30/05/2016

2.544.(30maio2016.20.44') Raduan Nassar

***
Nasceu a 28nov1936
***
19fev2017
http://www.abrilabril.pt/internacional/raduan-nassar-vivemos-tempos-sombrios-muito-sombrios

Entrega do Prémio Camões

Raduan Nassar: «Vivemos tempos sombrios, muito sombrios»

A cerimónia de entrega do Prémio Camões ao brasileiro Raduan Nassar, na sexta-feira, ficou marcada pelas duras críticas que o escritor dirigiu, na sua intervenção, ao Governo golpista e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O escritor brasileiro Raduan Nassar recebeu o Prémio Camões
Raduan Nassar, considerado um dos maiores escritores vivos da língua portuguesa e a quem o júri do Prémio Camões 2016 atribuiu a distinção por unanimidade, em Maio do ano passado, recebeu ontem o prémio, em São Paulo. No decorrer da cerimónia, Nassar fez uma leitura muito crítica do actual cenário brasileiro: «Vivemos tempos sombrios, muito sombrios», disse.
Referiu-se, em seguida, a uma série de episódios que marcam a governação de Michel Temer (PMDB): «Invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao se manifestar na rua. Episódios perpetrados por Alexandre de Moraes».
Não se ficaram por aqui as referências a Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo, durante governo de Geraldo Alckmin (PSDB), e ministro da Justiça do Governo Temer, indicado por este para ocupar uma cadeira no STF. O escritor caracterizou-o como uma «figura exótica» e acusou-o de, «com curriculum mais amplo de truculência», ter propiciado também, «por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima».
O discurso foi contundente. «Os fatos configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim [ex-ministro dos Negócios Estrangeiros]. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro», afirmou.
Conhecido pela sua oposição à destituição de Dilma Rousseff, Raduan Nassar dirigiu-se em particular ao STF, criticando-o pelo papel assumido. «É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado. O golpe estava consumado! Não há como ficar calado», disse. (O discurso pode ser lido na íntegra em Carta Capital).

Ministro irritado

Adivinhando-se, porventura, que o discurso não seria «mole», o protocolo seguiu um rumo diverso, que possibilitou ao ministro da Cultura, Roberto Freire, discursar depois do homenageado – quando o costume é ser este a ter a palavra final. Visivelmente irritado, Freire disse que o governo de que faz parte é democrático. «Não existe nenhuma confusão em relação ao momento democrático que vive o Brasil», disse, seguido de risos e vaias da assistência. «É um humorista!», disse um dos presentes, segundo revela o Brasil de Fato.
Para o Freire, o escritor devia ter recusado o prémio, que foi instituído pelos governos de Portugal e do Brasil em 1988. E, por entre os protestos dos presentes, sublinhou que não se tratou «apenas de um reconhecimento», mas de um «prémio concreto», «dado pelo governo democrático brasileiro».
Brasil de Fato indica que algumas pessoas o interromperam, afirmando que aquele era o dia de Raduan e «não de publicidade do Governo Temer». A Folha de São Paulo refere ainda que, à saída, Freire chamou idiota a um professor da Universidade de São Paulo que o acusara de não estar «à altura do evento».

Escritor distinguido

Com três livros publicados – os romances Lavoura Arcaica (1975) 
Um Copo de Cólera (1978) e o livro de contos Menina a Caminho (1994) –, Raduan Nassar, de 81 anos, é há muito considerado pela crítica como um dos grandes nomes da literatura brasileira, sendo comparado a escritores da grandeza de Guimarães Rosa, a título de exemplo.
No final de Maio de 2016, o Prémio Camões foi atribuído, por unanimidade, a este filho de imigrantes libaneses, nascido no estado de São Paulo. Nassar tornou-se, assim, o 12.º brasileiro a receber aquele que é considerado o mais importante prémio literário destinado a autores de língua portuguesa. Na altura, o júri destacou «a extraordinária qualidade da sua linguagem» e a «força poética da sua prosa».
Os seus romances alcançaram sucesso a nível internacional logo na primeira metade dos anos 80, com as traduções para francês, castelhano e alemão, mas, tal como sublinha o Público numa peça publicada a 30 de Maio do ano passado, a sua obra tornou-se bastante mais popular com a adaptação cinematográfica de Um Copo de Cólera, em 1999, e de Lavoura Arcaica, em 2001.
***

***

***

***
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/11/1711579-diante-da-verborragia-raduan-nassar-educa-pelo-rigor-do-silencio.shtml
***
entrevista
"É com as boas teorias, ou nem tanto, que se faz a má literatura", afirma Nassar, parodiando André Gide. 

http://www.blogdoims.com.br/ims/entrevista-com-raduan-nassar-2
*
"Conversar é muito importante, meu filho,
toda palavra, sim, é uma semente"
*
O projeto era escrever, não ia além disso. Dei conta de repente de que gostava de palavras, de que queria mexer com palavras. Não só com a casca delas, mas com a gema também. Achava que isso bastava.
*
Trabalhei um pouco, com sons, grafias, sintaxes, pontuação, ritmo etc. Se em função disso tudo cheguei às vezes a violentar a semântica de algumas palavras, por outro lado trabalhava também com aquelas coordenadas em função dos significados. Era um trânsito de duas mãos, uma relação dinâmica entre os dois níveis.
*
Acho que não adianta forjar uma escora metafísica para aquela postura, como arrolar a estética disso ou a estética daquilo, porque no fundo o caso daquela tendência seria mesmo de inaptidão pra reflexão existencial. Agora, a casca das palavras, da proposta antidiscursiva, como a laranja que se passa num espremedor, certamente que não excluía resíduos de significados. Fosse então o caso de forjar uma escora, quando muito se poderia falar na estética do bagaço. Não vai aí qualquer conotação pejorativa, é só uma tentativa de adequação vocabular. Entre usar bagaço ou palavras em toda sua acepção possível, cada escritor que fizesse a sua escolha.
*
Suponho que já deixei claro que trabalhar com a casca não excluía um trabalho com a gema também. E depois, vai que o poético se realiza no plano conceitual, sem que os poetas precisassem suar tanto a camisa com seu trabalho antidiscursivo, e com a árdua incorporação do espaço em branco como valor literário.
***
http://alexandregaioto.blogspot.pt/2013/09/o-silencio-de-raduan-nassar.html
***

http://www.dn.pt/artes/interior/raduan-nassar-vence-premio-camoes-de-2016-5200633.html
Raduan Nassar é o escritor da língua portuguesa escolhido pelo júri como vencedor do Prémio Camões de 2016. O autor brasileiro está longe da ribalta há muitos anos, vivendo recluso numa quinta. Entre os poucos romances publicados destaca-se Lavoura Arcaica.

A escolha do seu nome surpreende devido à sua ausência da vida literária há duas décadas, mesmo que tenha sido um dos 13 finalistas da recente edição do Prémio Man Booker Internacional, onde, a par do angolano José Eduardo Agualusa, eram as duas únicas vozes de língua portuguesa.

A sua obra está publicada em Portugal pelas editoras Cotovia e Relógio D'Água, respetivamente A Menina a Caminho na primeira e O Copo de Cólera e Lavoura Arcaica na segunda, e é considerada uma das mais importantes da literatura brasileira contemporânea.
A atribuição do Prémio Camões a Nassar interrompe a habitual rotatividade entre autores de língua portuguesa. No ano passado foi a portuguesa Hélia Correia, no ano anterior ao brasileiro Alberto da Costa e Silva e antes ao moçambicano Mia Couto. Esperava-se por isso que esta edição distinguisse a carreira literária de um escritor africano. Uma rotatividade que não é oficial e que já antes tinha sido alterada.
O nome foi anunciado esta segunda-feira, numa conferência de imprensa com o secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, e o júri desta 28.ª edição do concurso.
No ano passado a vencedora foi a portuguesa Hélia Correia e, em 2014, o prémio foi atribuído ao historiador e ensaísta brasileiro Alberto da Costa e Silva.
O Prémio Camões foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, para "consagrar anualmente um autor de língua portuguesa que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum".
Foi atribuído pela primeira vez em 1989, ao escritor Miguel Torga (1907-1995) e entre os 27 distinguidos há 11 portugueses e 11 brasileiros, tendo já sido também distinguidos um autor cabo-verdiano, Arménio Vieira, de 75 anos, em 2009, dois angolanos - Luandino, em 2006, e Pepetela, de 74 anos, em 2006 -, e dois moçambicanos, José Craveirinha (1922-2003), em 1991, e Mia Couto, de 61 anos, em 2013.