10/04/2016

4.716.(10ab2016.11.33') Daniel Faria

Nasceu a 10ab1967
e morreu a 9jun1999
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11ab2019
via Graça Silva
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10ab2019
via Maria Sobral Velez

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18jan2017

Daniel Faria, Camões e Miguel-Manso: o Ensaio Poético está no palco do D. Maria II

Portugal, país de poetas que não lê poesia? O Teatro Nacional quer inverter isso. Até 12 de fevereiro estão em cena três peças à procura de novos públicos para a lírica e para o teatro.
http://observador.pt/2017/01/18/daniel-faria-camoes-e-miguel-manso-o-ensaio-poetico-esta-no-palco-do-d-maria-ii/

Daniel Faria: a poesia como silêncio e recolhimento

Antes de ser um monge, antes de ser um mito, Daniel Faria (1971-1999) era um poeta que colecionava pedras, pássaros de papel colorido, encenava teatro com crianças e jovens, convidava poetas homossexuais como Eugénio de Andrade para irem ler poesia ao mosteiro de Singeverga (Roriz, Santo Tirso), num gesto que para muitos ainda é hoje lembrado como “revolucionário”. Era um homem cultíssimo, fascinado pela forma como a palavra se representava nas múltiplas linguagens humanas: música, cinema, teatro, artes plásticas, literatura. Ou talvez, admite o encenador Pablo Fidalgo, fosse “apenas um pássaro, como aqueles de papel que ele guardava dentro de um frasco onde se podia ler: 24 pássaros contra todas as ausências”.

Daniel Faria, poeta, monge beneditino, morreu em 1999 aos 28 anos. (Foto: Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura)
“Daniel Faria” é assim uma peça em quatro atos, que se ergue sobre fragmentos da vida do poeta e não sobre a sua poesia. Não é pronunciado um só verso de Faria durante todo o espetáculo e, no entanto, a sua poesia torna-se absolutamente tangível, comovente, apenas através da evocação de pequenos gestos, a lentidão essencial à grande beleza, o seu silêncio de ser um dos que fazem parte do silêncio e não do ruído.”Daniel Faria procurava a palavra certa, não escrevia à toa, nada está ali por acaso. Tudo é um convite ao recolhimento e à palavra justa. A vida e poesia dele, embebidas de misticismo e sagrado,continuam a ser um mistério para mim. Por isso esta peça tinha sobretudo que ser sobre esse recolhimento, esse silêncio”, explica o encenador.
No chão há objetos delicados, o manto feito em patchwork para uma peça de teatro que encenou sobre o Natal. Cenários para bonecos feitos em cartão, papel celofane e arame destinados a outra peça, pássaros coloridos presos num fio. Nada grandiloquente, nada sofisticado ou pedagógico
Daniel escolheu ter uma vida apagada, mas a sua obra inteira é uma resposta à palavra de Deus, afirmou um companheiro do mosteiro de Singeverga. Não imaginas como brilhava quando atuava. Quando saia para a cena, transformava-se, disse ainda alguém. (texto da peça Daniel Faria)
Assim mesmo. Apenas traços de um longínquo que Pablo Fidalgo e o ator Tiago Gandra foram recolher em entrevistas com monges companheiros do poeta, amigos dos tempos de faculdade no Porto. Com as memórias de outros construiram o texto elíptico, que não cai no erro de deixar de ser poesia para ser uma “história”, nem cai no erro de querer explicar nada porque, diz a dada altura o encenador, como se falando com e sobre o poeta: “tu sabes que os leitores ideais são os que leem nos teus gestos e na tua roupa a tua dor inteira”.
Como um pássaro que uma noite se ergue para voar e erra o caminho, também Daniel Faria se ergueu da cama uma noite, caiu acidentalmente no mosteiro onde terminava o noviciado e acabou por morrer. Tinha 28 anos, não deixou nenhum registo sonoro, fílmico, e apenas umas escassas fotografias. Porém, deixou uma voz poética ubíqua na poesia portuguesa. Na sua curta vida publicou os livros: Uma Cidade com Muralha (1991), Oxálida (1992), A Casa dos Ceifeiros (1993), Explicação das Árvores e de Outros Animais (1998) e Homens Que São Como Lugares Mal Situados (1998). Postumamente saíram ainda Legenda para uma casa habitada e Dos Líquidos ( 2000).
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Via Citador:

http://www.citador.pt/poemas/amote-nesta-ideia-nocturna-da-luz-nas-maos-daniel-faria
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in "Homens que São como Lugares Mal Situados" 

Conserto a Palavra


Conserto a palavra com todos os sentidos em silêncio
Restauro-a
Dou-lhe um som para que ela fale por dentro
Ilumino-a

Ela é um candeeiro sobre a minha mesa
Reunida numa forma comparada à lâmpada
A um zumbido calado momentaneamente em exame

Ela não se come como as palavras inteiras
Mas devora-se a si mesma e restauro-a
A partir do vómito
Volto devagar a colocá-la na fome

Perco-a e recupero-a como o tempo da tristeza
Como um homem nadando para trás
E sou uma energia para ela

E ilumino-a 
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in "Oxálida" 

Ausência


Fala

Ouvir-te-ei
Ainda que os segredos
As amoras me chamem

Diz-me
Que existirão lágrimas para chorar
Na velhice
Na solidão

Ainda que acordes os olhos dos deuses

Fala

Ouvir-te-ei
A coragem

Alguém de nós que já não está 
**
in "Dos Líquidos" 

Quero a Fome de Calar-me


Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança 
*

Amo-te como um Planeta em Rotação Difusa

Amo-te como um planeta em rotação difusa
E quero parar como o servo colado ao chão.
Frágil cerâmica de poros soprados no teu hálito
Vasilha que ergues em tua mão de oleiro
Cálice que não pudeste afastar de ti. 
*

Amo-te na Carne que Tomaste do Chão que Aplaino

Amo-te na carne que tomaste do chão que aplaino
Com as mãos
Com as palavras que escrevo e apago
Na areia, no cérebro.
Amo-te com o cérebro em ferida
Pensando-te
Remédio que derramas em mim a tua medicina, a morte
No meu corpo. Até que repouse como enfermo
No teu leito. Amo febrilmente amo o dia
Em que disseres: Larga
A tua enxerga! — E ande
*

Há uma Mulher a Morrer Sentada


Há uma mulher a morrer sentada
Uma planta depois de muito tempo
Dorme sossegadamente
Como cisne que se prepara
Para cantar

Ela está sentada à janela. Sei que nunca
Mais se levantará para abri-la
Porque está sentada do lado de fora
E nenhum de nós pode trazê-la para dentro

Ela é tão bonita ao relento
Inesgotável

É tão leve como um cisne em pensamento
E está sobre as águas
É um nenúfar, é um fluir já anterior
Ao tempo

Sei que não posso chamá-la das margens
*

Sem outra Palavra para Mantimento


Sem outra palavra para mantimento
Sem outra força onde gerar a voz
Escada entre o poço que cavaste em mim e a sede
Que cavaste no meu canto, amo-te
Sou cítara para tocar as tuas mãos.
Podes dizer-me de um fôlego
Frase em silêncio
Homem que visitas
Ó seiva aspergindo as partículas do fogo
O lume em toda a casa e na paisagem
Fora da casa
Pedra do edifício aonde encontro
A porta para entrar
Candelabro que me vens cegando.
Sol
Que quando és nocturno ando
Com a noite em minhas mãos para ter luz. 
*

Eu Peneiro o Espírito e Crivo o Ritmo


Eu peneiro o espírito e crivo o ritmo
Do sangue no amor, o movimento para fora
O desabrigo completo. Peneiro os múltiplos
Sentidos da palavra que sopra a sua voz
Nos pulsos. Crivo a pulsação do canto
E encontro
O silêncio inigualável de quem escuta

Eis porque as minhas entranhas vibram de modo igual
Ao da cítara

Eu peneiro as entranhas e encontro a dor
De quem toca a cítara. A frágil raiz
De quem criva horas e horas a vida e encontra
A corda mais azul, a veia inesgotável
De quem ama
Encontro o silêncio nas entranhas de quem canta

Eis porque o amor vibra no espírito de quem criva

O músico incompleto peneira a ideia das formas
Eu sopro a água viva. Crivo
O sofrimento demorado do canto
Encontro o mistério
Da cítara 
*

Amo-te nesta Ideia Nocturna da Luz nas Mãos

Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
E quero cair em desuso
Fundir-me completamente.
Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo
Os focos celestes que a candeia humana não iguala
Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer.
Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim
Inclinado como a criança que quer voltar ao chão. 
*

Tenho Saudades do Calor ó Mãe

Tenho saudades do calor ó mãe que me penteias
Ó mãe que me cortas o cabelo — o meu cabelo
Adorna-te muito mais do que os anéis

Dá-me um pouco do teu corpo como herança
Uma porção do teu corpo glorioso — não o que já tenho —
O que em ti já contempla o que os santos vêem nos céus
Dá-me o pão do céu porque morro
Faminto, morro à míngua do alto

Tenho saudades dos caminhos quando me deixas
Em casa. Padeço tanto
Penso tanto
Canto tão alto quando calculo os corpos celestes

Ó infinita ó infinita mãe
*

Amo-te no Intenso Tráfego

Amo-te no intenso tráfego
Com toda a poluição no sangue.
Exponho-te a vontade
O lugar que só respira na tua boca
Ó verbo que amo como a pronúncia
Da mãe, do amigo, do poema
Em pensamento.
Com todas as ideias da minha cabeça ponho-me no silêncio
Dos teus lábios.
Molda-me a partir do céu da tua boca
Porque pressinto que posso ouvir-te
No firmamento. 
*

Amo o Caminho que Estendes

Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.
Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo
Se se recorda dos movimentos migratórios
E das estações.
Mas não me importo de adoecer no teu colo
De dormir ao relento entre as tuas mãos. 
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in "Explicação das Árvores e de Outros Animais" 

Estranho é o Sono que não te Devolve

Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
De quem não espera recado.
Essa sombra como é a alma
De quem já só por dentro se ilumina
E surpreende
E por fora é
Apenas peso de ser tarde. Como é
Amargo não poder guardar-te
Em chão mais próximo do coração.
*

Explicação da Ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou
Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer — fosse abertura —
E a saudade é tudo ser igual.