08/03/2017

3.520.(8mar2017.8.8') Ana Margarida de Carvalho

Nasceu a 19ab
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página dela no face
https://www.facebook.com/anamargarida.decarvalho
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19ouTUbro2017
A romancista Ana Margarida de Carvalho venceu novamente o Grande Prémio de Romance e Novela 
da Associação Portuguesa de Escritores (APE), desta vez com a obra
 Não se pode morar nos olhos de um gato
Ana Margarida de Carvalho
Num comunicado, a APE esclarece que «o júri, constituído por José Correia Tavares, que presidiu, Isabel Cristina Rodrigues, José Carlos Seabra Pereira, Luís Mourão, Paula Mendes Coelho e Teresa Carvalho, ao reunir-se pela quarta vez, deliberou por maioria, pois Luís Mourão votou em A Gorda, de Isabela Figueiredo».
Ana Margarida de Carvalho, que recebe pela segunda vez o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, é finalista do Prémio Oceanos, do Brasil, com esta obra.
Publicado pela Teorema, o título Não se pode morar nos olhos de um gato foi considerado «livro do ano» pelo jornal Público e nomeado para «melhor livro de ficção narrativa» aos Prémios Autores, da Sociedade Portuguesa de Autores, este ano.
Ana Margarida de Carvalho nasceu em Lisboa, é licenciada em Direito e, nas eleições autárquicas de 1 de Outubro, foi eleita pela CDU à Assembleia Municipal de Lisboa. Como jornalista, recebeu, entre outros, os prémios Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas de Lisboa, o do Clube de Jornalistas do Porto e o da Casa de Imprensa.
O seu primeiro romance, Que Importa a Fúria do Mar, venceu por unanimidade o Grande Prémio de Romance e Novela APE, em 2013.
Em parceria com Sérgio Marques publicou, em 2015, o livro infanto-juvenil A Arca do É.
Além de Ana Margarida de Carvalho e de Isabela Figueiredo, eram finalistas do Grande Prémio de Romance e Novela APE Alexandra Lucas Coelho, Mafalda Ivo Cruz e Paulo Varela Gomes.
Ana Margarida de Carvalho junta-se hoje à galeria de autores já distinguidos por duas vezes com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE: Agustina Bessa-Luís, Maria Gabriela Llansol, António Lobo Antunes, Vergílio Ferreira e Mário Cláudio.
Mário de Carvalho, David Mourão-Ferreira, José Saramago, José Cardoso Pires, Rui Cardoso Martins, Vasco Graça Moura e Lídia Jorge foram alguns dos autores que também receberam o prémio.
De acordo com a APE, este ano apresentaram-se 93 livros a concurso, publicados em 2016, com a chancela de 44 editoras.
O prémio tem o valor pecuniário de 15 000 euros.


Com Agência Lusa
https://www.abrilabril.pt/cultura/ana-margarida-de-carvalho-distinguida-pela-associacao-de-escritores
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“Só sabemos dos outros o que compreendemos de nós próprios”


http://escritores.online/escritor/ana-margarida-de-carvalho/

Biografia:

Ana Margarida de Carvalho nasceu em Lisboa, onde se licenciou em Direito e viria a tornar jornalista, assinando reportagens que lhe valeram sete dos mais prestigiados prémios do jornalismo português, entre os quais o Prémio Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas de Lisboa, do Clube de Jornalistas do Porto ou da Casa de Imprensa.
Passou pela redação da SIC e publicou artigos na revista Ler, no Jornal de Letras, na Marie Claire e na Visão, onde ocupou o cargo de Grande Repórter e fez crítica cinematográfica no roteiro e no site de cinema oficial da revista, o Final Cut.
Lecionou workshops de Escrita Criativa, foi jurada em vários concursos oficiais e festivais cinematográficos e é autora de reportagens reunidas em coletâneas, de crónicas, de guiões subsidiados pelo ICA e de uma peça de teatro.
O seu primeiro romance Que Importa a Fúria do Mar venceu por unanimidade o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB em 2013 e foi finalista de muitos dos principais prémios literários referentes à data de publicação.
Em parceria com Sérgio Marques, lançou, em 2015, o livro infantojuvenil A Arca do É.
Em 2016 publica Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato, considerado livro do ano pelo Público e nomeado a melhor livro do ano pela SPA.
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Ana, quando é que surgiu a sua “necessidade” de escrever?  
Eu nunca lhe chamaria uma «necessidade». Associo escrever por necessidade à escrita jornalística, por causa da funcionalidade informativa que ela contém. E pelo facto de ter feito, durante 25 anos, do jornalismo a minha profissão. Já antes, durante o curso de Direito, escrevia «por necessidade». Quando comecei a escrever ficção – comecei pelos guiões de cinema -, o que me impelia sempre era a vontade de contar uma história. E também obrigar-me a perceber as coisas que me inquietavam. É um bocado para isso que a escrita me é «necessária»: o que fica cristalizado pela escrita ajuda-me a pensar, a ordenar um raciocínio e a perceber. Para além de que, para mim, a actividade da escrita é muito inspiradora, no sentido de que a frase anterior inspira a seguinte.
Onde é que, por norma, encontra a inspiração para escrever as suas obras?
Para mim, a actividade de escrita é, por si, inspiradora, como disse na resposta anterior. Depois encontro inspiração em tudo, desde as árvores despidas da minha rua, em que sobra apenas uma única folha solitária no alto de uma das hastes (porque é que aquela não caiu com o inverno, com as chuvas e as ventanias? Isto, para mim, é todo um projecto de enredo), até factos históricos e verídicos que eu depois gosto de transformar e moldar e cometer os meus próprios e assumidos anacronismos e inverdades (como se diz agora) – porque o que interessa realmente não são as coisas que aconteceram, mas as que podiam ter acontecido.
Quais as temáticas mais presentes na sua escrita?
Penso que nos três livros (nos dois romances e no livro infantil) está presente a ideia de confinamento, de encarceramento, e privação da liberdade, e de uma extrema incomunicação, equívocos que dificilmente se desfazem e uma quase impossibilidade de entendermos o outro. Porque só sabemos dos outros o que compreendemos de nós próprios.
Que aspetos destacaria relativamente ao seu mais recente livro; “Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato ”?
Eu destacaria o facto de ser um livro que dificilmente se encaixa em qualquer rotulação. Porque não sendo um romance histórico, não deixa de se passar num período do nosso passado histórico – finais do século XIX, no Brasil, após a abolição da escravatura, quando ela, mesmo clandestina, continuava a existir. Também não é um livro de aventuras, apesar de existir um naufrágio e questões de sobrevivência. Também não é um livro sobre o passado, porque está cheio de presente dentro… Eu gosto de pensar nele como uma praia, que é esse híbrido, nem mar nem terra. Por outro lado, destaco o facto de ser o livro sobre o «fora», mas quase integralmente passado do lado de dentro das personagens, do lado de trás dos seus olhos. E de ser um romance onde não existe, aparentemente, qualquer personagem que cause empatia e factor de identificação ou proximidade com o leitor.
Quais os momentos mais marcantes no seu percurso literário?
Ter ganho o prémio APE 2013 com Que Importa a Fúria do Mar, que já vai nas quatro edições. Ter constando nas short lists dos mais relevantes prémios literários. E o Não se pode Morar… ter sido considerado por críticos literários do Expresso e Público, enquanto o livro do ano 2016.
O que é, para si, um bom livro? 
É um livro que me surpreende, que me interroga, que me faz perguntas difíceis, que me inquieta, que me faz perder a respiração e recuperá-la mais adiante, que me agarra pelo pescoço, em suma, como dizia alguém famoso. E não que, delicadamente, me conduza pelo pulso.
E o que faz de um escritor um bom escritor?
É uma capacidade de olhar, para além do óbvio. Capacidade, se quiser, de destreinar o olhar e reparar.
Para terminar, gostaríamos que nos indicasse os seus 7 escritores de eleição e os 7 livros que, indubitavelmente, recomendaria.
Manoel de Barros- poesia completa; Machado de Assis- obra completa; Dom Quixote, Cervantes; A Relíquia, Eça de Queirós; Moby Dick, Melville; Almas Mortas, Gogol e Ensaio sobre a Cegueira, José Saramago.
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http://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=1594
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19dez2016
Despedida da Visão
Ana Margarida de Carvalho
http://www.abrilabril.pt/nacional/ana-margarida-de-carvalho-afastada-da-visao
Ana Margarida de Carvalho denuncia o seu despedimento da Visão depois de 24 anos de jornalismo. «Sem uma única palavra de explicação», a jornalista e escritora considerou-se «destratada e desconsiderada e humilhada», para além de ser «coagida a assinar um contrato de rescisão, tudo menos amigável».
Ana Margarida de Carvalho assinou reportagens que lhe valeram sete dos mais prestigiados prémios do jornalismo português, entre os quais o Prémio Gazeta Revelação do Clube de Jornalistas de Lisboa, do Clube de Jornalistas do Porto ou da Casa da Imprensa. Publicou artigos na revista Ler, no Jornal de Letras, na Marie Claie e ocupava o cargo de Grande Repórter na Visão. Também passou pela redacção da SIC. Foi vencedora do Grande Prémio de Romance e Novela APE com o seu romance de estreia, «Que Importa a Fúria do Mar», publicado em 2013, pela Teorema. Este ano publicou pela mesma editora o romance «Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato».
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1maio2015
http://capazes.pt/destaque-secundario/anabela-mota-ribeiro-entrevista-ana-margarida-de-carvalho/
Ana Margarida de Carvalho é jornalista, crítica de cinema, escritora. Venceu o último Grande Prémio APE de Romance com o livro Que importa a Fúria do Mar.
O feminismo é a conversa chata das mulheres?
A culpa das conversas chatas não é dos assuntos mas dos emissores e receptores, como toda a gente sabe. E o que há mais para aí é gente chata a «emitir» e a «recepcionar» opiniões (para falar assim à treinador (mister?) de futebol). Olha, uma conversa chata para mim: sobre futebol. Sobre vernizes de unhas e «gelinho». Sobre taxas de juro. Sobre mercados, estatísticas, depósitos a prazo, impostos e transacções comerciais. Sobre o tempo (meteorologia), à porta de casa ou no elevador… «Cabemos todos, somos todos elegantes, isto hoje está de chuva, pois, parece que sim, de maneiras que é claro…»: um simulacro de conversa chata. É como as famílias de Tolstói: as pessoas normais não têm nada de especial e podem ter conversas chatas e banais.
O feminismo ainda faz sentido no Portugal de 2015?
Faz sim. É por isso que é uma conversa incómoda e lá vem a ideia feita de que é conversa chata. Em Portugal, país em que os próprios amantes e maridos assassinam as mulheres quase a um ritmo de uma por dia… Atrás de um crime passional há uma ideia de pertença, de posse, de propriedade, a ideia de que as mulheres são propriedade do homem, a ideia de que se não ficas comigo também não ficas com mais nenhum… Isto é bárbaro. Assim como é bárbaro o tráfico de mulheres, qualquer forma de prostituição, os bares de alterne… Assim como é bárbara e selvagem a ideia de que as mulheres nem do seu próprio corpo são donas.
Donas do seu corpo?
Falo da questão do aborto que, pelos vistos, ainda não está pacificada. As mulheres são muito penalizadas pelas religiões. Pela católica, no nosso caso. Nos estados islâmicos, em pleno século XXI, vivemos no tempo medieval; raparigas raptadas, mulheres regadas com ácido, apedrejadas, obrigadas a esconder o corpo e o rosto, impedidas de ir à escola, de aprender a andar de bicicleta, subalternizadas e escravizadas. Tão secundarizadas em relação ao homem, tão «gado» que até noutro dia veio um velhinho repelente, de barbas e turbante, dizer que o homem se tiver fome tem direito a comer a mulher. Já não me lembro se totalmente ou apenas alguns membros e órgãos… Sopa de olho com um rim e dedinhos dos pés.
Que definição imediata e sucinta tem para feminismo?
Não me considero nada de especial lá por ter nascido com duplo cromossoma x. Aconteceu-me, é tudo. Acho que o feminismo não deve ser encarado etimologicamente. Para mim, significa igualdade (de géneros) e justiça (tratar de maneira diferente aquilo que é diferente, de maneira igual o que é igual).
Entre as pessoas que participaram na construção da sua identidade, alguém, em especial, a despertou para as questões de género? 

Não. Essas questões nunca foram levantadas na minha família. Eu e os meus primos fomos educados de forma idêntica, todos partilhávamos as mesmas tarefas e andávamos com as mesmas botas. Despertei para as questões de género muito tardiamente. Demorei imenso tempo a perceber que elas ainda faziam sentido no quotidiano, na política, no trabalho, em pequenas coisas da vida. E fiquei parva (no sentido de estupefacta), quando me apercebi de que poderia estar a ser discriminada ou posta de lado (às vezes pelas próprias mulheres) pelo facto de ser mulher… De facto, aquilo que a Simone de Beauvoir dizia – «não se nasce mulher, vamo-nos tornando mulheres» – parece, aos meus olhos de hoje, fazer sentido. Ou seja, digo eu: vão-nos fazendo mulheres. E isso é tramado.
Qual é o preconceito em relação às mulheres que a enfurece mais? 
Há dois. Aquele de usar a expressão eufemística «meninas» para se referirem às prostitutas. E assim, dizer que os clientes vão às meninas parece menos penalizador para eles ou menos grosseiro. Ou grotesco.

E aquele comentário medonho que revela o espanto pelo facto de uma mulher ser bonita e inteligente ao mesmo tempo. Que é um absurdo estúpido e idiota como se a genética estivesse ocupada com uma redistribuição de qualidades equitativa (tira um bocadinho na beleza e acrescenta uns pozinhos nos neurónios). Tão infantil, ao mesmo tempo. Como se isso se passasse ao estilo Disney, uma fada madrinha a atribuir dons com a sua varinha mágica. Não me lembro de alguém comentar “ah que estranho, um homem bonito que também é inteligente…”
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15ab2016

Ana Margarida Carvalho lançou o seu segundo romance Assim, conta ao JL, numa auto-entrevista, os pormenores sobre Não Se Pode Morar Nos Olhos de Um Gato, que se passa no Brasil, nos finais do século XIX.

ANA MARGARIDA CARVALHO
Segunda ficção de quem, logo com a de estreia, Que Importa a Fúria do Mar,venceu o Grande Prémio de Romance e Novela da APE, Não Se Pode Morar Nos Olhos de Um Gato (D.Quixote) chega para a semana às livrarias. Licencidada em Direito, da redação da VISÃO desde o início, o JL pediu à autora, e ela aceitou, que retomasse uma tradição deste jornal, em que durante anos o principais escritores, também jornalistas, se auto-entrevistaram, a propósito dos seus novos livros mas não só. É o que aqui acontece, ao que se acrescenta a pré-publicacão de páginas daquele romance.
Jornal de Letras - Porque é que escreveste este livro? Podemos tratar-nos por tu…
Ana Margarida Carvalho - Preferia que não, para mantermos o tom de distanciamento profissional e não criar a ilusão de uma falsa intimidade.
Não lhe parece um grande atrevimento da sua parte escrever um livro passado num continente que não é o seu, num século que não lhe pertence, o XIX, ainda por cima abordando um tema tão delicado como a escravatura ou a religião?
Talvez. Outros fá-lo-iam certamente muito melhor. Em relação a esses o que eu sinto não é inveja, mas um embaraço que me tolhe… Ainda assim, posso dizer que a verdade não me interessa grande coisa. Como dizia o velho Aristóteles só a verosimilhança serve ao drama. Só a ficção tem de fazer sentido. A vida, já se sabe, não tem sentido nenhum. E eu neste romance sou uma espécie de Deus, criei o meu próprio universo, só espero que ele seja coerente com os parâmetros que eu própria defini… Mas se a realidade está também ela tão cheia de absurdos, achei que mais verosímil que este deus, que sou eu própria, também criasse o seus próprios absurdos…
Não receia que pelo facto de ter colocado uma santa a falar durante todo o primeiro capítulo lhe apareça algum leitor a dizer «as santas não falam assim»?
Sim, de certo modo. Como na história de Woody Allen, se não estou em erro, em que um produtor recusa um guião dizendo ‘ah os ETs não falam assim’… Aconteceu-me algo parecido em Que Importa a Fúria do Mar, quando uma leitora me perguntou porque é que eu maltratava tanto os animais no meu livro. E eu, que sou contra todas as formas de mau tratos a animais, até os maus tratos literários, neste livro escrevi uma advertência que diz «ao longo da escrita deste romance nenhum animal foi maltratado»…

Mas afinal Não se Pode Morar nos Olhos de Um Gato é um livro sobre quê?
Sobre alteridade. Sobre a dificuldade em nos colocarmos na pele daquele que está em posição desfavorável. Sobre a facilidade com que julgamos o outro com base na cor da pele, na aparência física e intelectual, na ascendência social – ou seja, julgamos o outro com base naquilo que somos. E isso nunca pode dar bons resultados. E depois acontecem imensas coisas.
Porque é que foi buscar um assunto de outros tempos?
Porque são tempos de agora. É o "car je est un autre", do Rimbaud, que também anda lá pela história, para quem o queira encontrar. Tenho mesmo uma firme crença de que a melhor definição para "pessoa de esquerda" que até agora encontrei é aquela que consegue colocar-se na pele do mais fraco. Por exemplo, perante as leis laborais mais, assumindo o eufemismo, flexíveis, uma pessoa de direita pensa "que sorte para o patrão que vai poder despedir ainda com mais facilidade", porque automaticamente se coloca no papel dele. Uma pessoa de esquerda, pensa "os trabalhadores mais vulneráveis estão tramados".
Às vezes, parece que não vai direta às questões e anda a rondar, sem lhes acertar em cheio? Não acha que testa demasiado a paciência dos leitores?
Porque isso não é uma vontade gratuita, pode ser um desespero de querer dizer uma coisa e não saber exatamente como e nunca me ocorrer a frase certa, e cai-se numa fuga, ou antes numa busca um pouco divagativa. Nem todos podemos ser José Cardosos Pires e tentá-lo não é mais do que um exercício. Ou uma espécie de epígonismo, mas também a verdade é que não pode ser Cardoso Pires quem quer: apenas quem consegue. É a tal maldição de que falava Eco, os leitores leem o que querem, os escritores escrevem o que podem.
E se os leitores lhe fugirem, desertarem, já cansados dessas divagações?
Pode acontecer. Mas tenho esperança de que alguns me acompanhem e até se sintonizem nas minhas referências que contaminam o romance. Como no livro anterior, as interpretações dos críticos e dos leitores até eram mais bem pensadas do que as minha próprias. E isso foi uma felicidade para mim.Tenho sempre em mente que estou a escrever para pessoas muito melhores que eu, que consigam ir para além da literalidade, da aparência e vejam o lado de trás das frases. Se calhar, muitos leitores podem achar que as personagens estão mortas desde o princípio do livro e eu aceito isso.
Não pertence a tribos, nem faz parte de lóbis nem de clubes amiguistas...?
Tem toda a razão. Significa que posso ser um bom alvo para snipers mas muito irrelevante para as matilhas de haters. Seja como for, e como dizia o outro, eu não não entraria num clube que me aceitasse como membro.
Foi importante para si ter ganho o prémio APE com o Que Importa a Fúria do Mar?
Foi. Fiquei muito lisonjeada, por se tratar de um dos mais prestigiados prémios literários portugueses, por ser ter sido dado por unanimidade por um conjunto admirável de jurados, ainda por cima académicos e escritores, pelos quais tenho o maior respeito e toda a consideração. E por ser a APE a instituição que é, com a história que tem, e também porque os prémios valem pelos autores que distinguiram. E a verdade é que quase todos os grandes escritores do século XX e XXI estão lá representados.
E isso não lhe subiu a auto-estima?
Não, de todo. Primeiro, porque também tenho a plena noção de que ganhar um prémio não é mais do que um conjunto de gostos que coincidiram em dada altura. Depois, porque tenho alguma repugnância pela vaidade, pela presunção, pela futilidade (ou por certo tipo de futilidade, enfim...). Tenho imensa dificuldade em levar as pessoas assim a sério - a mim ainda menos. E sou geralmente imune ao elogio. Se calhar, também fruto da (má) educação que recebi. Sempre que fazia qualquer coisa bem, era minha obrigação. Sempre que fazia alguma coisa mal, era uma tragédia.
Alguém a incentivou a escrever?
Não, nunca me disseram "escreve, escreve". Mas disseram-me várias vezes "lê, lê". E acredito muito que ler pode ser uma experiência vital, mais importante do que a maioria dos encontros que tivemos com pessoas reais são aqueles que tivemos com o capitão Ahab ou com o Hamlet .
Gostava que os seus livros fossem transformados em filmes? 
Ainda bem que me faz essa pergunta. Sim, gostava. Sobretudo se fossem feitos pelo Mallick ou pelo Béla Tarr - que são realizadores nos antípodas um do outro. Mas já ficava contente se fizessem uma novela gráfica. Do que eu mais gostei em escrever um livro infantil, A arca do É, foi trabalhar com o ilustrador Sérgio Marques, e ver como ele punha em imagens as minhas ideias. Foi muito bom. Portanto, se alguém estiver a ler isto, fica lançado o apelo, pode comunicar comigo por mp...
Qual deles é que se prestava mais a uma adaptação?
Depende dos realizadores. Mas este último é mais difícil porque a história muda de perspetiva o tempo todo, como se houvesse uma lanterna sempre a mudar de mãos e apontar a face do outro protagonista. Ainda por cima a história conta-se por detrás dos olhos que veem.
Ficou contente com o resultado?
Por acaso, acho que fiz muitas cedências a mim própria. Pode ter sido benevolência, que nem sempre é uma boa atitude. Por exemplo, eu queria que o livro tivesse apenas dois capítulos, o primeiro e o último, a parte do meio seria um contínuo. Mas depois pensei que isso, ao longo de 300 páginas, se tornaria muito maçador. Portanto, sinto que os capítulos são um bocado fictícios, como as fronteiras dos países colonizados.
Tem algum tabú literário?
Assim à partida não. Há escritores que detestam a nota de rodapé, outros que não podem com o pretérito-mais-que-perfeito, outros embirram com a palavra tal... Eu aceito tudo, e gosto de sentir que tenho os recursos todos à minha disposição, não vá dar-se o caso de precisar de algum. E, de um ponto de vista puramente oportunista, não renego nada e bebo de todas as águas, desde que sejam potáveis. Claro que não me entendo bem com os pôr-do-sol da literatura. Acho que nunca vou escrever "paisagem luxuriante", ou "águas cristalinas", ou "bases fundamentais", ou "horizontes longínquos", ou chamar à neve "manto branco", ou ao silêncio "sepulcral". São os lugares comuns, pré-fabricados da escrita, uma espécie de estações de serviço, sítios de passagem, onde na realidade nunca se fica. Palavras incestuosamente ligadas a adjetivos, que de tão usados, dizia Sophia, e tão repetidos parecem cuspo. Acho que nunca vou usar. E vai daí não sei...
Acha que um escritor é aquele que escreve bem? 
Não. Acho que essa é um definição terrível, e até é perigosa. Ao dizer-se isso, está a nivelar-se por baixo. Está, no fundo, a dizer-se que um escritor domina estes mecanismos da sintaxe, da ortografia, da gramática... Isso é o que fazem os bons alunos na escola. O escritor é o que transgride, que subverte, que baralha tudo. Os muito bons inventam uma nova voz. Os geniais até uma nova linguagem.
Então o que é que tem de ter um bom romancista? 
Não sei exactamente. Mas "escrever bem" não está entre os ingredientes - senão o que seria da Clarice Lispector? Tem de ser alguém que se deslumbre com vulgaridades. Alguém que repare. Também não me parece mal que procure estar sempre sobre o efeito do assombro - o que neste mundo tão cheio de absurdos e maravilhamentos não será tão difícil. Só para aqueles que têm olhos de ver passar, como quem anda de carro e olha, pela janela do lado, a paisagem a ficar para trás, e acaba por apanhar muito pouco de tudo e nada de muito. Noutro dia vi uma definição boa de Philip Roth que dizia que o romancista é mais parecido com um cão do que com um erudito, porque tinha de ter alta sensibilidade a certos estímulos. E depois rematava: "good dog, good book".
Porque é que está sempre a falar de animais?
Mas não fui eu, foi o Philip Roth...
O que acha dessa conversa da literatura feminina?
Acho isso mesmo: uma conversa...
Essa sua irritante mania de dizer coisas inconvenientes sem pesar as consequências não lhe traz dissabores?
Traz. O tempo inteiro. Mas custa-me mais não dizer do que sofrer as consequência. Fui vítima de uma péssima educação pós-25 de Abril, em que sempre me disseram diz, fala, se achas que está mal, protesta, não te importes com o que os outros pensam… Agora, com esta idade já não vou a tempo de mudar...
Gosta de falar de si?
Não, detesto.
Então porque estamos a fazer isto?
Porque o Zé Carlos me pediu e é das poucas pessoas a quem eu nunca consigo dizer não. Além do mais, completa agora 50 anos de carreira...
Escreve poucos diálogos, porquê?
Para já, porque todo o livro se conta por dentro do pensamento dos protagonistas, que como se sabe, anda em círculos, se interrompe, suspende e volta atrás. E depois porque acho que não tenho muito jeito, como se pode verificar pelo exemplo presente.
Onde é que se inspira?
Não acredito que me esteja a fazer essa pergunta!?!
Gosta mais de Lobo Antunes ou de Saramago?
Não me faça perguntas difíceis…
Do Chico ou do Caetano?
Hum… sinto-me mais do ‘time’ do Chico…
Do Tolsltoi ou do Dostoiévski?
Oh…
http://visao.sapo.pt/jornaldeletras/2016-04-15-Ana-Margarida-Carvalho---Neste-Romance-sou-uma-especie-de-Deus