26/01/2017

4.264.(26jan2017.7.7') Seamus Heaney

Nasceu a 13ab1939
e morreu a 30ag2013
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http://sylviabeirute.blogspot.pt/2010/09/seamus-heaney-poemas-poesia-biografia.html
Por causa da presença do escritor irlandês Peter Cunnigham em Portugal, no festival Lit.algarve, tive vontade de escrever umas linhas sobre um poeta também da Irlanda, mas do Norte. O maior poeta irlandês desde William Butler Yeats: Seamus Heaney.

Seamus Heaney nasceu em 13 de Abril de 1938 em Mossbawn, County Derry, e ganhou o Prémio Nobel em 1995 e o Prémio T. S. Eliot em 2006. A poesia de Heaney é, diria poeticamente, de vagas carícias, de pequenos ruídos do quotidiano que lhe impõem uma subtileza no estilo, como se os movimentos, ainda que associados à dor, se manifestassem lentamente. Este lento demonstrar do interior, impelido por aquilo que o poeta vai assistindo, é contudo enganador, revelando, não raras vezes, o seu propósito. Porque é a lentidão enquanto espaço de conhecimento, exaustão da visibilidade e da compreensão e razão. Esta poesia diz respeito a uma ordem confessional, mas uma confessionabilidade, eu diria, de viagem. Ou seja, a diferença entre as coisas que o eu poético descortina serve de móbil à confissão. Aqui a confissão é uma confissão de domínio, relato de experiência, senão de renovação obscura. De outro modo, há por vezes uma realização do poema dentro do espaço social (e religioso) do autor, senão do ambiente político. Isso é bem visível no seu livro de poemas em prosa Stations. Aí, a primeira parte do que disse acerca da sua poesia como que se integra nesta moldura, "invernando" (como diria o próprio Seamus Heaney) na vida rural da Irlanda do Norte (o convívio, os medos, a apanha da fruta, etc) e, ainda mais atrás, no passado em que este era uma criança: a segunda guerra mundial. Este último aspecto também é transversal à sua poesia: a revisita do mundo através dos seus olhos enquanto criança (a que não é alheio o facto de Heaney ter abandonado a Irlanda do Norte em plena guerra civil),  a busca continuada por uma segunda inocência, uma lucidez renovada, um pequeno sorriso. Há no poeta um discurso contaminado por algum cosmopolitismo, pela diversidade que define e condiciona o tempo enquanto espaço de acção, espaço que chama a si essa mesma acção, esse narrar poético intelectual mas afectivo. Os poemas raramente questionam. Usam uma índole afirmativa, mas que se não confunde com altivez; são por vezes alívios de uma identidade, como se esse falar pudesse fazer esquecer parcialmente, pudesse perdoar, fazer com que o tempo actual seja uma espécie de tempo-zero a partir do qual tudo pode, mais uma vez, começar.

Poemas escolhidos:

A ÁRVORE DOS DESEJOS

Recordei-a como a árvore dos desejos que morreu
E vi-a subir, inteira, até ao céu,
Deixando um rasto de tudo o que se cravara

Por cada carência, uma e outra vez, na têmpera
Da sua casca e sâmago: moeda, alfinete e prego
Desfraldaram dela como uma cauda de cometa

Recém-cunhada e dissolvida. Tive uma visão
De uma ramada aérea atravessando húmidas nuvens,
De rostos erguidos, onde a árvore estivera.

Seamus Heaney
tradução de Rui Carvalho Homem

*
O FRAGMENTO

"Veio a luz do oriente", cantava ele,
"radiosa garantia de Deus, e as ondas aquietaram-se.
Eu podia ver línguas de terra e rochedos acossados.
Muitas vezes, pela coragem mostrada, o fado poupa o homem
se não o marcou já."

E quando a objecção deles lhe foi dita -
em especial que a sua obra se fizera em fragmentos,
que já não podiam dizer onde estavam com ele,
que já não distinguiam primeira linha ou última linha -
respondeu com uma questão.
"Desde quando", perguntou,
a primeira e a última linha de qualquer poema
são onde o poema principia e termina?"

Seamus Heaney 
tradução deVasco Graça Moura

*

A DIFICULDADE INGLESA

Movia-me como agente secreto entre conceitos.
A palavra «inimigo» tinha a eficácia dental de um cortador de relva.
Era um ruído mecânico e distante
para além da opaca segurança, essa ignorância autónoma.
«Quando os alemães bombardearam Belfast eram as partes orangistas 
mais amargas as que pior foram golpeadas».
Encontrava-me no cimo dos ombros de alguém, levado através do 
pátio iluminado por estrelas para ver como o céu ardia sobre Anahorish.
Os maiores baixavam as suas vozes e se reacomodavam na cozinha
como se estivessem cansados depois de uma excursão.
Passado o apagão, a Alemanha cozinhava em cozinhas iluminadas 
por lâmpadas através da flanela desgastada, baterias secas, baterias 
húmidas, cabos capilares,  válvulas condenadas que chiavam e 
borbulhavam enquanto o sintonizador absolvia Stuttgard e Lepzig.
«É um artista, este Haw Haw. Podemos tranquilamente deixá-lo dentro»
E eu hospedava-me com os «inimigos do Ulster», espetados extramuros.
Um adepto ao contrabando cruzava as linhas com palavras de passo
cuidadosamente enunciadas, até que fizesse funcionar 
cada discurso nos controlos sem informar ninguém.  

Seamus Heaney
tradução de Pedro Calouste

*
Bibliografia inclui:

Poesia: obras principais

Poesia: colectâneas
Prosa: obras principais

  • 1980: Preoccupations: Selected Prose 1968-1978, Faber & Faber
  • 1988: The Government of the Tongue, Faber & Faber
  • 1995: The Redress of Poetry: Oxford Lectures, Faber & Faber
  • 2002: Finders Keepers: Selected Prose 1971-2001, Faber & Faber
Teatro
Edições Limitadas (prosa e poesia)
  • 1965: Eleven Poems, Queen's University
  • 1968: The Island People, BBC
  • 1968: Room to Rhyme, Arts Council N.I.
  • 1969: A Lough Neagh Sequence, Phoenix
  • 1970: Night Drive, Gilbertson
  • 1970: A Boy Driving His Father to Confession, Sceptre Press
  • 1973: Explorations, BBC
  • 1975: Stations, Ulsterman Publications
  • 1975: Bog Poems, Rainbow Press
  • 1975: The Fire i' the Flint, Oxford University Press
  • 1976: Four Poems, Crannog Press
  • 1977: Glanmore Sonnets, Editions Monika Beck
  • 1977: In Their Element, Arts Council N.I.
  • 1978: Robert Lowell: A Memorial Address and an Elegy, Faber & Faber
  • 1978: The Makings of a Music, University of Liverpool
  • 1978: After Summer, Gallery Press
  • 1979: Hedge School, Janus Press
  • 1979: Ugolino, Carpenter Press
  • 1979: Gravities, Charlotte Press
  • 1979: A Family Album, Byron Press
  • 1980: Toome, National College of Art and Design
  • 1981: Sweeney Praises the Trees, Henry Pearson
  • 1982: A Personal Selection, Ulster Museum
  • 1982: Poems and a Memoir, Limited Editions Club
  • 1983: An Open Letter, Field Day
  • 1983: Among Schoolchildren, Queen's University
  • 1984: Verses for a Fordham Commencement, Nadja Press
  • 1984: Hailstones, Gallery Press
  • 1985: From the Republic of Conscience, Amnesty International
  • 1985: Place and Displacement, Dove Cottage
  • 1985: Towards a Collaboration, Arts Council N.I.
  • 1986: Clearances, Cornamona Press
  • 1988: Readings in Contemporary Poetry, DIA Art Foundation
  • 1988: The Sounds of Rain, Emory University
  • 1989: An Upstairs Outlook, Linen Hall Library
  • 1989: The Place of Writing, Emory University
  • 1990: The Tree Clock, Linen Hall Library
  • 1991: Squarings, Hieroglyph Editions
  • 1992: Dylan the Durable, Bennington College
  • 1992: The Gravel Walks, Lenoir Rhyne College
  • 1992: The Golden Bough, Bonnefant Press
  • 1993: Keeping Going, Bow and Arrow Press
  • 1993: Joy or Night, University of Swansea
  • 1994: Extending the Alphabet, Memorial University of Newfoundland
  • 1994: Speranza in Reading, University of Tasmania
  • 1995: Oscar Wilde Dedication, Westminster Abbey
  • 1995: Charles Montgomery Monteith, All Souls College
  • 1995: Crediting Poetry: The Nobel Lecture, Gallery Press
  • 1997: Poet to Blacksmith, Pim Witteveen
  • 1998: Commencement Address, UNC Chapel Hill
  • 1998: Audenesque, Maeght
  • 1999: The Light of the Leaves, Bonnefant Press
  • 2001: Something to Write Home About, Flying Fox
  • 2002: Hope and History, Rhodes University
  • 2002: Ecologues in Extremis, Royal Irish Academy
  • 2002: A Keen for the Coins, Lenoir Rhyne College
  • 2003: Squarings, Arion Press
  • 2004: Anything can Happen, Town House Publishers
  • 2005: The Door Stands Open, Irish Writers Centre
  • 2005: A ShiverClutag Press
  • 2007: The Riverbank Field, Gallery Press
  • 2008: Articulations, Royal Irish Academy
  • 2008: One on a Side, Robert Frost Foundation
  • 2009: Spelling It Out, Gallery Press
Traduções:

Sobre a obra de Seamus Heaney

Discografia

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30ag2013
Seamus Heaney em 2000 quando ganhou o Whitbread Book of the Year
https://www.publico.pt/2013/08/30/culturaipsilon/noticia/morreu-o-poeta-seamus-heaney-premio-nobel-da-literatura-1995-1604408
Numa entrevista ao PÚBLICO, em 2004, diz à jornalista Alexandra Lucas Coelho que o facto de ter estudado gaélico lhe deu a“noção de ter sido desapossado da língua irlandesa devido a séculos de língua inglesa”. E assumindo que cresceu sentindo uma “grande solidariedade política” com a minoria católica da Irlanda do Norte, “pelas discriminações que existiam”, Seaney afirma que a sua identidade se construiu “nessa resistência política e num cordão com o passado irlandês”. Mas também acrescenta que “as políticas de identidade são um pouco disparatadas” e obedecem a uma lógica que “reduz as possibilidades humanas”.
Já depois de ter recebido o Nobel, Heaney aventurou-se  a traduzir um dos textos mais célebres da tradição anglo-saxónica, o extenso poema heróico medieval Beowulf, transpondo-o para um inglês moderno deliberadamente marcado pela dicção e sintaxe da Irlanda do Norte. “Pensei que era pelo menos malicioso, irónico, ir às fundações da tradição anglo-saxónica e apropriá-la”, confessa na referida entrevista ao PÚBLICO.
Aos 12 anos, o jovem Seamus ganhou uma bolsa de estudo que lhe permitiu estudar numa escola católica, o St. Columbus College, em Derry. Foi lá que recebeu a notícia de que o seu irmão Christopher, de 4 anos, morrera num acidente de viação. Muito mais tarde, no comovente poema Mid-Term Break, Seamus Heaney recorda que uns vizinhos foram buscá-lo ao colégio e que, ao chegar a casa, encontrou o pai a chorar no alpendre.
Terminados os estudos liceais, mudou-se para Belfast, em cuja universidade estudou língua e literatura inglesas. Um livro do poeta inglês Ted Hughes (1930-1998), que descobre casualmente, impressiona-o tanto que decide tornar-se ele próprio poeta. “De repente”, explicará mais tarde, “a questão da poesia contemporânea era o material da minha própria vida”. Heaney terá oportunidade de conviver com Ted Hughes ainda nos anos 60 e descreve-o, na entrevista a Alexandra Lucas Coelho, como “uma figura muito poderosa, fisicamente”, e com uma grande energia criativa: “Era como estar numa sala com um jovem cavalo”.
Formado em 1961, Heaney frequenta depois um curso de formação de professores e começa a publicar poemas em revistas e a conviver com outros poetas de Belfast, como Derek Mahon ou Michael Longley. E em 1965, no mesmo ano em que se casa com a professora e escritora Marie Devlin – destinatária de boa parte dos seus versos – , publica o seu primeiro livro, Eleven Poems. Mas a sua verdadeira estreia ocorre no ano seguinte, com a edição, na prestigiada Faber and Faber, de Death of a Naturalist, que ganhou vários prémios literários.
Ainda em 1966, Seamus Heaney é nomeado professor de Literatura Inglesa Moderna na Queen’s University de Belfast, onde se licenciara, e nasce o primeiro dos seus três filhos, Michael.
Em 1972, radica-se com a família na República da Irlanda, em Dublin, continuando a ensinar literatura, enquanto a sua obra poética e o seu trabalho ensaístico vão alcançando crescente reconhecimento crítico. Em 1980, a Faber publica uma escolha da sua poesia e um outro volume com a sua prosa seleccionada.
Também a sua carreira académica progride: é convidado, em 1981, para leccionar na prestigiada universidade americana de Harvard e, em 1989, torna-se professor de Poesia na Universidade de Oxford. As frequentes leituras públicas que faz da sua poesia enchem as salas e atraem um exército de jovens fãs, cujo entusiasmo levou a que alguém tivesse posto a correr a expressão  “Heaneyboppers”, um jogo de palavras com “teenyboppers”, termo que designa adolescentes obcecados com ícones da música ou da moda.
A sua popularidade irá tornar-se mundial em 1995, quando recebe o Prémio Nobel da Literatura. O júri sublinhou a “beleza lírica” e a “profundidade ética” de uma poesia que “exalta os milagres quotidianos e o passado vivo”. Heaney tornava-se assim o quarto irlandês consagrado pela Academia Sueca, depois de Yeats, G. B. Shaw e Samuel Beckett.
Desde que foi divulgada a notícia da sua morte, sucedem-se as reacções de pesar na imprensa irlandesa e inglesa. O presidente da República da Irlanda, Michael Higgins, salientou a sua "contribuição imensa", não apenas para as Letras, mas para a humanidade,  e Carál Ní Chuilín, actual ministra da Cultura no governo da Irlanda do Norte, destacou o facto de a reputação mundial de que o escritor gozava nunca o ter levado a "perder de vista as suas raízes".  
O poeta Michael Longlay, um dos seus amigos de mais longa data, afirmou sentir-se "como se tivesse perdido um irmão" e exprimiu a sua convicção de que a morte de Seamus Heaney estaria a ser pessoalmente lamentada por muita gente, porque o escritor "tinha sempre tempo para falar com qualquer pessoa" e era incrivelmente "sedutor" e "divertido". Também o poeta e dramaturgo Simon Armitage referiu essa capacidade de Heaney para não deixar que o seu estatuto de "super-estrela da literatura" afectasse o modo natural e confortável como lidava com gente sem quaisquer ligações ao meio literário. Entre as dezenas de testemunhos de escritores e políticos que estão a ser divulgados pela imprensa, são muito raros, de resto, os que não acentuam a modéstia do escritor. "Seamus Heaney", resumiu o poeta Andrew Motion, "foi um grande poeta, escreveu coisas maravilhosas sobre poesia, e era uma pessoa de uma elegância e de uma inteligência verdadeiramente excepcionais.
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Via Citador
Irlanda 
Poeta/Dramaturgo [Nobel 1995] 

http://www.citador.pt/frases/eu-sempre-acreditei-que-tudo-o-que-tinha-de-ser-e-seamus-heaney-21700
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A finalidade da arte é a paz.
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Tudo o que eu sei é uma porta para dentro da escuridão.
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O que nos é estranho, é um enorme nada que nós tememos.
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Mesmo que as esperanças que criaste sejam frustradas, a esperança tem que ser mantida.
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Eu comecei a pensar na vida como uma série de ondulações que se vão alargando a partir de um centro original.
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A poesia é sempre um pouco misteriosa, e tu tentas encontrar a tua relação com ela.
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A poesia é sempre um pouco misteriosa, e tu tentas encontrar a tua relação com ela.
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Eu rimo... para me ver a mim próprio, para estabelecer o eco da escuridão.
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Eu sempre acreditei que tudo o que tinha de ser escrito iria ser escrito de alguma forma.
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Eu não me lembro de um caso em que os poemas tenham mudado o mundo, mas o que os poemas fazem é mudar a compreensão que as pessoas têm acerca do que está a acontecer no mundo.
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Quer se trate de relações pessoais dentro de um casamento, ou de iniciativas políticas num processo de paz, não existe nenhum kit de seguro-de-incêndio ou de faça-você-mesmo.
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Beowulf: A New Verse Translation
Qualquer pessoa com bom senso e uma mente perspicaz irá tomar a medida de duas coisas: o que é dito e o que é feito.
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O comportamento que é admirado pelos outros
é o caminho para o poder entre as pessoas, em toda a parte.

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Stepping Stones: Interviews with Seamus Heaney
Se tiveres as palavras, existe sempre uma hipótese de que irás encontrar o caminho.
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Via Maria Elisa Ribeiro:
De Seamus Heaney, (1939-2013)-poeta irlandês Prémio Nobel em1995.(in Pesquisa Net)
CAVAR
Entre o dedo e o dedão a cabeta
Parruda pousa; como arma paga.
Sob minha janela, um som raspante e claro
Quando a pá penetra a crosta do carvalho:
Meu pai, cavando. Olho para baixo.
Até seu dorso reteso entre os canteiros
Encurvar-se, brotarem vinta anos atrás
Dbrando-se em cadência nos batatais
Onde estava cavando.
Achanca aninhada no rebordo, o cabo
Alçado contra o joelho interno com firmeza.
Ele extirpava talos altos, fincava o fio luzidio
Para espalhar batatas novas que colhíamos
Adorando a fresca dureza nas mãos.
Por Deus, o velho sabia usar uma pá.
Tal qual o velho dele.
Meu avô cortou mais turfa num dia
Do que outro homem no pântano de Toner.
Uma vez leveileite numa garrafa
Mal rolhada com papel. Ele aprumou-se
Para bebê-lo, e em seguida pôs-se a
Talhar e fatiar com precisão, lançando
Torrões nos ombros, indo mais embaixo atrás
Da turfa boa. cavando.
O cheiro frio de barro de batata, o chape e o trape
De turfa empapada, os curtos cortes de um fio
Nas raízes vivas despertam em minha cabeça.
Mas pá não tenho para seguir homens como eles.
Entre o dedo e o dedão a caneta
Parruda pousa.
Vou cavar com ela.