e morreu a21ouTU1904
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Filme
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É sob o efeito da escrita encantatória de Isabelle Eberhardt (1877-1904) que escrevo estas linhas, embora esteja ciente da dificuldade de transmitir a emoção que as suas “Histórias da Areia” (editadas por Sistema Solar) me provocaram. Isabelle é uma suíça de língua francesa, descendente de russos que se fixaram na região de Genebra. Ela e sua mãe, sedentas de uma liberdade que não encontravam na Europa, partem para Argel, onde fixam residência. Aníbal Fernandes (AF), em prefácio à obra, fornece-nos alguns elementos necessários ao enquadramento da vida e da obra de Isabelle na antiga colónia francesa da Argélia. Vida aventurosa, em que ela se veste com as roupagens de um beduíno, o que lhe permite uma liberdade de movimentos só acessível aos homens. Adquire um nome árabe, domina a língua árabe, converte-se ao islamismo. Gradualmente vai se transformando num ser livre. Livre em todos os aspectos, no amor inclusivamente: quando um homem a atrai, entrega-se total, ardentemente. Apaixonada pelo deserto, percorre-o permanentemente. E, desta peregrinação, nascem muitos dos seus contos, eivados de luz, de cor, de fogo – de poesia. Escrita no feminino, que, na perspectiva europeia, se poderá enquadrar no que ficou conhecido pela designação genérica de movimento modernista (que, em Portugal, teve, em minha opinião, a sua expressão mais alta em Mário de Sá-Carneiro). Do prefácio de Aníbal Fernandes, cito alguns textos de Isabelle, que nos poderão fornecer pistas sobre a sua vida e obra. Assim, ao referir-se à sua vida de vagabundagem, diz: “Uma vez mais a vida beduína fácil, livre, embaladora, tomou conta de mim para me inebriar e amolecer.” E, ao falar da sua posição perante a sociedade, esclarece-nos: “Não sou política nem agente de nenhum partido, pois acho que todos de igual forma se enganam. Sou apenas uma extravagante, uma sonhadora com o desejo de viver longe do mundo, de viver uma vida livre e nómada para contar o que vê e à frente do triste esplendor do Sara conhecer, talvez, o melancólico e enfeitiçado estremecimento.” Aníbal Fernandes acrescenta mais adiante: “Naquela vida agitada existia um escritor incansável, espalhado por diários, por impressões de viagem, pensamentos e histórias. ‘Escrevo porque gosto de progredir na caminhada da criação literária’, deixou registado num dos seus papéis: ‘escrevo como amo, porque talvez seja este o meu destino. É o meu único e verdadeiro consolo’.” E continua Aníbal Fernandes: “(...) morte que nunca a assustou, a benfazeja, a que inspira aos muçulmanos esta saudação: «Faça-te Deus morrer jovem.» Ela própria reconhece-o nesta frase: ‘A morte sempre me surgiu com a forma atraente da sua imensa melancolia.’” Em 1904, com a idade de vinte e sete anos, morre Isabelle Eberhardt, esmagada pelos escombros da sua casa de argila, que se desmoronou durante uma tempestade. Deve-se ao General Lyautey, governador francês da colónia, a salvaguarda dos seus manuscritos, tal era a sua admiração por esta sua opositora, bela, pura, independente. Manuscritos e histórias que publicou em jornais argelinos, constituem o seu espólio, que só muito mais tarde foi valorizado e publicado. A título de exemplo, transcrevo a parte final do conto “O Paraíso das Águas”: “O dia de fogo apagava-se na irradiação da imensa planície e das colinas. Para lá dos sebkha de sal as tamarineiras acenderam-se como grandes velas negras. De novo o mueddine clamava o seu apelo melancólico. O Vagabundo estava agora completamente acordado. Os olhos com pálpebras magoadas e pesadas abriam-se com avidez ao esplendor da noite. De repente uma tristeza infinita desceu-lhe ao coração. Foi invadido por saudades infantis. Estava sozinho, sozinho neste canto da terra marroquina, e sozinho em todo o lado onde tinha vivido, em todo o lado para onde alguma vez fosse. Não tinha pátria, não tinha lar, não tinha família nem sequer amigos. Passara como um estranho e um intruso, despertando apenas a reprovação e o afastamento. Naquela hora sofria longe de todo o auxílio, entre os homens que assistem impassíveis à ruína de tudo que os rodeia e cruzam os braços perante a morte, a doença, dizendo: Mektub. Em nenhum ponto da terra havia um ser humano a pensar nele, a sofrer com o seu sofrimento. O coração do Vagabundo apertou-se terrivelmente, e dos olhos correram-lhe lágrimas. Mas mais lúcido, acalmado, sentiu desprezo pela sua fraqueza e sorriu. Se estava só, não era por tê-lo desejado nas horas conscientes em que o seu pensamento se elevava acima dos sentimentalismos do coração e da carne, de igual modo enfermos? Estar só era estar livre, e a liberdade era a única felicidade acessível à natureza do Vagabundo. Disse então a si próprio que a sua solidão era um bem; e à sua alma desceu uma grande paz melancólica e suave. Um sopro quente levantou-se na direcção do Oeste, um sopro de febre e angústia. A já cansada cabeça do Vagabundo voltou a cair no travesseiro. O seu corpo aniquilava-se num torpor quase voluptuoso. Os seus membros ficavam leves, moles, como se tivesse a pouco e pouco deixado de existir. A noite de Verão escura e estrelada desceu no deserto. O espírito do Vagabundo abandonou o corpo e levantou voo para sempre, rumo aos jardins encantados e às grandes e azulíneas lagoas do Paraíso das Águas. Nota: Este conto é a adaptação de dois textos que Isabelle Eberhardt escreveu sobre a sua própria experiência da febre, aqui transferidos para a personagem do Vagabundo. Na sua primeira versão, a voz do narrador é a do próprio autor. (A.F.)” Com este texto, não pretendo esgotar a beleza, a subtileza, a sensualidade da escrita de Isabelle Eberhardt, mas apenas chamar a atenção para algo que é essencial na sua vida conturbada: a escrita “talvez seja o meu destino. E o meu único verdadeiro consolo.”
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O deserto da Tunísia por Isabelle Eberhardt:
Isabelle Eberhardt percorreu o deserto da Tunísia, onde as nuvens ficam rosadas a anunciar chuva. Como se se esperasse a queda de pétalas de rosa, em vez da água que raramente abençoa os oásis, mesmo durante o inverno.
O movimento é intenso nos dias de mercado, as ruas ficam cheias de gente que se desloca a Douz, no sul da Tunísia, para comprar ou vender. “Rostos enérgicos e viris, faces bronzeadas, soberbamente emolduradas pela brancura de neve dos véus que descem dos turbantes, mulheres vestidas à antiga”, jovens de blusão e jeans, motoretas e carros, misturados com carroças puxadas por burricos recalcitrantes. E em volta o oásis e os seus jardins, “verdadeiros abismos, entre as dunas ondeantes, belos de uma beleza única, de um esplendor como eu não vira ainda”.
Apesar do turismo não ser já coisa recente e a população estar habituada a que os estrangeiros se confundam com as multidões que cruzam as ruas, é uma agradável surpresa verificar o amor da gente do deserto ao seu modo de vida, que permanece profundamente ligado à terra árida onde vivem, e ao pouco que dela podem tirar. A água quente que sai da terra fumega nos poços e arrefece pelos canais que irrigam os campos. Da areia sai o pasto para as cabras e ovelhas, para os burros e cavalos, para as centenas de dromedários da aldeia. “Não será a terra a fazer os homens?”, pergunta-se Isabelle, confrontada com esta simplicidade obstinada, como um reflexo das dunas lisas na alma das gentes. As adaptações à vida moderna têm vindo a fazer-se à medida das necessidades: os telemóveis dão sempre jeito, se o jipe tiver uma avaria; os mais modernos leitores de cassetes e CDs passam melopeias tradicionais, ondulantes e ritmadas, que todos cantam. Mas poucos passam sem as cachabias ou os albornozes de lã, tão confortáveis e quentes nos meses de Inverno. E os sapatos do Sara, com o seu bordado coquete na frente, ainda não saíram definitivamente dos pés dos locais para os dos turistas.
Claro que a vida se confina cada vez mais às cidades, e já são poucos os nómadas que não trocam, pelo menos sazonalmente, as suas tendas escuras por um casinhoto na aldeia mais próxima. As meharas de dromedários agora são feitas para os turistas, que os alugam para passear, em fila, pelo mar imenso de dunas brancas em que termina a Tunísia. Acabaram-se os tempos das grandes migrações e transportes de bens comerciáveis, até porque as fronteiras da Líbia e da Argélia, ali tão próximas, já não são tão permeáveis.
Isabelle, montada no seu cavalo Suf, ainda gozou do tempo em que se circulava de Marrocos à Tunísia pelo deserto, então dominado pela presença francesa. Vestida de beduíno, fazia-se passar por um jovem árabe em viagem, penetrando assim num mundo que estava vedado aos estrangeiros, e muito mais às mulheres. “Se me vestisse com a correcção de uma jovem europeia, nunca teria visto nada e o mundo teria ficado fechado para mim, pois a vida exterior parece ter sido feita para o homem e não para a mulher. E no entanto gosto de mergulhar no banho da vida popular, de sentir as ondas da multidão passarem sobre mim, de me impregnar dos fluidos do povo. Só assim possuo uma cidade e dela sei o que o turista nunca compreenderá, apesar de todas as explicações dos seus guias.”
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Isabelle Eberhardt nasceu em Genebra em 1877, e aos vinte anos foi viver com a mãe para o norte de África, na costa argelina e em Tunes, capital da Tunísia. Aprende, com o companheiro da mãe, vários idiomas, incluindo o árabe, que se tornará a sua segunda língua. A paixão pelo norte de África leva-a a percorrer território marroquino, argelino e tunisino vestida de cavaleiro árabe, acompanhando nómadas beduínos, escrevendo ao mesmo tempo o seu diário de viagens, assim como contos e novelas, muitas vezes oculta sob nomes árabes masculinos. O seu amor pelo deserto e o seu conhecimento do terreno e dos seus habitantes levam-na a viver de forma quase nómada durante os sete anos em que foi ficando pelo Magrebe. Em 1901, depois de ter sido expulsa pelas autoridades coloniais francesas, casa em Marselha com Slimène, um soldado argelino do exército francês, e adquire também a nacionalidade francesa. De regresso à Argélia, morre em 1904 em Ain Sefra, vítima de uma inundação que destrói a casa onde está. Tinha vinte e sete anos, sofria de sífilis, malária, e da incompreensão de uma sociedade colonialista que nunca aceitou que uma mulher europeia pudesse vestir-se e portar-se como um árabe, aderir a seitas islâmicas e tornar-se beduína de todo o coração.
Convertida ao islão em 1897, rezava, viajava e convivia em redor dos animados chás que sucedem às sestas, durante o pesado estio. Sem nenhum objectivo inicial preconcebido, sem quase saber porquê, esta atracção inexplicável pelos povos do deserto acabou por transformar Isabelle, jovem europeia no início de século vinte, numa verdadeira nómada, com a plena consciência dessa transformação. “Muitas vezes, nos caminhos da minha vida errante, me perguntei para onde estava ir e acabei por compreender, entre a gente do povo e os nómadas, que estava a subir até às nascentes da vida, a realizar uma viagem às profundezas da humanidade. Ao contrário de muitos psicólogos subtis, não descobri nenhum sentimento novo, mas recapitulei sensações intensas”(…)
Como todas as paisagens extremas, o deserto pode ser amado ou detestado por quem o conhece mais profundamente. No sul tunisino, uma experiência de longos dias através das dunas, por um silêncio que só é cortado pelo som macio das patas dos dromedários ou pelo vento que faz cantar a areia, pode ser o começo de uma paixão mais profunda, que nos faz ficar para sempre presos e saudosos dos infinitos horizontes dunares, difíceis de esquecer. E talvez nos faça sentir como Isabelle Eberhardt, no momento da partida: “E porque estou de regresso, porque talvez um grande exílio, longe do deserto amado, vá começar para mim, acho hoje a região banal, quase feia, eriçada de mil pontas a que nenhum raio de luz se prende.”
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Via JERO.Lusa

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"Não há acto mais corajoso nem mais belo do que o da partida". Isabelle Eberhardt(1877-1904), escritora, exploradora, viajante suíça de origem russa.
(...) Foi educada na Suíça por seu pai, que era um tutor, e publicou contos sob um pseudónimo masculino como um adolescente. Ela tomou um interesse no Norte de África e escreveu sobre a área com "insight notável e conhecimento" apesar de ter apenas ouvido falar sobre isso por correspondência. A convite Eberhardt mudou-se para a Argélia maio 1897, onde ela se vestia como um homem e se converteu ao Islã. Comportamento pouco ortodoxo de Eberhardt fez dela uma pária social a partir de ambos os colonos europeus na Argélia e da administração francesa.
Durante o seu tempo no Norte da África, ela adotou o nome Si Mahmoud Saadi, foi aceito no Qadiriyya e sobreviveu a uma tentativa de assassinato, o tempo todo trabalhando em vários escritos e manuscritos. Em 1901, ela foi condenada a deixar Argélia pela administração francesa que foi autorizado a regressar no ano seguinte, depois que ela se casou com seu parter de longa data Slimane Ehnni, um soldado argelino. Depois de voltar à Argélia ela encontrou emprego em um jornal e também trabalhou para o general Hubert Lyautey. Ela morreu em uma enchente em Aïn Sefra com a idade de 27. A maioria de seus escritos, que encontraram a aclamação da crítica, não foram publicados até depois de sua morte. Anti-colonialismo foi um tema regular de seus escritos.