24/03/2015

5.995.(24mar2015.18.18') Há 100 anos saíu o 1º dos 2 nºs da ORPHEU

***
http://faroldasletras.no.sapo.pt/orpheu.html
Revista de que apenas saíram dois números, em Lisboa, em março e junho de 1915, mas de notável significado na História da Literatura Portuguesa por marcar a introdução do ModernismoOrpheu 1, correspondente ao primeiro trimestre desse ano, é dirigida por Luís de Montalvor e Ronald de Carvalho e apresenta, além duma «Introdução» de Luís de Montalvor que lhe imprime um cunho simbolista-decadente, poemas «Para os Indícios de Oiro» de Mário de Sá-Carneiro, «Poemas» de Ronald de Carvalho, « O Marinheiro», «drama estático em um quadro» de Fernando Pessoa, «Treze sonetos» de Alfredo Pedro Guisado, «Frisos», contos, pelo desenhador Almada-Negreiros, e dois poemas de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, intitulados «Opiário» e «Ode Triunfal». Este número provocou escândalo e troça, como, aliás, os seus responsáveis desejavam: os jornais apodaram-nos de mistificadores ou alienados. Orpheu 2, já sob a direção de Pessoa e Sá-Carneiro, corresponde aos meses de abril, maio e junho. Inclui ilustrações de Santa-Rita Pintor, futurista, poemas de Ângelo de Lima (um autêntico louco, internado no Hospital Miguel Bombarda), «Poemas sem Suporte» - «Elegia» e «Manucure» de Mário de Sá-Carneiro, «Poemas» de Eduardo Guimarães, «Atelier (novela vertígica)» de Raul Leal, «Poemas» de Violante de Cysneiros (pseudónimo de Armando Cortes-Rodrigues), «Ode Marítima» de Álvaro de campos, «Narciso», poema de Luís de Montalvor, «Chuva Oblíqua», poemasintersecionistas de Fernando Pessoa (v. Intersecionismo).
Apesar de este número ter provocado reação semelhante à suscitada pelo primeiro, a empresa deu prejuízo financeiro, e por tal motivo não pôde prosseguir. Todavia, Pessoa não deixou de pensar em publicar mais dois números. Em setembro de 1916 anunciava a Cortes-Rodriguse que a saída de Orpheu 3 estava para breve e que deveria inserir dois poemas ingleses dele, Pessoa, versos de Camilo Pessanha e de Sá-Carneiro, «A Cena do Ódio» de Almada, poemas deÁlvaro de Campos, etc. De facto, o n.º 3 estava, no ano seguinte, em grande parte, se não totalmente, impresso, mas nunca veio a lume. As folhas impressas compreendem: «Poemas de Paris» de Sá -Carneiro, «Após o Rapto» de Albino de Meneses, «Gládio» e «Além-Deus», poemas de F. Pessoa, «Por esse crepúsculo - A morte dum fauno» por Augusto Ferreira Gomes, «A Cena do Ódio» de Almada-Negreiros, «Olhos» por D. Tomás de Almeida, «Para além d' outro Oceano», notas de C. Pacheco (outro heterónimo de F. Pessoa) «à memória de Alberto Caeiro», e «Névoa», composição de Castelo de Morais. De Orpheu 3 já foram publicados os poemas de Pessoa(graças a Casais Monteiro, Lisboa, 1953), os «Poemas de Paris», incluídos em Indícios de Oiro de M. de Sá-Carneiro, e «A Cena do Ódio», reproduzida em Líricas Portuguesas, 3.ª série (seleção de Jorge de Sena, Lisboa, 1958). - F. Pessoa chegou a escrever, em inglês, notas para uma apresentação da literatura do Orpheu, dando já como aparecido o projetado n.º 3, ano e meio após o n.º 1. Tomaz Kim deu a conhecer esse texto, que traduziu («O Orpheu e a Literatura Portuguesa»), em sep. de Tricórnio. Aí Pessoa considerava a revista «a soma e a síntese de todos os movimentos literários modernos». 
Coelho, Jacinto do Prado, DICIONÁRIO DE LITERATURA, 3.ª edição, 3.º volume, Porto, Figueirinhas, 1979
***
um dos que saiu na ORPHEU

Opiário

Ao Senhor Mário de Sá-Carneiro

É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes,
Ergue-se a lua como a minha Sina.

Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
Não faço mais que ver o navio ir
Pelo canal de Suez a conduzir
A minha vida, cânfora na aurora.

Perdi os dias que já aproveitara.
Trabalhei para ter só o cansaço
Que é hoje em mim uma espécie de braço
Que ao meu pescoço me sufoca e ampara.

E fui criança como toda a gente.
Nasci numa província portuguesa
E tenho conhecido gente inglesa
Que diz que eu sei inglês perfeitamente.

Gostava de ter poemas e novelas
Publicados por Plon e no Mercure,
Mas é impossível que esta vida dure.
Se nesta viagem nem houve procelas!

A vida a bordo é uma coisa triste,
Embora a gente se divirta às vezes.
Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.

Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

Sou desgraçado por meu morgadio.
Os ciganos roubaram minha Sorte.
Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
Um lugar que me abrigue do meu frio.

Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avòzinha que anda
Pedindo esmola às portas da Alegria.

Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
Volta à direita, nem eu sei para onde.
Passo os dias no smokink-room com o conde -
Um escroque francês, conde de fim de enterro.

Volto à Europa descontente, e em sortes
De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu sou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.

Gostava de ter crenças e dinheiro,
Ser vária gente insípida que vi.
Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
Num navio qualquer um passageiro.

Não tenho personalidade alguma.
É mais notado que eu esse criado
De bordo que tem um belo modo alçado
De laird escocês há dias em jejum.

Não posso estar em parte alguma. A minha
Pátria é onde não estou. Sou doente e fraco.
O comissário de bordo é velhaco.
Viu-me co'a sueca... e o resto ele adivinha.

Um dia faço escândalo cá a bordo,
Só para dar que falar de mim aos mais.
Não posso com a vida, e acho fatais
As iras com que às vezes me debordo.

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

Escrevo estas linhas. Parece impossível
Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!
O fato é que esta vida é uma quinta
Onde se aborrece uma alma sensível.

Os ingleses são feitos pra existir.
Não há gente como esta pra estar feita
Com a Tranqüilidade. A gente deita
Um vintém e sai um deles a sorrir.

Pertenço a um gênero de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.

Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
Nem leio o livro à minha cabeceira.
Enoja-me o Oriente. É uma esteira
Que a gente enrola e deixa de ser bela.

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que o não veja!

Ora! Eu cansava-me o mesmo modo.
Qu'ria outro ópio mais forte pra ir de ali
Para sonhos que dessem cabo de mim
E pregassem comigo nalgum lodo.

Febre! Se isto que tenho não é febre,
Não sei como é que se tem febre e sente.
O fato essencial é que estou doente.
Está corrida, amigos, esta lebre.

Veio a noite. Tocou já a primeira
Corneta, pra vestir para o jantar.
Vida social por cima! Isso! E marchar
Até que a gente saia pla coleira!

Porque isto acaba mal e há-de haver
(Olá!) sangue e um revólver lá pró fim
Deste desassossego que há em mim
E não há forma de se resolver.

E quem me olhar, há-de-me achar banal,
A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
O meu próprio monóculo me faz
Pertencer a um tipo universal.

Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Se ao menos eu por fora fosse tão
Interessante como sou por dentro!
Vou no Maelstrom, cada vez mais pró centro.
Não fazer nada é a minha perdição.

Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

Tenho vontade de levar as mãos
À boca e morder nelas fundo e a mal.
Era uma ocupação original
E distraía os outros, os tais sãos.

O absurdo, como uma flor da tal Índia
Que não vim encontrar na Índia, nasce
No meu cérebro farto de cansar-se.
A minha vida mude-a Deus ou finde-a ...

Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
Até virem meter-me no caixão.
Nasci pra mandarim de condição,
Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.

Ah que bom que era ir daqui de caída
Pra cova por um alçapão de estouro!
A vida sabe-me a tabaco louro.
Nunca fiz mais do que fumar a vida.

E afinal o que quero é fé, é calma,
E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas —
E basta de comédias na minh'alma!

(No Canal de Suez, a bordo)


Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
RESPIGUEI DO CITADOR
http://www.citador.pt/poemas/opiario-alvaro-de-camposbrbheteronimo-de-fernando-pessoa
***
para ler
http://www.faccar.com.br/eventos/desletras/hist/2005_g/2005/textos/028.html
***
Tenho de voltar à casa Fernando Pessoa
http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=814489&tm=4&layout=121&visual=49



Casa Fernando Pessoa evoca revista Orpheu com exposições, performances e leituras


A Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, vai assinalar o centenário da revista Orpheu, a partir de quarta-feira, com um programa aberto ao público, de caráter transversal, com artes plásticas, `performances` e leituras.

De acordo com a entidade, a celebração da efeméride abrirá com a inauguração da exposição de Pedro Proença "Os testamentos de Orpheu", que ocupará vários espaços da Casa Fernando Pessoa.
A revista Orpheu foi uma publicação de vanguarda em Portugal, que reuniu criadores como Fernando Pessoa (1888-1935), Mário de Sá Carneiro (1890-1916), Santa-Rita Pintor (1889-1919) e Almada Negreiros (1893-1970), que a definiu como "uma bofetada no gosto público".
Na exposição que é inaugurada na Casa Fernando Pessoa, o artista plástico Pedro Proença vai mostrar pinturas, cartazes e esculturas com textos, colagens e pequenos ensaios.
Paralelamente, a partir de sábado e até 25 de abril, a Casa Fernando Pessoa levará a revista Orpheu aos cafés de Lisboa, através de atores, `performers` e textos que evocam o espírito do grupo de fundadores e colaboradores.
De acordo com o programa, cafés na zona do Chiado vão ser "ocupados" por artistas como Andresa Soares, Filipe Pinto, Lígia Soares e Miguel Castro Caldas (café A Brasileira), Miguel Loureiro, Sara Graça e Victor d`Andrade (Fábulas), Sílvia Real, Sérgio Pelágio e Mariana Ramos (Vertigo) e Os Possessos (Kaffeehaus), surpreendendo quem está e quem passa.
O objetivo, segundo a entidade, é "recordar o poder criador e transdisciplinar da geração de Orpheu que chegou a campos artísticos tão variados como a música, a dança, as artes visuais e a poesia, com Fernando Pessoa e Sá Carneiro como principais motivadores do grupo".
Numa parceria com o Camões -- Instituto da Cooperação e da Língua, será realizada uma exposição itinerante intitulada "Nós, os de Orpheu", que circulará internacionalmente na rede do instituto, assim como nacionalmente, na rede escolar e na rede de bibliotecas.
A mostra reúne um alargado trabalho de investigação que coloca em diálogo documentos, cartas e manuscritos para que, na primeira pessoa, falem "Os de Orpheu" sobre si e sobre os outros, a respeito da construção do projeto coletivo que foi a revista e do modo como foi recebida pela sociedade da época.
No mesmo período, vai ter início um novo programa de visitas temáticas na Casa Fernando Pessoa, com vista à aproximação mais detalhada e profunda a diversos temas relacionados com o acervo e a missão desta entidade.
A partir de "Retrato de Fernando Pessoa", de Almada Negreiros, será criado uma ação na qual o visitante é convidado a fazer parte da obra.
Localizada na rua Coelho da Rocha, a Casa Fernando Pessoa, habitada pelo escritor nos últimos 15 anos de vida, permite visitar o quarto onde viveu e uma biblioteca temática, especializada no autor e em poesia.



















































***
Via
EXPRESSO.SAPO

http://expresso.sapo.pt/furacao-orpheu-fernando-pessoa-e-a-revista-que-abanou-portugal=f916373
Foi a 24 de Março de 1915, faz hoje 100 anos, que saiu o primeiro dos dois números da "Orpheu". Apesar de efémera, a revista foi uma publicação inovadora e seminal, reunindo autores como Fernando Pessoa (1888-1935), Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Santa Rita Pintor (1889-1919) ou José de Almada Negreiros (1893-1970). É considerado um elemento fundamental na afirmação das vanguardas modernistas na literatura portuguesa e da pequena revolução cultural que as acompanhou. A data é assinalada por um congresso internacional (que hoje se inicia), leituras, exposições e performances, integrando instituições como a Casa Fernando Pessoa, o Instituto Camões, aFundação Calouste Gulbenkian ou o Centro Cultural de Belém.
Imagem da capa do Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português coordenado por Fernando Cabral Martins

Furacão Orpheu. Fernando Pessoa e a revista que abanou Portugal






Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro foram os grandes impulsionadores desta revista literária em dois números. Custava 30 centavos quando um jornal diário valia um. O país ficou virado do avesso quando viu o primeiro número de Orpheu a 24 de março de 1915. Faz esta terça-feira 100 anos.