23/04/2015

7.863.(23ab2015.7.7') 2Sophia de Mello Breyner Andresen

Nasce a 6nov1919
e morre a 2julho2004

***

3julho2023

1 pitadinha de Sophia: “APESAR DAS RUÍNAS
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.”
Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'Antologia Poética’...Via Samuel Quedas... 
https://www.facebook.com/photo/?fbid=10227447905814764&set=a.10210772205372675

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2julho2023

Via página do face Sophia...: Deus Escreve Direito
"Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha recta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas ao espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens de ser real
Por isso não percas nunca teu fervor mais austero
Tua exigência de ti e por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol tua luz teu alimento."
Sophia de Mello Breyner Andresen
O Búzio de Cós e outros poemas
1997
 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10227443877154050&set=p.10227443877154050&type=3

*

Vida breve: PRECE, de Sophia de Mello Breyner Andresen (6 de Novembro de 1919 - 2 de Julho de 2004)
.
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe por onde tu passas
.
Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.
.
.
— “Obra Poética", Assírio & Alvim, 2015, p. 328.
.
____________________
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Arte de Deb Anderson https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10227447460603634&set=p.10227447460603634&type=3

*

Vida breve: NÃO TE OFENDEREI COM POEMAS, de Sophia de Mello Breyner Andresen (6 de Novembro de 1919 — 2 de Julho de 2004)
.
Não te ofenderei com poemas
Param os meus olhos quando penso em ti
Não farei do meu remorso um canto
.
Com árvores e céus mas sem poemas
Demasiado humano para poder ser dito
O teu mundo era simples e difícil
Quotidiano e límpido

— in "No mar novo", 1958 e ”Obra Poética", Assírio & Alvim, 2015, p. 359.
___________________
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Arte de Maldha Mohamed (@malsart).https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10227447493484456&set=p.10227447493484456&type=3

*

Vida breve: QUERO, de Sophia de Mello Breyner Andresen (6 de Novembro de 1919 - 2 de Julho de 2004)
.
Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar
Subindo as escadas que sobem pelo ar.

— in “Obra Poética", Assírio & Alvim, 2015, p. 253.
_________________
Open Window to the moon, Ana Borras. 
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10227447508764838&set=p.10227447508764838&type=3

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10ouTUbro2019
recordei 10ouTUbro2016:
1a pitadinha de sophia faz mbem à saúde...entreTANTOOOOO...vou à procura de "...Para que eu bebesse imagens decompostas à luz dum pôr de sol enlouquecido"
https://www.facebook.com/282054545145829/photos/a.282056735145610.78181.282054545145829/681554628529150/?type=3&theater
Quem poderá saber que estranha bruma
Brotou caladamente em minha volta
Pra que eu perdesse as horas uma a uma
sem um gesto, sem um grito, sem revolta.

Quem poderá saber que estranhos laços
que sabor de morte lento e amargo
sugaram todo o sangue dos meus braços -
o sangue que era sede do mar largo

Quem poderá saber em que respostas
Se quebrou o subir do meu pedido
Para que eu bebesse imagens decompostas
à luz dum pôr de sol enlouquecido
 

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2019
21mar

Hoje celebrou-se Sophia de Mello Breyner na Biblioteca Municipal José Marmelo Silva - Espinho.
 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10210554674142379&set=a.3447227798735&type=3&theater
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Hj.8mar.biblioteca...Sophia...DIMulher...em Alcobaça que vos abRRaaaaaaAÇA

A imagem pode conter: 1 pessoa, closeup 
No ano em que se celebra o Centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen e no âmbito do Dia Internacional da Mulher, a Biblioteca Municipal de Alcobaça associa-se a esta celebração com a evocação da Sophia no Sarau da Mulher na próxima sexta-feira à noite no Auditório.
A convite da BMA e dos Amigos das Letras, a professora Maria Sobral Velez vai deixar neste sarau o seu apontamento pessoal das obras de uma das melhores poetas (ela dizia que não era poetisa) de língua portuguesa, realçando ao mesmo tempo a sua intervenção cívica e política.
Venha celebrar a Sophia.
Venha celebrar a Mulher.
(com partilha de muitos textos e músicas de muitas mulheres ou a elas dedicados)
Dia 8, a partir das 21 horas no Auditório da Biblioteca Municipal.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2351955534828744&set=a.102766876414299&type=3&eid=ARCN9aSM_yh8HYEFXLhuQDEY9Wpge9pxpga3ZRHhaPXbMLZodoH3tsxEuBONvkC7Z0Dlg8KIiP27d8uD
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 Exposição "Pour ma Sofie": descobrir Sophia de Mello Breyner Andresen através da sua biblioteca.
Na Galeria da Biodiversidade, no Porto, a biblioteca pessoal de Sophia de Mello Breyner Andresen é apresentada como um livro aberto, onde se revelam centenas de dedicatórias de escritores fundamentais do séc. XX, de Saramago a Torga. A exposição Pour ma Sofie inclui, ainda, postais, recortes, cartas, anotações e alguns escritos inéditos da poetisa.

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10jan2020...lembrei postagem de 10jan2014

(7-7'...) no começo da noite...é mui oportuno: pitadinhas de sophia...
"(...) Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo."
https://www.facebook.com/andante.associacao.artistica/photos/a.214341331953107.59793.132465900140651/616320791755157/?type=3&theater
A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo 


O ilustrador: http://matt_davidson.prosite.com/
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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1180769801950399&set=a.282097105151011.82379.100000521703651&type=3&theater
"Numa disciplina constante procuro a lei da liberdade medindo o equilíbrio dos meus passos"
 in Coral 1950 
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https://www.facebook.com/559343457434706/photos/a.559507790751606.1073741828.559343457434706/872765519425830/?type=1&theater
“Quando eu morrer voltarei para buscar 
Os instantes que não vivi junto do mar”
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Via Graça Silva:
 Com voz nascente a fonte nos convida
A renascermos incessantemente
Na luz do antigo sol nu e recente
E no sussurro da noite primitiva
 https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1851135338263267&set=a.211013438942140.52240.100001004569506&type=3&theater
*
in Obra Poética. p. 829. Salgueiro Maia
Aquele que na hora da vitória Respeitou o vencido Aquele que deu tudo e não pediu a paga Aquele que na hora da ganância Perdeu o apetite Aquele que amou os outros e por isso Não colaborou com a sua ignorância ou vício Aquele que foi “Fiel à palavra dada à ideia tida” Como antes dele mas também por ele Pessoa disse Salgueiro Maia (1 de Julho de 1944, Castelo de Vide // 4 de Abril de 1992, Santarém)
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Via Maria Sobral Velez
 "Num deserto sem água
Numa noite sem lua
 Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua."
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12noVEMbro2011
 https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/273062436062861/?type=3&theater
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN,
in CORAL (1950), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
POEMA PERDIDO
Porque eu trazia rios de frescura
E claros horizontes de pureza
Mas tudo se perdeu ante a secura
De combater em vão

E as arestas finas e vivas do meu reino
São o claro brilhar da solidão.
Fotografia de Sophia de Mello Breyner Andresen
*(CC)
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10202474373925549&set=a.1274535468410.2035574.1380643637&type=1&theater
Como um oásis branco era o meu dia
nele secretamente eu navegava
unicamente o vento me seguia

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https://www.facebook.com/mardapalha.dcl/photos/a.172535788416.149938.172530728416/10152579464663417/?type=1&theater
Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo 

 in "O Nome das Coisas"

fotografia: Trosas on flickr
Praça do Padrão dos Descobrimentos, Belém, Lisboa.

***
https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/867961569906275/?type=1&theater
(inédito sem data), in http://purl.pt/19841/1/1990/1990.html
Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal. Quero comer devagar e gravemente como aquele que sabe o contorno carnudo e o peso grave das coisas.
Não quero possuir a terra mas ser um com ela. Não quero possuir nem dominar porque quero ser: esta é a necessidade.
Com veemência e fúria defendo a fidelidade ao estar terrestre. O mundo do ter perturba e paralisa e desvia em seus circuitos o estar, o viver, o ser. Dai-me a claridade daquilo que é exactamente o necessário. Dai-me a limpeza de que não haja lucro. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. Chegou o tempo da nova aliança com a vida.


*
Aguarela: White house, por ©Corey Aber

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=828473673874257&set=a.463283787059916.1073741830.100001348957610&type=1&theater
Hora

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta --- por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos círculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitárias,
As minhas mãos estão cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos

Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.

***
3jun2003... é distinguida com o Prémio Rainha Sofia de Poesia.
***
"Eu posso dizer que escrevo para transformar o mundo. 
Eu penso que a poesia deve transformar o mundo!"
Via
Ester L. Cid
***
11jun1999
Sophia de Mello Breyner Andresen vence prémio Camões
***
https://www.facebook.com/559343457434706/photos/a.559507790751606.1073741828.559343457434706/909366329099082/?type=3&theater
 in 'Poesia'

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia,
Que há no vasto clamor da maré cheia,
Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez,
Que após cada queda caminho para a vida,
Por uma nova ilusão entontecida.

E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo,
É só porque as tuas ondas são puras.


© Fidel Garcia - Imagem

***
https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/879340688768363/?type=1&theater
in O BÚZIO DE CÓS E OUTROS POEMAS (Caminho, 1977)

É na varanda que os poemas emergem
Quando se azula o rio e brilha
O verde-escuro do cipreste – quando
Sobre as águas se recorta a branca escultura
Quasi oriental quasi marinha
Da torre aérea e branca
E a manhã toda aberta
Se torna irisada e divina
E sobre a página do caderno o poema se alinha

Noutra varanda assim num Setembro de outrora
Que em mil estátuas e roxo azul se prolongava
Amei a vida como coisa sagrada
E a juventude me foi eternidade


Fotografia: Ciprestes, in:
http://www.visitdelaware.com/

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https://www.facebook.com/559343457434706/photos/a.559507790751606.1073741828.559343457434706/883782764990772/?type=1&theater
 in "O Nome das Coisas"

A Forma Justa

Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas 
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos 
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia 
Cada dia a cada um a liberdade e o reino 
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa 
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa 
De uma cidade humana que fosse 
Fiel à perfeição do universo 

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco 
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo 


© Vladimir Kush - Imagem

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https://www.facebook.com/ALuaVoa/photos/a.746679182114157.1073741828.746659858782756/768097509972324/?type=1&theater
Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

***

https://www.facebook.com/FabricaEscrita/photos/a.462529847093435.111436.462489187097501/1049996481680099/?type=1&theater
Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros 
Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal 
Dói-me o luar como um pano branco que se rasga.
(imagem: tumblr)
***
https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/875756685793430/?type=1&theater
in MAR NOVO (Guimarães Ed., 1958), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010, Assírio & Alvim, 2015)

LIBERDADE

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.


Arte de ©Ekaterina Lyashko (Rússia)
*(LT e CC)

***
Postagem anterior
AQUI NO UNIR:
http://uniralcobaca.blogspot.pt/2011/07/473610jul8h8-hoje-estou-numa-de-relevar.html
***
Via Gisela Mendonça

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10205646343071430&set=a.2912669309367.132818.1639690204&type=1&theater
Apesar das ruínas e da morte, 
Onde sempre acabou cada ilusão, 
A força dos meus sonhos é tão forte, 
Que de tudo renasce a exaltação 
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
***

02 de Julho de 2004: Morre a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen

 https://estoriasdahistoria12.blogspot.com/2019/07/02-de-julho-de-2004-morre-poetisa.html?spref=fb&fbclid=IwAR13eK4TdiJF64XQLiyQu4xfSmfgYD98lEXk1dGQ8xNY1NNassELm0_BOD8
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06 de Novembro de 1919: Nasce a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen

Poetisa e ficcionista, nascida em 1919, natural do Porto, frequentou o curso de Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. O seu nome encontra-se ligado ao projeto Cadernos de Poesia, tendo colaborado ainda, ao lado de nomes como o de Jorge de Sena, David Mourão-Ferreira, Ruy Cinatti, António Ramos Rosa, entre outros, entre a década de 40 e 50, em várias publicações, como Távola Redonda e Árvore, que marcaram, na história da literatura contemporânea, a busca de uma terceira via, a do objeto literário em si enquanto projeto intrinsecamente humanista, num panorama literário dividido, até meados do século, entre o princípio social e o princípio estético do objeto artístico. Autora também de traduções, a sua obra recebeu os mais reconhecidos prémios literários, dos quais se destacam, por exemplo, o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores, em 1994, o Prémio Camões e o Prémio Pessoa, ambos em 1999, e o Prémio Rainha Sofia da Poesia Ibero-Americana, em junho de 2003. Desde a publicação de Poesia, em 1944, Sophia afirma-se no panorama da literatura nacional com uma conceção de poesia que, sem deixar de dar continuidade a uma tradição lírica que passa por autores como Camões ou Teixeira de Pascoaes, recupera valores da cultura clássica, funde-os com um humanismo cristão, para contrapor um tempo absoluto a um "tempo dividido", numa aspiração à comunhão do homem com uma natureza de efeito lustral, produzindo uma impressão global de atemporalidade e de inexauribilidade da escrita. O privilégio da essencialidade, da unidade, implica ainda a consciência de que a literatura só cumpre a sua função social e de desalienação do homem quando repudia uma cultura de separação e persegue a "inteireza", "o verdadeiro estar do homem na terra", quando "estabelece a relação inteira do homem consigo próprio, com os outros, e com a vida, com o mundo e com as coisas" (cf. comunicação lida no 1.º Congresso de Escritores Portugueses, in O Nome das Coisas, 1977, p. 76). Deste modo, a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen não deixa de relevar de um sentido ético, radicado num sentido cristão da existência, que impõe à escrita o assumir de uma função social, na denúncia da injustiça, da desigualdade, de qualquer tipo de alienação ou atropelo à dignidade humana, quer em volumes poéticos de maior empenhamento como Livro Sexto, quer em algumas das belíssimas narrativas de Contos Exemplares, como o conto "O Jantar do Bispo" ou "O Homem". Por outro lado, a poesia de Sophia vem resolver o impasse que as cisões do modernismo tinham imposto à palavra poética e apresentar-se como a evolução possível para a escrita poética pós-Pessoa, na medida em que "Enquanto em Pessoa a aspiração à unidade como totalização subjetiva coincide com um movimento de multiplicação e divisão [...], em Sophia a dispersão corresponde a um movimento, não subjetivo, que encontra plenitude em cada coisa, pois a plenitude está na relação e não na totalização por uma subjetividade". (LOPES, Silvina Rodrigues - Poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, Lisboa, ed. Comunicação, 1989, p. 22). Política, católica, helénica, a poesia de Sophia remete o homem para um espaço utópico que, comparável ao lugar buscado pelo casal que protagoniza o conto alegórico 'A Viagem' (in Contos Exemplares), não deixa de corresponder à imagem mais perfeita de uma felicidade humana terrena e possível desde que o homem contemporâneo readmita a sua fidelidade ao tempo, às palavras, à natureza, às coisas: "Ali parariam. Ali haveria tempo para poisar os olhos nas coisas. Ali poderiam respirar devagar o perfume das roseiras. Ali tudo seria demora e presença. Ali haveria silêncio para escutar o murmúrio claro do rio. Silêncio para dizer as graves e puras palavras pesadas de paz e de alegria. Ali nada faltaria: o desejo seria estar ali." Aprendizagem da simplicidade, a arte poética perfilhada por Sophia "É uma poética da experiência, da necessidade de mergulhar de olhos abertos e retirar da diversidade, profusão, estranheza, a forma simples e perfeita que é o poema. Sem que simplicidade e perfeição anulem em absoluto o caos, matriz de todas as formas" (LOPES, Silvina Rodrigues, op. cit., p. 44) ou, segundo as suas próprias palavras, numa das várias "artes poéticas" que formulou: "A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é a arte de ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência, nem uma estética, nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca durma, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta. // pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes, as imagens." ("Arte Poética II" in Antologia, Lisboa, 1968, p. 231.).
Foi casada com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, de quem teve cinco filhos. Esteve desde cedo ligada a movimentos de luta anti-fascista, tendo sido uma notória ativista contra o regime salazarista: apoiou, com o marido, a candidatura do General Humberto Delgado; subscreveu o "Manifesto dos 101", um documento da autoria de um grupo de ativistas católicos contra a guerra colonial e o apoio da Igreja Católica à política do Governo de Salazar; fundou e integrou a Comissão Nacional de Apoio aos Presos Políticos; e, depois do 25 de abril, foi Deputada à Assembleia Constituinte. Desde sempre, foi público o seu apoio à causa timorense.
Na sua obra, que inclui, para além da poesia, a literatura infantil - sobretudo contos - e o ensaio, coexistem referências marcantes e recorrentes como o mar e a praia, a infância e a família, e ainda a civilização grega, reflexo da sua cultura clássica e da sua paixão por aquele país.
Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu a 2 de julho de 2004, em Lisboa.

Sophia de Mello Breyner Andresen. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. 

wikipedia (Imagens)

 Ficheiro:Sophia Mello Breyner Andersen.png



Retrato de uma princesa desconhecida
      Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
      Para que a sua espinha fosse tão direita
         E ela usasse a cabeça tão erguida
    Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
     De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
     Servindo sucessivas gerações de príncipes
         Ainda um pouco toscos e grosseiros
            Ávidos cruéis e fraudulentos

         Foi um imenso desperdiçar de gente
        Para que ela fosse aquela perfeição
           Solitária exilada sem destino

          Sophia de Mello Breyner Andresen
https://estoriasdahistoria12.blogspot.com/2018/11/06-de-novembro-de-1919-nasce-poetisa.html?fbclid=IwAR10gCBHMPzrRDuUVARi5aGycqCPeCs7-ga_mKpkjNPhEIEUpy334sRiQNA
***
9jun2013
postei:
para começar bem o domingão: 1a pitadinha de sophia
(...) Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo 

 ESTA GENTE

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

in "Geografia"

https://www.facebook.com/Poetaspoemasepoesias/photos/a.381985865181535/545214515525335/?type=3&theater
*** 

10/07/2011


4.736.(10Jul8h8') Sophia de Mello Breyner Andresen

Nasce a 6nov1919
e morre a 2julho2004
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=894780600538510&set=a.104671869549391.10003.100000197344912&type=1&theater
Che Guevara 

Contra ti se ergueu a prudência dos inteligentes e o arrojo 
[dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de
[consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das
[igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece

 in "O Nome das Coisas"

Via Maria Elisa Ribeiro
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/516697275117731/?type=1&theater
Mar sonoro 

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim. 

no livro "Dia do Mar"

***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/515662161887909/?type=1&theater
Depois da cinza morta destes dias,
Quando o vazio branco destas noites
Se gastar, quando a névoa deste instante
Sem forma, sem imagem, sem caminhos,
Se dissolver, cumprindo o seu tormento,
A terra emergirá pura do mar
De lágrimas sem fim onde me invento.

 no livro "Coral"

Arte - Victor Bauer

***
Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo
Parece bater palmas.
"Meio-Dia".
 (2010).
In: Obra Poética. Lisboa: Caminho, p. 18.
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/515671921886933/?type=1&theater
Como o rumor

Como o rumor do mar dentro de um búzio
O divino sussurra no universo
Algo emerge: primordial projecto

 no livro "O nome das coisas "
Arte - Antonio Cazorla

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=694719187215599&set=a.189320301088826.38544.100000325716048&type=1&theater
Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos
Porque os outros calculam mas tu não.

***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=697868980248819&set=a.559507790751606.1073741828.559343457434706&type=1&theater
In “Dia do Mar” 

“Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim. 
A tua beleza aumenta quando estamos sós 
E tão fundo intimamente a tua voz 
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.”

© Ilayda Portakaloglu - Imagem

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=837033099647200&set=a.540785672605279.31215872.100000215525967&type=1&theater

“No 25 de Abril há um momento poético extraordinário. Hoje em dia nós olhamos para trás e perguntamos e nós próprios se foi a nossa sede de uma ilusão que criou uma espécie de fantasmagoria. Mas não há dúvida de que eu me lembro de uma cidade de Lisboa sem nenhuma política, sem nenhumas violência. Lembro-me da cidade de Lisboa onde todas as pessoas que encontrávamos sorriam, lembro-me de ver passar pequenos grupos de gente nova no Rossio que pareciam pequenos bandos de bailarinos ou de gaivotas, e atravessavam de um lado ao outro da praça. Lembro-me de bandeiras que dançavam em cima da cabeça das pessoas e das expressões e dos gestos e das vozes.
E tudo isto era um tão bonito e extraordinário momento poético e como que uma ilha noutro planeta…Talvez tivesse havido um momento em que, imagino, algo para toda a gente estava para além da política e que depois a política destroçou, a política tradicional. Creio que houve um estado de graça. Mas depois o pecado do poder destruiu esse estado de graça”.
***

Antena 2 Conhece a página da Biblioteca Nacional de Portugal dedicada a Sophia de Mello Breyner Andresen no seu tempo | Momentos e Documentos?http://purl.pt/19841/1/
***
Via Gisela Mendonça:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204465618914064&set=a.1181415429102.28176.1639690204&type=1&theater
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo 

Mal de te amar neste lugar de imperfeição 
Onde tudo nos quebra e emudece 
Onde tudo nos mente e nos separa. 

Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti eu criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

*
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10204465550672358&set=a.1181415429102.28176.1639690204&type=1&theater
Para atravessar contigo o deserto do mundo 
Para enfrentarmos juntos o terror da morte 
Para ver a verdade para perder o medo 
Ao lado dos teus passos caminhei 

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento 

*
A confusão a fraude os erros cometidos
A transparência perdida — o grito
Que não conseguiu atravessar o opaco
O limiar e o linear perdidos
Deverá tudo passar a ser passado
Como projecto falhado e abandonado
Como papel que se atira ao cesto
Como abismo fracasso não esperança
Ou poderemos enfrentar e superar
Recomeçar a partir da página em branco
Como escrita de poema obstinado?
que fez partilha com: 
http://www.youtube.com/watch?v=xEy_3igupT8
***
Que nenhuma estrela queime o teu perfil
Que nenhum deus se lembre do teu nome
Que nem o vento passe onde tu passas.

Para ti criarei um dia puro
Livre como o vento e repetido
Como o florir das ondas ordenadas.

Imagem: Laurie Kaplowitz

***
2nov2014
Via blogue Terra de encanto da poeta Susana Duarte

Eis-me


Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
 in 'Livro Sexto'
***
https://www.facebook.com/FabricaEscrita/photos/a.462529847093435.111436.462489187097501/871091056237310/?type=1&theater
A força dos meus sonhos é tão forte,
que de tudo renasce a exaltação.
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/535836603203798/?type=1&theater
Noite de Abril

Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.

Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.

Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera

Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem.

 do livro Obra Poética I

Arte - Barbara Cole

***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/599027466884711/?type=1&theater
Quando 

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta.
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.

no livro "Dia do Mar"

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=646902752031351&set=a.107207769334188.12956.100001348957610&type=1&theater
Fundo do mar
No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.

Mundo silencioso que não atinge
A agitação das ondas.
Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.
Sobre a areia o tempo poisa
Leve como um lenço.
Mas por mais bela que seja cada coisa
Tem um monstro em si suspenso.
Obra Poética I
Caminho
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/574202809367177/?type=1&theater
Quem como eu

Quem como eu em silêncio tece
Bailados, jardins e harmonias?
Quem como eu se perde e se dispersa
Nas coisas e nos dias?
 no livro "Dia do Mar"
Arte - Delphine Cossais

***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/580753438712114/?type=1&theater
As ondas

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.
, no livro "Dia do Mar"
Arte - Victor Bauer

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=755215154499335&set=a.189320301088826.38544.100000325716048&type=1&theater
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10203279478021283&set=a.1181415429102.28176.1639690204&type=1&theater
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=677471578955226&set=a.559507790751606.1073741828.559343457434706&type=1&theater
in “Dia do mar”

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim. 
A tua beleza aumenta quando estamos sós 
E tão fundo intimamente a tua voz 
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.

© Mark Mawson - Imagem

***


"Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes...
e calma"

Imagem: Caterina Mangiaracina

***

A força dos meus sonhos é tão forte,
que de tudo renasce a exaltação.
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
***
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=634703756584584&set=a.107207769334188.12956.100001348957610&type=1&theater
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma
in Obra Poética
imagem Christian Schloe
***

https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/547631742024284/?type=1&theater
Barco

Margens inertes abrem os seus braços 
Um grande barco no silêncio parte. 
Altas gaivotas nos ângulos a pique, 
Recém-nascidas à luz, perfeita a morte.

Um grande barco parte abandonando
As colunas de um cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade.

Um grande barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento norte.
Perfeito azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto 
***
Os navegadores

O múltiplo nos enebria
O espanto nos guia
Com audácia desejo e calculado engenho
Forçámos os limites -
(...)
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=781545865212189&set=a.157612067605575.32677.100000703486189&type=1&theater
As ondas do mar quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

in DIA DO MAR (1947), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)
 
***

https://www.facebook.com/282054545145829/photos/a.282056735145610.78181.282054545145829/814512808566664/?type=1&theater
"Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite"
***
Não te chamo para te conhecer
Eu quero abrir os braços e sentir-te
Como a vela de um barco sente o vento

Não te chamo para te conhecer
Conheço tudo à força de não ser

Peço-te que venhas e me dês
Um pouco de ti mesmo onde eu habite

art"hélène béland"

**
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/559223014198490/?type=1&theater
Acordo

Acordo quando os muros são o medo,
Acordo quando o tempo cai contado,
E no meu quarto entra o arvoredo,
E se desfolha ao longo dos meus membros.

Acordo quando a aurora nas paredes
Desenha nardos brancos e macios
Acordo quando o sono nos convence
De que sois rios.

 do livro "Coral"

***
Descobrimento

Saudavam com alvoroço as coisas
Novas
O mundo parecia criado nessa mesma 
Manhã
***
No mais secreto

No mais secreto de Junho e de folhagens
Ou interior de flor secretamente
Rosto sob o choupo à luz das luas
Rosto no meu rosto exactamente
Espelho quase onde me vi de frente
E deslizamos pelo rio como um barco
***
Kouros do Egeu

Sorriso sem costura
Inocência de caule
Retrato nu do liso

A Niké da alegria poisava seus pés em cada ilha
***
Habitação

(...)
Porém a poesia permanece
Como se a divisão não tivesse acontecido
Permanece mesmo depois de varrido
O sussurro das tílias junto à casa da infância
***
Olímpia

Ele emergiu do poente como se fosse um deus
A luz brilhava demais no obscuro loiro do seu cabelo

Era o hóspede do acaso
Reunia mal as palavras
(...)
Jantaram ao ar livre num rumor de verão e de turistas
Uma leve brisa passava entre diversos rostos

Ela viu-o depois ficar sozinho em plena rua 
Subitamente jovem demais e como expulso e perdido

(...)
***
Dedicatória da 3ª edição do coral ao Ruy Cinatti

Para o Rui Cinatti porque neste livro
De folha em folha passam gestos seus
Assim como de folha em folha em arvoredo
A brisa perde ao sussurrar os seus dedos
***
Carta(s) a Jorge de Sena

I
Não és navegador mas emigrante
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudades;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde
II
E agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa vida
III
Há muito que estavas longe
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos sempre que voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem -
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse

Trazias contigo um certo ar de capitão de tempestades
- Grandioso vencedor e tão amargo vencido -
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos
IV
E agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma carta
***
Retrato

O jovem lord Byron é americano
(...)
Um futuro de eficácia errância e pressa

(...)
***
O sol
O muro
O Mar

O olhar procura reunir um mundo que foi destroçado pelas fúrias.
Pequenas cidades: muros caiados e recaiados para manter intacto o alvoroço do início.
Ruas metade ao sol metade à sombra.
Janelas com portadas azuis fechadas: violento azul sem nenhum rosto.
Lugares despovoados, labirinto deserto: ausência intensa como o arfar de um toiro.
Exterior exposto ao sol, senhor dos muros dos pátios dos terraços.
Obscuros interiores rente à claridade, secretos e atentos: silêncio vigiando o clamor do sol sobre as pedras da calçada.
Diz-se que para um segredo não nos devore é preciso dizê-lo em voz alta ao sol de um terraço ou de um pátio.
Essa é a missão do poeta: trazer para a luz e para o exterior o medo.
Muros sem nenhum rosto morados por densas ausências.
Não o homem mas os sinais do homem, a sua arte, os seus hábitos o seu violento azul, o espesso amarelo, a veemência da cal.
Muro de taipa que devagar se esboroa - tinta que se despinta - porta aberta para o pátio de chão verde: soleira do quotidiano onde a roupa seca e espaço de teatro. Mas também pórtico solene aberto para a vida sagrada do homem.
Muro branco que se descaia e azula irisado de manchas nebulosas e sonhadoras.
A porta desenha sua forma perfeita à medida do homem: as cores do tinado de fitas contam a nostalgia de uma festa.
Lá dentro a penumbra é fresca e vagarosa.
Nenhum rosto, nenhum vulto.
As marcas do homem contando a história do homem.

No promontório o muro nada fecha ou cerca.
Longo muro branco entre a sombra do rochedo e as lâmpadas das águas.
No quadrado aberto da janela o mar cintila coberto de escamas e brilhos como na infância.
O mar ergue o seu radioso sorrir de estátua arcaica.
Toda a luz se azula.
Reconhecemos nossa inata alegria: a evidência do lugar sagrado.
***
Arte Poética V
(...)
Um dia em Epidauro - aproveitando o sossego deixado pelo horário dos turistas - coloquei-me no centro do teatro e disse em voz alta o princípio de um poema. E ouvi, no instante seguinte, lá no alto, a minha própria voz, livre, desligada de mim. Tempo depois, escrevi estes três versos: A voz sobre os últimos degraus/Oiço a palavra alada impessoal/ Que reconheço por não ser já minha.
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=785346318145118&set=a.462529847093435.111436.462489187097501&type=1
Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos. E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor.

(imagem: http://www.denzomag.com/)
 — com Luisa Galvao.
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=790037841009299&set=a.462529847093435.111436.462489187097501&type=1&theater

Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua face

Mas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncio

Escura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
in Livro Sexto (1962)
(imagem: silver-blonde.tumblr.com)
  — com Guida Tosca.
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=786130351400048&set=a.462529847093435.111436.462489187097501&type=1&theater
Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus ombros 
Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal 
Dói-me o luar como um pano branco que se rasga. 
(imagem: tumblr)

***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=660987520603632&set=a.559507790751606.1073741828.559343457434706&type=1&theater
“Mar, metade da minha alma é feita de maresia...”

© Alex Alemany - Fotografia
 — com Luisa Galvao.


***


Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

(imagem enviada pela Manuela Cunha)

***


Ó noite

Ó noite, flor acesa, quem te colhe?
Sou eu que em ti me deixo anoitecer,
Ou o gesto preciso que te escolhe 
Na flor dum outro ser?

 do livro "Poesia"
***
Pudesse eu

Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes.

 do livro "Poesia"
Fotografia de Lyse Marion
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=657881117580989&set=a.114014221967684.7650.112890882080018&type=1&theater
in POESIA (Ed. de autora, 1944), in OBRA POÉTICA (Caminho, 2010)

Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos
Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma beberá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.

Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.
Tela de ©Alice Vegrova (Rép. Checa)
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Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma

 no livro "Obra Poetica"

Art by Alex Alemany
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"Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
a tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
segue o mais secreto bailar do meu sonho,
que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim."
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AS ROSAS

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes
Todo o fulgor das tardes luminosas

O vento bailador das Primaveras
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas

És tu a Primavera que eu esperava,
A vida multiplicada e brilhante,
Em que é pleno e perfeito cada instante

Quando à noite desfolho e trinco as rosas
És tu a Primavera que eu esperava
***

Sacode as nuvens 

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

 do livro "Coral"

Arte - Raina Gentry
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Este é o tempo
Da selva mais obscura
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O poema completo:

Este é o Tempo

Este é o tempo
Da selva mais obscura

Até o ar azul se tornou grades
E a luz do sol se tornou impura

Esta é a noite
Densa de chacais
Pesada de amargura

Este é o tempo em que os homens renunciam

O ilustrador: http://www.graphicart-news.com/30-fantastic-illustrations-by-andy-levine/#.U5Wumigr5hf

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Espero sempre por ti o dia inteiro
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda

in 'Mar'
 — com Luisa Galvao.
***
Esta Gente

Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes tosco

Ora me lembra escravos
Ora me lembra reis

Faz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafre

Pois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nome

E em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcada

Meu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo

in "Geografia"
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Espera 

Dei-te a solidão do dia inteiro.
Na praia deserta, brincando com a areia,
No silêncio que apenas quebrava a maré cheia
A gritar o seu eterno insulto,
Longamente esperei que o teu vulto
Rompesse o nevoeiro.

 no livro "Dia do Mar"
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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=602215113203353&set=a.168244729933729.39228.168240016600867&type=1&theater
“Há mulheres que trazem o mar nos olhos 
Não pela cor 
Mas pela vastidão da alma 
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos 
Ficam para além do tempo 
Como se a maré nunca as levasse
... Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...

Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma." 

***
Hoje, noite de Abril, sem lua,
A minha rua
É outra rua.
Talvez por ser mais que nenhuma escura
E bailar o vento leste
A noite de hoje veste
As coisas conhecidas de aventura.
Uma rua nova destruiu a rua do costume.
Como se sempre nela houvesse este perfume
De vento leste e Primavera,
A sombra dos muros espera
Alguém que ela conhece.
E às vezes, o silêncio estremece
Como se fosse a hora de passar alguém
Que só hoje não vem. 

***
Entrevista de Sophia em 74 ( excerto evocado no programa A Força das coisas)

sobre a Cultura e o 25 de Abril (1974)

https://www.youtube.com/watch?v=n-FFc817b7M&sns=fb
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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=625496017505358&set=a.107207769334188.12956.100001348957610&type=1&theater


Barco

Margens inertes abrem os seus braços
Um grande barco no silêncio parte. 
Altas gaivotas nos ângulos a pique,
Recém-nascidas à luz, perfeita a morte.

Um grande barco parte abandonando
As colunas de um cais ausente e branco.
E o seu rosto busca-se emergindo
Do corpo sem cabeça da cidade.

Um grande barco desligado parte
Esculpindo de frente o vento norte.
Perfeito azul do mar, perfeita a morte
Formas claras e nítidas de espanto
In Coral
*
imagem A Scenery of Loss

***
Ressurgiremos

Ressurgiremos ainda sob os muros de Cnossos
E em Delphos centro do mundo
Ressurgiremos ainda na dura luz de Creta 
*
Ressurgiremos ali onde as palavras
São o nome das coisas
E onde são claros e vivos os contornos
Na aguda luz de Creta
*
Ressurgiremos ali onde pedra estrela e tempo
São o reino do homem
Ressurgiremos para olhar para a terra de frente
Na luz limpa de Creta
*
Pois convém tornar claro o coração do homem
E erguer a negra exactidão da cruz
Na luz branca de Creta 
***
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- Bom dia, bom dia, bom dia - disseram a Menina, o polvo, o caranguejo e o peixe.
- Bom dia - disse o rapaz. E ajoelhou-se na água, em frente à Menina do Mar.
- Trago-te aqui uma flor da terra - disse; chama-se uma rosa.
- É linda, é linda - disse a Menina do Mar, dando palmas de alegria e correndo e saltando em roda da rosa.
- Respira o seu cheiro para veres como é perfumada.
A Menina pôs a sua cabeça dentro do cálice da rosa e respirou longamente. Depois levantou a cabeça e disse suspirando:
- É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e até um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas são alegres. Na terra há tristeza dentro das coisas bonitas.
- Isso é por causa da saudade - disse o rapaz.
- Mas o que é a saudade? - Perguntou a Menina do Mar.
- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos se vão embora.
- Ai! - Suspirou a Menina do Mar olhando para a terra. Por que é que me mostraste a rosa? Agora estou com vontade de chorar.

(Via Gisela Mendonça)
***
"Caminho da Manhã
Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles escorre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.
Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível."

 in 'Livro Sexto' 
Via Maria Elisa Ribeiro