05/07/2016

2.530.(5jul2016.13.31') George Steiner

Nasceu a 23abr1929
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Francis George Steiner (Paris) é um crítico literário,
professor na Universidade de Cambridge e Genebra.
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Lendo o livro PROVAS E TRÊS PARÁBOLAS:
17aGOSTO2016...10.33'01"
DESERT ISLAND DISCS
fréMITO
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auriga?
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O universo tinha o seu epitáfio naquela equação. No princípio fora o Verbo; no fim era a função algébrica.(...) escrevera finis sob a soma e a totalidade do ser. Ao traço descendente para a direita daquele n, seguia-se, não uma treva infinita, que ainda é, mas o nada, um zero insondável.
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pudibundo?
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exasperAÇÃO
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histérico de impaciência e de culpa.
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uma senhora de singular esplendor
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roçagar?
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O repicar sufocado do seu riso...enquanto ele bebia dela. Uma nota que lhe deixou cantar a alma a cantar e louca de paz.
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havia muito tempo que se deixara seduzir pelos contornos sinuosos e pelas estrias dos
adminículos ?
de certos animais imemorialmente antigos e portadores de hastes.
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perante um vento da pradaria
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ouvia, no interior da câmara de ressonância dos seus ventrículos, um grave zumbir sincopado. Uma densa pulsação, uma segunda que a ecoava, seguida de um vibrato. Tremolo e reprise que brotavam do sombrio lado esquerdo do seu coração. Ainda que alarmante, esta sequência não deixava de ter o seu encanto mágico (...) hesitasse por vezes em recorrer às pílulas do calmante.
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nunca estivera em Samatra nem lá perto. Mas ouvira a cintilação harmónica, os arpejos marinhos das campainhas de concha através da parede da tenda (...) ouvira aquela escala de cristal - como se o vento fizesse a neve cantar.
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fímbria?
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os pizzicati de um contrabaixo produzirem efeitos desastrados em contraponto com o registo nasalado da trompa. Zeppo logra arrancar da trompa, nõa o seu zumbido habitual, mas um sussurro desolado e oracular.(...) um virtuoso.
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as campainhas de Samatra tornam-se mágicas. São elas que preludiam, graças a um rubato subtil, o momento transcendente do Trio: o retorno à dominante, dezanove compassos antes do final. Momento em que a aflição da trompa, a vibração íntima do contrabaixo, como o som dos passos num caminho de Inverno, se fundem através da transição introduzida pelas flutuações rítmicas quase imperceptíveis das campainhas.
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conjecturou para consigo
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mimeografada?
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As feições atormentadas de Cristo, o gesto em certa medida retórico da Mãe de Deus - atente-se no realce conferido aos nós dos seus dedos
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O assobio é agudo e alegre, como o de um tordo nos montes na Primavera.(...) dilatação jubilatória da garganta e das faces. E embora tenha os lábios franzidos, são indubitáveis tanto o sorrios como a alegria nascente que respiram.Mas  os olhos do jovem dirigem-se para a Cruz, para a carne torturada e para as pétalas brilhantes de sangue que rodeiam os cravos. O seu olhar vacila ao assobirar, enquanto o regozijo simples e claro sobe no ar pascal.
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NOEL, NOEL
são tantos os sons nesta época do ano. Registei 27. O dos passos do pai antes de abrir a porta principal. Mias ligeiros à medida que as férias se aproximam. O dele a subir as escadas, cansado, quando a jornada foi comprida. o das suas pantufas, o rangido abafado das chinelas prenunciando o tilintar do decantador do whisky e, a seguir, o do líquido que bate no vidro. O andar da mãe....
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o falar da casa
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A própria luz solitária do sótão ressoa de uma claridade feliz.
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O tordo precoce da Primavera passada, a sua exibição, a sua renda de semigorjeios e o rubato do seu trinar.
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Durante o tempo que estivemos
amadorrados?
até ao pôr do Sol
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Um tostão pelos teus pensamentos, um tostão de coisas doces
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Um vivo som de sinos enchendo a casa toda.
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Vou atirar-me à garganta dele. E este som vai acabar.
11h11'11"
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17aGOSTO2016
2h.22.2" da tarde
EXCERTO DE UMA CONVERSA
Abraão era inteiramente livre, um homem em liberdade, pai das liberdades, quando Deus,(..)Isaac, ao lugar do holocausto.
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 Eleazar, de Cracóvia?
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Baruch, de Vilnius?
o teu mestre. Era tão subtil, que nas suas mãos as palavras tornavam-se areia.
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presciência?
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Gamaliel...Cabalista?
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Gamaliel, o herético. O feiticeiro e alquimista de Toledo...
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Talmude do Yesshivah, (...) Bialik
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Abraão morrera muitas mortes. Estava com os sentidos anestesiados. O seu cérebro era como pó negro. O coração interrompera a sua canção. Faltava-lhe o chão debaixo dos pés e ao amanhecer cerrou as pálpebras. Os seus passos eram como os de um boi já atordoado, quando o sangue já lhe corre pela garganta.. Os que olhavam para Abraão viam a morte a andar. A fé tornara-se tão poderosa nele, os músculos d aobediência estavam tão tensos, que não sobrava lugar para a vida. Moisés, santificados sejam o seu grande nome e a sua memória, experimentou dúvidas. Jeremias, a revolta. Mas Abraão, o pai dos nossos pais, tinha sido feito de fé. Tudo o mais fora purgado. Era fé até aos ossos. Até
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Moriah?
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18aGOSTO2016...11.11.11"
Jehoshah o lapidado em  Praga
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O terror fora demasiado acerado. A tentação demasiado severa pra o que um home pode suportar. Insustentável porque a dobrar. A tentação de desobedecer era assassina.
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Prometera ao nosso pai Abraão que a sua descendência seria como as estrelas, inumerável e inextinguível no próprio seio da dispersão.(...) Indestrutível como o vento vivo.
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fauces?
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nem na covas dos ursos?
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nem no progrom?
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Maimónides?
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Efraim de minz?
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cabalista Soloviel?
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gentio
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sarça?
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desfazer o embuste maldoso.
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Um som escorregadio, como fumo entre areia.
E, a seguir, uma voz ácida e verde-lima.
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e sentido o cheiro da faca. E sujou-se de medo.
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no cheiro fétido do seu medo.
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midrash?
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Porque tinha vergonha do calor que o sujava e do cheiro das calças. Uma vergonha maior do que o próprio medo que sentia de morrer.
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Contos de embalar. Nenhum homem vive tanto tempo. Isaac nunca mais confiou em Abraão. Por um instntae que fosse. Como poderia confiar?
Como poderia esuqecer a caminhada até Moriah, a lenha, a corda, a faca? A sensação da mão do seu pai nos seus olhos e na sua boca, do joelho de Abrão nas suas costas, nunca o abandonou. Foi por iso que Isaac foi enganado pelos seus próprios filhos, por Esaú e por Jacob. Nenhum pai judeu olha para o seu filho sem se lembrar de que pode vir a ser sacrificado às suas mãos. Como pode haver confiança ou perdão entre nós? Sangue epus. Não lhe sentem o cheiro, vocês, que autoproclamam professores, mestres da palavra?
A voz jovem perdeu ímpeto, como o tubo rachado de um órgão - e depressa se tornou inaudível. Na escuridão que trepidava.
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O PENSAMENTO É A DANÇA DO ESPÍRITO. O espírito dança quando procura um sentido, e o sentido desse sentido.(...)  Os passos de dança da alma são as palavras, mulher. Os senhores da dança somos nós.
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Dançam, as bocas muito abertas. Para que o enxame entre, enchendo-lhes as gargantas. E para que eles entoe, num zumbido obscuro, a lenta canção da cinza.
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16jul2016
entrevista à Visão

"Estamos a matar os sonhos dos nossos filhos"


http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2016-07-16-Estamos-a-matar-os-sonhos-dos-nossos-filhos

"quem não tiver a liberdade de errar na juventude, nunca se tornará um ser humano completo e puro"

Quando alguém se sente mal... é inevitável sentir nostalgia dos dias felizes. O senhor foge da nostalgia ou pode ser um refúgio?
Não, a impressão que se tem é de ter deixado de fazer muitas coisas importantes. E de não ter compreendido totalmente até que ponto a velhice é um problema. O que mais me perturba é o medo da demência. Então, para lutar contra isso, todos os dias faço exercícios de memória e atenção.
Quais?
Levanto-me, vou para o meu pequeno estúdio de trabalho e escolho um livro, não importa qual, aleatoriamente, e traduzo uma passagem para cada um dos meus quatro idiomas. Faço isso principalmente para manter a segurança de que conservo o meu caráter poliglota, que é para mim o mais importante, e o que define a minha trajetória e o meu trabalho. Tento fazer isso todos os dias... e parece ajudar.
Continua a ler Parménides todas as manhãs?
Parménides, claro... ou outro filósofo. Ou um poeta. A poesia ajuda-me a concentrar, porque auxilia a memória, e eu, como professor, sempre defendi a memorização. Carrego dentro de mim muita poesia; é, como dizer, as outras vidas da minha vida.
A poesia vive... ou melhor, no mundo de hoje sobrevive. Alguns consideram-na quase suspeita.
Estou enojado com a educação escolar de hoje, que é uma fábrica de incultos sem respeito pela memória. E que não faz nada para que as crianças aprendam as coisas com a memorização. O poema que vive em nós, vive connosco, muda connosco e tem a ver com uma função muito mais profunda do que a do cérebro. Representa a sensibilidade, a personalidade.
É otimista em relação ao futuro da poesia?
Extremamente otimista. Vivemos uma grande época de poesia, especialmente entre os jovens. E, muito lentamente, os meios eletrónicos estão a começar a retroceder. O livro tradicional voltou, as pessoas preferem-no ao Kindle... Preferem pegar num bom livro de poesia em papel e tocá-lo, cheirá-lo, lê-lo. Mas há algo que me preocupa: os jovens já não têm tempo... De ter tempo. Nunca a aceleração quase mecânica das rotinas vitais foi tão forte como hoje. E é preciso ter tempo para procurar tempo. E outra coisa: não há que ter medo do silêncio. O medo das crianças ao silêncio dá-me medo. Apenas o silêncio nos ensina a encontrar o essencial em nós.
O barulho e a pressa... Não acha que vivemos com muita pressa? Como se a vida fosse uma corrida de velocidade e não uma corrida de fundo... Não estamos a educar os nossos filhos com muita pressa?
Deixe-me ampliar esta questão e dizer-lhe isto: estamos a matar os sonhos dos nossos filhos. Quando eu era criança, existia a possibilidade de cometer grandes erros. O ser humano cometeu-os: o fascismo, o nazismo, o comunismo... mas quem não tiver a liberdade de errar na juventude, nunca se tornará um ser humano completo e puro. Os erros e esperanças desfeitas ajudam-nos a completar o estágio adulto. Nós erramos em tudo, no fascismo e no comunismo e, na minha opinião, também no sionismo. Mas é muito mais importante cometer erros do que tentar entender tudo desde o início e de uma só vez. É dramático saber com clareza aos 18 anos o que se tem que fazer.
O senhor fala da utopia e do seu oposto, da ditadura da certeza...
Muitos dizem que as utopias são idiotices. Mas, em qualquer caso, serão idiotices vitais. Um professor que não deixa os seus alunos pensar em utopias e errar é um péssimo professor.
O erro tem má fama nas sociedades utilitárias e competitivas.
O erro é o ponto de partida da criação. Se temos medo de errar, nunca podemos assumir os grandes desafios, os riscos. O erro voltará? É possível, existem alguns sinais. Mas ser jovem hoje em dia não é fácil. O que é que lhes estamos a deixar? Nada. Incluindo a Europa, que já não tem mais nada para lhes oferecer. O dinheiro nunca falou tão alto quanto agora. O cheiro do dinheiro sufoca-nos, e isso não tem nada a ver com o capitalismo ou com o marxismo. A isso soma-se o enorme desprezo dos políticos em relação aos que não têm dinheiro. Para eles, somos apenas uns pobres idiotas. Karl Marx viu isso com bastante antecedência. No entanto, nem Freud nem a psicanálise, com toda sua capacidade de análise dos traços patológicos, foram capazes de compreender nada disso.
Não simpatiza muito com a psicanálise... É o que dá a entender.
A psicanálise é um luxo da burguesia. Para mim, a dignidade humana consiste em ter segredos, e a ideia de pagar a alguém para ouvir os seus segredos e intimidades enoja-me. É como a confissão, mas com um cheque.
Retomemos a questão do poder do dinheiro. Tem alguma explicação válida, de um ponto de vista filosófico, para justificar porque os eleitores, num determinado momento, decidem votar em partidos políticos enfiados até o pescoço na corrupção?
Porque existe uma gigantesca abdicação da política. A política tem perdido terreno no mundo todo, as pessoas já não acreditam nela, e isso é muito perigoso. É Aristóteles quem diz: “Se você não quer entrar na política, na ágora pública, e prefere ficar em sua vida privada, então não se queixe depois de que são os bandidos que governam.”
A velha e tão atual figura da idiotice aristotélica...
Exatamente. Uma figura muito atual. Eu pergunto-me sobre o que ocorrerá com o fenómeno das estruturas políticas em si mesmas. Por todos os lados triunfam o regionalismo, o localismo, o nacionalismo... Quando se vê alguém como Donald Trump ser levado a sério na democracia mais complexa do mundo, tudo é possível.
Como observa uma eventual vitória de Trump?
Isso não vai acontecer. Hillary vai ganhar. Mas será uma vitória triste, porque essa mulher está esgotada, triturada interiormente. E Putin? A violência de alguém como ele parece acalmar as pessoas que deixaram de acreditar na política. Por isso é que o despotismo é o contrário da política.
E a relação entre política e cultura? Como vê isso? Compartilha a sensação – muito pessoal e subjetiva – de que a cultura, no sentido das “artes”, está estancada, ao contrário dos avanços científicos?
É delicado falar sobre isso. Estamos, os dois, numa pequena cidade inglesa como Cambridge, onde, desde o século XII, cada geração produziu gigantes da ciência. Hoje em dia, há 11 prémios Nobel por aqui. Daqui saíram Newton, Darwin, Hawking... Para mim, o símbolo do avanço irrefreável da ciência é Stephen Hawking. Mal consegue mover uma parte de suas sobrancelhas, mas a sua mente levou-nos à extremidade do Universo. Nenhum romancista, dramaturgo, poeta ou artista, nem mesmo Shakespeare, teria ousado inventar um personagem como Stephen Hawking. Bem, se você e eu fôssemos cientistas, o tom da nossa conversa seria outro, seria muito mais otimista, pois hoje todas as semanas a ciência descobre alguma coisa nova. Em contrapartida – e isso que lhe digo é totalmente irracional, e espero estar enganado –, o instinto diz-me que não teremos amanhã nenhum novo Shakespeare, um novo Mozart ou Beethoven, nem um Michelangelo, um Dante ou um Cervantes. Mas eu sei que teremos um novo Newton, um novo Einstein, um novo Darwin... Sem dúvida alguma. Isso assusta-me, porque uma cultura desprovida de grandes obras estéticas é uma cultura pobre. Estamos muito distantes dos gigantes do passado. Espero estar enganado e que o próximo Proust ou Joyce esteja a nascer na casa aqui em frente!
Diferencia a “alta” cultura e a “baixa” cultura, como fazem alguns intelectuais de renome, visivelmente incomodados com formas da cultura popular como a banda desenhada, a arte urbana, o pop ou o rock, para as quais se chegou a criar o rótulo de “civilização do espetáculo”?
Sabe uma coisa: Shakespeare teria adorado a televisão. Ele escreveria para a televisão. E não, eu não faço esse tipo de distinção. O que realmente me entristece é que as pequenas livrarias, os teatros de bairro e as lojas de discos estejam a fechar. Por outro lado, os museus estão cada vez mais cheios, a multidões lotam as grandes exposições, as salas de concerto estão cheias...
Acredita que veremos a morte da cultura como portadora de formas clássicas já batidas, com a sua substituição por outras formas novas?
Talvez a cultura clássica de caráter patriarcal esteja a morrer e que estejam a surgir formas novas, intermediárias, como uma cultura hermafrodita, bissexual, transexual, e para a qual a mulher contribuirá de uma forma muito especial no sentido de se resgatarem os sonhos e as utopias... Por falar em transexuais e bissexuais, certamente Freud não os viu chegar!
Disse uma vez que se arrependia de não ter arriscado no mundo da criação. Isso é uma espinha cravada na garganta?
É verdade. Fiz poesia, mas logo me dei conta de que o que estava a fazer eram versos, e o verso é o maior inimigo da poesia. E eu disse também – e há quem jamais me tenha perdoado por isso – que o maior dos críticos é minúsculo diante de qualquer criador.
Quem não o perdoou por isso? Colegas seus da universidade?
Sim. Na universidade existe uma vaidade descomunal. E cai mal, para eles, que alguém lhes diga claramente que são uns parasitas. Parasitas na juba do leão. O crescente desprezo político pelas humanidades é algo desolador. A Filosofia, a Literatura, a História são cada vez mais marginalizadas nos planos educacionais. Isso também acontece em Inglaterra, embora ainda existam algumas exceções em escolas particulares de elite. Mas o próprio conceito de elite já é inaceitável no discurso democrático. Se você soubesse como era a educação nas escolas inglesas antes de 1914... Ocorre que, entre agosto de 1914 e abril de 1945, cerca de 72 milhões de homens, mulheres e crianças foram massacrados na Europa e no Oeste da Rússia. É um milagre que a Europa ainda exista! E vou-lhe dizer uma coisa em relação a isso: uma civilização que extermina os seus judeus nunca mais conseguirá recuperar aquilo que ela foi antes. Sei que irritarei alguns antissemitas, mas a vida universitária alemã nunca mais foi a mesma sem esses judeus. Uma civilização que mata os seus judeus está a matar o seu próprio futuro. Mas, bem, hoje existem 13 milhões de judeus no mundo, mais do que antes do Holocausto.
Professor Steiner, o que é ser judeu?
O judeu é um homem que, quando lê um livro, o faz com um lápis na mão, porque tem a certeza de que pode escrever um outro melhor.
Como vê o futuro do ser humano? É otimista ou pessimista?
O futuro... Não sei. A profecia é apenas memória ativa, não se pode prever nada, apenas olhar no retrovisor da História e contar para nós mesmos histórias sobre o futuro. Com certeza haverá duas ou três grandes novas descobertas científicas no campo da genética que introduzirão problemas de ordem moral terrivelmente complexos. Por exemplo: permitiremos que se manipulem as células de um feto?
Colocar um travão no avanço científico será também um problema moral...
Exatamente. Que direito nós temos? Eu, por exemplo, sou um partidário muito firme da eutanásia. Nós, os velhos, muitas vezes acabamos destruindo a vida dos mais novos, que têm de ficar a carregar- -nos nas costas. Eu adoraria ter o direito de dizer “Obrigado, foi maravilhoso, mas agora chega.” Esse dia ainda vai chegar. Na Holanda e na Escandinávia, já está quase aprovado... Não temos mais recursos para manter vivas tantas pessoas senis ou mesmo dementes. Isso vai contra a felicidade de muita gente. Não é justo.
Quais os momentos ou factos que mais forjaram a sua maneira de ser? Ter que fugir do nazismo deve ter sido um dos fundamentais…
Vou-lhe dizer algo que vai causar impacto: eu devo tudo a Hitler. As minhas escolas, os meus idiomas, as minhas leituras, as minhas viagens… tudo. Em todos os lugares e situações há coisas a aprender. Nenhum lugar é chato se me dão uma mesa, bom café e alguns livros. Isso é uma pátria. “Nada humano me é alheio.” Porque Heidegger é tão importante para mim? Porque nos ensina que somos os convidados da vida. E temos que aprender a sermos bons convidados. E, como judeu, ter sempre a mala pronta, e se tiver que partir, partir. E não se queixar.
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Via Citador:

http://www.citador.pt/textos/a-originalidade-e-antitetica-a-novidade-george-steiner
 in 'Presenças Reais' 

A Originalidade é Antitética à Novidade

Arte, música e literatura significativas não são novas, como são, como se esforçam por ser, as notícias dadas pelo jornalismo. A originalidade é antitética à novidade. A etimologia da palavra alerta-nos. Fala de «início» e de «instauração» de um regresso, em substância e em forma, ao início. Directamente relacionadas com a sua originalidade e com a sua força de inovação espiritual-formal, as invenções estéticas são «arcaicas». Trazem em si o pulsar de uma fonte distante.

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George Steiner
https://www.wook.pt/autor/george-steiner/24474
filho de imigrantes austríacos. Licenciou-se na Universidade de Chicago e completou o mestrado na Universidade de Harvard, onde foi galardoado com o Bell Prize in American Literature. O doutoramento foi realizado na Universidade de Oxford, instituição que lhe atribuiu outra valiosa distinção, o Chancellor's Essay Prize. Em 1944 adquiriu a nacionalidade americana, embora tenha vivido grande parte da sua vida na Europa. Foi membro da equipa editorial do Economist, trabalhou no Institute for Advanced Study na Universidade de Princeton, e leccionou em Cambridge, Stanford, Yale, Genebra e na Austria. 
Para além de numerosos artigos publicados em jornais e revistas, nomeadamente no New Yorker e no Times Literary Suplement, é autor de uma obra diversificada, que inclui ficção e ensaio. Entre os seus livros destacam-se "In Buebeard's Castle: Some Notes Towards the Redefinition of Culture", "Antigones: How the Antigone Legend Has Endured In Western Literature, Art and Thought", "Martin Heidegger", "Errata: an Examined Life", "Real Presences" que se encontram traduzidos em português, e "Tolstoy or Dostoevsky: An Essay in the Old Criticism", "Language and Silence", "The Death of Tragedy" e "Grammers of Creation" entre outros. 
George Steiner é, assim, um dos expoentes máximos da grande Cultura Europeia. A novelista A.S.Byatt, no The London Observer, descreveu-o como "orgulhosamente intelectual e profundamente sério". 
Aquando da sua recomendação para Norton Professor (um dos leitorados mais ilustres dos EUA), o júri de Harvard afirmou: "Com a sua notável fluência em muitas línguas, e o seu profundo conhecimento das literaturas e filosofias de várias culturas, Steiner é um dos maiores "comparatistas" do mundo."
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http://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=960
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http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/steiner.htm
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http://jardimdasdelicias.blogs.sapo.pt/dia-mundial-do-livro-o-medo-de-george-782205
Quinta-feira, 23.04.15

DIA MUNDIAL DO LIVRO. O medo de George Steiner 

- Gonçalo M. Tavares

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   Como era ridículo aquilo: ninguém receia um verso. Mas ele sim.
Não é um monstro, não é o escuro, não é um ladrão, um aci­dente ou o anúncio de um ciclone. É um verso.
Não podem perceber, dizia Steiner.
George Steiner era um homem que pensava a literatura como outros homens pensam a matemática (os matemáticos) e outros pensam o jardim (os jardineiros).
George Steiner nascera em 1929 em Paris, e era um dos mais reputados teóricos da literatura. As suas obras mais conhecidas eram: Gramáticas da CriaçãoDepois de BabelErrata: Revisões de uma vidaNo Castelo do Barba Azul, entre outras.
Pois George Steiner estava sentado e tremia. Ao seu lado, numa pequena mesa, o livro de onde saíra, por um segundo, o verso que o assustara. Fechara rapidamente o livro. Não queria ler mais aquele verso.
Mas já o tinha lido. E agora ele estava ali, ainda, no organis­mo. Por uma vez odiou a memória humana: não adiantava fe­char o livro: jamais esqueceria o verso.
George Steiner levantou-se, olhou pela janela. As frases não eram como certos animais de cidade - cães, gatos - que passam de muro para muro, dobram esquinas, convidam para brincadeiras infantis. Viu dois gatos num estúpido balanço que infringia regras básicas da física e escutou um cão, que talvez protestasse pela sua inabilidade física em relação àqueles felinos mínimos. Mas nada mais. A janela não dava para nenhum verso.


Mas mesmo quando via outras coisas Steiner estava a ouvir o que tinha lido. Percebeu claramente, nesse instante, que a visão era uma forma menor em relação ao acto de escutar. A mais po­derosa imagem nasce das coisas que se escutam na cabeça. E ali, naquele caso, não havia hipótese de interromper o diálogo: ele trocava frases com a sua memória, mas esta fixara-se, como uma estaca, no verso, no terrível verso. No fundo era como um pro­cesso de tortura e Steiner era a parte fraca: tentava falar sobre múltiplos assuntos, tentava apontar para o mundo inteiro como as crianças fazem no início quando querem dizer aos adultos que estão finalmente a ver, tentava tudo, tentava todas as frases, mas do outro lado, do lado do carrasco — papel desempenhado pela memória — só vinha uma frase, uma única, e sempre a mes­ma: o verso, aquele verso.
George Steiner amaldiçoava-se já pela sua curiosidade literá­ria, por aquele instinto que se aproximava do erótico - que olha pela buraco da fechadura - esse instinto de abrir os livros, de procurar a todo o momento frases significativas - como outros procuram paisagens ou gastronomias - dessa força fraca que o levava a não resistir a virar um livro pousado numa mesa, com a capa para baixo, para o identificar; essa doença que já o fez re­nunciar ao século, como muitos religiosos, sem no entanto es­quecer por um momento que não é santo e nunca o poderá ser precisamente porque já leu muito.

George Steiner decidiu sair de casa.
Na cidade as frases contaminavam os lugares, mas tal não era uma descoberta de agora. A cidade era o sítio onde as fra­ses há muito tinham adquirido uma evidência física e concreta como em mais nenhum lado. Pensou na pouca importância de uma frase no deserto. Pelo contrário, a cidade parecia ser um or­ganismo, no seu conjunto, a que se poderia dar o simples nome de: leitor; ou escritor. A cidade era, de facto, um leitor: lia, e obe­decia às frases. Respeitava as frases. Temia as frases. Mas tam­bém as produzia.
George Steiner sorriu. Lembrou-se do aviso escrito em cer­tos locais em que a electricidade se concentrava, por assim di­zer, em quantidades maldosas: não se aproximar, perigo de morte! Por que razão o verso que ele lera não tinha uma página antes com este aviso: não se aproximar, perigo de morte?
Mas mesmo que esse aviso existisse, o seu hábito de saltar páginas, de abrir livros ao acaso - como para surpreender um texto pelas costas ou um verso no momento em que ele está em repouso sentindo-se como que escondido -, esse hábito de ler como quem ataca, como quem assalta e não como quem des­cansa ou se diverte, esse hábito nunca o defenderia do perigo. E o que desde a sua juventude temia sucedera: um verso, um úni­co verso, uma mera associação de seis palavras (exacto, seis pa­lavras) ferira-o como o punhal que não vai até ao fim, mas que já fez o seu trabalho.
George Steiner está em casa, levanta-se, olha, da janela, para o sol. O dia nasceu forte e límpido.
Abre a janela, respira um pouco o ar exterior, fecha de novo a janela, e senta-se, à espera.
(in Dez Contos Com Livro Dentro, Campo das Letras)
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Via Graça Silva

“Estamos matando los sueños de nuestros niños”

A sus 88 años, el gran filósofo y ensayista denuncia en una lúcida entrevista que la mala educación amenaza el futuro de los jóvenes

George Steiner, en su casa en Cambridge.
http://cultura.elpais.com/cultura/2016/06/29/babelia/1467214901_163889.html