29/01/2018

6.610.(29jan2018.7.7') Rupi Kaur

Nasceu a 5ouTUbro1992-Índia
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“A carreira de escritora não era aceitável para os meus pais”


Em agosto de 2016, um ano depois do lançamento, “leite e mel” ainda vendia 30 mil cópias por semana nos Estados Unidos e no Canadá as vendas subiram 79%, um número atribuído ao sucesso do primeiro livro de Rupi Kaur. A obra chega a Portugal esta terça-feira, 28 de março, editado pela Lua de Papel (13,41€). 
A autora tem 24 anos e mais de um milhão de seguidores no Instagram. Vive no Canadá desde os quatro mas nasceu na Índia. Pais conservadores, o isolamento na escola e relatos de violência à sua volta deram origem a poemas sobre amor, abuso, perda e reconstrução, sempre acompanhados por ilustrações feitas pela própria. As histórias tocaram milhares de pessoas e vêm aí mais um livro de poesia, previsto para o final do ano ou início de 2018, e um romance.
Só quando “leite e mel” foi publicado é que contou aos pais que, afinal, já não estava a estudar para ser advogada, como continuava a garantir-lhes. Agora quer mais livros e trabalhar em filmes. Já pensou numa mudança para os Estados Unidos mas ainda ambiciona passar uma temporada na Europa a escrever, talvez até em Portugal: “Nunca aí estive mas sei que é lindo.”
A NiT falou com Rupi Kaur ao telefone, a partir do Canadá. Leia a entrevista.
Lembra-se se a primeira coisa que escreveu foi logo poesia?Desde pequena que juntava ilustrações a palavras mas nem me lembro do primeiro texto, a não ser que foi na primária. Depois comecei a criar histórias e no secundário ilustrações. Nessa altura fazia tudo à mão e só aos 20 anos é que comecei a usar o computador para os desenhos e os poemas.
Na escola escrevia cartões com mensagens para os seus amigos quando eles faziam anos, certo?Sempre tive um problema a expressar-me em voz alta e não conseguia dizer o que sentia, por isso escrevia poemas aos meus amigos. E também éramos novos e as nossas famílias não tinham dinheiro para comprar presentes.
Eles escreviam-lhe de volta? Guardou esses textos?Tenho alguns num antigo email — se eu enviava um poema por email, eles respondiam. Também tenho coisas guardadas numa caixa em casa.
A escola secundária pode ser um período difícil para muitas pessoas. Escrever era uma forma de fugir ao que se passava à sua volta?Para mim foi mesmo assim. No secundário tive alguns amigos muito sólidos, que continuam meus amigos hoje, isso é que me fez continuar. Contudo, havia muitas emoções e não havia apoio da escola ou dos pais, no sentido de entenderem o que estávamos a passar. Os meus pais, vindos na Índia, não conseguiam perceber a experiência ocidental. Diziam: “Não percebemos porque está a ser tão difícil, tens uma ótima escola, levamos-te de carro, tens o teu almoço. Nós tínhamos de caminhar quilómetros e quilómetros todas as manhãs, nem sequer tínhamos um par de sapatos.” A escola também não era rápida a lidar com os problemas das comunidades como a nossa, uma minoria. Escrever e desenhar eram formas de escapar ao que se passava na escola e de que eu não gostava. Ainda tenho um caderno de esboços.
Naquela altura era um processo muito pessoal ou partilhava com alguém aquilo que escrevia e desenhava?Tínhamos uma cadeira de artes visuais na escola e tínhamos de ter um livro de sketchs mas tudo o que eu fazia era só para mim. Eu era muito insegura e os pensamentos eram intensos.
Imagino que os seus pais desejassem que tivesse uma carreira completamente diferente de escritora. Como é que lhes explicou que não era isso que queria?Eu fui para a faculdade estudar Economia, para depois ser advogada. No segundo ano decidi mudar para Inglês mas nunca lhes disse. Na cabeça deles eu ainda ambicionava ser advogada. Sempre que me perguntavam, eu dizia que sim, que isso ia acontecer porque sabia que não podia contar-lhes. A carreira de escritora não era aceitável para eles. Eu decidi publicar o livro e ver o que acontecia.
Só lhes contou depois de publicar “leite e mel”?Quando o livro saiu, dei-lhes uma cópia. O meu pai estava sentado a uma mesa quando lho entreguei mas, logo desde esse momento, eles apoiaram-me muito. Nessa altura acho que nem eles nem eu sabíamos que isto podia ser uma carreira. Tive muita sorte por o livro ter sido um sucesso tão grande e eles estão confortáveis com este percurso mas o meu pai ainda me diz que eu devia fazer um mestrado ou um doutoramento.
Quando publicou o livro, ainda estava a estudar mas também trabalhava para poder pagar as contas.Exatamente. O livro foi editado no meu último ano da faculdade, também tinha um trabalho, fazia voluntariado e escrevia. Eu gosto de estar ocupada, acho que me torna produtiva. Se tenho muito tempo livro, penso em demasiadas coisas e fico deprimida. Desenhei e escrevi o livro mas tive a sorte de não gastar um cêntimo a produzi-lo ou a promovê-lo. Estava completamente sem dinheiro nessa altura mas acabou por funcionar para mim.
Qual foi o momento em que percebeu que “leite e mel” era um fenómeno tão grande?Acho que ainda me vou apercebendo disso todos os dias, continua a ser surreal. Estou sentada no meu apartamento, a trabalhar, e ao mesmo tempo, todas as semanas, 20 mil pessoas no Reino Unido compram um exemplar. Esse número é surreal. Quando o livro foi publicado, estava tão empolgada que fui a uma livraria perto de casa. Estava à espera de encontrar uma estante cheia de cópias mas só havia três. Depois fui para a Índia três meses e quando voltei é que houve um clique. Fui a São Francisco a um evento e a fila de pessoas dava a volta a vários quarteirões. Ainda estou a tentar acompanhar todas estas mudanças.
Tem 24 anos, é muito jovem, mas escreve sobre temas pesados como violência, abuso e perda. Tudo isso faz parte de experiências pessoais?Algumas questões são pessoais e só assim é que consigo transmitir tão bem as emoções. As que não me aconteceram a mim, aconteceram às mulheres à minha volta, uma prima, uma amiga ou uma vizinha. Todas as histórias são não-ficção, mas nem todas são sobre mim.
Os abusos físicos e sexuais, que refere várias vezes, aconteceram a alguém que conhecia ou foram uma experiência pessoal?São sobre várias pessoas que conheço, na verdade. Quando, há uns anos, comecei o meu blogue recebia muitos emails de pessoas que me contavam que os tios ou os primos lhes tinham feito certas coisas. Ouvia tanto sobre esses problemas que a minha poesia tinha de abordá-los.
Este livro é poesia mas gostava, por exemplo, de publicar um romance?Na verdade já escrevi dez capítulos de um possível romance mas, honestamente, ainda não lhe dediquei inteiramente o tempo para poder terminá-lo. Estou a acabar a minha segunda coleção de poemas e no próximo ano quero focar-me no romance.

O segundo livro vai ser sobre a desilusão de uma pessoa que eu achava que era o amor da minha vida

O que é que já pode contar sobre ele?Sinto que “leite e mel” apenas deixou todas estas emoções à superfície. No primeiro capítulo há uma miúda muito nova que passa por violência doméstica e física, depois é uma jovem que passa pelo amor, no quarto capítulo passa pela experiência de se aceitar e curar. Não sei exatamente sobre o que será o romance mas quero pegar nos poemas, colocá-los debaixo de um microscópio e criar uma narrativa inteira à volta deles.
Imagino que receba inúmeras mensagens diariamente. O que é que lhe dizem mais?Agradecem muitas vezes por eu dizer exatamente o que elas estavam a pensar e isso é muito importante para mim. Partilham também muitas histórias comigo.
Qual foi a que a marcou mais até agora?Houve uma de que me lembro perfeitamente porque acabou por ser o meu pai a lê-la. Uma leitora enviou-me uma carta onde falava de uma história de amor que estava a correr lindamente até ela descobrir que o homem a enganava e como agora ela estava a superar a situação. Eu estava em Nova Iorque na altura e, quando voltei, a minha correspondência estava toda em cima da mesa da cozinha. O meu pai acabou a ler a carta e eu estava bastante apreensiva — por ele ser um pai indiano tão rígido, achava que ele ia dizer que era culpa dela ou qualquer coisa do género. Ele disse que aquilo era terrível e eu percebi que finalmente podia ter uma conversa daquele género com ele. Histórias de desgostos, misoginia, aquilo que as mulheres passam, deixaram-nos mais próximos um do outro.
Em “leite e mel” fala também sobre amor, perda, redescoberta e tudo transmite uma sensação de tristeza. As pessoas fazem-lhe perguntas sobre a sua vida pessoal, querem saber se é feliz?Sim, é verdade. Acho que muito deste livro serviu para me curar de relações que não eram saudáveis mas vou ser completamente honesta: o segundo livro vai ser sobre a desilusão de uma pessoa que eu achava que era o amor da minha vida, mas isso não está a funcionar. Não partilho nada disso em “leite e mel” mas está tudo no próximo livro. É sobre o desgosto que sentimos quando achamos que não vamos conseguir seguir em frente, que perdemos a nossa alma gémea, e eu exploro as emoções de tudo isso. Como é que se acorda todos os dias com o coração partido, mas também digo que, apesar de passar por todas essas coisas, é possível encontrar amor noutras coisas.
Então será um livro tão pesado como este.Sim, eu queria mesmo que fosse mais light e tentei torná-lo mais ligeiro, mas não consegui. A verdade é que todos nós já passámos por momentos tristes e o que quero mesmo mostrar é que faz parte do processo, a seguir vêm coisas boas.

https://nit.pt/coolt/livros/entrevista-rupi-kaur-leite-mel
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“Outros jeitos de usar a boca”
 livro de poesias escrito pela indiana Rupi Kaur. A obra, que foi lançado em 2014 de maneira independente (com o título original de “Milk and honey”), fez um sucesso absurdo, ficando por 40 semanas seguidas na lista de best-sellers do New York Times. E não é para menos, já que “Outros jeitos de usar a boca” traz poesias cheias de intensidade e delicadeza.
Dividido em quatro capítulos – a dor, o amor, a ruptura e a cura – todos os seus poemas mexem muito com nossas emoções, e para te deixar com um gostinho da lindeza que é esse livro, nós aqui da tt separamos 10 poemas dele para você conhecer. Vem se emocionar com a gente!

“Você pode não ter sido meu primeiro amor, mas foi o amor que tornou todos os outros amores irrelevantes.”
“Estou aprendendo a amá-lo, me amando.”
“Eu não fui embora porque eu deixei de te amar. Eu fui embora porque quanto mais eu ficava, menos eu me amava.”
“As pessoas vão, mas como elas foram, sempre fica.”
“Você me diz para ficar quieta porque minhas opiniões me deixam menos bonita, mas não fui feita com um incêndio na barriga para que pudessem me apagar. Não fui feita com leveza na língua para que fosse fácil de engolir. Fui feita pesada, metade lâmina, metade seda. Difícil de esquecer e não tão fácil de entender.

“Todas nós seguimos em frente quando percebemos como são fortes e admiráveis as mulheres à nossa volta.”
“Não quero ter você para preencher minhas partes vazias. Quero ser plena sozinha. Quero ser tão completa que poderia iluminar a cidade. E só aí quero ter você, porque nós dois juntos botamos fogo em tudo” 
“Quando você estiver machucada e ele estiver bem longe, não se pergunte se você foi o bastante. O problema é que você foi mais que o bastante e ele não conseguiu carregar.”
“Você tem dores morando em lugares em que dores não deveriam morar.”
“Quero pedir desculpa a todas as mulheres que descrevi como bonitas antes de dizer inteligentes ou corajosas. Fico triste por ter falado como se algo tão simples como aquilo que nasceu com você, fosse seu maior orgulho, quando seu espírito já despedaçou montanhas. De agora em diante vou dizer coisas como, “você é forte” ou, “você é incrível!”, não porque eu não te ache bonita, mas porque você é muito mais do que isso."
https://todateen.com.br/poemas-livro-rupi-kaur/