14/04/2014

7.832.(14abril2014.2.15') Natália Correia

Nasceu a 13set 1923
Morreu a 16março 1993
***
13SEtemBRO2013

*
prenda da Gisela Mendonça

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10201439862432043&set=a.1181415429102.28176.1639690204&type=3&theater
De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

***
28dez1961...Picasso desenha a pomba da paz
já agHora:
Ode à Paz

Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança, pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego, dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História, deixa passar a Vida!

Natália Correia, «O Sol nas Noites e o Luar nos Dias»

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1677213795694296&set=a.531054650310222.1073741825.100002170750922&type=3&theater
 ***
Via Cristina Franco
CONVICÇÕES...
"Eu não tenho certezas, mas tenho convicções e uma das minhas convicções mais firmes é que nascemos para a liberdade. E, no entanto, veja o paradoxo: essa liberdade, esse caminho para a liberdade está a ser cada vez mais obscurecido por aquilo que observamos no nosso mundo de hoje."
"Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia 
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?" 

IN Elegia dos amantes lúcidos)
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10215691671143028&set=a.1810471299780.106001.1179915335&type=3&theater
*
"Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo. Todos nós somos uma missão. Somos a missão de continuar a vida, aperfeiçoando-a, festejando-a e não destruindo-a como se está a fazer hoje."
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10215691008086452&set=a.1810471299780.106001.1179915335&type=3&theater
*
"Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen."
in Sonetos Românticos
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10215691156330158&set=a.1810471299780.106001.1179915335&type=3&theater
*
"Acho que a missão da mulher é assombrar, espantar. Se a mulher não espanta... De resto, não é só a mulher, todos os seres humanos têm que deslumbrar os seus semelhantes para serem um acontecimento. Temos que ser um acontecimento uns para os outros. Então a pessoa tem que fazer o possível para deslumbrar o seu semelhante, para que a vida seja um motivo de deslumbramento."
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10215691054247606&set=a.1810471299780.106001.1179915335&type=3&theater
*
TALVEZ MAU GÉNIO....
"O meu primeiro contacto com as pessoas é de uma grande afabilidade. Quando as pessoas recusam essa afabilidade, então eu dou-lhes o que elas me pedem: irascibilidade. Volto-lhes as costas irascivelmente, mais nada. Se é isso mau génio, talvez seja."
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10215691529739493&set=a.1810471299780.106001.1179915335&type=3&theater
***
Via Gisela Mendonça
De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.
E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.
Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.
Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10201439862432043&set=a.1181415429102.28176.1639690204&type=3&theater
***
Via Susana Duarte
"Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na deusa com olhos de diamantes,
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes,
Creio nos deuses de um astral mais puro,
Na flor humilde que se encosta ao muro,
Creio na carne que enfeitiça o além,
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o amor tem asas de ouro. amém."
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=484042548307964&set=a.470688962976656.109296.470225819689637&type=1&theater
BALADA PARA UM HOMEM NA MULTIDÃO

Este homem que entre a multidão 
enternece por vezes destacar 
é sempre o mesmo aqui ou no japão 
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte. 

***
13jul2018
Via Susana Duarte

A Arte de Ser Amada

Eu sou líquida mas recolhida
no íntimo estanho de uma jarra
e em tua boca um clavicórdio
quer recordar-me que sou ária


aérea vária porém sentada
perfil que os flamingos voaram.
Pelos canteiros eu conto os gerânios
de uns tantos anos que nos separam.

Teu amor de planta submarina
procura um húmido lugar.
Sabiamente preencho a piscina
que te dê o hábito de afogar.

Do que não viste a minha idade
te inquieta como a ciência
do mundo ser muito velho
três vezes por mim rodeado
sem saber da tua existência.

Pensas-me a ilha e me sitias
de violinos por todos os lados
e em tua pele o que eu respiro
é um ar de frutos sossegados.
in "O Vinho e a Lira"

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***
Via Cristina Ascenso:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=274284119430172&set=a.165372600321325.1073741830.100005457579072&type=1&theater
CREDO 

Creio nos anjos que andam pelo mundo,
creio na deusa com olhos de diamantes,
creio em amores lunares com piano ao fundo,
creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

creio num engenho que falta mais fecundo
de harmonizar as partes dissonantes,
creio que tudo é eterno num segundo,
creio num céu futuro que houve dantes,

creio nos deuses de um astral mais puro,
na flor humilde que se encosta ao muro,
creio na carne que enfeitiça o além,

creio no incrível, nas coisas assombrosas,
na ocupação do mundo pelas rosas,
creio que o amor tem asas de ouro. Amém.

***
https://www.facebook.com/559343457434706/photos/a.559507790751606.1073741828.559343457434706/904718012897247/?type=1&theater
 in 'Inéditos'

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza, 
Pelas aves que voam no olhar de uma criança, 
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza, 
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança, 
Pela branda melodia do rumor dos regatos, 

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia, 
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos, 
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria, 
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes, 
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos, 
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes, 
Pelos aromas maduros de suaves outonos, 
Pela futura manhã dos grandes transparentes, 
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra, 
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas 
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra, 
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna, 
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz. 
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira, 
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz, 
Abre as portas da História, 
deixa passar a Vida! 

© Tommy Cavarela - Imagem
***

Queixa das almas
jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
E uma alma para ir à escola
E um letreiro que promete
Raízes, hastes e corola.
Dão-nos um mapa imaginário
Que tem a forma duma cidade
Mais um relógio e um calendário
Onde não vem a nossa idade.
Dão-nos a honra de manequim
Para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos o prémio de ser assim
Sem pecado e sem inocência.
Dão-nos um barco e um chapéu
Para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
Levado à cena num teatro.
Penteiam-nos os crânios ermos
Com as cabeleiras dos avós
Para jamais nos parecermos
Connosco quando estamos sós.
Dão-nos um bolo que é a história
Da nossa história sem enredo
E não nos soa na memória
Outra palavra para o medo.
Temos fantasmas tão educados
Que adormecemos no seu ombro
Sonos vazios, despovoados
De personagens do assombro.
Dão-nos a capa do evangelho
E um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
Para pentearmos um macaco.
Dão-nos um cravo preso à cabeça
E uma cabeça presa à cintura
Para que o corpo não pareça
A forma da alma que o procura.
Dão-nos um esquife feito de ferro
Com embutidos de diamante
Para organizar já o enterro
Do nosso corpo mais adiante.
Dão-nos um nome e um jornal,
Um avião e um violino.
Mas não nos dão o animal
Que espeta os cornos no destino.
Dão-nos marujos de papelão
Com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
Não é a vida. Nem é a morte.
JOSÉ MÁRIO BRANCO 
CANTA ESTE POEMA:
https://www.youtube.com/watch?v=Do4eVLRW6qI
***
https://www.facebook.com/112890882080018/photos/a.114014221967684.7650.112890882080018/771330489569384/?type=3&theater
 in RIO DE NÚVENS (1947), in POESIA COMPLETA - O SOL NAS NOITES E O LUAR NOS DIAS (Dom Quixote, 2007)

A manhã estava em mim
E eu andava pelo parque
À procura da manhã.
Só um menino correndo
Atrás da bolsa, corria
Atrás da sua manhã.

A manhã estava em mim;
Ai de mim que a não sentia
Andando pela manhã.
Havia sol. E eu tão fria!...
Só um cego que pedia
Sentiu no rosto a manhã...

A manhã estava em mim;
Ai, mas eu já desistia
De me encontrar na manhã.
Veio a tarde, foi-se o dia,
Anoiteceu e eu dormia
Sem ter sentido a manhã.

Ai que mim que nãosabia
Que estava em mim a manhã!


Óleo sobre tela: By the Window, de John Silver
*
(CC)
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/566542223466569/?type=1&theater
O poema não é o canto
que do grilo para a rosa cresce.
O poema é o grilo
é a rosa
e é aquilo que cresce.

É o pensamento que exclui
uma determinação
na fonte donde ele flui
e naquilo que descreve.
O poema é o que no homem
para lá do homem se atreve.

Fotografia de Barbara Florczyk

***

Natália Correia (1923 - 1993), mulher de paixões, casou quatro vezes ao longo dos seus 70 anos. Fez televisão, foi jornalista, dramaturga, poetisa e estreou-se na ficção com o romance infantil «Aventuras de um Pequeno Herói», em 1945.

Nasceu nos Açores em 1923 e aos 11 anos desloca-se para Lisboa. Foi jornalista no Rádio Clube Português e colaborou no jornal Sol. Ativista política: apoiou a candidatura de Humberto Delgado; assumiu publicamente divergências com o Estado Novo e foi condenada a prisão com pena suspensa em 1966, pela «Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica».
Deputada após o 25 de Abril, fez programas de televisão destacando-se o “Mátria” que apresentava o lado matriarcal da sociedade portuguesa.
Fundou o bar “Botequim”, onde cantou durante muitos anos, transformando-o no ponto de reunião da elite intelectual e política nas décadas de 1970 e 80. 
Organizou várias antologias de poesia portuguesa como “Cantares dos Trovadores Galego-Portugueses” ou “Antologia da Poesia do Período Barroco”.
Natália Correia foi uma versejadora de êxito, uma mulher carismática com uma vida social intensa, não fez concessões à mediania e notabilizou-se por uma vasta obra intelectual.
 http://ensina.rtp.pt/artigo/natalia-correia/?fbclid=IwAR2NFlhf9oINT2wmwzQXe6A0WbFyu0xYZYDWE5wFVuRO38WCsEFW8IFI4Vc
***
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=633637793389772&set=a.470347533052133.1073741826.100002306717295&type=1&theater
A partir de hoje, se alguém me quiser encontrar, procure-me entre o riso e a paixão. 
***
https://www.facebook.com/349094905211303/photos/a.349115855209208.1073741828.349094905211303/564653666988758/?type=1&theater
Aumentámos a vida com palavras 
água a correr num fundo tão vazio. 
As vidas são histórias aumentadas. 
Há que ser rio. 

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

 em "Poemas"
***

https://www.facebook.com/FabricaEscrita/photos/a.462529847093435.111436.462489187097501/889539224392493/?type=1&theater
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza, 
Pelas aves que voam no olhar de uma criança, 
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza, 
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança, 
Pela branda melodia do rumor dos regatos, 

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia, 
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos, 
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria, 
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes, 
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos, 
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes, 
Pelos aromas maduros de suaves outonos, 
Pela futura manhã dos grandes transparentes, 
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra, 
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas 
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra, 
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna, 
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz. 
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira, 
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz, 
Abre as portas da História, 
deixa passar a Vida! 

in "Inéditos (1985/1990)"

***

"O declínio de uma civilização reflete-se na maneira como trata o antigo, pessoas e edifícios...As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis...miséria, fome , corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, o Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e comida. A esperança média de vida cairá. Espoliada a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres." 1993
***
As premonições de Natália Correia:

"A nossa entrada (na CEE) vai provocar gravíssimos retrocessos no país, a Europa não é solidária com ninguém, explorar-nos-á miseravelmente como grande agiota que nunca deixou de ser. A sua vocação é ser colonialista".

"A sua influência (dos retornados) na sociedade portuguesa não vai sentir-se apenas agora, embora seja imensa. Vai dar-se sobretudo quando os seus filhos, hoje crianças, crescerem e tomarem o poder. Essa será uma geração bem preparada e determinada, sobretudo muito realista devido ao trauma da descolonização, que não compreendeu nem aceitou, nem esqueceu. Os genes de África estão nela para sempre, dando-lhe visões do país diferentes das nossas. Mais largas mas menos profundas. Isso levará os que desempenharem cargos de responsabilidade a cair na tentação de querer modificar-nos, por pulsões inconscientes de, sei lá, talvez vingança!"

"Portugal vai entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa, todo o Ocidente".

"Mais de oitenta por cento do que fazemos não serve para nada. E ainda querem que trabalhemos mais. Para quê? Além disso, a produtividade hoje não depende já do esforço humano, mas da sofisticação tecnológica".

"Os neoliberais vão tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".

"Há a cultura, a fé, o amor, a solidariedade. Que será, porém, de Portugal quando deixar de ter dirigentes que acreditem nestes valores?"

"As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras derrocadas a vir"."


Natália Correia

Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993

(Todas as citações foram retiradas do livro "O Botequim da Liberdade", de Fernando Dacosta).
***
Via Maria Elisa R
Ode à Paz 

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza, 
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
 in "Inéditos (1985/1990)"
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Hotel Britânia
 

Está nas listas de hotéis Art Déco mais bonitos do mundo, faz 75 anos e a sua história cruza-se com artistas, poetas e o fim de um império. O Britânia permanece no número 17 da Rua Rodrigues Sampaio.
Onde se ia às sextas e sábados à noite na Lisboa de 1944, com a Europa em guerra, espiões e pides pela cidade, um puritanismo apertado a vigiar as escolhas alheias? Quem tinha dinheiro, ia ao n.º 17 da rua Rodrigues Sampaio, edifício modernista assinado por Cassiano Branco, arquiteto do regime, e um dos três hotéis mais luxuosos de Lisboa, a rivalizar com o Avis, onde vivia Calouste Gulbenkian, e o Avenida Palace. Chamava-se Hotel do Império, uma jóia Art Déco, onde os quartos tinham telefone, rádio, máquina de escrever e casa de banho privada.
Metros de cetim harmonizavam-se com as linhas geométricas do mobiliário de design português, a elegância dançante dos candeeiros de pé alto, e tudo parecia pronto para receber uma loira flamejante como Marilyn Monroe. Num último andar que todos os jornais anunciaram ser uma “danceteria”, funcionava na verdade um casino clandestino e uma sala de cinema privada onde “supostamente” se poderiam ver reportagens da guerra. Abriu na noite de 13 de Outubro de 1944, nunca teve Marilyn mas teve a atriz espanhola Carmen Sevilha e várias divas portuguesas: Sophia de Mello Breyner, Vera Lagoa (Maria Armanda Falcão) ou Natália Correia. O hotel faz agora 75 anos e a história do século XX português passou e ainda passa por aqui.
 
A fachada do Império nos anos 40 (foto: arquivo da Fundação Gulbenkian)
Onde se vai hoje ao fim de tarde na Lisboa cosmopolita e gentrificada, cheias de hotéis e hostels, Airbnbs, turistas, restaurantes feios a tomarem conta das ruas? Os americanos, britânicos e brasileiros já descobriram o discreto Britânia, com a sua geométrica e pesada porta de ferro, as janelas circulares, o seu chá das cinco com bolinhos, a sua penumbra acolhedora. Voltam as costas ao sol e ao bulício das lojas e regressam ao hotel, que hoje, em pleno século XXI, conseguiu manter-se um dos segredos mais bem guardados da capital: tem o mesmo mobiliário desses anos 40, quando a decoração foi pensada para homenagear o império ultramarino português, uma esfera armilar desenhada saída das mãos do mestre António Maria Ribeiro (que desapareceu e foi substituída por outra da autoria de Charters de Almeida), pinturas evocativas das ex-colónias, chão de mármores e de ladrilhos de cortiça feitos na antiga fábrica Mundet, uma penumbra acolhedora, quase doméstica onde se pode ver uma tela de Almada Negreiros, fotografias e objetos antigos.
Ignorado pelos portugueses, o hotel que se chamou Império e hoje se chama Britânia foi, em 2018, distinguido pelo jornal inglês Daily Telegraph, um dos 17 hotéis Art Déco mais bonitos do mundo. Não tem spa, nem piscina, nem quartos com vista. Tudo aqui acontece nos espaços interiores.

Hotel do Império e a imperatriz Natália Correia

 Quando Cassiano Branco tomou o projeto estava entusiasmado com uma novidade americana, os aparthotéis, e quis fazer do Império o primeiro aparthotel nacional. Mas consta que o regime terá torcido o nariz e o SNI terá mesmo considerado a coisa “um atentado aos bons costumes”. Como conceber um apartamento com sala e quarto e casa de banho mas sem cozinha? Estava-se mesmo a ver que a coisa ia descambar.

Estas dúvidas, conta Ana Alves de Sousa, dona do hotel e responsável pelo levantamento da sua história, encontram-se em cartas trocadas entre a família proprietária do edifício e o arquiteto. Cassiano Branco previa 30 pequenos apartamentos e duas lojas no rés-do-chão para darem apoio ao hotel. Quando viu que o seu projeto tinha sido alterado bateu com a porta e nem sequer assinou a conceção do edifício cuja finalização ficou a cargo do engenheiro Costa Macedo. Os apartamentos ficaram na gaveta e o Império ganhou 30 quartos luxuosamente espaçosos, com uma antessala e casa de banho privada (coisa rara para a época), um restaurante seleto e distinto com chefs que rivalizavam com os melhores do seu tempo. Os bons costumes respiraram de alívio, ainda que apenas temporariamente.
Em 1953, o proprietário do hotel, Alfredo Luís Machado, casa com a poeta e diva Natália Correia. Foi o seu terceiro marido e as almas românticas afiançam que “o seu grande amor”. Sobre os amores de Natália, Luís Alves de Sousa, à frente do hotel desde 1976, recorda apenas o que lhe contaram os antigos empregados, que “o senhor Machado vivia mais para Natália do que para o hotel”, que tudo passou a orbitar em torno da escritora especialmente a partir do momento em que o casal se muda também para a Rodrigues Sampaio e passa a viver praticamente à frente do Império. O apartamento viria a tornar-se um local de culto para os intelectuais que se opunham ao regime. Ali havia festas, tertúlias, teatro, conspirações, visitas de célebres escritores estrangeiros que, a pouco e pouco, se foram estendendo para o hotel, que partilhava desta boémia intelectual por onde passaram Henry Miller, Marguerite Yourcenar, Graham Greene, os surrealistas Eugene Ionesco, Henri Michaux, os jovens Alexandre O’Neill e Cesariny, os editores Luiz Pacheco e Ribeiro de Mello e tantos outros ilustres desconhecidos, párias, loucos, homossexuais, estudantes com fome. Mas também ali e no hotel aconteceram, em 1958, reuniões preparatórias da candidatura à Presidência da República do general Humberto Delgado.
Enfim, os estritos bons costumes exigidos ao hotel aquando da sua construção definitivamente não se aplicavam ao apartamento do n.º 52 da mesma rua. Mas, em qualquer dos casos, ter uma cozinha revelou-se uma coisa muito importante.
As célebres ceias, que ficaram no imaginário poético dos portugueses, como se viessem do próprio corpo de Natália qual Demeter abundante, alimentando homens e animais, não vinham afinal dos campos de Zeus mas da cozinha do hotel do Império. Na conversa que tiveram com o Observador, Luís e Ana Alves de Sousa recordam histórias contadas pelo escritores Fernando Dacosta e Dórdio Guimarães (último marido da poeta), que incluem travessas com lagostas e bifes a atravessarem a rua nas mãos dos empregados do hotel que não davam conta do frenesim entre o Império e as tertúlias conspirativas. Fernando Dacosta contava que “Luiz Pacheco chegava muitas vezes com uma pasta e à saída abria-a, metendo lá dentro uma lagosta”.
No final dos anos 60, Natália Correia chegou inclusive a instalar-se no quarto n.º 13 do Hotel do Império para escrever a peça de teatro “O Encoberto”, que viria a ser proibida pela Censura e estreada apenas em 1977.
Em 1969, o poeta brasileiro Vinicius de Moraes veio atuar no recém-inaugurado Teatro Villaret e instalou-se no hotel. Conhece e grava com Amália Rodrigues, faz amizade poética com O’Neill, sente o terramoto que abalou Portugal na noite de 28 de Fevereiro desse ano, sobre a qual escreverá o poema “Lisboa Tem Terramoto”. Na primavera marcelista, a bossa-nova de Vinicius trouxe a Lisboa também Chico Buarque, Nara Leão e muitas garotas sonharam que Ipanema era já ali. Mas não era.
Nesses últimos dias dos anos 60, já o hotel do Império estava com grandes dificuldades financeiras. O elevado padrão da unidade exigia muitos empregados, muitos gastos. O Ritz, inaugurado em 1959, tinha-se tornado o hotel de luxo da moda e o Império “não se conseguiu atualizar”, afirma Luís Aves de Sousa, que diz também não ter dúvidas de que “foi Natália Correia quem mais contribuiu para a falência do espaço”: “O volume de gastos e a dependência que ela tinha do hotel devem ter começado a pesar. Além disso, o Alfredo Machado deixava tudo para estar com ela e acabava por não dar ao hotel a atenção devida”.
O Império foi então entregue a uma empresa espanhola chamada Otusa e depois dado à exploração do empresário Joaquim Paredes Alves, que geria o hotel Eduardo VII e era um homem apaixonado pela cultura inglesa. Em 1971, Natália Correia e o marido fundam na Graça o bar O Botequim e no final de 1973 o Império fechou para obras.

O fim do Império e a revolução alcatifada

Nessa madrugada do 25 de Abril, o hotel na Rodrigues Sampaio continuava fechado para obras e entregue à empresa Tapinorte. Ainda sem se saber que terminariam, dali a pouco, 500 anos de império português, já se cobriam as pinturas alusivas às colónias, já se cobriam as paredes com contraplacado pintado a negro, se rebaixava o teto, se tapava a clarabóia do bar e se forravam os mármores do chão de alcatifa amarela.
“O novo gestor era um homem inglesado e queria criar aqui uma ambiência de pub inglês e mudou o nome para hotel Britânia”, conta Alves de Sousa. Mas lá fora a revolução continuava; Joaquim Paredes Alves fugiu para o Brasil deixando o hotel entregue aos trabalhadores que, para não perderem todo o dinheiro, decidiram ocupar o hotel. Nesses dias, há jornais e gráficas que se instalam na zona onde já estava, há muito, o Diário de Notícias, o Jornal, o País, a redação de Lisboa do Jornal de Notícias. Entretanto, a família Infante da Câmara, proprietária do edifício de Cassiano Branco, recusa-se a negociar com os trabalhadores que mantêm a ocupação do hotel.
https://observador.pt/especiais/a-historia-as-figuras-e-os-75-anos-do-britania-o-hotel-que-foi-o-imperio-de-natalia-correia/?fbclid=IwAR2k4j-4c1TVklfVih2gFA6I3lRlU72njWxiUCRwsbEvP_wzm8T2NcWEjVw
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RESPIGUEI DA TERRA D'ENCANTO
da Susana Duarte
O Livro dos Amantes

I

Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.

Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.

E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.

II

Harmonioso vulto que em mim se dilui.
Tu és o poema
e és a origem donde ele flui.
Intuito de ter. Intuito de amor
não compreendido.
Fica assim amor. Fica assim intuito.
Prometido.

III

Príncipe secreto da aventura
em meus olhos um dia começada e finita.
Onda de amargura numa água tranquila.
Flor insegura enlaçada no vento que a suporta.
Pássaro esquivo em meus ombros de aragem
reacendendo em cadência e em passagem
a lua que trazia e que apagou.

IV

Dá-me a tua mão por cima das horas.
Quero-te conciso.
Adão depois do paraíso
errando mais nítido à distância
onde te exalto porque te demoras.

V

Toma o meu corpo transparente
no que ultrapassa tua exigência taciturna
Dou-me arrepiando em tua face
uma aragem nocturna.

Vem contemplar nos meus olhos de vidente
a morte que procuras
nos braços que te possuem para além de ter-te.

Toma-me nesta pureza com ângulos de tragédia.
Fica naquele gosto a sangue
que tem por vezes a boca da inocência.

VI

Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio.
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.

VII

Tu pedes-me a noção de ser concreta
num sorriso num gesto no que abstrai
a minha exactidão em estar repleta
do que mais fica quando de mim vai.

Tu pedes-me uma parcela de certeza
um desmentido do meu ser virtual
livre no resultado de pureza
da soma do meu bem e do meu mal.

Deixa-me assim ficar. E tu comigo
sem tempo na viagem de entender
o que persigo quando te persigo.

Deixa-me assim ficar no que consente
a minha alma no gosto de reter-te
essencial. Onde quer que te invente.

VIII

Eis-me sem explicações
crucificada em amor:
a boca o fruto e o sabor.

IX

Pusemos tanto azul nessa distância
ancorada em incerta claridade
e ficamos nas paredes do vento
a escorrer para tudo o que ele invade.

Pusemos tantas flores nas horas breves
que secam folhas nas árvores dos dedos.
E ficámos cingidos nas estátuas
a morder-nos na carne dum segredo.

Natália Correia, in "Poemas (1955)"

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VIA JERO 16.3.2015
  • Pensamento do dia: “Só os medíocres sabem o que fazer com a vitória”. Natália Correia (1923-93), escritora, poeta e ex-deputada portuguesa. *Com Lusa
    Lusa/Fim.
  • José Eduardo Oliveira A colheita de 1923 foi muito boa e Natália Correia foi uma das portuguesas que exemplificam essa qualidade.
    Foi em 13 de setembro de 1923 que, na Fajã de Baixo (Açores), nasceu Natália Correia, uma mulher das palavras e das ideias, a quem um dia Ary do
    s Santos chamou hierática, cromática e socrática.
    Foi no mundo da política que mais ouvimos falar dela e melhor percebemos as matrizes de convicção e erupção que a caracterizavam.
    Dotada de um processador inigualável da linguagem agreste, Natália Correia tentava também adocicar o discurso e a coloquialidade.
    Tentávamos perceber-lhe as raízes de tanta irreverência, mas bebíamos-lhe a arte da poesia que lhe saía avulso.
    É verdade que cada um de nós é único, mas muitos evaporam-se na bruma dos dias que passam e de Natália Correia ninguém se esquece.
    «Não sou daqui. Mamei em peitos oceânicos / minha mãe era ninfa meu pai chuva de lava /mestiça de ondas e de enxofres vulcânicos / sou de mim mesma pomba húmida e brava.»…(in "Marefado").