05/09/2016

8.573.(5seTEMbro2016.13.33') Maria Isabel Barreno

Nasceu a 10jul1939
e morreu a 3seTEMbro2016
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10julho2023
Vida breve: “ “O homo faber”; o “homo sapiens”; o homem é um animal racional; os homens descobriram o fogo; os homens da pré-história; o homem é um animal religioso; os patriarcas; deus é pai; os faraós; o homem é um animal social; os filósofos gregos; os imperadores romanos; as eternas aspirações do homem; os guerreiros, os cavaleiros, os soldados, os marinheiros; os descobridores, os aventureiros, o homem da renascença; o homem tem sede de conhecimento; os físicos, os matemáticos; os homens lutam pela sua liberdade; os homens e a sua angústia vivencial; os operários, os capitalistas; os homens fazem o progresso técnico; os homens do governo; a declaração dos direitos do homem; os homens da imprensa; os homens lutam pelo poder; a exploração do homem pelo homem; milhões de homens morreram na guerra; os homens de boa vontade; a arte é uma necessidade do homem; o homem face à natureza…

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Um dia perguntei: - 'ONDE É QUE ESTÃO AS MULHERES?'”
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— MARIA ISABEL BARRENO de Faria Martins (Lisboa, 10 de Julho de 1939 — 3 de Setembro de 2016), escritora, ensaísta, jornalista e artista plástica, in “A Morte da Mãe”, Morais Editores, 1973. Foi uma das “Três Marias”, autoras de “Novas Cartas Portuguesas”, Estúdios Cor, 1972.
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Imagem:
A escritora, em foto de autoria que desconhecemos.
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10227495021952638&set=p.10227495021952638&type=3

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O Círculo Virtuoso. Contos. Maria Isabel Barreno. «O cofre estava aberto, com a porta escancarada para trás. Nada mais desaparecera senão o anel. Caído no chão, junto à porta do aposento, estava o dono da casa, misteriosamente morto»





O diamante roubado
A Estória
«Ansiosamente procurava o fim da estória. Escrevera-a quase de um só jacto, como se uma inspiração tivesse descido dos céus e lhe tivesse mostrado aquele desenrolar de enredos. Assim fora durante três dias: como de costume se levantara cedo, durante esses três dias, e aguardara a saída do marido e dos filhos com impaciência. Deixada só no silêncio da casa, sentara-se, rápida, na sua mesa de trabalho, não se arrastando pela casa, como frequentemente fazia, inventando pretextos para retardar o começo do trabalho. Isso acontecia quando ela não sabia o que escrever. Quando previa que, sentando-se, teria de prosseguir num esforço árduo, numa invenção laboriosa. Havia dias em que pensava que já não havia mais estórias para contar, que poucos contos diferentes existiam. Existiriam, quando muito, uns dez ou onze modelos, dizia dez porque era um número que toda a gente citava, a certa dezena; dizia onze porque era um número de que muito gostava. Haveria uns dez modelos de estórias, mais certamente onze, e depois todas as estórias eram versões desses modelos, no fundo com poucas variantes. E por isso havia dias em que a sua escrita lhe dava um enjoo quase insuperável, e ela inventava toda a espécie de tarefas urgentes antes de se sentar à mesa e começar o trabalho diário. Mas surgira-lhe então aquela estória radiante, descida do céu; prontinha, como se alguém lha sussurrasse ao ouvido. Afadigara-se três dias inteiros, tentando acompanhar o ritmo rápido com que a narração se lhe revelava. Helena escrevera e escrevera, antevendo o prazer dos seus eventuais leitores: uma estória onde instalara uma heroína bela e enigmática, com nome igual ao seu.

O Roubo da Jóia
O cofre estava aberto, com a porta escancarada para trás. Nada mais desaparecera senão o anel. Caído no chão, junto à porta do aposento, estava o dono da casa, misteriosamente morto. O médico legista observava-o.Veloso, o detective encarregue do caso, sentou-se numa poltrona, defronte da viúva. Esta tinha um olhar angustiado, mas em tudo o mais mantinha a calma: nos gestos, nas mãos suaves pousadas sobre o regaço. Talvez um pouco determinadas de mais, essas mãos, como se agarrassem os joelhos, para não tremer? Para ocultar receios, ou culpas? Recapitulemos, disse Veloso. O cofre contém vários outros valores: dinheiro, jóias, papéis. Sim, respondeu a dona da casa, em voz baixa. Só desapareceu o anel, com o diamante Nur, famoso em todo o mundo pela sua água puríssima e pelo seu valor? Sim, repetiu a bela Helena; hesitou, depois acrescentou, sempre em voz quase sussurrada. No mundo, ele é apreciado sobretudo pelo valor em dinheiro que lhe foi atribuído. Mas eu e o meu marido apreciávamo-lo sobretudo pela sua beleza. Pela sua transparência absoluta. Havia qualquer coisa de estranho naquela frase que Veloso não conseguiu identificar. Como sempre fazia em casos semelhantes, memorizou-a letra por letra, para depois a analisar mais tarde, também letra a letra, som a som, nas mais ínfimas inflexões de voz, deitado na cama, olhando o tecto. A posição horizontal inspirava-o particularmente, e o escuro, e o silêncio da noite. Tudo tem um significado, acreditava, tanto no comportamento das pessoas como nos factos que nos rodeiam, tudo se interliga e nada acontece por acaso. Firme nestas convicções continuou perscrutando solidamente o rosto da sua interlocutora». In Maria Isabel Barreno, O Círculo Virtuoso, Contos, Editorial Caminho, 1996, ISBN 978-972-211-063-1.
 https://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.com/2017/01/o-circulo-virtuoso-contos-maria-isabel.html
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"Entrámos exaustos no século XX" (Maria Isabel Barreno)

«Surgem os tiranos quando a auto estima dum povo é baixa. Tivemos uma difícil história, ao longo de séculos: pesadas concorrências internacionais nos mares, perda e esforçada reconquista da independência, um destruidor terramoto, três invasões francesas devastadoras, um pagamento exorbitante aos nossos aliados ingleses, uma guerra civil. Entrámos exaustos no século XX.»
Maria Isabel Barreno, «A explosão da alegria», JL #1136, 16.IV.2014
 https://abencerragem.blogspot.com/2014/04/bem-escrito-entramos-exaustos-no-seculo.html
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 https://www.youtube.com/watch?v=9-Nq4LTeDrs
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Maria Isabel Barreno



Maria Isabel Barreno morreu. Para a lembrarmos, do muito que poderíamos trazer para o Em Cada Rosto Igualdade,  escolhemos o vídeo em que conta do seu percurso de vida, donde captamos a imagem acima: aqui. Destaquemos uma passagem em que fala de FEMINISMO, e este momento: «para mim feminismo é política». Mas, não perca, veja na integra.

Uma nota pessoal, a última vez que ouvimos Maria Isabel Barreno foi numa das Tertúlias da Biblioteca Ana de Castro Osório e impressionou-nos  a clareza de pensamento e a verbalização limpa em toda a sua conversa, nomeadamente sobre feminismo. Aludimos a isso neste post, e reafirmamos o que ali se regista quanto à preservação da memória e  sua ampla divulgação. Em especial, sobre mulheres como Maria Isabel Barreno.

Maria Isabel Barreno será cremada hoje, domingo, às 17:00, no cemitério dos Olivais.



«Vénus, nascida das águas, sorridente e húmida, era do 

melhor que se podia encontrar do lado dos rostos femininos.

 Juntamente com a Virgem Maria, que nunca me atraiu, sempre  com aquela garantia de ser a única mulher completamente asséptica, 

sempre pintada de louro e de azul e com uma expressão expectativa
 que atingia a estupidez. Só mais tarde tentei decifrá-la».
https://emcadarostoigualdade.blogspot.com/2016/09/maria-isabel-barreno.html
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 Nascida em Lisboa a 10 de julho de 1939 e licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Maria Isabel Barreno será recordada como uma das "Três Marias", nome por que ficou conhecido o processo em que foram julgadas, durante o Estado Novo, pela escrita da obra de alegado "teor pornográfico", publicada em 1971.

Ao fim de mais de dois anos, o julgamento, acompanhado de perto pela imprensa internacional, terminou com a absolvição das três escritoras, já após a Revolução de 25 de Abril de 1974, e a obra passou a ser encarada não só como um tratado sobre os direitos das mulheres em Portugal mas, mais que isso, como "um libelo contra todas as formas de opressão", como a descreveu a escritora Ana Luísa Amaral em 2010, quando a obra foi reeditada pela Sextante, com anotações suas.


Trabalhou no Instituto Nacional de Investigação Industrial, foi jornalista e Conselheira Cultural para o Ensino do Português em França e publicou 24 títulos, entre romance e investigação na área da Sociologia.

Recebeu diversas distinções, entre as quais o Prémio Fernando Namora, pelo romance "Crónica do Tempo" (1991), e o Prémio Camilo Castelo Branco e o Prémio Pen Club Português de Ficção, pelo livro de contos "Os Sensos Incomuns" (1993), e em 2004 foi feita Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

"Vozes do Vento", sobre a história dos antepassados do seu pai em Cabo Verde, foi o último romance que publicou, em 2009, após uma pausa de 15 anos na escrita durante a qual desenvolveu atividades noutros campos artísticos, nomeadamente as artes plásticas, com várias exposições de desenho e tapeçaria. Depois, em 2010, editou ainda o livro de contos "Corredores Secretos (seguido de "Motes e Glosas")".

Maria Isabel Barreno será cremada no domingo, às 17:00, no cemitério dos Olivais.
 http://www.rtp.pt/noticias/cultura/morre-maria-isabel-barreno_a944836?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter
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 https://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=815
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Biografia
 http://ensina.rtp.pt/artigo/maria-isabel-barreno-apresenta-se-com-biografia-breve/
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Acumula poemas na gaveta, mas não os publica. A prosa serve melhor a Maria Isabel Barreno para dizer o que precisa. Como ter uma escrita transgressora e defender os direitos das mulheres em plena ditadura. É uma das três autoras das Novas Cartas Portuguesas.

Primeiro, a leitura, descoberta precoce motivada por doença aos seis anos. Depois, com os livros ancorados aos dias, tem a necessidade de se “libertar pela palavra” e começa a fazer poemas – até hoje – que guarda para si. Na idade adulta manifesta vocação para os romances. Antes publica trabalhos de investigação sociológica, contos na imprensa, até que em 1968 escreve “De noite as árvores são negras”, um sucesso. Seguem-se “Folhetim de ficção filosófica” e “Os outros legítimos superiores”.
Os seus romances são diferentes, quer pelos temas, quer pelo discurso narrativo pautado pelo ritmo dos pensamentos, aparentemente desordenado mas seguramente inovador e transgressor em comparação à novelística portuguesa produzida na época. Um estilo “assimétrico e meditativo” que desenvolve numa obra coerente, em mais de 20 títulos publicados e premiados.
Maria Isabel Barreno nasce em Lisboa, em 1939. Vive quase 35 anos na ditadura, numa sociedade repressora que condicionava a mulher, negando-lhe direitos básicos de realização e de afirmação enquanto ser humano. Militante da causa feminina, envolve-se em movimentos de “libertação” da mulher. Em 1972, com Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, inicia a aventura de  “Novas Cartas Portuguesas”, obra proibida pelo regime, que vai ser o epicentro de um escândalo nacional e internacional  conhecido como “o caso das três Marias”.
A autora, para quem o 25 de Abril foi o acontecimento mais importante da sua vida, considera que o tumulto provocado por esta publicação contribuiu para que a Constituição da República de 1976 consagrasse” a igualdade absoluta de direitos para homens e mulheres”.
 http://ensina.rtp.pt/artigo/maria-isabel-barreno-apresenta-se-com-biografia-breve/
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 «Acordou na manhã seguinte com sensação de enigma. Recordou vagamente o sonho, encolheu os ombros. Não há dúvida de que ela estava bem descrita, no princípio, para assim entrar, tão perfeita, nos meus sonhos»
 

A Personagem
«Começou a ler o livro num sábado de manhã. Um amigo seu tinha-lho recomendado. Belíssimo, dissera, há uma personagem feminina comovente, linda, tão misteriosa que é uma presença quase ténue, no livro, um fio de existência feito só de indícios, e de súbito reparamos que a personagem se instalou em nós, no coração, no ar que respiramos. Como se tivesse saltado das páginas do livro, literalmente, repetia o amigo, como se tivesse saído do livro e o seu destino viesse fundir-se ao nosso quotidiano. Ele confiava na opinião daquele amigo. Gostava de passar os fins-de-semana de Inverno em casa, estirado no sofá da sala, lendo. Por isso sexta-feira à tarde foi comprar o livro antevendo com volúpia todo o desenrolar do processo: sair da livraria sentindo o livro nas mãos (era absolutamente impossível pedir emprestado um livro quando se tratava de saboreá-lo), desfazer o embrulho em casa, devagar, cheirar o livro (adorava o cheiro dos livros novos), mirar a capa dum lado e do outro, ler as badanas, deixar o livro pousado em cima da mesa da sala enquanto ia à cozinha preparar e comer o seu jantar (ele vivia sozinho); voltar à sala, olhar o livro de longe, aguçando o desejo; quase ceder à tentação de começar imediatamente a ler; resistir, aguçar ainda mais o desejo, decidir não, hoje à noite vou sair, amanhã sim. E o sábado chegou com uma cor amarela, cor da alegria, apesar de estar um dia chuvoso.

Começou a ler o livro sábado de manhã. Leu as primeiras vinte páginas com avidez. Sim aí estava ela, a tal comovente e ténue personagem feminina, fio secreto de todo o enredo. Era uma obra de arte, finamente cinzelada nas entrelinhas, entrevista, prometida. Prometido o encontro, leu mais vinte páginas, a inevitável desvelação não se anunciava mais próxima. A mulher entrara na sua pele como a mais insidiosa das amantes, mas permanecia feita só de cecantes indícios, ameaçadoramente esfingica. As páginas seguintes foram-se tomando progressivamente torturantes, cansativas, frustrantes. Corpo feito de entrelinhas, a mulher nada oferecia, revelava-se, recusava-se. Um jogo, infindo de coqueteria, um baixar de olhos, de pálpebras. Nada acontecera, e já a nostalgia o habitava: ela passara, e não viria. Deixou o livro na página oitenta, a meio da tarde de sábado, e foi ao cinema. Escolheu um filme violento, vingativo. Saiu indisposto com tantas imagens óbvias, achando o mundo estúpido, azedo consigo próprio. Telefonou a dois ou três amigos, jantou com eles. Riram e falaram de mulheres, um pouco de futebol, um pouco de política. Separaram-se polidamente, prometendo próximos e entretidos encontros. Na despedida ele pensou: se fôssemos homens da anterior geração, agora iríamos às pu…, juntos, mas nós nem isso sabemos fazer.

Depois envergonhou-se de tal pensamento, honestamente achava que mais valia encobrir tristezas com desconsolos polidos do que com as alarvidades antigas. Recolheu a casa, ouviu um pouco de música, deitou-se cedo. Pensou que se zangara com a namorada há um mês, que ainda não arranjara outra, que tinha de resolver o assunto, e adormeceu. E foi então que a viu, completa. Ela estava à sua frente, transparente e nua, livre das revelações textuais. Depois adensou-se seu corpo, depois vieram as vestes. Mas ela sorria sempre, estendia-lhe os braços e dizia-lhe: completa o meu destino.

Acordou na manhã seguinte com sensação de enigma. Recordou vagamente o sonho, encolheu os ombros. Não há dúvida de que ela estava bem descrita, no princípio, disse para si próprio, para assim entrar, tão perfeita, nos meus sonhos. Passou o domingo entregue a coisas várias, daquelas minudências que nem se dizem. À noite leu outro livro, que arrastava havia semanas, sem entusiasmos mas com suficiente persistência. De novo adormeceu cedo, pensando em arranjar namorada, talvez reconciliar-se com a anterior. E de novo ela, a mulher anunciada no livro, promessa frustrada, apareceu no seu sonho: de novo completa, e transparente e nua, bela, de novo pedindo, completa meu destino.

E os dias sucederam-se, as noites também, iguais. O sonho voltava, ela voltava, incólume. Podia repetir-se agora, no sonho, sem rasgo nem gasto, porque perfeita. Chegou o sábado, dia de descanso, ele resolveu cumpri-lo. Refastelou-se na mesma poltrona de há sete dias atrás, abriu o livro na página oitenta, seguiu o rasto da mulher até ao final. Ela seguia, finamente cinzelada nas entrelinhas, fio do enredo, entrevista como sol e sombra nas ramadas de Verão. Só no final se tomava sarcástica. Nada mais. E todo o texto se desmoronava à sua volta. Era uma vitória entre ruínas. Nessa noite de sábado para domingo foi a sua última aparição. Lenta e nua, consistente e bela, ela sorriu o seu adeus e disse: obrigado. Desapareceu para sempre. Mas a partir dai ele nunca mais foi capaz de deixar um livro a meio: os suspiros das personagens inacabadas eram suficientes para guiá-lo até ao fim». In Maria Isabel Barreno, Os Sensos Incomuns, 1993, colecção Campo da Palavra, Grande Prémio do Conto, Editorial Caminho, 2008, ISBN 978-972-210-886-7.
https://montalvoeascinciasdonossotempo.blogspot.com/2015/10/os-sensos-incomuns-maria-isabel-barreno.html
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A freira e o assassino, Maria Isabel Barreno  

Ficha de leitura de Patrícia Quitéria, n.º 15, turma I, 1o.º ano - Escola Artística António Arroio - ano letivo de 2011-2012.  https://issuu.com/n11eli/docs/maria_isabel_barreno__a_freira_e_o_assassino
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 Wook.pt - Corredores secretos
 Este livro reúne duas coletâneas de contos de Maria Isabel Barreno. São textos que falam da natureza e das relações humanas, retratos humorísticos ou lendas revisitadas. Fragmentos dispersos mas ligados pela intimidade que se cria de imediato com o leitor. Um livro intemporal, suportado por uma escrita que nos surpreende a cada página.
 https://www.wook.pt/livro/corredores-secretos-maria-isabel-barreno/5102104
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TEXTO SOBRE A SOLIDÃO, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa


“- És bela” – disse o homem descendo-lhe as mãos pelo corpo despido e exposto na cama, uma das pernas recuada, a outra estendida ao longo dos lençóis.


“- És bela” – tornou o homem a contornar-lhe os seios com os dedos, reparando nos lábios crispados debaixo dos seus e o nojo profundo e ácido refletido nos olhos dela.


“- Gosto dos teus cabelos, do teu ventre côncavo, das tuas ancas magras, dos teus braços, das tuas coxas, do teu cheiro, da tua língua. Gosto que tenhas nojo mas que venhas comigo para a cama”.

Debruçou-se então, a percorrê-la com a boca como se a tentasse respirar, deixando-lhe na pele a cicatriz molhada da saliva; voraz, o corpo amolecido tentando ganhar forma, dureza, no da mulher que se debatia, todavia imóvel, hirta. Que se debatia.

Mônica pensou: “eu enlouqueço”.


Mônica pensou: “eu enlouqueço”.


O homem queria o terreno macio da sua carne e com beijos espessos devorava-lhe a frescura, bebia-lhe a a fragilidade estática do pescoço e do gesto breve, a fim de o deter. Num movimento brusco prendeu-lhe os pulsos estreitos sobre os lençóis.


Petrificada, Mônica sentiu que ele começa a entrar nela, devagar primeiro, o seco ainda mole, indeciso na sua meia impotência, depois mais grosso e quente, impaciente, inábil. Um pênis pequeno, atrofiado, dentro da sua vagina funda, macia, de fêmea larga pelo amor e lutas e profundos espasmos.

Ele via-lhe os olhos fixos, duros, ácido como pedras transparentes, de um azul translúcido, raro, de água ou de mar, mas principalmente: ásperos, inflexíveis.


Mônica via os olhos do homem, congestionados, pequenos, de um castanho raiado de amarelo sujo, perdidos nos seus.


Mônica ouvia os gemido do homem cada vez que ia e vinha dentro de si.


Sentia o suor peganhento do homem e a flacidez da barriga que espasmodicamente se espalmava nas suas ancas e no seu ventre.

Então o nojo soltou-se, como uma mola; trepou avassalador, escaldante: uma altíssima vaga a coser-se-lhe na garganta, concentrando-se aí num vômito que engoliu, entontecida, nauseada.


O homem esforçava-se por acabar, exausto, o sexo perdido dentro daquela vagina seca, hostil, inóspita. Esforçava-se, naquela carne esponjosa, raivosamente, as mãos espalmadas na cama. Depressa, depressa, num movimento pendular ia e vinha, rápido, a apressar o orgasmo preso nos testículos vazios, sem esperma.

Mônica pensou: “eu enlouqueço”.


Mônica pensou: “eu enlouqueço”.


desde o princípio a pensar no marido e no amor e no desejo dele e na paixão por ele que não se calava e não se calava nunca, num enorme grito.

Mônica gritou:


devagar, intermitentemente. Um monstruoso grito como uma monstruosa e lancinante dor.


Perdido naquele grito, o homem excitou-se, fincou-se na mulher, obrigou-a a virar-se de costas e de joelhos firmes, os dedos cravados nos seios pendentes, forçou-lhe o ânus onde entrou rasgando-a, em gozo, vindo-se logo, enchendo-a com o seu leite aguado e morno. E aí se excitou e se veio de novo a vingar-se dela; lambuzando-lhe com o sexo, em seguida, a boca cerrada a dar-lhe a conhecer o gosto da sua vitória.


Mônica esperou que ele adormecesse. Escutou-lhe o respirar, atenta, depois, lentamente, cuidando cada movimento, agarrou uma almofada, tapou-lhe a cara e com toda a sua força desesperada apoiou-se nela defendendo-se dos convulsivos braços do homem; deitando-se-lhe sobre o corpo, as suas pernas detiveram as pernas que a tentavam derrubar e assim estiveram unidos até deixar de o sentir mover e mesmo depois, desse modo, horas estirada no corpo já frio, a dormir, descansando a cabeça na almofada em cima da cara dele.
(Novas Cartas Portuguesas)
 https://trapichedosoutros.blogspot.com/2011/08/texto-sobre-solidao-de-maria-isabel.html
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Maria Teresa Horta – Carta Última para Maria Isabel Barreno (1.ª Parte)


“Escrevo, Isabel,
carta última,
tal como fizemos ao terminar
Novas Cartas Portuguesas, num
recolhimento que repito, num
impulso, num sobressalto diante
do fim da tua vida; pois escrever
junto, à nossa maneira a três,
Isabel
é pacto de sangue – corte muito
fino no pulso da escrita – lembro-me
de vos ter dito diante do vosso silêncio
cúmplice. E este é o meu modo de-
sarmado de recusar a tua perda, creio,
sem conseguir aceitar que passes a
ser sobretudo memória, por certo
cada vez mais longínqua, recordação
dia após dia a tornar-se brumosa,
distanciada e difusa.
Saudade a resguardar-se de si
própria.
Tão sozinha, tu no abandono de ti
mesma, em inexistentes horas, sem
outra qualquer forma de existires
senão pelo teu lado de total negrume,
aquele que absurdamente é hoje o teu
nada
mais absoluto.

Escrevo, Isabel,
carta última
a querer recordar como se deu o
exato começo de Novas Cartas, por
entre palavras e ideais, exigência de
liberdade e repúdio dos tantos medos,
modos e meios que o fascismo tinha
de nos censurar a escrita, ideias e
princípios, livros, itinerários, projetos
literários, romances e poesia, textos e
versos no seu próprio reverso de luz;
e igualmente na ensombrada som-
bra, então, dos nossos dias.

Escrevo, Isabel,
carta última
como se ainda fôssemos tateando
devagar a vida, repensando as tantas
diferenças de escrita, a tentarmos
divisar essa outra diversidade,
feminina
tão ancestral quanto castrada,
abafada e discriminada,
Isabel…
E assim foi nessa pressa, nesse
entusiasmo, que ao longo de meses
nos tornámos amigas, quer num so-
bressalto súbito de tropel e inesperada
corrida ao modo do meu alvoroço,
quer da tua quietude, tranquilidade
à flor do sorriso, como se afinal nada
nos estivesse a acontecer,
ilusória maneira de tomarmos voo
de asa enquanto companheiras em
convivência de vida e escrita, por entre
agressões, tentativas de humilhação e
de proibições políticas.
Na realidade falávamos de liber-
dade e de literatura ao longo de tardes
fingidoras de tempo que simulava
deixar-se agarrar, numa mistura de
conversas que sempre se demoravam
em cumplicidades múltiplos, por en-
tre páginas, obras literárias sobretudo
de autoras de quem amávamos a
poesia, a ficção, a filosofia,
conscientes de ser urgente deso-
bedecer, transgredir, aprendendo
a confrontarmos quem nos queria
censurar a vida e a escrita.

Escrevo, Isabel,
carta última
sem tentar iludir certezas e dúvi-
das, em horas de descoberta e rompi-
mentos; enquanto íamos imaginando
e escrevendo,
contos e poemas, ensaios e versos,
cartas…
Tantas cartas, e tantas personagens,
Marias, Mainas e Marianas…
com as quais fizemos uma roda,
juntas na escrita de um livro que em
quase tudo acabaria por mudar para
sempre as nossas vidas. (…)”

In JL, 14 a 27 de setembro de 2016
(continua)
Nota: Faz hoje sete mês que Maria Isabel Barreno faleceu.
Maria Teresa Horta (Lisboa, 20/5/1937)
Poetisa, colaboradora de diversos jornais e revistas, pertenceu ao grupo Poesia 61 e aos movimentos cineclubista e feminista, co-autora do livro: Novas Cartas Portuguesas (1972) com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, tendo ficado conhecidas internacionalmente por: “As Três Marias”.

Maria Isabel Barreno (Lisboa, 10/7/1939 – 03/09/2016)
Romancista, novelista, contista, ensaísta, autora de trabalhos sociológicos e de guiões para a televisão e cinema, colaboradora de jornais e revistas, integrou o Movimento Feminista de Portugal com as escritoras: Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, com as quais é co-autora de: Novas Cartas Portuguesas, tendo ficado conhecidas internacionalmente por: “As Três Marias”, licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas.

Maria Velho da Costa (Lisboa, 26/6/1938)
Romancista, contista, ensaísta, galardoada com vários prémios literários, nomeadamente o Prémio Camões em 2002, co-autora do livro: Novas Cartas Portuguesas (1972) com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta, tendo ficado conhecidas internacionalmente por: “As Três Marias”, licenciada em Filologia Germânica, professora do ensino secundário.

 https://lusografias.wordpress.com/2017/04/03/maria-teresa-horta-carta-ultima-para-maria-isabel-barreno-1-a-parte/
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 Novas Cartas Portuguesas
 «Reescrevendo, pois, as conhecidas cartas seiscentistas da freira portuguesa, Novas Cartas Portuguesas afirma-se como um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril (denunciando a guerra colonial, o sistema judicial, a emigração, a violência, a situação das mulheres), revestindo-se de uma invulgar originalidade e actualidade, do ponto de vista literário e social. Comprova-o o facto de poder ser hoje lido à luz das mais recentes teorias feministas (ou emergentes dos Estudos Feministas, como a teoria queer), uma vez que resiste à catalogação ao desmantelar as fronteiras entre os géneros narrativo, poético e epistolar, empurrando os limites até pontos de fusão.»
Ana Luísa Amaral in «Breve Introdução»

 https://www.goodreads.com/book/show/9938267-novas-cartas-portuguesas
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Via Expresso:


http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-09-03-Morreu-Maria-Isabel-Barreno-voz-singular-da-igualdade

OBRA VASTA

Depois, começou a escrever poesia — embora nunca a tenha mostrado ou publicado. Em adulta, escreveu romances, num estilo transgressor e diferente, marcado pela defesa dos direitos femininos. Publicou ainda trabalhos de investigação sociológica e contos na imprensa. Ao todo, gerou mais de 20 títulos, alguns dos quais premiados.
A escritora recebeu diversas distinções, entre as quais o Prémio Fernando Namora (pelo romance “Crónica do Tempo”, em1991), e os prémios Camilo Castelo Branco e Pen Club Português de Ficção, pelo livro de contos "Os Sensos Incomuns" (1993). Em 2004 foi feita Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
“Vozes do Vento” (2009), sobre a história dos antepassados do seu pai em Cabo Verde, foi o seu último romance, publicado após uma pausa de 15 anos na escrita. No ano seguinte chegou o livro de contos “Corredores Secretos seguido de Motes e Glosas”. No tempo em que não se dedicou à escrita, Maria Isabel Barreno desenvolveu atividades noutros campos 
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3seTEMbro2016
 Maria Isabel Barreno, escritora e investigadora, morreu aos 77 anos. Nascida num regime de opressão, ficou conhecida por ser uma das "Três Marias" e por ser uma defensora dos direitos das mulheres.

Maria Isabel Barreno, escritora e investigadora portuguesa que ficou conhecida pelo livro Novas Cartas Portuguesas, que levou ao célebre “Caso das Três Marias”, morreu este sábado aos 77 anos. A notícia, avançada pelo Expresso, foi confirmada ao Público por uma amiga da autora.
Numa nota enviada à comunicação social, o Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes destacou a “voz ativa” de Maria Isabel, que nasceu “num regime opressor”. “A riqueza do seu pensamento e o rigor dos seus princípios em muito contribuíram para termos hoje uma sociedade mais justa, livre e igualitária”, frisou o ministro.
 
 
Marcelo Rebelo de Sousa também já reagiu à morte da escritora. Numa mensagem publicada no site da Presidência da República, o Presidente descreveu a publicação de Novas Cartas Portuguesas, em 1972, como “um acontecimento que definiu uma época”. “Tomando de empréstimo o modelo das Cartas Portuguesas atribuídas a Mariana Alcoforado, mas discutindo o mundo português contemporâneo, o livro era a expressão de uma mudança de mentalidades e de uma resistência crítica que a censura mal pôde conter”, afirmou Marcelo.
Considerando que a obra da autora “vai muito além das Cartas”, o Presidente da República acrescentou que “os seus romances, novelas e contos procuram sempre uma forma de conhecimento da realidade portuguesa: conhecimento psicológico e sociológico, empírico e filosófico, em contexto quotidiano e doméstico ou em registo fantástico”. “E é esse conhecimento que fundamenta a recusa da dominação das mulheres e da submissão aos ‘legítimos superiores'”.

Contactada pela Agência Lusa, Maria Teresa Horta, uma das “Três Marias”, descreveu Maria Isabel Barreno como “uma mulher excecional, inteligentíssima, muito culta e muito leal”. “E era minha amiga do coração, minha irmã.” Afirmando não ser capaz de, neste momento, “de dar uma opinião distanciada em relação à Isabel”, disse não ter “um senão” em relação à amiga e autora. “Não é só um escritor, é um escritor com quem eu escrevi, e uma pessoa quando escreve com alguém é para sempre, é eterno, não há nada a fazer. A nossa eternidade é que, pelos vistos, como se vê pela Isabel, é muito curta.”
A cerimónia de cremação está marcada para este domingo, às 17h, no cemitério dos Olivais.

Uma feroz defensora dos direitos das mulheres

Maria Isabel Barreno de Faria Martins nasceu a 10 de julho de 1939, em Lisboa, em pleno Estado Novo. Aos seis anos, por culpa de uma doença, descobriu o prazer da leitura e uma maneira de se “libertar pela palavra”. Estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde se licenciou em Ciências Histórico-Filosóficas, e trabalhou no Instituto Nacional de Investigação Industrial. Foi jornalista e Conselheira Cultural para o Ensino do Português em França.
Iniciou-se na escrita ainda em jovem, começando por escrever poemas, que não mostrava a ninguém e que nunca quis publicar. Mais tarde, dedicou-se à escrita de romances, sempre marcados pela defesa dos direitos das mulheres, pelos quais foi várias vezes distinguida. Em 1991, recebeu o Prémio Fernando Namora por Crónica do Tempo e, 1993, os prémios P.E.N. Clube Português de Ficção e Camilo Castelo Branco por Os Sensos Incomuns.
Movimento de Libertação das Mulheres
Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta (que segura um cartaz com a frase “Mulheres uma força política”), numa manifestação do Movimento de Libertação das Mulheres. Foto: Arquivo Global Imagens
Publicou o último romance, Vozes do Vento, em 2009, depois de uma pausa de 15 anos na escrita, durante os quais se dedicou a outras atividades artísticas, como pintura, desenho e tapeçaria. O seu último livro, o conjunto de contos Corredores Secretos, seguido de Motes e Glosas, saiu em 2010
Ao longo da sua vida, publicou mais de 24 títulos, onde se incluem contos, publicados em jornais, e trabalhos na área da Sociologia. Um dos mais importantes foi A Morte da Mãe. Publicado em 1989, o livro é um importante estudo sociológico e filosófico sobre a evolução da situação da mulher na sociedade ao longo da história.

As cartas das “Três Marias”

Apesar do seu trabalho prévio como escritora, Maria Isabel Barreno ficou sobretudo conhecida por ter escrito Novas Cartas Portuguesas, juntamente com Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Publicado em 1972, o livro parte das cartas seiscentistas da freira portuguesa Mariana Alcorofado e foi logo proibido pelo regime, que o considerou pornográfico e contrário à moral e aos bons costumes. As três autoras foram levadas a julgamento no mesmo ano, num caso que ficou conhecido como o das “Três Marias”.
“Sabíamos que a obra em si já era uma ousadia, independentemente do vocabulário que viéssemos a usar — mas era o que nos interessava escrever naquela altura e por isso fomos para diante”, lembrou Maria Isabel numa entrevista ao jornal Público em 2009. Só que as autoras nunca pensaram que o Estado Novo avançasse com um processo jurídico.
Nunca pensei que o regime — até porque estávamos em pleno marcelismo e havia a ideia de que a abertura era outra — caísse na asneira de nos levar a tribunal“, disse ao Público. “O destino mais comum dos livros era serem apreendidos, e até havia livrarias especializadas em livros proibidos. Ninguém imaginava que o regime voltasse a cometer o erro que tinha cometido anos antes com a Natália Correia”, que foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação de Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, em 1966.
Marias
Maria Isabel Barreno (ao centro), Maria Velho da Costa (à esquerda) e Maria Teresa Horta (à direita). Foto: Arquivo Global Imagens
O processo das “Três Marias” arrastou-se durante dois anos e conheceu vários advogados, como Francisco Sousa Tavares, marido de Sophia de Mello Breyner, e Salgado Zenha. Atentamente acompanhado pela imprensa nacional, gerou uma onda de indignação entre os movimentos feministas internacionais, que organizaram manifestações junto a embaixadas e consolados portugueses nas cidades de Londres, Paris e Nova Iorque.
O “Caso das Três Marias” só ficou resolvido depois do 25 de Abril. A 7 de maio de 1974, as três autoras foram finalmente absolvidas. A decisão do juiz referia que “o livro Novas Cartas Portuguesas não é pornográfico nem imoral. Pelo contrário: é obra de arte, de elevado nível, na sequência de outras obras de arte que as autoras já produziram”, cita o Expresso.
O caso ficou para a história como uma das primeiras causas feministas em Portugal e Novas Cartas Portuguesas passou a ser encarado como um tratado sobre os direitos das mulheres e como “um libelo contra todas as formas de opressão”, como o descreveu a escritora Ana Luísa Amaral, autora das notas da reedição da Sextante, de 2010.
Atualizado pela última vez às 00h00 de 4/9 com as declarações do Presidente da República
https://observador.pt/2016/09/03/morreu-maria-isabel-barreno-uma-das-tres-marias/
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Via Público:

 “foi mais do que uma das 'Três Marias'"


https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/morreu-maria-isabel-barreno-uma-das-tres-marias-1743111
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https://www.facebook.com/FascismoNuncaMais/photos/a.559109110865139.1073741828.558291707613546/767649893344392/?type=3&theater
Antifascistas da Resistência
MARIA ISABEL BARRENO, MARIA TERESA HORTA, MARIA VELHO DA COSTA – «Novas Cartas Portuguesas» (1971)
Escritas em 1971 por estas três escritoras, e publicadas em Abril de 1972 com a direcção literária de Natália Correia, que publicou a obra na íntegra, as «Novas Cartas Portuguesas» foram recolhidas do mercado e destruídas, 3 dias após o seu lançamento sob o pretexto e a acusação por parte da censura de que o seu conteúdo era "insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública". Sob esta acusação, as três autoras foram levadas a julgamento, que se iniciou a 25 de Outubro de 1973.
O livro revelou ao mundo a existência de situações discriminatórias agudas em Portugal, relacionadas com a repressão ditatorial, o poder do patriarcado católico e a condição da mulher (casamento, maternidade, sexualidade feminina). Denunciou, também, as injustiças da guerra colonial e as realidades dos portugueses.
A resistência memorável das três autoras à pressão do Estado Novo, às ameaças fisicas e de perda de liberdade, (Maria Teresa Horta chegou a ser brutalmente espancada por um grupo de individuos à porta de sua casa, tendo tido de receber tratamento hospitalar), foi (é) uma verdadeira inspiração para a luta feminista. Juntas, Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa traçaram um projecto, escreveram uma valorosa obra e mantiveram-se fiéis à promessa feita de que, para o bem (o sucesso) e para o mal (a prisão, a condenação, o isolamento social), nenhuma das três revelaria qual delas teria escrito o texto, mantendo-se sempre fiéis à sua promessa.
Perseguidas e julgadas em Portugal, as três autoras foram amadas e acarinhadas, especialmente especialmente na Europa e Estados Unidos, reunindo uma solidariedade da comunidade literária portuguesa e estrangeira. O julgamento das três autoras foi seguido pelo The Times , Le Nouvel Observateur, entre outros, o que demonstra a sua dimensão internacional e o seu impacto além fronteiras.
Durante os dois anos em que durou o julgamento em Portugal, grupos de feministas organizaram escalas em frente às Embaixadas de Portugal para que o protesto fosse contínuo. Não houve sossego nem de dia nem de noite. De entre os nomes que se assumiram como defensores da obra destacam-se os de Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Doris Lessing, Iris Murdoch, Stenphen Spencer.
«As Novas Cartas Portuguesas» foram lidas pela primeira vez em público, e de forma colectiva, em França (Paris), no dia 25 de Outubro de 1973, na "Noite das Mulheres".
Este livro salienta a situação social e politica das mulheres portuguesas através de uma escrita ousada, sem pudor e até por vezes agressiva revelando um panorama do infortúnio histórico das mulheres: “O estatuto das mulheres no pensamento patriarcal foi sempre de marginalidade, estimagtização e domesticação das mesmas”.
As «Novas Cartas Portuguesas» são uma obra de valor inestimável para o feminismo, tanto português como mundial, porque marcaram com firmeza uma visão feminina, a denúncia da condição das mulheres portuguesas no Estado Novo e uma renúncia ao papel imposto a todas as mulheres portuguesas pela ditadura, pela censura, pelo conservadorismo e pelo patriarcado.
Ainda hoje o nosso país esconde, de certo modo, essa obra, não referenciando a glória da sua historia, o impacto que teve na época, e o enorme valor do seu conteúdo - talvez com receio de que contribua para uma consciência, por parte das mulheres, da sua própria força e determinação.
O titulo da obra refere-se às cartas da freira portuguesa do século XVII, Mariana Alcoforado, publicadas em Paris no século XVII, com o titulo «Lettres de la Religieuse Portuguaise» e que contavam a paixão infeliz da freira abandonada por um oficial francês, o Conde de Chamily (e que conheceram um enorme exito a partir de 1669).
Helena Pato
A partir de:
- texto de Natércia Pedroso em
http://istonaoestaaqui.blogspot.pt/…/as-3-marias-novas-cart…
- Wikipédia