados e mais interessada em como quem está em baixo chega a cima, como a classe média baixa subiu a pulso para a classe média".
A sua poesia é também conhecida pela sua acessibilidade, sendo considerado "uma das mais sonantes vozes de testemunho e convicção sociais, que fala com uma poderosa clareza".
Encorajado pelos professores do ensino secundário, decidiu ir para a universidade e entrou na Wayne State University.
"Aí, na universidade, encontrei a poesia moderna. E adorei-a. Adorei-a", disse em entrevista à Paris Review.
Foi depois para a Universidade do Iowa, onde ganhou uma bolsa do Iowa Writers' Workshop, e continuou a viajar para oeste.
Philip Levine começou a lecionar no departamento de Inglês na Universidade Estatal da Califórnia em 1958 e jubilou-se em 1992. Também deu aulas em outras universidades, incluindo em UC Berkeley.
Além do Pulitzer e dos dois National Book Awards, recebeu o Prémio de Poesia Ruth Lilly (1987) e o Prémio Wallace Stevens (2013), atribuído pela Academia de Poetas Americanos.
Diário Digital com Lusa
***
Via
http://poesiailimitada.blogspot.pt/2006/04/philip-levine.html

TERÇA-FEIRA, ABRIL 18, 2006


PHILIP LEVINE

(actualizado)
PHILIP LEVINE nasceu em Detroit em 1928. Está editado em português na Quetzal (1992), na colecção "Poetas Em Mateus", edição colectiva revista e apresentada por Maria de Lourdes Guimarães. "M. Degas Teaches Art & Science At The Durfee Intermediate School - Detroit, 1942", foi para mim uma agradável surpresa quando o li no Abrupto há umas semanas atrás. Pequena homenagem àquele blogue e ao espaço que tem dedicado à poesia, esta minha tradução contou com a colaboração de Vasco Graça Moura.



M. DEGAS TEACHES ART & SCIENCE AT THE
DURFEE INTERMEDIATE SCHOOL – DETROIT, 1942


He made a line on the blackboard,
one bold stroke from right to left
diagonally downward and stood back
to ask, looking as always at no one
in particular, "What have I done?"
From the back of the room Freddie
shouted, "You've broken a piece
of chalk." M. Degas did not smile.
"What have I done?" he repeated.
The most intellectual students
looked down to study their desks
except for Gertrude Bimmler, who raised
her hand before she spoke. "M. Degas,
you have created the hypotenuse
of an isosceles triangle." Degas mused.
Everyone knew that Gertrude could not
be incorrect. "It is possible,"
Louis Warshowsky added precisely,
"that you have begun to represent
the roof of a barn." I remember
that it was exactly twenty minutes
past eleven, and I thought at worst
this would go on another forty
minutes. It was early April,
the snow had all but melted on
the playgrounds, the elms and maples
bordering the cracked walks shivered
in the new winds, and I believed
that before I knew it I'd be
swaggering to the candy store
for a Milky Way. M. Degas
pursed his lips, and the room
stilled until the long hand
of the clock moved to twenty one
as though in complicity with Gertrude,
who added confidently, "You've begun
to separate the dark from the dark."
I looked back for help, but now
the trees bucked and quaked, and I
knew this could go on forever.



§



O SENHOR DEGAS ENSINA ARTE E CIÊNCIA NA
ESCOLA INTERMEDIÁRIA DE DURFEE – DETROIT, 1942


Ele fez uma linha no quadro,
um traço negro da direita para a esquerda
a descer e recuou
para perguntar, sem olhar para ninguém em particular
como de costume: "O que é que eu fiz?"
Do fundo da sala Freddie
exclamou: "Quebrou um pedaço
de giz." O senhor Degas não sorriu.
"O que é que eu fiz?" repetiu.
Os alunos mais inteligentes
concentraram o olhar nas escrivaninhas
excepto Gertrude Bimmler, que levantou
a mão antes de falar. "Senhor Degas,
o senhor criou a hipotenusa
de um triângulo isósceles." Degas meditou.
Toda a gente sabia que Gertrude não podia
estar errada. "É possível,"
precisou ainda Louis Warshowsky,
“que tenha começado a representar
o telhado de um celeiro." Lembro-me
de que passavam exactamente vinte das
onze, e eu pensei que na pior das hipóteses
isto continuaria por mais quarenta
minutos. Era o inicio de Abril,
a neve não tinha ainda derretido nos
pátios do recreio, os olmos e o ácer
bordejando passeios rachados
tremiam com o vento novo, e ocorreu-me
que antes que me desse conta estaria
a caminho da loja de doces
para comprar um Milky Way. O senhor Degas
enrugou os lábios e a aula
acalmou até que o braço longo
do relógio se moveu para o vinte e um
como que em cumplicidade com Gertrude,
que acrescentara confidente: "O senhor começou
a separar o escuro do escuro."
Voltei-me a pedir ajuda mas agora as
árvores resistiam e tremiam e eu
percebi que isto podia durar eternamente.
***
Via

https://brincandodedeus.wordpress.com/tag/poemas-de-philip-levine/
A Sleepless Night
April, and the last of the plum blossoms
scatters on the black Grass
before dawn. The sycamore, the lime,
the struck pine inhale
the first pale hints of sky.
An iron day,
I think, yet it will come
dazzling, the light
rise from the belly of leaves and pour
burning from the cups
of poppies.
The mockingbird squawks
from his perch, fidgets,
and settles back. The snail, awake
for good, trembles from his Shell
and sets sail for China. My hand dances
in the memory of a million vanished stars.
A man has every place to lay his head.
Philip Levine
_________________________________
Uma noite em claro
Abril, e a última das ameixeiras
se espalha sobre a Grama negra
antes do alvorecer. A sicoma, o limão,
e o pinheiro arrebatado inalam
as primeiras alusões lívidas, do céu vindas
Um dia de ferro,
penso, ainda está por vir
ofuscante, a luz
é gerada no pecíolo das folhas e flui,
ardente pelos copos
das papoulas.
O pássaro-das-cem-línguas grasna
de seu poleiro, inquieta-se
e enfim sossega. O caracol, para sempre
desperto, em sua Concha estremece
e navega em favor da China. Minha mão dança
em memória de um milhão de estrelas desaparecidas.
Todo lugar é lugar para a mente de um homem descansar.
Traduzido por Wagner Miranda
***
Morreu Philip Levine, poeta norte-americano que deu voz à classe trabalhadora
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=760230

O poeta norte-americano Philip Levine, autor premiado cujos poemas se centravam na vida da classe trabalhadora, morreu na sua residência em Fresno, na Califórnia, aos 87 anos, noticiou hoje o New York Times.

Segundo a sua mulher, Frances Levine, o poeta, com quem era casada há 60 anos, morreu no sábado, depois de lhe ter sido diagnosticado cancro do pâncreas e do fígado há menos de um mês.