03/04/2014

7.780.(3abril2014.17.5') Al berto

Nasceu a 11jan1948
e morreu a 13junho1997
***
Pernoitas em Mim
pernoitas em mim 
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer
pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas
é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes
 in 'Rumor dos Fogos'
Foto de Maria Elisa Ribeiro.
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***
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(...)
desculpa
o que te queria dizer talvez não fosse isto
a solidão turva-se-me de lágrimas
e nas pálpebras tremem visões do meu delírio
olho as fotografias de antigos desertos
corpos coerentes que fomos
bocas de papel amarelecido
onde a sede nunca encontrou a sua água
e às vezes ainda tenho sede de ti

***
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Gostava de ter forças para explorar a loucura que me rodeia.
***

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"Passo os dias a florir os campos para ti."
***
vem comigo
ver as pirâmedes fantásticas do vento
no interior luminoso da terra encontrarás
o segredo de quartzo para desvendares o tempo
onde contemplamos a fulva doçura das cerejas

iremos para onde os restos de vida não acordem
a dor da imensa árvore a sombra
dos cabelos carregados de pólenes e de astros
crescemos lado a lado com o dragão
o súbito relâmpago dos frutos amadurecendo
iluminará por um instante as águas do jardim
e o alecrim perfumará os noctívagos passos
há muito prisioneiros no barro
onde o rosto se transforme e morre
e já não nos pertence

vem comigo
praticar essa arte imemorial de quem espera
não se sabe o quê junto à janela
encolho-me
como se fechasse uma gaveta para sempre
caminhasse onde caiu um lenço
mas levanto os olhos
quando o verão entra pelo quarto e devassa
esta humilde existência de papel

vem comigo
as palavras nada podem revelar
esqueci-as quase todas onde vislumbro um fogo
pegando fogo ao corpo mais próximo do meu

© Eva Borka - Imagem

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os amigos


no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias

tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite

prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume

ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência

***

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Sinto que há uma estranha eternidade naquilo que amámos e foi destruído.

 in O Medo
(imagem: achrome29.tumblr.com)
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(…) é um tempo de cinza, este que vivo sem ti. é um tempo nulo, este que atravessa os dias de espera. tempo de cardos no coração. tempo que se amachuca numa folha de papel escrita. nada, a não ser a respiração que acredito ser minha.

*** 
o mundo desfaz-se apressadamente.

in Diários
Assírio & Alvim
______
imagem Sasha Bassari

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https://www.facebook.com/photo.php?fbid=661395513896166&set=a.559507790751606.1073741828.559343457434706&type=1&theater
“e nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentada à porta... 
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua...”

© Ilayda Portakaloglu - imagem
***

(...) se me estiveres a ouvir se me pressentires no fundo dos teus olhos, ajuda-me a caminhar na tua direcção. não me dês espelhos, não me enganes, não demores a chamar-me.
 
in Diários (excerto)

imagem: Sasha Bassari - Loneliness in the big city

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"há séculos que te esperava para fugirmos."
***

(...) O pior veneno para o coração é estares aqui, quase a tocar-te, e saber-te ausente

in Diários (Assírio & Alvim) 

imagem - For the Love,for the Death and the Poetry
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Gostava de falar em voz alta comigo mesmo, mas tenho medo.
***
Amanhã ou enquanto dormes – agora mesmo – vou pensar em ti. Intensamente: até que as horas me doam a pele, e o movimento dos dias passe como aves que perdem o sentido do voo – até que tudo o que me rodeia tome a forma do teu corpo. E em mim circules – quando estendo a mão por dentro da noite e te acordo, no fogo dos meus olhos.
***
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"Ofereci-te tanta coisa. A mais preciosa, aquela que há muitos anos não dava a ninguém - a mais preciosa, repito, foi a minha absoluta disponibilidade para estar contigo, ouvir-te, ou estar em silêncio perto de ti."
**

SEM TÍTULO E BASTANTE BREVE

Tenho o olhar preso aos ângulos escuros da casa
tento descobrir um cruzar de linhas misteriosas, e
com elas quero construir um templo em forma de ilha
ou de mãos disponíveis para o amor...
na verdade, estou derrubado

sobre a mesa em fórmica suja duma taberna verde,
não sei onde
procuro as aves recolhidas na tontura da noite
embriagado entrelaço os dedos
possuo os insectos duros como unhas dilacerando
os rostos brancos das casas abandonadas, à beira mar...

dizem que ao possuir tudo isto
poderia Ter sido um homem feliz, que tem por defeito
interrogar-se acerca da melancolia das mãos....
...esta memória lâmina incansável…

um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me...
que sei eu sobre as tempestades do sangue?
E da água?
no fundo, só amo o lodo escondido das ilhas...

amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
.
in "Degredo no Sul" assírio & alvim, 2007
***

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=799522156727534&set=a.462529847093435.111436.462489187097501&type=1&theater
e tu sussurras:
- não, não afastes a boca da minha orelha.
derrama dentro dela aquilo que não consegues dizer em voz alta.

e eu digo:
- as tuas mãos queimam-me a fala.

tu sorris, dizes:
- vem, sem medo, pela aridez do meu corpo.

no fundo de mim existe um poço onde guardo a tua imagem. é tempo de ta devolver. é tempo de te reconheceres nela

***
13noVEMbro2011Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen
AL BERTO, in HORTO DE INCÊNDIO (Assírio e Alvim, 1997)

RECADO [excerto]
 

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte


vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite


deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me


que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite


 
Pintura: birds and bees, por Audrey Sullivan
 
(LT)
***