15/06/2016

4.336.(15jun2016.11.55') Reinaldo Ferreira

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Nasceu  a 20mar1922
e morreu em 30jun1959
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Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira foi um poeta português que realizou toda a sua obra em Moçambique. Wikipédia
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Reinaldo Ferreira
http://www.escritas.org/pt/l/reinaldo-ferreira
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Passemos, tu e eu, devagarinho,
Sem ruído, sem quase movimento,
Tão mansos que a poeira do caminho
A pisemos sem dor e sem tormento.

Que os nossos corações, num torvelinho
De folhas arrastadas pelo vento,
Saibam beber o precioso vinho,
A rara embriaguez deste momento.

E se a tarde vier, deixá-la vir
E se a noite quiser, pode cobrir
Triunfalmente o céu de nuvens calmas

De costas para o Sol, então veremos
Fundir-se as duas sombras que tivemos
Numa só sombra, como as nossas almas.
*
Da margem esquerda da vida
Parte uma ponte que vai
Só até meio, perdida
Num halo vago, que atrai.

É pouco tudo o que eu vejo,
Mas basta, por ser metade,
Pra que eu me afogue em desejo
Aquém do mar da vontade.

Da outra margem, direita,
A ponte parte também.
Quem sabe se alguém ma espreita?
Não a atravessa ninguém.
*
O Futuro
Aos Domingos, iremos ao jardim.
Entediados, em grupos familiares,
Aos pares,
Dando-nos ares
De pessoas invulgares,
Aos Domingos iremos ao jardim.
Diremos nos encontros casuais
Com outros clãs iguais,
Banalidades rituais
Fundamentais.
Autómatos afins,
Misto de serafins
Sociais
E de standardizados mandarins,
Teremos preconceitos e pruridos,
Produtos recebidos na herança
De certos caracteres adquiridos.
Falaremos do tempo,
Do que foi, do que já houve...
E sendo já então
Por tradição
E formação
Antiburgueses
- Solidamente antiburgueses-,
Inquietos falaremos
Da tormenta que passa
E seus desvarios.

Seremos aos domingos, no jardim,
Reaccionários
*
Receita para fazer um herói
Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.

Serve-se morto.
*
Eu Rosie, eu se falasse, eu dir-te-ia
Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.

Nota: Fausto e A.P.Braga têm
uma
canção com este poema
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Fausto:
https://www.youtube.com/watch?v=klyN7plOOJM&list=RDklyN7plOOJM#t=0
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A.P. Braga e Benjamim
https://www.youtube.com/watch?v=A01EW3rw6TI
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No DM do Vento
Via Graça Silva:
in 'Um Voo Cego a Nada'
O Essencial é Ter o Vento O essencial é ter o vento. Compra-o; compra-o depressa, A qualquer preço. Dá por ele um princípio, uma ideia, Uma dúzia ou mesmo dúzia e meia Dos teus melhores amigos, mas compra-o. Outros, menos sagazes E mais convencionais, Te dirão que o preciso, o urgente, É ser o jogador mais influente Dum trust de petróleo ou de carvão. Eu não: O essencial é ter o vento. E agora que o Outono se insinua No cadáver das folhas Que atapeta a rua E o grande vento afina a voz Para requiem do Verão, A baixa é certa. Compra-o; mas compra-o todo, De modo Que não fique sopro ou brisa Nas mãos de um concorrente Incompetente.