30/04/2016

3.641.(30ab2016.2h22'22) Paulo Varela Gomes

Nasceu a 1952
e morreu a 30abr2016
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30ab2016
Ricardo Duarte:
"Soube agora da morte de Paulo Varela Gomes, notícia que encheu este sábado de tristeza. Estava há muito doente e nunca o escondeu. Terminou esta noite a sua luta pela vida e pela escrita. Deram-lhe quatro meses e ele transformou-os em quatro anos, com cinco obras pelo meio, exemplarmente publicadas pela Edições tinta-da-china. "Hotel", de 2014, é um dos grandes romances da literatura portuguesa das últimas décadas. Resta-nos reler os seus livros e celebrar a sua determinação, perseverança e coragem."
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NARCISO - Paulo Varela Gomes

https://www.youtube.com/watch?v=UJEIg2XvFo0
Escrito em Agosto / Setembro de 1988
Publicado na Revista Programa 3/88 da Companhia de Dança de Lisboa
Fundo musical excerto de Adagieto da 5ª Sinfonia de G.Mahler - Versão POP
Ilustração NARCISO Painel de Azulejos do último Quartel do sec. XVII - Salão literário do Palácio dos Marqueses de Tancos - Lisboa
G. Mahler-https://pt.wikipedia.org/wiki/Gustav_...
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FATOS DE BANHO - Paulo Varela Gomes
https://www.youtube.com/watch?v=yY0694ODT-4

Revista / Programa 2/ 86 da CDL - Maio de 1986
Neste clip vídeo suporte musical:Abandoned - Andrew Scott Foust - Instrumental 
Arquitetura em Cascais 
https://www.google.pt/search?q=arquit...
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METAMORFOSES - Paulo Varela Gomes
https://www.youtube.com/watch?v=xCacMtwth0YEscrito para a Revista / Programa 1/ 93 da CDL em AGOSTO de 1993
Responsável Gráfico: Vasco Colombo
Neste clip vídeo suporte musical:Toccata and Fugue In D Minor-Bach, Johann Seb.
A CDL e o Palácio Tancos
http://www.youtube.com/watch?v=dASwIX...
Carlos Botelho - http://www.cidadevirtual.pt/cdl/botel...

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ISTO É POSE ! - Paulo Varela Gomes
https://www.youtube.com/watch?v=Cpveew78Qhw







Ensaio escrito para a Revista / Programa 1/ 85 da CDL em Setembro de 1986

Neste clip vídeo suporte musical:Allegro da Sinfonia nº6 - L. Van Beethoven
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A obra de Paula Rego - Paulo Varela Gomes - Ensaio escrito em 1987
https://www.youtube.com/watch?v=d5MxBB9anYYEste ensaio foi publicado na Revista / Programa da CDL em Julho de 1987
Concerto For Horn & Orchestra No. 2 In E Flat Major: Rondo: Alle-Wolfgang Amadeus Mozart

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(Com) posições * (Com) preensões 1 - Paulo Varela Gomes
https://www.youtube.com/watch?v=tAeL2-uZAY0Texto publicado na Revista Programa da CDL em Janeiro de 1989
Design gráfico: Paulo Ramalho
Neste clip vídeo fundo musical: - Good Night - Good Night - John Lennon, Paul McCartney
Edward Muybridge
http://pt.wikipedia.org/wiki/Eadweard...
https://www.google.pt/search?q=muybri...
The Beatles-https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Bea...

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(Com) posições * (Com) preensões 2
https://www.youtube.com/watch?v=Pb873ttKgpsTexto publicado na Revista Programa da CDL em Junho de 1989
Neste clip vídeo fundo musical, excerto de : Concerto For Piano & Orchestra No. 23 In A Major: Allegro Assai - Wolfgang Amadeus Mozart
Rudolf Koppitz
http://en.wikipedia.org/wiki/Rudolf_K...
Wolfgang Amadeus Mozart - http://geniosmundiais.blogspot.pt/200...

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(Com) posições * (Com) preensões 3 
https://www.youtube.com/watch?v=6TGbawVjtDs

Texto publicado na Revista Programa da CDL em Setembro de 1989
Neste clip vídeo fundo musical, excerto de : Soirees musicales, S424/R236 - II. La regata veneziana - G.Rossini - Kemal Gekic
Lois Greenfield - A arte da Fotografia:
http://www.youtube.com/watch?v=ggNYFm...
http://www.youtube.com/watch?v=DVz_ZV...
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(Com) posições * (Com) preensões 4
https://www.youtube.com/watch?v=WvU1lQoMBFwTexto publicado na Revista Programa da CDL em Janeiro de 1990
Design gráfico: Emílio Vilar
Neste clip vídeo fundo musical: - VilarSymphony No. 9 in E minor, Op. 95, B. 178, "From the New World"Stuttgart Radio Symphony Orchestra -Antonin Dvorak
Karel Paspa
https://www.google.pt/search?q=karel+...
Antonin Dvorak - https://pt.wikipedia.org/wiki/Anton%C...

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(Com) posições * (Com) preensões 5
https://www.youtube.com/watch?v=NdGxVc9caFETexto publicado na Revista Programa da CDL em Junho de 1990
Neste clip vídeo fundo musical, excerto de :Porgy and Bess Suite - Moscow State Radio and Television Symphony
Sobre Margaret Bourke-White:
http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/...
https://www.google.pt/search?q=margar...
Porgy and Bess (summertime) - http://www.youtube.com/watch?v=O7-Qa9...

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(Com) posições * (Com) preensões 6
https://www.youtube.com/watch?v=4RVC5TU-m4UTexto publicado na Revista Programa da CDL em Setembro de 1990
Design gráfico: Emílio Vilar
Neste clip vídeo fundo musical:Strangers In The Night- Christopher West
Sobre Robert Mapplethorpe:
http://www.girafamania.com.br/montage...

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(Com) posições * (Com) preensões 7
https://www.youtube.com/watch?v=gc0BXrjJllgTexto publicado na Revista Programa da CDL em Janeiro de 1991
Design gráfico: Emílio Vilar
Neste clip vídeo fundo musical:Goodnight - the Beatles(versão instr.) - Jason Falkner
Sobre Bill Brandt: 
https://www.google.pt/search?q=bill+b...
http://en.wikipedia.org/wiki/Bill_Brandt

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(Com) posições * (Com) preensões 8
https://www.youtube.com/watch?v=az3FhvsVlfgTexto publicado na Revista Programa da CDL em Agosto de 1991
Design gráfico: Emílio Vilar
Neste clip vídeo fundo musical: gin'gin' In the Rain -Tony Smith
Gene Kelly
https://en.wikipedia.org/wiki/Gene_Kelly
http://www.youtube.com/watch?v=D1ZYhV...

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(Com) posições * (Com) preensões 9
https://www.youtube.com/watch?v=Ox_9-QQC2Z8Texto publicado na Revista Programa da CDL em Janeiro de 1992
Design gráfico: Pedro Morais
Neste clip vídeo fundo musical: -Symphony No. 7 in A major, Op. 92 - IV. Allegro con brio- L.Van Beethoven-Zagreb Philharmonic Orchestra
Isadora Duncan
http://pt.wikipedia.org/wiki/Isadora_...
http://www.youtube.com/watch?v=xXq0Z4...
Edward Steichen
http://pt.wikipedia.org/wiki/Edward_S...
Beethoven-https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_...

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Com) posições * (Com) preensões 10
https://www.youtube.com/watch?v=9TIQCUflhBATexto publicado na Revista Programa da CDL em Junho de 1992
Design gráfico: Pedro Morais
Neste clip vídeo fundo musical:Concerto For Horn & Orchestra No. 2 In E Flat Major: Rondo: Alle - Wolfgang Amadeus Mozart - https://pt.wikipedia.org/wiki/Wolfgan...
George Fiske
https://en.wikipedia.org/wiki/George_...
https://www.google.pt/search?q=george...

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Com) posições * (Com) preensões 11 

https://www.youtube.com/watch?v=ykJOSrWHbxM
Texto publicado na Revista Programa da CDL em Outubro de 1992
Design gráfico: Pedro Morais
Neste clip vídeo fundo musical: Poulenc - Piano Concerto, FP 146 - I. Allegretto
German Radio Saarbrucken-Kaiserslautern Philharmonic Orchestra
Bronislava Nijinska
https://en.wikipedia.org/wiki/Bronisl...
André Kertész:
https://en.wikipedia.org/wiki/Andr%C3...
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(Com) posições * (Com) preensões 12
https://www.youtube.com/watch?v=4hVwDn-rPJUTexto publicado na Revista Programa da CDL
Onde se lê dançado há onze anos pela CDL deve ler-se há 27 anos.
Neste clip vídeo fundo musical, excerto de: Moonlight Sonata - L. V. Beethoven:
Alex Brown Orchestra - versão POP.
Ver também: 
www.cidadevirtual.pt/cdl
"SAGA" - Temporada 86 / 87 
Coreografia: Mary-Jane O'Reilly 
Música: Jan Preston e Neil Hannan
Figurinos: Execução de Isabel Telinhos
Luzes: José Manuel Oliveira
Interpretes: Toda a Companhia
https://www.youtube.com/watch?v=Wm62A...
https://www.youtube.com/watch?v=VdhG-...

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9maio2014
o extraordinário lançamento do HOTEL
Lançamento do livro Hotel, de Paulo Varela Gomes, na Casa Independente (http://casaindependente.com/), com apresentação de António Araújo (http://malomil.blogspot.pt/) e conversa com Alexandra Lucas Coelho.
https://www.youtube.com/watch?v=F1QPnheirCc
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cont.
https://www.youtube.com/watch?v=EKUQIZzYk9I
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http://www.clubedoslivros.pt/2016/02/passos-perdidos-de-paulo-varela-gomes.html
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Este ano, Toledo é sem dúvida de El Greco. Várias exposições assinalam os 400 anos da morte do pintor que escolheu — ninguém sabe muito bem porquê — viver naquela cidade espanhola. Convidámos o historiador de arte Paulo Varela Gomes a ir até lá e olhar para a relação entre a cidade e a obra do Grego, “um caso muito especial, talvez único na história da arte europeia”
Quando a Revista 2 me convidou para ir a Toledo ver o conjunto de exposições que marcam os 400 anos da morte de El Greco (1614), tal convite foi antecedido por uma pergunta surpreendente: “Gostas de El Greco?”
Nunca me ocorrera que tal pergunta fosse possível. Para mim, O Grego pertencia à categoria dos Mestres Antigos, artistas anteriores ao século XIX cujo valor é histórico antes de ser estético e é económico antes de ser monumental. A Sotheby’s vendeu em 2013 uma das suas obras por 14 milhões de dólares. Perante tal fama e tais preços, nunca me perguntara a mim próprio se gostava ou não de El Greco.
Todavia, não tardei a perceber que a pergunta que me fizeram é pertinente. El Greco é um caso muito especial, talvez único na história da arte europeia.
O artista que conhecemos pela alcunha de El Greco, inventada no século XIX, foi baptizado com o nome de Domenikos Theotokopoulos em Cândia na ilha de Creta, onde nasceu em data incerta entre 1537 e 1542. Creta era então uma colónia veneziana, a cultura dominante era ainda bizantina e foi no quadro dessa cultura que Domenikos aprendeu a pintar. Depois, esteve dez anos em Itália, em Veneza e em Roma, mas em 1577 partiu para Espanha e instalou-se em Toledo, ninguém sabe bem porquê (meio a sério, o escritor Ramon Gomez de la Serna, numa biografia do Grego datada de 1935, El Greco, el visionario de la pintura, escreveu que o artista veio para Espanha por causa da tourada — lembrando-se com certeza das famosas figurinhas, antigas de quatro mil anos que, em Creta, mostram jovens a saltar sobre touros...)
Contrariamente ao que muitos ainda pensam, O Grego passou quase despercebido tanto em Itália como em Espanha. Poucos o elogiaram, muitos disseram mal dele e quase não recebeu encomendas valiosas (a coroa de Espanha encomendou-lhe um quadro apenas e Filipe II não gostou da obra). Permaneceu no limbo da história até à segunda metade do século XIX e só há pouco mais de cem anos começou a ter um público de apreciadores e estudiosos, se exceptuarmos os retratos que pintou, desde sempre admirados.
Quem não gosta da sua obra utiliza argumentos de tipo formal. São pinturas escuras, incompreensivelmente escuras para quem nasceu e viveu no Sul mediterrânico. As suas vistas de Toledo, por exemplo, transformam uma cidade seca e granítica num lugar de tempestade ou de verdes profundos, quase tropicais. As figuras têm proporções excessivamente alongadas, o desenho é desajeitado, os limites confundem-se, rostos e membros são pintados com grande imprecisão, as rochas parecem nuvens e as nuvens são tão pouco maleáveis como as pedras, os céus têm cores e formas como que desgrenhadas, falta equilíbrio à composição, com figuras a mais de um dos lados e a menos do outro. Antigamente, a linguagem de rejeição era menos formal, mais relacionada com questões de doutrina cristã. Mas alguns críticos mencionaram os erros de proporção e acrescentaram que O Grego não sabia pintar, que fazia “borrões”.
Um comentário moderno muito significativo acerca do Grego é que as suas obras podiam ter sido executadas no século XIX ou princípio do século XX. Os nomes de Delacroix, de Manet, dos “Fauves”, de Picasso, dos expressionistas alemães, têm sido invocados a propósito do Grego desde o início do século XX. As actuais comemorações vão culminar, aliás, numa exposição intitulada El Greco y la Pintura Moderna que abre no Prado, em Madrid, no final de Junho. O símbolo desta exposição é um pormenor do painel A Visão de S. João ou O Quinto Selo. É verdade que o painel está incompleto: falta a parte superior, que deveria conter uma representação do mundo celestial. Apesar disso, muitos comparam-no com as Demoiselles d’Avignon de Picasso (1907), e outros acham difícil acreditar que um homem do início do século XVII compusesse figuras tão estilizadas e panejamentos nos quais as figuras se envolvem ou se afundam, separadas do chão e do céu, impossibilitadas de exibir qualquer “naturalidade”. É como se O Grego tivesse sido protagonista de um milagroso anacronismo na história da arte.
O Grego de Toledo
Toledo é património mundial e um dos sítios mais conhecidos e admirados em toda a Europa. Rodeada ainda de muralhas, mantendo o essencial da forma medieval e renascentista, disposta num planalto rochoso inclinado para o Tejo que a envolve por três lados, a cidade tem o encanto estranhamente melancólico que lhe é conferido pelo tom da pedra e pelas silenciosas ruelas e becos onde não há turistas porque, como sucede em todas as cidades deste tipo, os turistas andam sempre pelos mesmos sítios.
Um dos lugares da cidade onde os vários problemas suscitados pela vida e obra do Grego melhor se fazem sentir é a chamada “Casa-Museu de El Greco”. Não existem lá obras interessantes do pintor (a mais importante, uma esplêndida vista de Toledo, foi emprestada para o espaço da exposição principal no Museu de Santa Cruz). Pouca gente visita a Casa, em comparação com os outros espaços expositivos: o museu de Santa Cruz, capelas e igrejas (a exposição do museu, por exemplo, regista uma média de 1500 entradas por dia, 3000 aos fins-de-semana). Situa-se na frente sul da cidade sobre o apertado vale do Tejo, uma área de onde desapareceu grande parte dos edifícios anteriores ao século XIX. O Grego viveu nesta área, na paróquia de S. José, para cuja capela pintou a sua obra mais famosa, O Enterro do Conde de Orgaz (a obra ainda está na capela e é das poucas que suscitaram desde sempre uma apreciação positiva quase unânime).
A Casa-Museu de El Greco nunca foi, porém, a casa do Grego. Esta já desapareceu há muito. A Casa-Museu foi construída no início do século XX pelo marquês de Vega-Inclán, que quis recriar aquilo que ele e os intelectuais modernistas que o rodeavam pensavam ser uma casa do início do século XVII: lá estão os azulejos, os gessos pintados, os tectos de alfarge, o pátio e a fonte, as grossas portas com cravos de ferro. Foi uma das primeiras tentativas de criar uma casa espanhola “típica” e esta invenção teve como resultado a criação de um ambiente que confere a equívoca solidez dos simulacros à tão propagandeada ligação entre o pintor e a cidade. “El Greco, o pintor de Toledo”, “Toledo, a cidade de El Greco”. Toda a gente parece reconhecer estas frases como verdadeiras e são incomuns os casos em que uma cidade e um artista tenham entrelaçado assim os seus nomes e a sua fama. Mas o título da exposição do Museu de Santa Cruz — El Greco Regressa a Toledo — recorda que a obra do artista foi exposta pela primeira vez na cidade em 1903, quase 300 anos depois da sua morte. Houve “enlace”, é verdade, mas não por causa da fama do pintor ou do orgulho da cidade. Pelo contrário: o infortúnio póstumo do Grego ocorreu, em parte, por causa da decadência de Toledo, e a recuperação da fama do artista foi obra dos intelectuais dos séculos XIX e XX, como o marquês de Vega-Inclán, que amavam a Toledo decadente e compuseram as lendas da Toledo medieval e renascentista.
Como a investigação recente tem vindo a mostrar, O Grego nunca se integrou na sociedade toledana, não pertenceu a nenhuma das Irmandades ou Confrarias da cidade, não aprendeu a falar castelhano decentemente, assinava as obras em grego ou com o nome grego. Teve um filho de uma mulher com quem não casou e que cedo desapareceu, era conhecido na cidade, tinha um círculo de amigos, mas só estes o admiravam.
Na sua época, poucos toledanos se deram conta de que Toledo ia entrar num longo e duro período de decadência. Era cidade há mil anos. Com a queda do Império Romano no século V, foi capital do reino visigodo ibérico. A partir do século VIII, os árabes e os berberes transformaram-na numa das mais importantes cidades muçulmanas do Ocidente. A conquista cristã tornou-a capital dos reis de Castela, alguns dos quais se intitulavam Imperadores das várias religiões. Até ao reinado de Carlos V, na primeira metade do século XVI, Toledo ostentou o orgulhoso título de Capital Imperial.
Mas Filipe II trocou-a por Madrid em 1561. Quando O Grego chegou, Toledo já não era capital de nada. As florescentes indústrias têxtil e metalúrgica mantiveram a prosperidade da cidade durante mais algumas décadas. Desses tempos só resta a metalurgia que ainda hoje caracteriza os aspectos mais caricaturalmente típicos de Toledo, as espadas e armaduras, navalhas e escudos que, todos iguais e todos diferentes, brilham a chumbo, ferro e púrpura nas montras das ruas mais importantes, as ruas onde há turistas.
No início do século XVII, a população começou a diminuir. A expulsão dos judeus da Espanha no final do século XV — que, aliás, tornou o bairro onde O Grego se veio a instalar um sítio barato e semiarruinado — já tinha sido absorvida pelo crescimento industrial da cidade mas a expulsão dos mouriscos (mouros convertidos ao cristianismo) em 1609, traduziu-se na perda de seis mil pessoas e no abandono de bairros importantes. Depois, tornou-se irresistível a atracção da corte de Madrid, ali tão perto. Em meados do século XVIII, viviam em Toledo apenas duas dezenas de milhares de pessoas, um terço da população que O Grego encontrara no século XVI. A cidade fora abandonada à decadência.
Os mistérios de Toledo
No século XIX, porém, havia quem apreciasse a decadência. Eram pessoas que tiravam prazer do arrepio romântico do passado, sobretudo aqueles que se viam a si próprios como não decadentes, ou seja, os europeus do Norte e os norte-americanos. Os escritores e artistas franceses da primeira metade do século XIX foram os primeiros a admirarem a Espanha e os mitos da Espanha. Em 1838, abriu uma galeria de pintura espanhola no Louvre, na qual se podiam ver algumas obras do Grego. No Verão de 1840, o famoso poeta Théophile Gauthier viajou por Espanha e deixou disso um livro de impressões de viagem, o pintor Manet escreveu a Baudelaire em 1865, depois de ter estado em Madrid, dizendo-lhe que Velázquez fora o “maior pintor que o mundo jamais conheceu”. Se estes autores só chegaram ao Grego através da admiração que tinham por Velázquez, já o alemão Julius Meier-Graefe, na sua Viagem a Espanha de 1910, criou a lenda moderna do pintor: por um lado, equiparou-o a “Mestres Antigos” como Miguel Ângelo, Ticiano, Rubens e Rembrandt, por outro, escreveu que a sua obra antecipava as de Cézanne ou Renoir.
Em 1912, o escritor francês Maurice Barrès, publicou O Grego e o Segredo de Toledo. Informa-nos nesse livrinho que os toledanos começavam a apreciar os preços que os estrangeiros ofereciam pelas pinturas do artista, inflacionavam esses preços e procuravam obras do Grego por toda a parte... embora continuassem a chamar louco ao artista. Barrès, por seu lado, criou mais uma faceta do mito de El Greco, relacionando a sua pintura com o misticismo castelhano de Santa Teresa de Ávila e S. João da Cruz. “Já se disse que era louco”, escreveu ele. “Cuidado! É simplesmente um católico espanhol. Quero dizer que constitui uma certa qualidade do sublime que podem produzir todas as nações católicas, mas à qual a espanhola associou o seu nome.”
A lenda do Grego começou assim com o romantismo modernista do início do século XX: o artista era um antecessor longínquo da pintura moderna ou um lunático, um místico sem paralelo no seu tempo ou um doente com problemas de visão. Ainda por cima vivera a maior parte da sua vida em Toledo, e esta cidade excitava a fértil imaginação dos europeus do Norte e dos próprios espanhóis, a cidade romana, visigoda, muçulmana, moçárabe, hebraica, cheia de fantasmas, subterrâneos escondidos, vozes que sussurram na noite. Escreveram-se literalmente dezenas de novelas e romances populares, muitos deles vindos de escritores americanos, quase todos lidando com o oculto.
Na nossa época, têm grande sucesso circuitos turísticos intitulados “Mistérios de Toledo”, “Segredos de Toledo”. Por entre histórias da cabala, massacres praticados por príncipes muçulmanos, mouras encantadas, cavaleiros sem nome e sem rosto, O Grego e os seus lugares toledanos, verdadeiros e falsos, ocupam um lugar importante.
Mas a história mais espantosa do triunfo romântico e modernista de Toledo sucedeu nos anos de 1920. Escreveu o futuro realizador Luis Buñuel em Março de 1923: “Passeava pelo claustro da catedral [de Toledo] completamente bêbado, quando, de repente, ouço cantar milhares de pássaros e sinto que devo entrar imediatamente na igreja dos Carmelitas, não para me fazer frade mas para roubar a caixa do convento. Vou até lá, o porteiro abre-me a porta e vem um frade. Falo-lhe do meu súbito e fervente desejo de me tornar carmelita. Ele, que sem dúvida deu pelo cheiro a vinho, acompanhou-me à saída. No dia seguinte tomei a decisão de fundar a Ordem de Toledo.”
E se bem o disse, melhor o fez: com alguns amigos, criou uma Ordem surrealista e esotérica que tinha estatutos muito simples: “Vaguear à noite por Toledo completamente bêbado. Nunca tomar banho quando se estiver em Toledo. Ir lá pelo menos uma vez por ano. Amar Toledo acima de todas as coisas. Velar pela sepultura do cardeal Tavera.”
Este cardeal Tavera, fundador do magnífico hospital do mesmo nome, está sepultado na nave da igreja hospitalar e a sua estátua jacente em mármore, concebida por Alonso Berruguete em 1551, tem o pormenor significativo de o rosto do cardeal ter sido esculpido a partir da sua máscara funerária. É uma das estátuas jacentes mais impressionantes que conheço, e o mesmo deve ter pensado Buñuel, que, mais tarde, já realizador controverso e reconhecido, fez a estátua contracenar com Catherine Deneuve numa arrepiante sequência de Tristana, de 1970, um filme inteiramente rodado em Toledo. Outros membros da Ordem de Toledo eram os poetas Federico Garcia Lorca e Rafael Alberti, o pintor Salvador Dalí, e até o francês Georges Sadoul, um teórico do cinema. Na fotografia aqui reproduzida, vemos, da nossa esquerda para a direita, Pepín Bello, escritor, José Moreno Villa, poeta e colunista, Luis Buñuel, José Maria Hinojosa, poeta, Maria Luísa González, uma das primeiras licenciadas por uma universidade espanhola, e Salvador Dalí.
Estes intelectuais madrilenos (que os toledanos não apreciavam excessivamente, aliás) costumavam alojar-se na famosa Posada de la Sangre, que toda a gente pensava ter sido o lugar onde Cervantes escreveu a novela pícara intitulada A Ilustre Esfregona. Foi um dos sítios mais fotografados de Toledo até ter desaparecido já no século XX. A todos recordava a Toledo antiga.
El Greco no século XXI
A exposição mais importante que podemos agora visitar em Toledo foi instalada na grande nave cruciforme do hospital quinhentista de Santa Cruz, hoje um museu. O comissário das comemorações é Fernando Marías, um dos mais influentes historiadores da arte do nosso tempo. Já em 1997, Marías tinha escrito uma monografia sobre O Grego, intitulando-a Biografia de Um Pintor Extravagante, um termo que teve a gentileza de emprestar à Revista 2 e que foi frequentemente aplicado ao artista, incluindo na sua própria época, para significar uma pessoa caprichosa, de atitudes inesperadas. Uma nova edição desse livro, publicada agora para as exposições, vira do avesso muitas coisas em que acreditávamos acerca do Grego. No livro, e também nos textos que escreve no catálogo, Fernando Marías vem dizer que não senhor, O Grego não foi tão desconhecido ou menosprezado como se diz e que as suas obras mais “estranhas” eram assim de propósito porque o artista queria ser diferente dos outros pintores do seu tempo. Segundo Marías, os problemas mais graves que O Grego enfrentou foram iconográficos e não formais: por exemplo, ninguém se queixou da extraordinária cor que o pintor concebeu para o manto do Despojamento de Cristo da sacristia da catedral, mas muitos observaram criticamente que Maria, Marta e Madalena não deviam estar ali porque os Evangelhos não referem a sua presença. Pior do que isso, porém, eram os preços excessivos que O Grego pedia e os infinitos litígios judiciais em que se envolvia por questões de dívidas, embora tivesse tido pouquíssimos clientes ricos. De facto, pintava essencialmente para pessoas que lhe pediam imagens devocionais para uso doméstico. Durante as duas primeiras décadas da sua vida em Toledo, não conseguiu que lhe encomendassem um único retábulo pintado — e só encomendas desse tipo davam dinheiro. A situação melhorou, mas apenas relativamente, depois do sucesso do Enterro do Conde de Orgaz, a sua primeira grande encomenda de uma paróquia toledana.
Marías chama também a atenção dos mais distraídos para o facto de O Grego ter tido um importante círculo de amigos e admiradores em Toledo. Eram quase todos poetas e não artistas plásticos. Um dos melhores retratos do Grego mostra um desses poetas, frei Hortênsio Félix Palavicino. Marías escreve: “Os artistas da palavra parecem ter compreendido a inovação e génio do pintor antes de todos os outros.”
A primeira obra historiográfica moderna sobre El Greco, publicada em 1908 pelo historiador Manuel Bartolomé Cossio, foi também a obra canónica sobre o pintor quase até ao final do século XX. Mas Cossio teve à sua disposição apenas 37 documentos respeitantes a El Greco e não conhecia a sua pintura em Creta ou em Itália. Hoje, conhecemos mais de 500 documentos, 20 mil palavras escritas pelo próprio Grego, dezenas de pinturas que nunca haviam sido identificadas, molduras, esculturas e retábulos em madeira desenhados pelo artista.
A descoberta de quatro obras de Domenikos Theotokopoulos em Creta permite reavaliar a importância da sua aprendizagem bizantina. Em O Falecimento da Virgem, uma obra de cerca de 1566, vemos os traços de branco com que o pintor, à maneira dos seus conterrâneos e outros artistas gregos, figura a luz e o relevo, ou melhor, procura fazer da luz, e não da sombra, o elemento que produz a ilusão de relevo. Reencontramos estes traços em muitas das suas obras italianas ou espanholas. O Grego opera a distinção entre o mundo terreno e visível no qual decorre a cena do trânsito da Virgem, e o mundo celestial e invisível ao qual esta ascende, através de recursos aos quais voltou depois vezes sem conta: repare-se na pequena auréola que envolve Cristo debruçado sobre a sua Mãe e o separa do mundo “terrestre”, ou no turbilhão nebuloso e dourado que sobe aos céus e nos anjos pousados em nuvens tão sólidas que parecem barcos.
Apesar da quantidade de obras e documentos de que dispomos hoje, continua a saber-se pouquíssimo sobre a estada do Grego tanto em Veneza como em Roma — excepto que não teve qualquer sucesso profissional, embora tenha executado em Roma os primeiros retratos, desde logo notáveis. As obras que fez e os comentários do seu próprio punho mostram que o colorido da pintura veneziana o marcou para sempre. Mas as tábuas do chamado “tríptico de Modena”, sobretudo aquela que se intitula O Último Juízo, demonstram que, apesar da cor, da perspectiva e das figuras, O Grego foi muito frequentemente grego, ou até mesmo oriental: interessou-lhe mais impressionar-nos, fixar-nos o olhar, do que contar-nos uma história ou seduzir o nosso gosto pela regra e a harmonia.
Na pintura de El Greco, o alongamento, distorção dinâmica e encurtamento perspéctico das figuras, a maneira sumária como pintou elementos paisagísticos, o seccionamento de muitas pinturas em partes como que autonomizadas, devem-se a muitas razões. Os rostos e corpos alongados, por exemplo, corresponderam a uma opção deliberada, como mostram muitas radiografias nas quais vemos que o pintor começava ocasionalmente por traçar rostos “naturalistas” e, depois, ao acabar a pintura, alongava-os. Ele próprio escreveu que os corpos mais belos são os mais longilíneos e nisso não foi diferente de muitos pintores italianos de uma época anterior à sua (Pontormo, Parmigianino) e, sobretudo, da estatuária gótica que não pode ter deixado de o impressionar em Toledo.
A diferença entre o mundo visível e o mundo invisível foi um dos problemas mais difíceis com que se debateu. Pode ter regressado de vez em quando em espírito à sua Creta natal, e lembrar-se de que o invisível deve ter forma e cor diferentes do visível mas que, como observa F. Marías, a realidade terrestre não pode deixar de se alterar perante uma epifania. Em quadros como a Adoração do Nome de Jesus, A Imaculada Conceição, o fragmento da Visão de S. João, a matéria dos corpos é convulsionada pela luz que emana de dentro deles perante o milagre que presenciam ou no qual participam.
A maior surpresa — e a mais compensadora — de que podemos beneficiar nas exposições de Toledo é a esplendorosa festa de cor e luz das obras do Grego, aquelas que agora foram restauradas, outras que nunca tínhamos visto, outras ainda que ganham muito em serem expostas lado a lado. Durante séculos, não estavam disponíveis gravuras destas obras. Depois apareceram fotografias a preto e branco que dão uma imagem completamente enganadora das pinturas e devem ter contribuído poderosamente para a ideia de que O Grego era um pintor “escuro”. Mas tão-pouco as melhores imagens digitais lhe fazem justiça.
Acreditem: os seus carmins, amarelos, verdes, azuis brilham como que por si só, pela misteriosa habilidade do pintor em compô-las e contrastá-las com outras. A cor do manto do Despojamento de Cristo da sacristia da catedral, essa cor que é o motivo principal ao painel, pode ser de facto descrita como carmim. Mas nunca vi uma cor como esta. Nunca, com a possível excepção de um ou outro pintor veneziano, como Giovanni Bellini, vi luz que parecesse sair de dentro da cor.
O cânone da pintura ocidental pré-modernista só foi estabelecido pelas academias romana e francesa nos séculos XVII e XVIII. Durante os séculos XV e XVI não havia cânone e existiam muitas possibilidades (incluindo na figuração de cenas sacras). Nenhum artista, nem sequer Miguel Ângelo ou Rafael, gozou de fama unânime. É neste contexto que devemos aceitar o conselho de Fernando Marías: reaprendamos a ver O Grego como fomos forçados a fazê-lo relativamente a Miguel Ângelo com o restauro da Sistina.
Esperemos por outros restauros de obras de outros artistas. Talvez O Grego não tenha sido tão extravagante e anacrónico como os seus contemporâneos (e os nossos) o descreveram.
Desistindo com grande sabedoria de tentar avançar mais uma interpretação “definitiva” de El Greco, Fernando Marías sugere que o artista decidiu atrapalhar de propósito todos quantos olham para a sua obra, no passado ou no presente: foi “voluntária e deliberadamente escandaloso”. “Para resistirmos a ser enganados por ele, criámos ao longo dos tempos uma quantidade impressionante de interpretações de entre as quais podemos escolher aquela que melhor sirva a nossa opinião pessoal.” Marías procura assim consolidar ou criar junto a públicos muito vastos o gosto pela arte do Grego, tanto através da história como através da estética. Mas um colaborador do seu catálogo, o também historiador da arte Nicos Hadjinicolau, defende que, sem a modernidade oitocentista e do primeiro século XX, a obra do Grego não poderia agradar aos nossos olhos.
Por mim, há obras do Grego de que gosto imenso, outras que me parecem mostrar uma surpreendente inabilidade perante tudo o que não seja a solidez dos retratos e o milagre da criação da cor. Gostaria de passear de novo pelo extraordinário espectáculo da exposição de Santa Cruz, não para me tentar reconciliar com aquilo de que não gosto, mas para poder, perante as obras, fechar os olhos do entendimento e abrir os olhos do prazer.    
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Carta aberta a Carlos Fiolhais

Caro colega,
O texto assinado por si que saiu no PÚBLICO de 5 de Novembro com o título de “Ciência diluída” deixou-me profundamente zangado: o seu ataque à homeopatia não tem pés nem cabeça, é insultuoso, mentiroso, e demonstra uma ignorância inacreditável porque a homeopatia começa a ser levada a sério pela medicina convencional em todo o mundo e há protocolos homeopáticos em uso e experimentação pelos mais rígidos e incrédulos cientistas das mais perfiladas instituições académicas e hospitalares.
Houve um dia em que acordei de manhã com um alto no pescoço. Verifiquei com o meu dentista: não tinha nada que ver com dentes. Depois fui ao meu otorrino: “O senhor tem uma massa na faringe”. Fui fazer um TAC: era um cancro de grau IV – ou seja, letal. Metástases na cadeia linfática, etc. Consultei vários oncologistas aqui e ali e até acolá (no estrangeiro): três a quatro meses de vida.  As armas deles, nucleares (rádio), químicas e convencionais (cirurgia), não se aplicam no meu caso, disseram-me com grande honestidade. Só serviriam para atrasar o progresso do cancro... e para me deixar sem maxilar, com um cateter metido na garganta para poder comer e respirar, além dos habituais vómitos, enjoos, queda de cabelo, etc.
Isto foi no final de Maio de 2012. Há dois anos e meio. Neste intervalo de tempo, escrevi e publiquei dois romances, organizei e também publiquei uma colectânea de crónicas, tenho aqui no computador mais dois romances acabados e um pequeno livro de contos. Passeei, fui à praia, brinquei com os meus netos e os meus cães, fiz companhia à minha mulher, estive com amigos, escrevi sobre arte para o PÚBLICO. Não me caiu cabelo, não tive vómitos. Em poucas palavras: tenho dois anos e meio de qualidade de vida por cima da sentença de morte ditada pelos oncologistas da medicina oficial.
Já toda a gente que estiver a ler esta carta terá adivinhado o que vou escrever a seguir: sim, tenho sido acompanhado pela medicina homeopática, os seus tratamentos, os suplementos alimentares que prescreve e uma revisão radical da minha alimentação. Ninguém me prometeu milagre nenhum.
Estou vivo e activo há dois anos e meio, leu bem Doutor Fiolhais. O conselho que lhe dou é que esteja calado acerca daquilo de que não sabe nada.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Varela Gomes
Professor reformado da Universidade de Coimbra
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https://aventar.eu/tag/paulo-varela-gomes/

2 de Março: texto de Paulo Varela Gomes

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A mais conhecida frase de Gandhi é:
«Não há qualquer causa pela qual esteja disposto a matar. Mas há causas pelas quais estou pronto a morrer.»
Estas palavras resumem a perspectiva de luta com que hoje se defrontam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, mas em especial no Ocidente (Europa e continente americano). Estamos na última das extremidades: está em jogo a vida das pessoas. Primeiro seremos reduzidos à pobreza. Depois farão de nós o que bem lhes aprouver.
A maioria das pessoas no Ocidente já há duas ou três décadas percebeu aquilo que a esquerda ocidental mostra extrema relutância em aceitar: que não vale a pena nem é possível combater apenas por meios legais o capitalismo sustentado parlamentarmente.
A maioria das pessoas pensa que os políticos são uns aldrabões ou corruptos, que o sistema judicial está ao serviço deles e que só os ricos e poderosos se safam. O chamado «descrédito do sistema político», assunto sobre o qual se têm tecido profundíssimas reflexões, é simples de explicar: o sistema está desacreditado porque não merece crédito. As pessoas já perceberam. Uma parte delas continua a votar por desfastio, a outra vota com os pés.
A esquerda parece estar convencida de que escapará entre as gotas desta bátega torrencial de desilusões recorrendo à luta dentro do sistema: o discurso parlamentar, as eleições, a ocasional coluna nos jornais ou prestação televisiva, etc. Triste engano. A maioria das pessoas não distingue um deputado do PCP de um do PSD, para referir casos portugueses. Estão todos no mesmo sistema.
Dizer coisas como esta pode parecer o regresso a um dos mais velhos debates da esquerda ocidental: como combater o sistema capitalista e o seu parlamentarismo? A partir de dentro ou a partir de fora?
Parece, mas não é. Pela primeira vez desde o século XIX, o sistema não tem alternativa nem teórica nem prática, quer dizer, não pode ser substituído. Mas têm alternativa os seus governos e regimes mais injustos e corruptos. É indispensável resistir-lhes, desgastá-los, desregular-lhe os mecanismos de funcionamento, derrubá-los.
Para resistir desta maneira não se pode agir apenas com os meios que o sistema permite. Quando se convoca a greve geral nº 354, a grande manifestação nº 1723, ou se assina o manifesto nº 10 655, só se está a desacreditar a greve geral, a manifestação e o manifesto, respectivamente.
Todavia, as greves e as manifestações podem atingir uma dimensão verdadeiramente surpreendente se pararem de facto o país, se encherem de facto as cidades. É por isso que vale a pena investir em manifestações como a de 15 de Setembro ou a de 2 de Março próximo. Para surpreender e assustar os poderosos.
Deve pensar-se que a resistência armada ao sistema está sem qualquer dúvida na ordem do dia e será uma realidade mais cedo do que tarde. Todavia, é muito perigosa tanto do ponto de vista ético como político. O passado demonstrou-o muitas vezes.
Mais importante e efectiva é a resistência desarmada, a resistência passiva. É preciso seguir o lema de Gandhi.
Em vez de termos cinco mil pessoas em frente de S. Bento, é preciso ter cinquenta mil, deitadas nas escadas em levas sucessivas, sofrendo as cacetadas da polícia, aguentando os canhões de água, sendo presas.
Há cinquenta mil pessoas em Portugal dispostas a isto?
Não me parece. Nem sequer cinco mil.
E porquê?
Por muitas razões que todos conhecemos e uma que nos recusamos a reconhecer: porque a esquerda é vítima do seu servilismo parlamentar e acredita só poder existir enquanto tiver lugares no parlamento e aparecer na televisão ou nos jornais a apertar a mão do PR. De facto, a esquerda não promove e até condena a resistência passiva. A primeira coisa que diz um sindicalista ou dirigente da esquerda após convocar uma manifestação é que será «pacífica». A primeira exclamação que lhe sai da boca mal alguém se agita é «calma camaradas!»
Esta é a responsabilidades negativa da esquerda.
Olhemos agora para as suas responsabilidades positivas:
É sua estrita obrigação política e ética apoiar, promover e assumir o rosto da resistência passiva. Se o fizer dará o exemplo e a resistência poderá crescer. Para isso, os seus representantes, e com eles os intelectuais de esquerda e os independentes que estão contra o sistema, terão que estar prontos para resistir.
Se não há cinquenta mil pessoas dispostas a aguentar em frente do Parlamento, há dezenas de deputados que deveriam estar dispostos a: boicotar activamente sessões parlamentares, impedindo o Parlamento de funcionar; não pagar impostos e incitar ao não pagamento; sentar-se numa linha férrea em ocasião de greve dos comboios, etc., etc., etc.
Perdiam o mandato? Iam presos?
Nas presentes circunstâncias, vivendo nós sob um regime ilegítimo eticamente e tirânico politicamente, o lugar mais honroso onde podem estar Jerónimo de Sousa ou Catarina Martins é a prisão.
(Pessoalmente, sentir-me-ia muito mais contente comigo mesmo e com este texto se tivesse saúde para agir em conformidade com o que aqui escrevi.)
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Declaração de Paulo Varela Gomes
23/10/2010 por João José Cardoso 10 Comentários
As medidas que o Estado português se prepara para tomar não servem para nada. Passaremos anos a trabalhar para pagar a dívida, é só. Acresce que a dívida é o menor dos nossos problemas. Portugal, a Grécia, a Irlanda são apenas o elo mais fraco da cadeia, aquele que parte mais depressa. É a Europa inteira que vai entrar em crise.
O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. Os capitalistas e os seus lacaios de luxo (os governos) sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, tenho a seguinte declaração a fazer:
Sou professor há mais de 30 anos, 15 dos quais na universidade.
Sou dos melhores da minha profissão e um investigador de topo na minha área. Emigraria amanhã, se não fosse velho de mais, ou reformar-me-ia imediatamente, se o Estado não me tivesse já defraudado desse direito duas vezes, rompendo contratos que tinha comigo, bem como com todos os funcionários públicos.
Não tenho muito mais rendimentos para além do meu salário. Depois de contas rigorosamente feitas, percebi que vou ficar desprovido de 25% do meu rendimento mensal e vou provavelmente perder o único luxo que tenho, a casa que construí e onde pensei viver o resto da minha vida. Nunca fiz férias se não na Europa próxima ou na Índia (quando trabalhava lá), e sempre por pouco tempo. Há muito que não tenho outros luxos. Por exemplo: há muito que deixei de comprar livros.
Deste modo, declaro:
1) o Estado deixou de poder contar comigo para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estou doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;
2) estou disponível para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir no meu concelho;
3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.
Gostaria de ver dezenas de milhares de compatriotas meus a fazer declarações semelhantes
publicado no Público de hoje.
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Paulo Varela Gomes:Tentar sair disto

Para meu absoluto espanto, nenhuma das cartas que publiquei aqui, sejam aquelas que enviei da Índia sejam estas, teve o eco da “Declaração” de 23 de Outubro último. Nunca tinha vindo tanta gente falar comigo e nunca recebi tantas mensagens. Quase todos os meus correspondentes, pessoas da chamada classe média como eu próprio, estão muito zangados e dispostos a resistir à política que o Governo vai impor. Percebem que a situação financeira é grave mas sentem que a solução governamental é mal-intencionada ou está errada e que as suas vidas e a economia portuguesa vão ficar destroçadas para coisa nenhuma.
Estas pessoas não sabem o que fazer. Desde logo, não se revêem nos sindicatos ou nos partidos e não confiam neles. “É tudo a mesma coisa”, dizem. Não vêem outras alternativas. Desesperam. Vejo também muita gente que ainda não percebeu o que vai suceder ou gente que, percebendo, não acredita que “eles”, os governantes, sendo preguiçosos, corruptos e incompetentes, consigam levar a sua avante. Vejo finalmente pessoas que pensam que escaparão mais uma vez às dívidas e ao fisco, enganarão o Estado e os patrões, com ou sem “arranjinhos”, um 3.º ou 4.º empregos, recibos não passados, declarações falsas. Também esta gente não vê como sair disto, limita-se a vergar a espinha e aguentar o melhor que pode e sabe.
Impressiona-me, mas não me espanta, que a oposição à maioria PS/PSD seja metida no mesmo saco que esta. De facto, o que é a oposição? O CDS já esteve no poder algumas vezes. A esquerda parlamentar tornou-se a esquerda mansa e respeitável das “alternativas” e das “propostas”, talvez convencida de que, parecendo ter “soluções”, ganha votos, e de que esses votos a aproximam um centímetro que seja do poder. É uma esquerda que acabou por ficar tão identificada com o regime que parece ter-se esquecido de que o seu lugar tradicional é na rua, e a sua atitude histórica é a do confronto. Ao pensar nisto tudo, lembro-me do bloqueio, em 1994, da Ponte 25 de Abril, que nenhum partido organizou e contribuiu decisivamente para fazer cair o segundo governo maioritário de Cavaco Silva. Vejo na televisão a luta que se desenrola nas ruas, estradas e fábricas de França e recordo que em Maio de 1968 os operários entraram a certa altura na refrega desencadeada pelos estudantes e que, com o país inteiro a ferro e fogo, o Presidente De Gaulle se refugiou numa base militar a partir da qual foi obrigado a negociar verdadeiros compromissos, percebendo que tinha pela frente a França de 1789 ou de 1848, a França que gosta de demonstrar de vez em quando que a democracia também pode exercer-se pela desobediência cívica.
Sou um cidadão tão zangado como muitos outros. Sei que só colectivamente, por meios que têm que ser inventados por todos, se pode tentar impedir os governos da União Europeia de darem cabo do que resta da economia portuguesa e das nossas vidas. No que a estas Cartas diz respeito, regresso na próxima semana ao género de assuntos para os quais foram inventadas.
Paulo Varela Gomes no Público
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A verdade silenciada

https://www.youtube.com/watch?v=p3TjeimIBSk
No momento em que a Câmara Municipal de Lisboa manda retirar os candeeiros de ferro fundido que no Terreiro do paço estavam desde o século XIX, aqui estão umas verdades pronunciadas por um homem há muito saneado dos ecrãs televisivos.
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Prémio P.E.N. Clube Português de Novelística 2015
Wook.pt - Hotel
http://www.wook.pt/ficha/hotel/a/id/15422813
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in avante 22out2015
Premiados pelo PEN Clube
Mário de Carvalho e Paulo Varela Gomes foram dois dos sete autores nacionais vencedores dos Prémios PEN Clube Português, segundo anunciou, dia 13, a instituição.
Mário de Carvalho foi distinguido com o Prémio (Poetas, Ensaístas, Novelistas)/Ensaio pela obra «Quem disser o contrário é porque tem razão», enquanto Paulo Varela Gomes viu reconhecido o seu romance «Hotel», na categoria de Narrativa.
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Via público
30ab2016
Depois de lhe ter sido diagnosticado um cancro em 2012, dedicou o resto da sua vida a escrever. Tinha 63 anos.
crónicas
https://www.publico.pt/autor/paulo-varela-gomes
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https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/morreu-o-escritor-e-historiador-de-arquitectura-paulo-varela-gomes-1730585
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https://www.leituras.eu/morrer-e-mais-dificil-do-que-parece/

Morrer é mais difícil do que parece

Tenho um cancro de grau IV. De cada vez que abro o teclado do computador na intenção de escrever, ocorre-me a frase, já mil vezes repetida, “Quando estiverem a ler estas linhas, é provável que o autor já não esteja vivo”.
São incontáveis os artigos, livros, documentários e filmes sobre pessoas que morrem de cancro. Nunca vi nenhum porque não aguento o stress mas ouvi dizer que alguns são eficientes e fazem os espectadores chorar muito. Não vou escrever aqui um artigo desse género, primeiro, porque não sou capaz, e em segundo lugar porque a história da minha doença e daquilo que tenho feito para lidar com ela tem algumas características muito peculiares que podem interessar a todo o género de pessoas que se preocupam com a vida e a morte e que pensaram com seriedade no tema deste número da Granta: “Falhar melhor”.
Tudo começou quando acordei uma manhã com um inchaço do tamanho de uma amêndoa no lado esquerdo do pescoço. Iludido por uma espécie de incredulidade optimista, pensei que se tratava do resultado de uma infecção nos dentes ou na garganta. Desenganou-me um médico especialista dessas áreas com quem fui falar alguns dias depois: “O senhor tem uma massa na garganta. É melhor ir ver isso rapidamente.” Estava muito grave e sossegado, ele. Percebi depois que nunca lhe tinha passado pela cabeça que alguém não soubesse o que quer dizer “massa” em termos orgânicos. Esta foi a única consulta médica a que a Patrícia, minha mulher e minha “curadoura”, não me acompanhou. Estava a ajudar a Rita a podar as videiras da Vinha Comprida. Quando lhe telefonei a transmitir a seca mensagem do médico, percebeu tudo e diz-me que ficou imenso tempo a olhar lá para o longe, para o pinhal sobre a várzea, com as lágrimas a correr-lhe pela cara.
Quarenta e oito horas depois fiz a obrigatória TAC cervical. Despi-me sem preocupações, coloquei aquela bata ridícula dos hospitais que faz qualquer pessoa parecer que sofre ininterruptamente dos intestinos, deitei-me na máquina. No fundo, esperava boas notícias: não tarda, iriam informar-me de que se tratava de uma chatice menor. Estivemos depois hora e meia debaixo da luz verde escura, crepuscular, da sala de espera. Quando o radiologista veio falar connosco, acabou nesse preciso instante a vida que levávamos juntos há mais de duas décadas. O radiologista tinha a expressão macambúzia de quem apresenta os pêsames a uma família enlutada: cancro na otofaringe com tumor na cadeia linfática cervical posterior e metástases no pulmão. Não operável. Tratamentosem doses muito altas de quimio e radioterapia para, daí a dois a quatro meses, deixar de poder comer ou respirar.