e morreu a 9jul2019...
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29jul2019 postei:

Manuel
Louzã Henriques saberia dizer ao GEFAC como reagir hoje. Saberia
dizer-nos como é que um grupo de etnografia e folclore, para mais
académico - responsabilidade que não nos deixava esquecer - deveria
reagir com propriedade ao saber da perda de um dos seus. Saberia
dizer-nos dos rituais, das razões, das cores do luto e do pranto, de
como resistir, de como fazer peito à desventura, persistir e teimar outra vez amanhã.
Se lhe batêssemos à porta - três, quatro ou dez - haveria de pedir, como sempre, à sua sempre tão (nossa) amiga Etelvina que nos deixasse entrar, que nos levasse, entre colecções, à sala onde haveria de estar a ler qualquer coisa sobre o que de momento o interessasse - hoje seria matemática, antropologia ou astrofísica? - e haveria de conversar connosco até todos perdermos noção das horas, guiados pela sua mão de ideia em ideia, de suposição em referência, de inconfidência em confissão, de graça em lenda.
E se, enfim, achasse que não tínhamos feito alguma coisa bem, haveria de nos repreender sem dó, gentil e insistentemente, quem sabe aproveitando para nos explicar de onde vem a expressão "puxar as orelhas" e já agora, de onde viemos nós e outras tantas coisas.
O GEFAC é em grande medida feito do tempo que o Manuel Louzã Henriques sempre encontrou para nós e da verdade que procurou, pacientemente, para nos oferecer. Agradecer não chega, agora que o verbo falta e temos só a honra e a responsabilidade (de que não vamos esquecer-nos) de o levar também no nosso nome.
[imagem das XV Jornadas de Cultura Popular - em Homenagem a Manuel Louzã Henriques]
Se lhe batêssemos à porta - três, quatro ou dez - haveria de pedir, como sempre, à sua sempre tão (nossa) amiga Etelvina que nos deixasse entrar, que nos levasse, entre colecções, à sala onde haveria de estar a ler qualquer coisa sobre o que de momento o interessasse - hoje seria matemática, antropologia ou astrofísica? - e haveria de conversar connosco até todos perdermos noção das horas, guiados pela sua mão de ideia em ideia, de suposição em referência, de inconfidência em confissão, de graça em lenda.
E se, enfim, achasse que não tínhamos feito alguma coisa bem, haveria de nos repreender sem dó, gentil e insistentemente, quem sabe aproveitando para nos explicar de onde vem a expressão "puxar as orelhas" e já agora, de onde viemos nós e outras tantas coisas.
O GEFAC é em grande medida feito do tempo que o Manuel Louzã Henriques sempre encontrou para nós e da verdade que procurou, pacientemente, para nos oferecer. Agradecer não chega, agora que o verbo falta e temos só a honra e a responsabilidade (de que não vamos esquecer-nos) de o levar também no nosso nome.
[imagem das XV Jornadas de Cultura Popular - em Homenagem a Manuel Louzã Henriques]
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10217505911631123&set=p.10217505911631123&type=3&theater
*

Foi com profundo pesar que a DORC do PCP tomou conhecimento do falecimento de Manuel Louzã Henriques. A DORC do PCP endereça as mais sentidas condolências à família deste abnegado resistente antifascista e militante comunista.
Manuel Louzã Henriques nasceu a 06 de Setembro de 1933 na aldeia do Coentral, concelho de Castanheira
de Pêra, Serra da Lousã. Em meados da década de quarenta vai viver para
a Cidade de Coimbra onde frequenta o Liceu D. João III. Entra na
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em 1954. Conclui o
curso de Medicina em 1959 e a especialidade de Psiquiatria em 1961.
Foi membro activo do MUD juvenil e em 58 filia-se no PCP.
Activista
estudantil, com papel em diversas lutas estudantis, nomeadamente a luta
da Academia em torno do "decreto 40.900." Foi vice-presidente do
TEUC.Integrou a comissão de apoio da candidatura de Arlindo Vicente e,
nessa qualidade integrou o apoio à candidatura de Humberto Delgado.
Preso
pela PIDE de 1962 a 1965, esteve no Aljube, em Caxias e Peniche,
retomando a ligação ao trabalho do Partido depois de sair da prisão.
Desempenhou tarefas na clandestinidade na organização do Partido e no
trabalho de construção de unidade na reistência anti-fascista. Foi
Candidato da Oposição democrática em 1962, à Assembleia Constituinte
após o 25 de Abril e por diversas vezes candidato da APU e CDU em vários
actos eleitorais.
Dedicou
à cultura popular (rural e urbana) grande parte da sua vida. Ainda
estudante integrou a TAUC e formações musicais estudantis na qualidade
executante de guitarra de Coimbra. Tocava concertina com especial
desenvoltura, cultivando um gosto especial pela música dos
concertineiros da Serra da Lousã. Participou em encontros de cultura
popular oral, deu apoio ao Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de
Coimbra (GEFAC) e à Brigada Victor Jara, foi palestrante nos primeiros
«seminários de fado de Coimbra» (1978 e ss.) cuja evolução acompanhou de
perto.
Influenciado
pelos trabalhos etnográficos de Ernesto de Veiga de Oliveira, Benjamim
Pereira, Jorge Dias e Michel Giacometti, iniciou na década de 1960 a
actividade de coleccionador de instrumentos musicais populares e de
alfaias agrícolas numa atitude de questionamento do discurso oficial da
ditadura fascista acerca da "felicidade do povo".
Os
artefactos rurais da colecção foram cedidos à Câmara Municipal da Lousã
e incorporados no Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques. Os
instrumentos musicais, recolhidos em Portugal e no estrangeiro,
estiveram expostos, entre 2004 e 2013, no edifício do antigo posto de
turismo, no largo da Portagem e no Pavilhão Central da Festa do Avante! e
na edição de 2017 da Festa.
Para
além da colecção de instrumentos musicais, Louzã Henriques possuía um
importante espólio de máquinas de escrever, instrumentos médicos,
máquinas de reprodução sonora (expostas em 2014 no Museu Nacional
Machado de Castro), acompanhando a exposição regular dos objectos de
palestras de muito relevante valor cultural.
Com
profundo pesar a DORC do PCP reafirma a importância do exemplo de
Manuel Louzã Henriques, na luta em defesa da Cultura enquanto direito,
na luta contra o fascismo, na luta pelas conquistas e valores de Abril
no futuro de Portugal, na Luta pela construção de uma sociedade nova,
sem exploradores, nem explorados.
Como disse o próprio Manuel Louzã Henriques "Há limites para o conhecimento, mas não há limites para os dedos que apontam as estrelas."
A DORC do PCP
http://www.coimbra.pcp.pt/index.php/34-geral/784-nota-da-dorc-do-pcp-sobre-o-falecimento-de-manuel-louza-henriques?fbclid=IwAR39yW68sxKTdnRlS_VA5zoMEQ9cFIaMKvI8j8TICDrudvAJsvxhHv5HcSM*
MANUEL LOUZÃ HENRIQUES (1933 - 2019)
Figura
marcante da Resistência ao fascismo, faleceu Manuel Louzã Henriques, um
mestre de humanidade, a quem muitos estão imensamente devedores, pelos
mundos do conhecimento que ele abriu e pelo exemplo de civismo que deu
ao longo de toda a vida. Louzã Henriques, uma personalidade de rara
dimensão ética e cultural, caracterizava-se por uma inexcedível coragem
cívica e grandeza humana. Médico psiquiatra, escritor, político, era um
homem eclético que foi capaz - como muito poucos homens deste país no
último século - de reunir a admiração de amplos sectores de opinião.
Mais
do que culto – e foi-o numa dimensão inexcedível –, Louzã Henriques,
notável conversador e pedagogo excelso, era sobretudo um homem sábio, um
ser humano de afectos insuperáveis e uma personalidade singular. Foi
preso quando era estagiário de Medicina, julgado no famigerado Tribunal
Plenário e condenado a pena maior e a medidas de segurança que cumpriu
no Forte de Peniche, donde saiu três anos e meio depois. Terminou então a
licenciatura e iniciou a sua especialidade de Psiquiatria. Até ao 25de
Abril, não pôde integrar as Carreiras Médicas.
Médico
e etnólogo, viveu na “República Palácio da Loucura”, nos tempos de
estudante. Militante do PCP desde a época em que frequentava a Faculdade
de Medicina de Coimbra, Manuel Lousã Henriques foi um invulgar
comunicador e homem de cultura, uma personalidade marcante de Coimbra,
mas também de dimensão nacional. Andou com grande entusiasmo pelos
caminhos da etnografia e da antropologia, e nessas navegações organizou
preciosas recolhas, que lhe permitiram obter um acervo de material
etnográfico e de instrumentos musicais, a partir do qual nasceu o Museu
Louzã Henriques, na Lousã. Ofereceu mais de 400 instrumentos musicais,
devidamente catalogados, à Câmara Municipal de Coimbra.
Viajou
pelo tempo, lembrou cantares do povo, tocou acordeão e guitarra para
marcar sonoridades imemoriais, e a sua fala foi, como sempre é, uma
lição de humanidade. Aquilo que enriquece os dias é quando acrescentamos
aos instantes a sabedoria dos que levaram uma vida inteira a investigar
e a saber coisas, a ler e a ouvir gente, e depois gastam boa parte do
seu tempo a partilhar essa sabedoria com os outros. O Manuel Louzã
Henriques foi uma dessas personalidades singulares para quem o ato
cultural se concretiza plenamente na comunicação democratizante com os
outros, numa navegação à vista em que a amizade é sempre porto seguro.
Poucas pessoas haverá com tanta capacidade para a pedagogia do falar,
fazendo das palavras um pão a repartir, como Neruda dizia da poesia.
Este médico psiquiatra que gostava da conversa longa, do prosear suave à
roda de uma mesa de amigos, que escreveu versos e belas prosas, que
cultiva a palavra com o rigor de Vieira, embora a fluência das palavras e
a simplicidade do verbo sejam nele um rio que corre mansamente, sem
tumulto, apenas fio de água limpa e transparente onde podemos beber
conhecimentos. Quem conheceu Manuel Louzã Henriques, quem o ouviu e
conviveu com ele – não apenas as sucessivas gerações que passam por
Coimbra, mas um público mais vasto – sabe que é assim. O privilégio do
seu convívio foi sempre surpreendente. Bem haja Manel!
Figura marcante da Resistência ao fascismo, faleceu
Manuel Louzã Henriques, um mestre de humanidade, a quem muitos estão
imensamente devedores, pelos mundos do conhecimento que ele abriu e pelo
exemplo de civismo que deu ao longo de toda a vida. Louzã Henriques,
uma personalidade de rara dimensão ética e cultural, caracterizava-se
por uma inexcedível coragem cívica e grandeza humana. Médico psiquiatra,
escritor, político, era um homem eclético que foi capaz - como muito
poucos homens deste país no último século - de reunir a admiração de
amplos sectores de opinião.
Mais do que culto – e foi-o numa dimensão
inexcedível –, Louzã Henriques, notável conversador e pedagogo excelso,
era sobretudo um homem sábio, um ser humano de afectos insuperáveis e
uma personalidade singular. Foi preso quando era estagiário de Medicina,
julgado no famigerado Tribunal Plenário e condenado a pena maior e a
medidas de segurança que cumpriu no Forte de Peniche, donde saiu três
anos e meio depois. Terminou então a licenciatura e iniciou a sua
especialidade de Psiquiatria. Até ao 25de Abril, não pôde integrar as
Carreiras Médicas.
Médico e etnólogo, viveu na “República Palácio da
Loucura”, nos tempos de estudante. Militante do PCP desde a época em que
frequentava a Faculdade de Medicina de Coimbra, Manuel Lousã Henriques
foi um invulgar comunicador e homem de cultura, uma personalidade
marcante de Coimbra, mas também de dimensão nacional. Andou com grande
entusiasmo pelos caminhos da etnografia e da antropologia, e nessas
navegações organizou preciosas recolhas, que lhe permitiram obter um
acervo de material etnográfico e de instrumentos musicais, a partir do
qual nasceu o Museu Louzã Henriques, na Lousã. Ofereceu mais de 400
instrumentos musicais, devidamente catalogados, à Câmara Municipal de
Coimbra.
Viajou pelo tempo, lembrou cantares do povo, tocou
acordeão e guitarra para marcar sonoridades imemoriais, e a sua fala
foi, como sempre é, uma lição de humanidade. Aquilo que enriquece os
dias é quando acrescentamos aos instantes a sabedoria dos que levaram
uma vida inteira a investigar e a saber coisas, a ler e a ouvir gente, e
depois gastam boa parte do seu tempo a partilhar essa sabedoria com os
outros. O Manuel Louzã Henriques foi uma dessas personalidades
singulares para quem o ato cultural se concretiza plenamente na
comunicação democratizante com os outros, numa navegação à vista em que a
amizade é sempre porto seguro. Poucas pessoas haverá com tanta
capacidade para a pedagogia do falar, fazendo das palavras um pão a
repartir, como Neruda dizia da poesia. Este médico psiquiatra que
gostava da conversa longa, do prosear suave à roda de uma mesa de
amigos, que escreveu versos e belas prosas, que cultiva a palavra com o
rigor de Vieira, embora a fluência das palavras e a simplicidade do
verbo sejam nele um rio que corre mansamente, sem tumulto, apenas fio de
água limpa e transparente onde podemos beber conhecimentos. Quem
conheceu Manuel Louzã Henriques, quem o ouviu e conviveu com ele – não
apenas as sucessivas gerações que passam por Coimbra, mas um público
mais vasto – sabe que é assim. O privilégio do seu convívio foi sempre
surpreendente. Bem haja, Manuel!
*
Faleceu Louzã Henriques
Desempenhou papel activo em diversas lutas estudantis, participou na comissão de apoio da candidatura de Arlindo Vicente e, nessa qualidade, integrou o apoio à candidatura de Humberto Delgado.
Manuel
Louzã Henriques nasceu a 6 de Setembro de 1933 no Coentral, concelho de
Castanheira de Pêra. A partir de meados da década de 1940, viveu na
cidade de Coimbra, onde, em 1959, concluiu o curso de Medicina e, em
1961, a especialidade de Psiquiatria.
Foi membro activo do MUD Juvenil, tendo-se filiado-se no PCP em 1958.
Além do papel activo que desempenhou em diversas lutas estudantis, participou na comissão de apoio da candidatura de Arlindo Vicente e, nessa qualidade integrou o apoio à candidatura de Humberto Delgado.
Foi candidato da Oposição Democrática em 1962. Após o 25 de Abril, foi candidato à Assembleia Constituinte e integrou as listas da APU e da CDU em vários actos eleitorais.
Preso pela PIDE entre 1962 e 1965, esteve nas prisões do Aljube, de Caxias e Peniche, de onde saiu para retomar a sua actividade na organização clandestina do PCP e no trabalho de construção de unidade na reistência antifascista.
Dedicou à cultura popular grande parte da sua vida. Ainda estudante, integrou o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra), de que foi vice-presidente, a TAUC (Tuna Académica da Universidade de Coimbra) e formações musicais estudantis na qualidade executante de guitarra de Coimbra.
Participou em encontros de cultura popular oral, deu apoio ao Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC) e à Brigada Victor Jara, foi palestrante nos primeiros «seminários de fado de Coimbra» (1978), cuja evolução acompanhou de perto.
Na década de 1960, iniciou a actividade de coleccionador de instrumentos musicais populares e de alfaias agrícolas, cujos artefactos rurais foram cedidos à Câmara Municipal da Lousã e incorporados no Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques.
Além da colecção de instrumentos musicais, Louzã Henriques possuía um importante espólio de máquinas de escrever, instrumentos médicos, máquinas de reprodução sonora (expostas em 2014 no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra), fazendo acompanhar a exposição regular dos objectos de palestras.
Foi membro activo do MUD Juvenil, tendo-se filiado-se no PCP em 1958.
Além do papel activo que desempenhou em diversas lutas estudantis, participou na comissão de apoio da candidatura de Arlindo Vicente e, nessa qualidade integrou o apoio à candidatura de Humberto Delgado.
Foi candidato da Oposição Democrática em 1962. Após o 25 de Abril, foi candidato à Assembleia Constituinte e integrou as listas da APU e da CDU em vários actos eleitorais.
Preso pela PIDE entre 1962 e 1965, esteve nas prisões do Aljube, de Caxias e Peniche, de onde saiu para retomar a sua actividade na organização clandestina do PCP e no trabalho de construção de unidade na reistência antifascista.
Dedicou à cultura popular grande parte da sua vida. Ainda estudante, integrou o TEUC (Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra), de que foi vice-presidente, a TAUC (Tuna Académica da Universidade de Coimbra) e formações musicais estudantis na qualidade executante de guitarra de Coimbra.
Participou em encontros de cultura popular oral, deu apoio ao Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra (GEFAC) e à Brigada Victor Jara, foi palestrante nos primeiros «seminários de fado de Coimbra» (1978), cuja evolução acompanhou de perto.
Na década de 1960, iniciou a actividade de coleccionador de instrumentos musicais populares e de alfaias agrícolas, cujos artefactos rurais foram cedidos à Câmara Municipal da Lousã e incorporados no Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques.
Além da colecção de instrumentos musicais, Louzã Henriques possuía um importante espólio de máquinas de escrever, instrumentos médicos, máquinas de reprodução sonora (expostas em 2014 no Museu Nacional Machado de Castro, em Coimbra), fazendo acompanhar a exposição regular dos objectos de palestras.
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Morreu Manuel Lousã Henriques...1 Vivaaaaaa à sua luta de resistente antifascista... “MANUEL LOUZÃ HENRIQUES (1933 - 2019)
Figura marcante da Resistência ao fascismo, Manuel Louzã Henriques era um mestre de humanidade, a quem muitos estão imensamente devedores, pelos mundos do conhecimento que ele abriu e pelo exemplo de civismo que deu ao longo de toda a vida.
Louzã Henriques, uma personalidade de rara dimensão ética e cultural, caracterizava-se por uma inexcedível coragem cívica e grandeza humana. Médico psiquiatra, escritor, político, era um homem eclético que foi capaz - como muito poucos homens deste país no último século - de reunir a admiração de amplos sectores de opinião. Mais do que culto – e foi-o numa dimensão inexcedível –, Louzã Henriques, notável conversador e pedagogo excelso, era sobretudo um homem sábio, um ser humano de afectos insuperáveis e uma personalidade singular.
Foi preso quando era estagiário de Medicina, julgado no famigerado Tribunal Plenário e condenado a pena maior e a medidas de segurança que cumpriu no Forte de Peniche, donde saiu três anos e meio depois. Terminou então a licenciatura e iniciou a sua especialidade de Psiquiatria. Até ao 25de Abril, não pôde integrar as Carreiras Médicas. (1)
1. Nasceu no Coentral, concelho de Castanheira de Pera, mas tem fortes ligações à Lousã, de onde era natural seu pai. Médico e etnólogo, viveu na “República Palácio da Loucura”, nos tempos de estudante.
Militante do PCP desde a época em que frequentava a Faculdade de Medicina de Coimbra, Manuel Lousã Henriques foi um invulgar comunicador e homem de cultura, uma personalidade marcante de Coimbra, mas também de dimensão nacional.
MLH andou com grande entusiasmo pelos caminhos da etnografia e da antropologia, e nessas navegações organizou preciosas recolhas, que lhe permitiram obter um acervo de material etnográfico e de instrumentos musicais, a partir do qual nasceu o Museu Louzã Henriques, na Lousã. Ofereceu mais de 400 instrumentos musicais, devidamente catalogados, à Câmara Municipal de Coimbra.
2. A Lápis de Memórias editou um livro - que é uma conversa, entre Manuel Louzã Henriques, Manuela Cruzeiro e Teresa Carreiro, acrescida de testemunhos de um pequeno grupo de amigos seus - são 460 páginas. O livro «Manuel Louzã Henriques – Algures Com Meu(s) Irmão(s)» foi o pretexto para uma grandiosa homenagem ao mais avesso dos cidadãos a homenagens. De todo o país, foram centenas de amigos abraçar o velho comunista, o preso político a quem a ditadura impediu uma carreira universitária.
Na apresentação do livro, José João Cardoso fez um retrato de MLH, de que respigámos alguns traços biográficos: «Está ali uma geração, a dos comunistas e outros, das poucas esquerdas, que nos anos de 1950, ainda jovens, se arriscavam afrontando a ditadura em toda a sua mesquinhez quotidiana que se revelaria pouco mais tarde na Carta a uma Jovem Portuguesa, desalinhados numas ortodoxias, por exemplo as literárias, gente que entre muito café e mais tabaco fez a minha geração, livre para desalinhar até à morte estúpida dos que já perdemos. Está ali um homem, um dos nossos maiores, aquele que viu os seus versos roubados pela Pide e pouco se importa, tem os seus 400 instrumentos tocando num museu único, a História da Música Popular Portuguesa, ora desalojada por falta de espaço na ignorância municipal, entre tantas coisas, que também se explicam numa vontade de ser e fazer muito próprias: tal como o Herberto Helder se guardou poeta nos seus versos, entendam o Manuel fazendo o mesmo, sem versos publicados, mas oferecendo poesia, cultura, inteligência e militância no seu falar. A relação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, sua casa académica, só por si é um epigrama ao saber e ao desprezo pelas catedralidades.» (2)
3. Fernando Paulouro das Neves recorda-o, a propósito dessa memorável sessão: «Amigos de perto e de longe vieram dar um abraço a Manuel Louzã Henriques. E o excelente auditório do Conservatório de Música de Coimbra foi pequeno para acolher tão largo universo de amizade e gratidão. Foi uma tarde de música e poesia (poemas dele, MLH, colhidos aqui e ali, que era bom reunir em livro), tudo à volta da figura verdadeiramente singular do dr. Manuel Louzã Henriques, de quem todos somos imensamente devedores pelos mundos do conhecimento que ele nos abriu. Essa faceta de improvável Mestre, pois ele recusa sempre, frontalmente, todo o tipo de cátedras, assumindo-se apenas como o comum dos mortais que gosta de partilhar com os outros saberes preciosos, cavados fundo no percurso de uma vida cujo desafio foi sempre, em todas as circunstâncias, construir um mundo melhor. Relapso a homenagens, teve desta vez que ouvir a sonoridade fraterna de palavras que não eram outra coisa senão o tributo do reconhecimento colectivo, pequena paga para quem tanto deu. À volta desse sentimento, havia o lançamento de um livro, “Manuel Louzã Henriques”. Viajou pelo tempo, lembrou cantares do povo, tocou acordeão e guitarra para marcar sonoridades imemoriais, e a sua fala foi, como sempre é, uma lição de humanidade. Aquilo que enriquece os dias é quando acrescentamos aos instantes a sabedoria dos que levaram uma vida inteira a investigar e a saber coisas, a ler e a ouvir gente, e depois gastam boa parte do seu tempo a partilhar essa sabedoria com os outros. O Manuel Louzã Henriques é uma dessas personalidades singulares para quem o acto cultural se concretiza plenamente na comunicação democratizante com os outros, numa navegação à vista em que a amizade é sempre porto seguro. Poucas pessoas haverá com tanta capacidade para a pedagogia do falar, fazendo das palavras um pão a repartir, como Neruda dizia da poesia. Este médico psiquiatra que gosta da conversa longa, do prosear suave à roda de uma mesa de amigos, que escreveu versos e belas prosas, que cultiva a palavra com o rigor de Vieira, embora a fluência das palavras e a simplicidade do verbo sejam nele um rio que corre mansamente, sem tumulto, apenas fio de água limpa e transparente onde podemos beber conhecimentos. Quem conhece Manuel Louzã Henriques, quem já o ouviu e conviveu com ele – não apenas as sucessivas gerações que passam por Coimbra, mas um público mais vasto – sabe que é assim. O privilégio do seu convívio é sempre surpreendente. Fecho aqui o parênteses, mas a memória pontua inesquecíveis momentos de cultura viva quando, uma e outra vez, por aqui andou, por terras do Fundão e da Gardunha, ou pelos campos de longa solidão da Idanha, em busca de histórias perdidas, falando dos Santos Populares, da antropologia da festa e da memória social, das grandezas e misérias da sanfona, desde os tempos gloriosos dos salões, até à sua morte ao sol e à chuva, nas feiras, dos arados e da civilização rural, do Zeca e da evolução da canção de Coimbra, dos velhos cantares dos adufes e da voz soberba de Catarina Chitas, do Pad’ Zé, que ele retirou da margem redutora da boémia coimbrã, a que muitos gostam de reduzi-lo, para o estudar como crítico social, autor da mais violenta diatribe até hoje escrita sobre a universidade (“O Livro do Doutor Assis”), foi o Louzã Henriques o primeiro a dar-nos o Pad’ Zé na expressão da sua real importância histórica e cultural.
Um dia, à boa paz, falei-lhe que o seu mundo de palavras, expresso amiúde no labirinto das suas falas informais, sustentado por uma riquíssima visão cultural, era a expressão de preciosos ensaios, sendo por isso bom passá-los à escrita. Ele olhou para mim com algum enfado e eu percebi que não estava virado para aí.
– Se quiseres, grava! – disse, e passou adiante.
Passaram alguns anos, mas continuo a pensar sinceramente que teria sido um alto serviço cultural, um inestimável contributo à democratização da memória, ter-se feito registo dessas conferências, palestras ou tertúlias de amigos. Mundos que nós perdemos, por terem sido únicos e irrepetíveis, que voaram na efemeridade das palavras, que são como o vento que passa. Resta-nos, a nós, que somos seus amigos, o “milagre” do seu convívio – e podermos tê-lo connosco, à conversa, no desafio que é sempre o seu pensamento de inquietação fecunda sobre os dias cinzentos que vivemos”. (3)
Dada a inexistência na internet de dados biográficos de MLH, esta biografia só foi possível recorrendo a excertos de textos publicados em blogues, por três amigos seus a quem agradecemos: Carlos Esperança, José João Cardoso e Fernando Paulouro das Neves.
Biografia (informal) da autoria de Helena Pato
Fontes:
(1) Carlos Esperança, em http://ponteeuropa.blogspot.pt/…/manuel-louza-henriques-uma…
(2) José João Cardoso, em: http://aventar.eu/2013/07/09/manuel-louza-henriques/…
(3) Fernando Paulouro Neves, em http://www.fernandopaulouro.com/…/louza-henriques-licao-de-…
Figura marcante da Resistência ao fascismo, Manuel Louzã Henriques era um mestre de humanidade, a quem muitos estão imensamente devedores, pelos mundos do conhecimento que ele abriu e pelo exemplo de civismo que deu ao longo de toda a vida.
Louzã Henriques, uma personalidade de rara dimensão ética e cultural, caracterizava-se por uma inexcedível coragem cívica e grandeza humana. Médico psiquiatra, escritor, político, era um homem eclético que foi capaz - como muito poucos homens deste país no último século - de reunir a admiração de amplos sectores de opinião. Mais do que culto – e foi-o numa dimensão inexcedível –, Louzã Henriques, notável conversador e pedagogo excelso, era sobretudo um homem sábio, um ser humano de afectos insuperáveis e uma personalidade singular.
Foi preso quando era estagiário de Medicina, julgado no famigerado Tribunal Plenário e condenado a pena maior e a medidas de segurança que cumpriu no Forte de Peniche, donde saiu três anos e meio depois. Terminou então a licenciatura e iniciou a sua especialidade de Psiquiatria. Até ao 25de Abril, não pôde integrar as Carreiras Médicas. (1)
1. Nasceu no Coentral, concelho de Castanheira de Pera, mas tem fortes ligações à Lousã, de onde era natural seu pai. Médico e etnólogo, viveu na “República Palácio da Loucura”, nos tempos de estudante.
Militante do PCP desde a época em que frequentava a Faculdade de Medicina de Coimbra, Manuel Lousã Henriques foi um invulgar comunicador e homem de cultura, uma personalidade marcante de Coimbra, mas também de dimensão nacional.
MLH andou com grande entusiasmo pelos caminhos da etnografia e da antropologia, e nessas navegações organizou preciosas recolhas, que lhe permitiram obter um acervo de material etnográfico e de instrumentos musicais, a partir do qual nasceu o Museu Louzã Henriques, na Lousã. Ofereceu mais de 400 instrumentos musicais, devidamente catalogados, à Câmara Municipal de Coimbra.
2. A Lápis de Memórias editou um livro - que é uma conversa, entre Manuel Louzã Henriques, Manuela Cruzeiro e Teresa Carreiro, acrescida de testemunhos de um pequeno grupo de amigos seus - são 460 páginas. O livro «Manuel Louzã Henriques – Algures Com Meu(s) Irmão(s)» foi o pretexto para uma grandiosa homenagem ao mais avesso dos cidadãos a homenagens. De todo o país, foram centenas de amigos abraçar o velho comunista, o preso político a quem a ditadura impediu uma carreira universitária.
Na apresentação do livro, José João Cardoso fez um retrato de MLH, de que respigámos alguns traços biográficos: «Está ali uma geração, a dos comunistas e outros, das poucas esquerdas, que nos anos de 1950, ainda jovens, se arriscavam afrontando a ditadura em toda a sua mesquinhez quotidiana que se revelaria pouco mais tarde na Carta a uma Jovem Portuguesa, desalinhados numas ortodoxias, por exemplo as literárias, gente que entre muito café e mais tabaco fez a minha geração, livre para desalinhar até à morte estúpida dos que já perdemos. Está ali um homem, um dos nossos maiores, aquele que viu os seus versos roubados pela Pide e pouco se importa, tem os seus 400 instrumentos tocando num museu único, a História da Música Popular Portuguesa, ora desalojada por falta de espaço na ignorância municipal, entre tantas coisas, que também se explicam numa vontade de ser e fazer muito próprias: tal como o Herberto Helder se guardou poeta nos seus versos, entendam o Manuel fazendo o mesmo, sem versos publicados, mas oferecendo poesia, cultura, inteligência e militância no seu falar. A relação com a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, sua casa académica, só por si é um epigrama ao saber e ao desprezo pelas catedralidades.» (2)
3. Fernando Paulouro das Neves recorda-o, a propósito dessa memorável sessão: «Amigos de perto e de longe vieram dar um abraço a Manuel Louzã Henriques. E o excelente auditório do Conservatório de Música de Coimbra foi pequeno para acolher tão largo universo de amizade e gratidão. Foi uma tarde de música e poesia (poemas dele, MLH, colhidos aqui e ali, que era bom reunir em livro), tudo à volta da figura verdadeiramente singular do dr. Manuel Louzã Henriques, de quem todos somos imensamente devedores pelos mundos do conhecimento que ele nos abriu. Essa faceta de improvável Mestre, pois ele recusa sempre, frontalmente, todo o tipo de cátedras, assumindo-se apenas como o comum dos mortais que gosta de partilhar com os outros saberes preciosos, cavados fundo no percurso de uma vida cujo desafio foi sempre, em todas as circunstâncias, construir um mundo melhor. Relapso a homenagens, teve desta vez que ouvir a sonoridade fraterna de palavras que não eram outra coisa senão o tributo do reconhecimento colectivo, pequena paga para quem tanto deu. À volta desse sentimento, havia o lançamento de um livro, “Manuel Louzã Henriques”. Viajou pelo tempo, lembrou cantares do povo, tocou acordeão e guitarra para marcar sonoridades imemoriais, e a sua fala foi, como sempre é, uma lição de humanidade. Aquilo que enriquece os dias é quando acrescentamos aos instantes a sabedoria dos que levaram uma vida inteira a investigar e a saber coisas, a ler e a ouvir gente, e depois gastam boa parte do seu tempo a partilhar essa sabedoria com os outros. O Manuel Louzã Henriques é uma dessas personalidades singulares para quem o acto cultural se concretiza plenamente na comunicação democratizante com os outros, numa navegação à vista em que a amizade é sempre porto seguro. Poucas pessoas haverá com tanta capacidade para a pedagogia do falar, fazendo das palavras um pão a repartir, como Neruda dizia da poesia. Este médico psiquiatra que gosta da conversa longa, do prosear suave à roda de uma mesa de amigos, que escreveu versos e belas prosas, que cultiva a palavra com o rigor de Vieira, embora a fluência das palavras e a simplicidade do verbo sejam nele um rio que corre mansamente, sem tumulto, apenas fio de água limpa e transparente onde podemos beber conhecimentos. Quem conhece Manuel Louzã Henriques, quem já o ouviu e conviveu com ele – não apenas as sucessivas gerações que passam por Coimbra, mas um público mais vasto – sabe que é assim. O privilégio do seu convívio é sempre surpreendente. Fecho aqui o parênteses, mas a memória pontua inesquecíveis momentos de cultura viva quando, uma e outra vez, por aqui andou, por terras do Fundão e da Gardunha, ou pelos campos de longa solidão da Idanha, em busca de histórias perdidas, falando dos Santos Populares, da antropologia da festa e da memória social, das grandezas e misérias da sanfona, desde os tempos gloriosos dos salões, até à sua morte ao sol e à chuva, nas feiras, dos arados e da civilização rural, do Zeca e da evolução da canção de Coimbra, dos velhos cantares dos adufes e da voz soberba de Catarina Chitas, do Pad’ Zé, que ele retirou da margem redutora da boémia coimbrã, a que muitos gostam de reduzi-lo, para o estudar como crítico social, autor da mais violenta diatribe até hoje escrita sobre a universidade (“O Livro do Doutor Assis”), foi o Louzã Henriques o primeiro a dar-nos o Pad’ Zé na expressão da sua real importância histórica e cultural.
Um dia, à boa paz, falei-lhe que o seu mundo de palavras, expresso amiúde no labirinto das suas falas informais, sustentado por uma riquíssima visão cultural, era a expressão de preciosos ensaios, sendo por isso bom passá-los à escrita. Ele olhou para mim com algum enfado e eu percebi que não estava virado para aí.
– Se quiseres, grava! – disse, e passou adiante.
Passaram alguns anos, mas continuo a pensar sinceramente que teria sido um alto serviço cultural, um inestimável contributo à democratização da memória, ter-se feito registo dessas conferências, palestras ou tertúlias de amigos. Mundos que nós perdemos, por terem sido únicos e irrepetíveis, que voaram na efemeridade das palavras, que são como o vento que passa. Resta-nos, a nós, que somos seus amigos, o “milagre” do seu convívio – e podermos tê-lo connosco, à conversa, no desafio que é sempre o seu pensamento de inquietação fecunda sobre os dias cinzentos que vivemos”. (3)
Dada a inexistência na internet de dados biográficos de MLH, esta biografia só foi possível recorrendo a excertos de textos publicados em blogues, por três amigos seus a quem agradecemos: Carlos Esperança, José João Cardoso e Fernando Paulouro das Neves.
Biografia (informal) da autoria de Helena Pato
Fontes:
(1) Carlos Esperança, em http://ponteeuropa.blogspot.pt/…/manuel-louza-henriques-uma…
(2) José João Cardoso, em: http://aventar.eu/2013/07/09/manuel-louza-henriques/…
(3) Fernando Paulouro Neves, em http://www.fernandopaulouro.com/…/louza-henriques-licao-de-…