23/02/2016

5.156.(23fev2016.7.7') Adi Shankara

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 filósofo indiano 788d.C.-820d.C
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Shiva, na forma do Iogue Primordial
https://josetadeuarantes.wordpress.com/2013/05/09/dakshinamurti-stotram-um-poema-de-shankaracharya/
Shiva, na forma do Iogue Primordial
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Parte 1 (Dakshinamurti Stotram)
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Este mundo, irreal como a imagem de uma cidade refletida no espelho,
É igual a um sonho, que te faz ver fora o que habita o teu interior.
Pela autorrealização, Ele te leva ao Atman, que é “Um sem um segundo”.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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Este mundo, inicialmente imanifesto como a árvore na semente,
Manifesta-se pelo poder de Maya, que engendra o espaço e o tempo.
Como um mágico, Ele projeta o mundo de Si Mesmo por meio da vontade.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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A Ele, que te inspira a discriminar entre o real e o ilusório,
Que concede o conhecimento direto por meio da fórmula “Tu és Isso”,
Sem cuja condução te perderias no oceano do nascer e do morrer:
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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A Ele, cujo fulgor tu emanas pelos órgãos dos sentidos,
Como o brilho de uma chama no interior de um pote com orifícios,
Como a luz da Consciência, cujo “Eu Sei” originou toda a criação:
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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Aqueles que se identificam com corpo, vida, mente ou intelecto
São ingênuos como crianças ou embrutecidos pela estupidez.
Ele desmancha a trama de ilusão que Maya tece sem cessar.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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O Atman, que o véu de Maya cobre como o Sol durante o eclipse,
Brilha novamente com força quando a veladura é retirada.
Ele te faz despertar e recordar que estiveste dormindo.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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O Atman, ao longo das múltiplas mudanças da idade e do humor,
Manifesta-se no interior como o imutável senso de identidade.
Ele desvela sua própria natureza pelo auspicioso mantram “Aham Sa”.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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O Atman vê neste mundo expressões dúplices de Si Mesmo:
Pai e filho, amo e servo, mestre e discípulo, e assim vai.
Ele te emancipa do ir e vir errante entre o sonho e a vigília.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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Tudo o que percebes deriva da manifestação óctupla de Shiva:
Terra, água, fogo, ar, éter, sol, lua e a testemunha consciente.
Imerge em contemplação e realiza que não há nada além Dele.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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Neste hino, a onipresença do Atman foi claramente enunciada.
Escutando-o, recitando-o, refletindo sobre ele, meditando nele,
Saberás que és – tu mesmo – o Senhor, em seu óctuplo esplendor.
Saudações a Ele, o Senhor Dakshinamurti, na forma de meu Guru.
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Parte 2 (Dhyana Shlokas)
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Um jovem Guru, que pelo silêncio dá a conhecer o Supremo Brahman,
Rodeado por rishis firmemente ancorados na sabedoria,
Mestre dos mestres, cujo gesto é o Chinmudra, e a natureza, a plenitude,
Sorrindo, deleitando-se consigo mesmo:
Eu me curvo diante dele, o Senhor Dakshinamurti.
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Sentado no chão, à sombra da copa do banyan,
Ele distribui o conhecimento com fartura aos rishis que o circundam,
Mestre dos três mundos,
Destruidor das misérias do nascimento e da morte:
Eu me curvo diante dele, o Senhor Dakshinamurti.
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Ó maravilha! Sob a copa do banyan, discípulos idosos rodeiam o jovem Guru.
Ele os ensina em silêncio, e, no entanto, todas as suas dúvidas são dissipadas.
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Saudações ao Senhor Dakshinamurti, morada da sabedoria, mestre do mundo,
Curador daqueles que sofrem da doença do Samsara.
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Saudações ao Senhor Dakshinamurti, que manifesta o sentido oculto do Om,
Cuja forma é puro conhecimento, imaculado e silencioso.
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Nota explicativa
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Dakshinamurti Stotram compõe, juntamente com o Bhaja Govindam e o Tripurasundari Ashtakam (também postado neste Blog), a tríade dos poemas máximos de Adi Shankaracharya (século IX d.C.), considerado o maior filósofo da Índia.
Há séculos, seus versos vêm sendo não apenas memorizados, recitados ou cantados, mas também esmiuçados pela reflexão intelectual ou penetrados ainda mais profundamente pela meditação. Pois, imbricados na beleza das imagens poéticas, densos ensinamentos da filosofia advaita (não dual) são por ele transmitidos. O grande advaitim (partidário da não dualidade) o compôs como um hino em louvor a Shiva, que Shankaracharya visualizou na forma de seu próprio Guru.
Dakshinamurti é, precisamente, um dos 1000 ou 1008 nomes de Shiva. Segundo os exegetas, essa palavra pode ser desmembrada de duas maneiras:
1. Como Dakshina (Sul) e Murti (Forma), significando, neste caso, “Aquele cuja forma se volta para o Sul”, ou, de maneira abreviada, “Aquele que olha para o Sul”;
2. E como Dakshin (Hábil) e Amurti (Sem Forma), significando, neste caso, “Aquele que é hábil e sem forma”.
A explicação, no primeiro caso, é que, na “topografia mística”, o Norte alude, simbolicamente, ao mundo divino, enquanto o Sul representa o mundo dos homens. Assim, nos relatos mitológicos, a morada de Shiva localiza-se no monte Kailasa, situado na cordilheira do Himalaia, ao norte do subcontinente indiano.
Aplicada ao Deus, a metáfora “olhar para Sul” possui o sentido de compadecer-se do sofrimento humano (decorrente da ignorância) e vir em nosso socorro (por meio do esclarecimento).
Essa orientação espacial é obrigatória nos templos shivaístas. Neles, o eixo principal do complexo arquitetônico sempre respeita a direção Norte-Sul. E a estátua principal do Deus, instalada no Sancta Sanctorum, tem a face necessariamente voltada para o Sul. Do lado de fora do edifício principal, a estátua de Nandi, o boi, olha para o Norte, simbolizando a Alma que aspira ao Divino.
Mas a dicotomia Deus-Alma é transcendida pela reflexão filosófica, pois o boi, que constitui a montaria (vahana) de Shiva, é interpretado também como o próprio Shiva, em uma manifestação zoomórfica.
A explicação para o segundo desmembramento da palavra Dakshinamurti é que o Divino é “Hábil” (na remoção da ignorância) e “Sem Forma” (porque transcende todas as formas).
Dakshinamurti Stotram foi composto em sânscrito por Shankaracharya. Para recriá-lo em português, comparei três traduções em língua inglesa: duas, bastante eruditas, diretas do sânscrito; e a terceira a partir da famosa versão em tâmil escrita por Sri Ramana Maharshi.
A escolha não foi fácil, porque, apesar de utilizarem as mesmas imagens poéticas, e, em algumas passagens, até as mesmas palavras, essas traduções divergem em vários aspectos. De modo que o mesmo verso adquire, às vezes, conotações completamente diferentes em um texto ou no outro.
Procurei me guiar pelo que sei da filosofia advaita e também pela intuição. Depois, passei tudo por uma peneira formal de malha fina, para chegar a uma solução rigorosamente homogênea em português.
Assim, na “Parte 1”, que constitui o poema propriamente dito, estruturei as 10 estrofes que compõem o hino (strotam) em quartetos. Neles, como regra geral, os dois primeiros versos expõem os grandes desafios da existência e da consciência, na perspectiva advaitim; o terceiro descreve como, em cada situação, o Divino dissipa as trevas da ilusão e conduz o homem à luz do conhecimento; e o quarto, que se repete em todas as estrofes como um bordão, louva esse mesmo Divino, que se manifesta na forma do Guru.
A “Parte 2” não pertence ao poema original. Constitui-se de slokas (sentenças versificadas) que, por meio de imagens vívidas, destinam-se a estimular a visualização e propiciar a meditação. Apesar de consagrada pelo tempo e indubitavelmente vinculada à tradição de Shankaracharya, acredita-se que não tenha sido composta pelo filósofo, mas pela posteridade.
O autor (ou autores) desses slokas recorreu às narrativas purânicas acerca de Shiva e Skanda-Murugan (o filho mitológico de Shiva, que é o próprio Shiva em uma forma juvenil) para compor a imagem de um Guru jovem, sentado debaixo de uma grande árvore (o banyan ou figueira brava), e circundado por discípulos sábios e idosos.
Mas essa bela cena adquire novas e notáveis conotações à luz da informação (veiculada pela primeira vez por Paramahansa Yogananda, em sua famosa Autobiografia de um iogue) de que Shankaracharya foi, secretamente, discípulo de Babaji. A imagem corresponde, nos mínimos detalhes, a várias descrições do incomparável mestre. Por meio dela, fica fácil entender a devoção com que o grande filósofo louva o Senhor Dakshinamurti, que se mostrou aos seus olhos na forma de seu próprio Guru.
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Textos correlatos postados neste blog:
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Sobre Shankaracharya:
Sobre Babaji:
Sobre a filosofia advaita:
Tripurasundari Ashtakam (outro poema de tríade máxima de Shankaracharya):
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Via Graça Silva

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"Mantenha a mente focada no que interessa. A vida é tão incerta como uma gota de chuva deslizando na pétala de uma flor de lótus. (...) do desapego surge a libertação das ilusões, que conduz à capacidade de centrar-se em si mesmo. Da estabilidade do Ser deriva a libertação."