13/12/2017

2.207.(13dez2017.8.8') José Vitoriano

Nasceu a 30dez1917
Torre e Cercas, no concelho de Silves
e morreu a 3fev2006
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grande camarada do PCP
http://www.pcp.pt/videos/jose-vitoriano-militante-empenhado-destacado-dirigente
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12.12.2017
evocação pelo Jerónimo de Sousa
José Vitoriano: Uma vida de entrega plena à luta dos trabalhadores e do nosso povo


José Vitoriano: Uma vida de entrega plena à luta dos trabalhadores e do nosso povo

Em nome do Partido Comunista Português quero saudar e agradecer a todos os que connosco estão nesta sessão evocativa do centenário do nascimento de José Vitoriano, destacado dirigente comunista, resistente antifascista e combatente de Abril, homem de acção e de muita coragem que desde muito jovem tomou o Partido da luta pela emancipação dos trabalhadores e pela libertação do nosso povo do jugo fascista.
José Vitoriano faz parte do núcleo de militantes, homens e mulheres que em condições extremamente difíceis e à custa de enormes sacrifícios pessoais e humanos – vida precária, clandestinidade, anos e anos ausentes do convívio familiar, prisões, torturas e a perda da própria vida – construíram o PCP como um grande Partido nacional.
Um Partido que pela acção de José Vitoriano, de tantos e tantos outros militantes revolucionários como ele, se tornou na força necessária e insubstituível na luta dos trabalhadores e do nosso povo, por uma vida melhor, por uma sociedade nova mais justa, mais democrática e mais igualitária, liberta da exploração e da opressão.
Na exposição aqui presente e no vídeo que passou evocou-se a sua história de vida e de combatente revolucionário. A história de uma vida de total entrega à luta. A história de um homem possuidor de uma nobreza de caracter ímpar. A história de uma vida cheia de quem fez muito e deu tudo ao serviço da sua classe, do seu Partido de sempre, da sua terra, do seu povo e do seu País, como operário corticeiro e sindicalista, dirigente associativo e cooperativo, como difusor de cultura, como militante e dirigente comunista, assumindo as mais altas responsabilidades partidárias, como deputado e Vice-Presidente da Assembleia da República.
A história de um homem de uma enorme dimensão humanista, cuja riqueza não cabe em nenhuma biografia que o pretenda definir e caracterizar. Homem de firmes convicções e de uma grande dedicação à causa que desde muito jovem abraçou, José Vitoriano era profundamente tolerante e liberto de sentimentos de ódio ou vindicta fosse para quem fosse, fossem quais fossem as condições que a luta e a vida lhe impusessem e tivesse que enfrentar. Nem o facto de ter sido preso durante 17 anos, barbaramente maltratado e torturado lhe contaminava ou maculava essa sua forma de ser e estar na vida como revolucionário de corpo inteiro, abnegado e firme.
Dizia que não tinha inimigos pessoais e o seu comportamento revelava-o em todas as circunstâncias. O camarada Álvaro Cunhal no momento da comemoração do octogésimo aniversário de José Vitoriano afirmou que se desejasse ser parecido com alguém, desejaria ser como José Vitoriano. Álvaro Cunhal sabia bem do que falava, porque o tinha conhecido desde muito novo e acompanhado todo o seu trajecto de intervenção revolucionária.
José Vitoriano que aqui hoje evocamos e prestamos a nossa homenagem era um homem de uma coragem invulgar que resistiu e enfrentou as mais brutais atrocidades de um regime odioso que acorrentou o nosso povo durante quase meio século.
Anos e anos passados na prisão, que transformou em posto de combate e sem que o seu ânimo desfalecesse e que sempre e sempre deixasse de voltar para junto dos companheiros a encetar a luta contra a ditadura, integrando a rede que o seu Partido tecia e unia - a rede dos combatentes dispostos a trocar a sua própria liberdade pela libertação dos trabalhadores e do seu povo.
José Vitoriano nasceu em Silves nesse ano memorável de 1917, ano da Revolução de Outubro cujas comemorações o nosso Partido promoveu com grande sucesso, durante o presente ano em todo o País.
Essa Revolução galvanizadora que vai dar um impulso não apenas ao surgimento do PCP, que em breve nasceria por vontade e decisão da classe operária e dos trabalhadores portugueses, com o qual José Vitoriano irá tomar contacto e se identificar, à medida que amadurece a consciência política do operário corticeiro e se aprofundava a sua inserção na trajectória de luta de uma classe com tradições, mas igualmente dar outro rumo, outra orientação, outra perspectiva à luta da classe operária e dos trabalhadores da terra que o viu nascer e ao movimento operário em geral, e que José Vitoriano como dirigente sindical vai interpretar e executar com grande dedicação e mestria.
Essa nova perspectiva que libertava o movimento operário de velhas concepções (anarquistas) que até ali eram dominantes e que conduziam a luta do movimento operário a um beco sem saída, com a sua recusa da luta política, a sua exclusiva ênfase nas formas superiores de luta, de rejeição de fases intermédias e de desprezo pela política de alianças. Uma nova orientação e perspectiva que se distanciava das concepções putshistas, para dar à luta de massas uma centralidade determinante na acção e intervenção do movimento operário, no plano político e no plano sindical.
José Vitoriano viveu esse tempo de afirmação e crescimento do PCP e do seu projecto político distinto e oposto ao das classes dominantes que tinha recebido um forte impulso com a Conferência de Abril de 1929 sob a direcção de Bento Gonçalves e que um fez do PCP um Partido de novo tipo - um Partido leninista, vanguarda dos trabalhadores e da resistência antifascista, dando início a essa nova fase da luta do movimento operário, dirigido para o trabalho nas empresas, para a reorganização do movimento sindical, para o desenvolvimento da luta reivindicativa de massas e de procura da unidade em torno da defesa dos interesses comuns.
José Vitoriano participará pela primeira vez na greve contra o Fundo de Desemprego, imposto pela ditadura, em 1932, tinha então 14 anos e a seguir estará em greve na grande jornada do 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos. Uma jornada que teve, em Silves, uma generalizada adesão e em consequência se abate uma feroz repressão sobre a sua população trabalhadora. Num tempo que se irá prolongar em que os corticeiros silvenses se viam confrontados com a pobreza, a fome, o desemprego e sujeitos a todos os arbítrios.
José Vitoriano será marcado pela sua condição e pelas vivências no seio de um destacamento operário esclarecido e combativo, mas é também o resultado de um admirável empenhamento pessoal de se valorizar como homem e combatente, de uma vontade férrea em aprender que lhe era própria.
Numa brochura editada pela Junta de Freguesia de Silves dedicada à sua vida e actividade política, José Vitoriano, numa feliz expressão, é definido como «um operário construído». Isto é, um operário que, como ele dizia, esteve quase condenado a ser analfabeto e que se tornou, pelo seu esforço próprio, num homem culto.
Em notas biográficas que nos deixou, esclarece o porquê de ter corrido o risco de ficar analfabeto: «Desde muito cedo – disse – comecei a fazer aquilo que geralmente faziam os miúdos pobres que moravam no campo em condições semelhantes às minhas: guardar uns porquitos que meus pais criavam, procurar e carregar para casa lenha seca para a cozinha e às vezes também lenha para o forno, ir com o burro com dois cântaros em cima de um cangalho à fonte, enchê-los de água com um balde e trazê-los para casa, enfim, estas e outras tarefas de pouca monta mas que para a vida familiar era importante a minha existência para as fazer».
A vida de José Vitoriano, à época, era a vida dos filhos de famílias pobres. Nas condições familiares em que nasceu – são ainda palavras suas – «ir à escola, quando já tinha idade para isso, era coisa que não se pensava».
José Vitoriano teve a sorte de, embora tardiamente, quando já tinha dez anos, poder ingressar na escola primária, iniciando um percurso que com muito empenho, ânsia de saber e se cultivar, tarefa assumida como condição não só de uma formação humana, mas também como afirmação da consciência de classe proletária, para melhor compreender o mundo e as suas capacidades de intervenção política.
José Vitoriano não se limitou a adquirir conhecimentos, realizou um trabalho relevante em liberdade e na cadeia, ajudando à formação cultural dos trabalhadores e camaradas. Destacou-se na criação da Biblioteca Popular de Silves, como um meio de difusão da cultura entre os trabalhadores da sua terra, o que era também uma forma de luta contra o obscurantismo fascista.
Pela vida fora José Vitoriano manterá a preocupação de saber sempre mais. Nas vitrinas que se encontram no átrio da Casa do Alentejo poder-se-á ver por cadernos seus de apontamentos que na fase final da sua última prisão estudava alemão.
José Vitoriano desenvolveu uma intensa e diversificada actividade no movimento associativo e popular na segunda metade dos anos trinta, mas será com a organização de 40/41 do PCP, já formalmente membro do Partido, depois de vários anos de participação na actividade partidária, que vai dar um importante contributo para a luta do nosso povo contra a ditadura e na defesa dos interesses dos trabalhadores e populares, como responsável do Partido pelo trabalho (clandestino) sindical no Algarve e empresas, e no plano da luta “legal” com Presidente do Sindicato Nacional dos Corticeiros do distrito de Faro.
Estar onde estão as massas e trabalhar com elas, e com elas agir na defesa dos seus interesses, era a palavra de ordem que então se impunha concretizar e que José Vitoriano tomava em mãos com uma dedicação inexcedível, dando expressão à realização da estratégia da frente única da classe operária, componente determinante da frente única antifascista que agora se erguia.
Uma nova e decidida orientação que exigia uma grande coragem e determinação, num quadro de grande repressão e grandes perigos.
Essa mudança de orientação que se tinha traduzido no abandono do desenvolvimento de sindicatos clandestinos – a primeira resposta à situação criada com a fascização dos sindicatos e que cedo se revelou ineficaz – para uma decidida intervenção visando a tomada por dentro, em listas de unidade, dos sindicatos únicos e de sindicalização obrigatória do regime fascista – os denominados sindicatos nacionais.
Identificado com as mais genuínas aspirações a uma vida digna dos homens e das mulheres da sua condição e do seu povo, José Vitoriano, entrega-se denodadamente nos combates que então o Partido começava a tomar nas suas mãos, organizando a luta, num esforço titânico de ligação às massas e aos seus problemas, por melhores salários, pela garantia de trabalho, contra os despedimentos e a repressão.
Desmascarar as direcções fascistas e trabalhar para eleger direcções da confiança dos trabalhadores, e desenvolver, a partir das posições conquistadas, lutas reivindicativas nas empresas e locais de trabalho, são duas grandes linhas de trabalho que se tornam uma constante na actividade dos comunistas durante o regime fascista.
José Vitoriano assumiu de forma exemplar a concretização dessa orientação – uma acertada e original orientação, juntamente com a iniciativa directa do próprio Partido nas empresas, possibilitou levar a cabo grandes lutas de massas nesses anos nas mais diversas regiões do País, mesmo num quadro de ausência de liberdade e de grande repressão.
Foi esta orientação e as lutas que se travaram que permitiram que a classe operária se tivesse transformado na vanguarda da luta antifascista e que se tivessem criado as condições, quer materiais, quer de quadros, quer de participação das massas, para o surgimento da Intersindical, em 1970, e esta tivesse desempenhado o papel que desempenhou nos grandes movimentos de massas e greves no período que antecedeu a Revolução de Abril, e do papel de relevo que assumiu no processo revolucionário e hoje continua a assumir.
José Vitoriano, o Joel, seu pseudónimo nesse período, era a encarnação desse trabalho dedicado e sistemático de dinamização da organização e da luta reivindicativa, particularmente ao nível das fábricas, empresas e locais de trabalho, centro nevrálgico da luta reivindicativa, mas também em defesa de cada um dos trabalhadores confrontados com a dureza das condições de exploração em que viviam e o arbítrio do patronato.
José Vitoriano continua a ser inspiração para os nossos trabalhos de hoje. Inspiração para levar cada vez mais longe esse trabalho tão necessário e que permanece como uma prioridade – o trabalho partidário junto das empresas e locais de trabalho, o trabalho de reforço das organizações unitárias de classe e da luta.
Uma luta que hoje continua a assumir uma redobrada importância e actualidade nesta nova fase da vida política nacional, visando a defesa, reposição e conquista de direitos, fazendo retroceder anos de ofensiva de recuperação capitalista que conheceu uma particular amplitude e intensidade nestes anos de PEC, de Pacto de Agressão e acção do governo PSD/CDS, com consequências dramáticas na vida da grande maioria dos portugueses, pela valorização geral dos salários e do salário mínimo nacional para 600 euros, em Janeiro de 2018, pela revogação das normas gravosas da legislação laboral, do Código do Trabalho e da legislação laboral da Administração Pública, designadamente a caducidade da contratação colectiva, contra a desregulação dos horários de trabalho e pelo direito à segurança no emprego, pela garantia dos direitos dos trabalhadores e do povo à saúde, à educação, à segurança social e à cultura.
José Vitoriano será preso, pela primeira vez, em 1948, num momento em que desenvolvia uma enérgica e exaustiva actividade, pelas responsabilidades que acumulava, incluindo agora também o Comité Nacional Corticeiro e a Comissão Nacional Sindical, constituída após o IV Congresso do PCP (1946), no qual, aliás, participará. Condenado a dois anos e meio de prisão, será libertado em 1951, nesse mesmo entra na clandestinidade, como funcionário do Partido, trabalhando sucessivamente com as organizações da Margem Sul do Tejo, do Oeste e Alto Ribatejo. Será novamente preso em 1953 durante cerca de treze longos anos.
José Vitoriano manteve sempre um porte digno e firme frente à polícia, aos tribunais fascistas onde se apresentou não como réu, mas como acusador da ditadura e defensor da actividade do PCP e da sua condição de comunista, frente aos carcereiros durante os longos anos de cadeia.
Pelo seu comportamento revolucionário e firmes convicções ideológicas pagou um muito elevado custo: longos anos de cadeia, torturas, arbitrariedades dos carcereiros.
José Vitoriano, considerado pela PIDE como «elemento de difícil correcção» que já tinha «mostrado de sobejo não ser capaz de estar quieto onde quer que estivesse», permaneceu na cadeia muitos anos para além do tempo das condenações que lhe foram aplicadas, fruto das famigeradas «medidas de segurança» que atribuíam à PIDE o poder discricionário de avaliar das condições para a libertação dos presos.
Para além dos processos que lhe foram movidos pela sua actividade clandestina, José Vitoriano foi sujeito, com outros presos de Caxias, a um processo – conhecido pelo “processo dos papelinhos”, referenciado no vídeo que aqui passou e que constitui uma das maiores aberrações jurídicas mesmo para os padrões fascistas – e no qual foi acusado de ser o principal mentor de uma organização na cadeia, classificada de ser «atentatória da segurança interna e externa do Estado», uma organização prisional designada de «Comuna», cujos estatutos a PIDE suspeitava terem sido escritos por José Vitoriano.
Estatutos que eram «a prova da existência de uma terrível organização comunista no interior da cadeia e de que o réu se propunha, com tal organização, alterar a Constituição da República e alterar a forma de governo.»
Os Estatutos desta pretensa e terrífica organização prisional, era nem mais nem menos do que um conjunto de regras que deviam presidir à distribuição pelos presos da solidariedade que chegava à cadeia.
A bestialidade e discricionariedade do regime fascista e da justiça que o servia está patente, se outros motivos não houvesse, neste processo, e particularmente na pena aplicada: cinco anos e meio, agravados depois para seis anos e meio pelo Supremo.
José Vitoriano passou pois, como já foi referido, 17 anos nas cadeias fascistas, mas nem os anos na cadeia, nem as torturas, nem as arbitrariedades dos carcereiros abalaram as suas profundas convicções, a sua disposição de lutar.
Atentemos nas suas palavras pouco depois de ter sido libertado a última vez e quando já tinha mergulhado de novo na clandestinidade: «a arma mais forte que o militante tem ao cair na prisão, é a sua confiança no triunfo da causa que serve. Essa luta será ainda difícil, mas podem estar certos na vitória».
Liberto em 1966, regressa novamente à clandestinidade em 1967 com tarefas no exterior e desenvolvendo uma importante actividade internacional. Mas é como responsável pela organização da Margem Sul do Tejo e membro da Comissão Executiva do PCP a funcionar no interior do País que, desde 1973, trabalha empenhadamente para apressar esse dia da vitória que não tardará a chegar em 25 de Abril de 1974!
Com a Revolução de Abril em marcha, José Vitoriano desenvolverá uma multifacetada intervenção no plano partidário, como responsável por Direcções Regionais, como Setúbal, Alentejo e Algarve, mas também no plano institucional. Uma intensa actividade que exercerá em todas as fases da edificação da democracia, dando uma activa contribuição para as grandes transformações democráticas e para as grandes conquistas, nomeadamente no plano dos direitos dos trabalhadores e da liberdade sindical, e depois na luta de resistência à ofensiva de recuperação capitalista e monopolista.
Eleito deputado pelos círculos eleitorais de Faro e de Setúbal, entre 1977 e 1987, desenvolveu também neste âmbito um importante trabalho, sempre solidário com a luta dos trabalhadores, dos agricultores e com um olhar e uma atenção particular em relação aos direitos dos pescadores e da defesa das pescas, e aos problemas das populações dos respectivos círculos eleitorais. É sua a Declaração de Voto dos deputados comunistas sobre a votação final da Lei que cria a Universidade do seu, nunca esquecido, Algarve, em 1979.
No quadro das suas responsabilidades institucionais, presidiu muitas vezes à Assembleia da República na sua qualidade de Vice-Presidente, com uma intervenção altamente respeitada por todas as bancadas parlamentares, pelo seu rigor e competência.
Toda uma actividade que combina com uma intensa intervenção e acção partidária, como dirigente e membro do Comité Central do PCP de que fez parte desde 1966 e da sua Comissão Política, entre 1974 e 1988. Posteriormente e até 2000 exercerá funções como membro da Comissão Central de Controlo.
Neste momento de evocação da vida e do exemplo de José Vitoriano, jamais poderíamos esquecer, a nossa camarada Diamantina, sua companheira de sempre, o seu contributo e a sua dedicação e entrega à luta do nosso Partido, pela liberdade, a democracia e por uma sociedade mais justa, mais solidária e mais fraterna. Aqui fica também a nossa homenagem.
De uma modéstia e simplicidade sem paralelo, José Vitoriano morreu em 3 de Fevereiro de 2006. Esse homem generoso e afável deixou-nos para sempre nesse dia, mas o exemplo da sua vida perdurará como estímulo à nossa luta e à defesa da identidade comunista do PCP. Uma vida de entrega plena à luta dos trabalhadores e do nosso povo.
Um combate que travou com uma inabalável confiança nos seus camaradas e companheiros de muitas lutas, nos trabalhadores, no povo e na sua luta, percorrendo os incessantes caminhos da vitória sobre a injustiça e as desigualdades, e na procura da concretização desse sonho, que é o nosso, da construção de uma sociedade liberta da exploração do homem por outro homem.
Honrar e homenagear hoje a memória de José Vitoriano é continuar a luta pela afirmação e concretização de uma alternativa patriótica e de esquerda, por uma democracia avançada, tarefa da hora presente, e levar mais longe e erguer cada vez mais alto o ideal da construção dessa terra sem amos, livre de todas as formas de exploração e de opressão que José Vitoriano abraçou e dignificou com uma vida de coerência, dignidade, de entrega desinteressada, neste Partido, com tudo o que ele comporta de aspiração, sonho e projecto por um mundo melhor.
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militante nov/dez2017
http://www.omilitante.pcp.pt/pt/351/Efemeride/1204/O-centen%C3%A1rio-do-nascimento-de-Jos%C3%A9-Vitoriano.htm
José Vitoriano nasceu no lugar de Torre e Cercas, no concelho de Silves, em 30 de Dezembro de 1917 (o pai registou-o em 1 de Janeiro de 1918 para que fosse à tropa um ano mais tarde). Faleceu com 88 anos. A sua história de vida entrelaça-se com a realidade do povo algarvio, com a vida da classe operária, com a história do Partido pelo derrubamento do fascismo e pela luta em liberdade em defesa das conquistas de Abril, com a luta do povo português.
Assinala-se este ano o centenário do nascimento do camarada José Vitoriano. Entre outras iniciativas do PCP, será inaugurada em Lisboa, em Dezembro, uma Exposição evocativa do seu percurso de vida e luta. A Câmara Municipal de Silves assinalará, também, a história deste silvense, figura nacional que honra a memória dos que, abnegadamente, lutaram pelas condições de vida, pela consciência social e política da sua população, pela liberdade e pela democracia.
Gerações de comunistas trabalharam com José Vitoriano, vivendo com ele o seu percurso e a sua história. Entre nós temos camaradas que o conheceram, aprenderam do seu saber, da sua experiência, da sua forma de estar e dele receberam o respeito e a consideração no plano partidário e humano. Documentos históricos do PCP têm o nome de José Vitoriano pela sua participação na luta da classe operária, na luta pela organização e afirmação do movimento sindical, na luta abnegada dos comunistas contra o fascismo e ainda pela sua conduta política, moral e humana.
José Vitoriano deixou-nos testemunhos em que fala das suas experiências e vivências com camaradas e amigos. Deu entrevistas, cujos conteúdos espelham não só o lutador, mas também sentimentos e a convicção inabalável no ideal e no projecto comunista 1.
Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, no funeral de José Vitoriano (4 de Fevereiro de 2005), disse o que todos nós pensamos e sentimos sobre este camarada: «um exemplo nobre de comunista que sempre considerou até ao fim da sua vida a acção política como forma de servir os trabalhadores, servir o povo e o país».
José Vitoriano tem a sua origem numa família de camponeses pobres. Sendo o primeiro filho, a ele coube os trabalhos de uma criança de apoio à família. Estava na idade escolar, mas ao seu exercício não teve direito. Aprendeu a ler à noite, poucos meses, com um rapaz que tinha o exame da instrução primária. Quando tinha 10 anos, já o irmão mais novo o podia substituir no apoio à família, é então que frequenta a escola primária, entra na 3.ª classe e com 12 anos tem o diploma da instrução primária. Ele e os pais tinham gosto em continuar os estudos, mas a decisão foi tomada na base da opinião de um «lavrador conhecido»: «ponha mas é o rapaz a trabalhar». Assim foi. Só nos anos 40 faz o Curso Comercial Elementar (curso nocturno) na Escola Técnica de Silves.
Com 13 anos inicia a sua profissão de operário corticeiro. Aprendeu e ensinou Esperanto. Participou activamente no movimento associativo da sua terra, onde promoveu conferências sobre temas culturais. Leu muito, leu clássicos da literatura e estudou obras da teoria marxista, é um dos organizadores da chamada Biblioteca Popular (que começou por ser instalada na sua casa), fez-se leitor e divulgador de publicações progressistas, como O Diabo e Sol Nascente.
Os seus sentimentos humanistas cedo se manifestaram, sendo um dos responsáveis pela solidariedade com os jovens tuberculosos não hospitalizados. Viveu intensamente e interessou-se por acontecimentos históricos, nomeadamente a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial.
Foi preso pela ditadura fascista duas vezes, em 1948 e em 1953. No total, 17 anos da sua vida foram passados em prisões fascistas. No livro «60 anos de luta» 2, durante o julgamento no Tribunal Plenário fascista em 1953, José Vitoriano passou de acusado a acusador e reafirma: «É esta a segunda vez que sou preso e respondo por ser membro do Partido Comunista. Isto prova (…) que os três anos de prisão e os maus tratos que então sofri na polícia e na cadeia não abalaram em nada as minhas convicções políticas, não abalaram em nada a minha vontade e decisão de lutar até ao fim da minha vida, se tanto for necessário, pela conquista da Democracia no nosso país».Saiu da prisão do Forte de Peniche em Agosto de 1966, depois de campanhas de solidariedade pela sua libertação, no país e no estrangeiro.
José Vitoriano integrou diversos organismos do Partido. Foi funcionário do Partido de 1951 a 2005. Foi membro do Comité Central de 1968 a 2000. Membro do Secretariado do Comité Central de 1968 a 1972 e da Comissão Executiva de 1973 a Abril de 1974. Depois do 25 de Abril integrou a Comissão Política de 1974 a 1988 e a Comissão Central de Controlo de 1988 a 2000.

A família – vida de luta comum

Em 6 de Abril de 1947 casa-se com Diamantina Jesus Vicente. A camarada Diamantina nasceu de uma família operária. O pai era anarco-sindicalista e sócio da Associação de Classe dos Corticeiros. Diamantina estudou até aos 2.º ano da Escola Comercial e Industrial de Silves 3. Foi costureira. Quando José Vitoriano falava de Diamantina, dizia a minha companheira. Ela foi a sua companheira no amor e na luta. Tiveram o filho Carlos. Momentos houve, de anos prolongados, em que a distância entre eles foi grande. Diamantina esteve na clandestinidade com o marido durante alguns meses, em 1951, voltando a Silves para junto do filho. Na estação ferroviária do Barreiro foi a separação dolorosa. Quando se voltariam a ver? Dos testemunhos de José Vitoriano, este terá sido um momento de maior dor e sacrifício dos que lhe foram exigidos por amor à causa que abraçou. Durante os 13 anos da segunda prisão do marido, Diamantina e o filho visitaram-no, quando lhes foi possível, normalmente duas vezes por ano. De Peniche para Silves, os correios levaram as cartas e os postais. Sucessivamente, em Fevereiro, chegava o postal «Querida Diamantina pela passagem do teu aniversário natalício.»
Quem privou com a camarada fala de uma mulher atenta, perspicaz, com sentido de humor muito apurado e incisivo. Diamantina foi uma mulher cumpridora, discreta, de poucas palavras, sincera e comunista. Funcionária do Partido desde Janeiro de 1967, já em liberdade assumiu tarefas no âmbito do Arquivo Central do Partido.
Carlos Vitoriano, o filho, nasceu em Silves. A sua história de vida é em muito a história dos pais.
Teve a profunda solidariedade da família, particularmente dos avós maternos, a quem ficou entregue durante as ausências prolongadas da mãe. Mas também dos avós paternos e da tia Deolinda, a irmã de José Vitoriano. Nos dias de Festas os operários corticeiros levavam-lhes apoio e solidariedade. Ainda não tinha seis meses quando o pai foi preso pela primeira vez. A mãe contou-lhe que a primeira visita que fez ao pai nas prisões fascistas tinha ele oito meses, ao colo dela foi aos calabouços da sede da PIDE, em Lisboa, na Rua António Maria Cardoso. Carlos tinha quatro anos quando o pai foi libertado. Já era um «rapazinho». Pai e filho tornaram-se companheiros, o pai não o dispensava nos momentos em que podia estar e ser acompanhado por ele. Há histórias e recordações que não esqueceu, entre elas a viagem de comboio, cuja lembrança o acompanhou ao longo da vida e só depois do 25 de Abril perguntou ao pai qual o destino. O pai também se recordava: foram a Lagos reatar a ligação de Partido com um camarada.
Recorda-se de ter ido ao colo da mãe à prisão de Caxias. «Reaviva a memória» das visitas à prisão do Forte de Peniche e a dor inunda-lhe os olhos. «Eu não conhecia o meu pai». Foi o que mais o marcou. Não havia contacto. O vidro, a rede, o guarda, «uma criança não percebe», é «doloroso, revoltante».
Também para Carlos, seguiram de Peniche para Silves as cartas e quase sempre o desenho, pelo qual «o miúdo tem mais interesse»: «Querido filho os meus parabéns pela passagem do teu aniversário natalício e expressar-te o meu muito sincero desejo que o festejes com muita alegria e saúde junto da mãe, dos avós e de todos os que são queridos. Abraça-te muito afectuosamente teu pai e amigo. José Rodrigues Vitoriano».
Em 1966, mãe e filho tiveram a alegria da libertação de José Vitoriano. A vida a três foi por pouco tempo, mais precisamente até 2 de Janeiro de 1967. Carlos orgulha-se de ter merecido a confiança do Partido, sendo o portador da carta que lhe foi entregue pelo camarada Manuel Guedes 4 com os elementos para que José Vitoriano retomasse a ligação com o Partido e mergulhasse de novo na clandestinidade, agora com Diamantina.
José Vitoriano tornou-se um estudioso da história da indústria corticeira, da vida e da luta dos operários corticeiros. Luta prolongada. É dele esta citação: «Os operários corticeiros de Silves e suas famílias viveram ao longo da sua existência de operários as preocupações, as angústias e também as alegrias que são comuns à generalidade das pessoas que trabalham e vivem do seu trabalho. De tudo isto se constrói a vida».

1941 – De simpatizante assumido a membro do PCP

Tinha 18 anos quando foi despedido, o que considera ter sido fundamental para a sua evolução. Passou a ser visto como um jovem «vítima de perseguição e despedido pelo patrão». Teria 15 ou 16 anos quando viu e leu pela primeira vez o Avante!. Na segunda metade dos anos 30 já o recebia regularmente e distribuía por outros a imprensa do Partido, trabalhava com comunistas, distribuía os selos do Socorro Vermelho Internacional, participava na solidariedade para com os presos políticos da sua terra. Esta forma de ligação ao Partido foi evoluindo e consolidando-se. «Tornou-se um simpatizante assumido». Em 1941 foi-lhe formalmente colocada a sua adesão ao Partido, o que aceitou de imediato e com «alegria».
Destaca-se o contributo na intervenção pela unidade e organização dos operários corticeiros em torno de reivindicações concretas e no reforço da sua organização sindical. Como dirigente do Partido destaca-se, também, o seu contributo para a definição das orientações na área sindical.
É em 1932 que participa pela primeira vez numa greve 5. Em Dezembro de 1933 dá-se a fascização dos sindicatos, com a ilegalização dos sindicatos livres e são impostos os Sindicatos Nacionais. A classe operária reagiu vigorosamente com greves e outras manifestações de protesto. Em Silves, como em muitas localidades do país, os trabalhadores aderiram à tentativa de greve geral de 18 de Janeiro de 1934, na qual participou José Vitoriano. Mas é sobretudo no ano de 1936 que intensifica a sua acção e vai adquirindo a consciência de classe «através de lutas que travaram nas fábricas por reivindicações diversas que muitas vezes se estendiam até ao sindicato e nas quais participava activamente, incluindo como membro de comissões que os operários elegiam ou designavam».
Está ligado à história do movimento sindical dos anos 40 do século passado. Soube interpretar e desenvolver as orientações do Partido decididas na reorganização de 1940/41, do III Congresso (1943), e do IV Congresso (1946), no qual participou. Entrando na vida sindical depois da fascização dos sindicatos (1933) confessa que não era fácil os trabalhadores aceitarem filiar-se nos Sindicatos Nacionais. Ele próprio «aquando da formação do sindicato da sua classe [1939] (…) contactado para aderir se recusou, acabou por ir posteriormente por iniciativa própria inscrever-se»e afirma«a justeza da utilização dos Sindicatos Nacionais – no caso (…) os corticeiros de Silves – ficou demonstrada pelas lutas que (…) os operários levaram a cabo com resultados positivos e em que o sindicato foi uma importante via».
Conta que numa concentração no Sindicato, como era homem de pequena estatura, saltou para cima de uma mesa de ping-pong para se fazer ouvir em nome dos trabalhadores da sua empresa. Tornava-se cada vez mais conhecido e destacava-se pelo seu exemplo e coerência na defesa dos direitos dos trabalhadores, «era um moço que dava a cara». Em 1944, o Governo fascista anuncia eleições em todos os Sindicatos Nacionais. Realizaram-se em 1945. Os trabalhadores conseguiram uma grande vitória, elegendo em algumas dezenas de sindicatos Direcções da sua confiança. José Vitoriano foi proposto e eleito pelos trabalhadores para Presidente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Distrito de Faro. Exerceu até Junho de 1948. Quando já tinha sido eleito para outro mandato, foi preso pela PIDE antes de ser empossado.
Integrou o Comité Nacional da Cortiça 6 e a Comissão Nacional Sindical. Álvaro Cunhal no Prefácio à 2.ª edição dos documentos do IV Congresso faz referência a José Vitoriano como um dos camaradas «com tal actividade na altura do IV Congresso7 de grande valor formados na mesma escola da organização clandestina e da luta de massas».
Os contributos de José Vitoriano no âmbito da luta sindical são muito vastos. Entre outros, em 1973, na clandestinidade, faz um trabalho que foi amplamente distribuído no Partido, «Experiências de três anos de luta sindical», que traz à memória a orientação do Partido e o êxito alcançado nas lutas sindicais dos anos 40, desmascara a manobra «liberalizante» de Marcelo Caetano, sublinha a orientação do Partido para a utilização dos Sindicatos Nacionais, apresenta um vasto levantamento de lutas sindicais nos últimos três anos, aponta a atenção a ter com a organização da luta nas empresas e sindicatos. Afirma que «a frente sindical tem sido neste período desde 1969 uma das principais frentes de combate e um elemento dinamizador da acção de massas».
Em Dezembro de 1973 dá uma entrevista à Rádio Portugal Livre. Os trabalhadores e o povo português ouvem-no fazer o apelo do Partido à participação nas eleições sindicais desse ano.
Depois do 25 de Abril de 1974, José Vitoriano, como membro da Comissão Política, assume a responsabilidade do trabalho sindical e no 7.º Congresso (Extraordinário) do PCP faz a intervenção sobre Os Sindicatos e os trabalhadores, onde afirma «unidos, os trabalhadores prosseguirão o caminho para uma sociedade mais justa. Unidos marcharemos pela estrada comum que conduzirá ao socialismo».
Foi deputado à Assembleia da República de 1977 a 1989, eleito pelo círculo eleitoral de Faro à I Legislatura e da II à V Legislatura pelo círculo eleitoral de Setúbal. Foi seu Vice-presidente até 1984. O voto de pesar aprovado na Assembleia da República sublinha «(…) sendo no exercício dessas funções, que exercia com grande rigor e competência mesmo não tendo formação jurídica, profundamente respeitado por todas as bancadas parlamentares».
Como deputado interveio em várias matérias, nomeadamente sobre direitos dos trabalhadores, a defesa da pesca portuguesa e os direitos dos pescadores, o poder local democrático, entre outras. Sublinham-se três intervenções. Em nome dos deputados comunistas, na Sessão Solene do 25 de Abril de 1978. Em 16 de Janeiro de 1979 é José Vitoriano, o mesmo que afirma que aprendeu a ler por acaso, que faz a Declaração de Voto dos deputados comunistas sobre a votação final global, por unanimidade da Lei 8 que cria a Universidade do Algarve, o que veio dar satisfação a uma antiga e justa aspiração das populações algarvias, particularmente da sua juventude, o que representa sobretudo para os estudantes de menos recursos económicos e trabalhadores-estudantes e o papel como factor de desenvolvimento social e cultural. Em 14 de Fevereiro de 1979 assinalou um ano sobre a data da transladação para Portugal dos restos mortais dos 32 antifascistas mortos no Tarrafal, sublinhando que só foi possível porque houve em Portugal o 25 de Abril e porque o Tarrafal e os seus mortos não devem – não podem – ser jamais esquecidos pelos antifascistas, por todos os democratas, por todos os que querem viver em democracia.
José Vitoriano, desde criança, encarou com determinação e confiança o que queria da vida. A opção de classe tomada na sua juventude determinou o seu percurso de coerência ao lado dos trabalhadores e do povo. Foi um homem de coragem e de carácter perante situações difíceis para ele e para os seus camaradas. Nunca desistiu.
Que Partido é este, o Partido Comunista Português, onde se formam os homens e mulheres deste tempera, como o camarada José Vitoriano? Só pode ser um partido revolucionário, um partido que quer criar o homem novo, o Partido que quer para Portugal e para os portugueses o socialismo e o comunismo. Esta sociedade chegará porque o nosso Partido teve, tem e terá homens e mulheres como José Vitoriano.
Notas
(1) Entre várias entrevistas destacam-se: Maria da Conceição Raminhos Duarte, Silves e o Algarve, Uma História da Oposição à Ditadura, Edições Colibri, 2010; Cristina Nogueira, De Militantes a Clandestinos: Práticas e Processos de Formação na Clandestinidade Comunista (1940-1974)Narrativa biográfica de José Vitoriano.
(2) Edições «Avante!», 1982.
(3) Da biografia de funcionária do Partido da camarada Diamantina.
(4) Manuel Guedes foi membro do Partido de 1931 a 1983. Esteve 20 anos nas cadeias fascistas. Integrou o Secretariado do Comité Central desde a Reorganização de 1940/41 até 1952.
(5) Greve contra os descontos para o Fundo do Desemprego que então tinham começado, José Rodrigues Vitoriano, o «Operário Construído», Junta de Freguesia de Silves, Abril de 2006.
(6) O Comité Nacional da Cortiça, em 1945 era integrado por quatro camaradas. Conhece-se o nome de dois, além de José Vitoriano, o de Américo Leal in «Quem somos! Testemunhos», de Américo Leal, Edição do Autor, 2001.
(7) Edições «Avante!», 1997.

(8) Lei n.º 11/79.
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9fev2006
http://www.avante.pt/pt/1680/pcp/12966/
Na morte de José Vitoriano
Uma vida que se confunde
com a luta de um povo
Falecido na madrugada do dia 3, José Vitoriano deixa «o seu elevado exemplo e um fascinante testemunho da força do ideal, das convicções e coerência da luta», afirmou, no funeral, o secretário-geral do PCP.
Tinha oitenta e oito anos e uma inesgotável alegria de viver. Poucos adivinhariam, olhando para José Vitoriano, o percurso da sua vida e as histórias que ela encerrava. Discreto, raras vezes empregava a primeira pessoa para contar alguma das muitas histórias que fizeram a história da sua vida. E, quando o fazia, era como se relatasse acontecimentos banais, quase insignificantes, e não, como era o caso, episódios ímpares da resistência antifascista portuguesa, páginas heróicas da história nacional.
Olhando para José Vitoriano, era difícil perceber quanta força, quanta coragem, quanta determinação e quanta convicção cabiam no seu pequeno corpo. Olhando a sua figura aparentemente frágil, não era fácil imaginar os sofrimentos, as torturas, as privações por que passou na sua longa vida de militante comunista. Raras vezes o sorriso abandonava o seu rosto.
A notícia da sua morte surgiu na manhã de sexta-feira, dia 3. O secretariado do Comité Central, informava do sucedido «com profunda mágoa e tristeza». Por todo o País, militantes e organizações do Partido enviavam condolências em coroas de flores, na sua maioria cravos, semelhantes aos que em Abril floriram. Muitos faziam-se à estrada e rumavam a Lisboa, onde o corpo do histórico comunista jazia em câmara ardente. De olhos tristes caíam lágrimas e, em conversas, contavam-se histórias que tiveram em José Vitoriano o principal protagonista. As mesmas histórias que a sua imensa e sincera modéstia nunca revelaram. Nestes momentos, os sorrisos tomavam o lugar das lágrimas e dos semblantes carregados.
Em mais de sessenta anos de empenhada militância comunista, José Vitoriano fez muita coisa: Foi presidente do Sindicato dos Corticeiros de Faro, dirigente clandestino, passou mais de dezassete anos nas cadeias fascistas e, conquistada a liberdade, foi deputado e vice-presidente da Assembleia da República. Em todas estas tarefas (e muitas outras) e nas contingências da vida e da luta contra o fascismo, conheceu pessoas, despertou afectos, fez amigos.
E foi muita desta gente que esteve presente no último adeus a José Vitoriano: Militantes mais antigos ou mais recentes, familiares, camaradas que com ele partilharam a dureza da prisão e da vida clandestina, actuais e antigos dirigentes do PCP. Coberta com a bandeira vermelha do seu Partido, a urna com o corpo de José Vitoriano chegou ao cemitério dos Olivais a meio da tarde de sábado.
Depois de prestar homenagem, junto à urna, ao histórico dirigente comunista e de cumprimentar o seu filho Carlos, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, fez uma sentida intervenção (ver caixa), que emocionou os presentes. No final, todos cantaram, em tom baixo, A Internacional, hino da luta a que José Vitoriano consagrou toda a sua vida.

Jerónimo de Sousa
«Integrar o seu exemplo
no nosso projecto»


«Este é um momento de profunda tristeza. O nosso querido camarada José Vitoriano deixa-nos para sempre», afirmou Jerónimo de Sousa perante as centenas de pessoas que compareceram, no sábado, ao funeral do histórico dirigente comunista. Aos que prosseguem o seu combate, destacou o secretário-geral do PCP, cabe «acolher o seu elevado exemplo e um fascinante testemunho da força do ideal, das convicções e coerência da luta, da indiscutível ligação ao povo dos comunistas portugueses».
Lembrando a vida de José Vitoriano, o secretário-geral comunista destacou a sua entrada muito jovem no Partido e a sua dedicação de toda a vida «aos trabalhadores e à luta do nosso Partido». Jerónimo de Sousa realçou a coragem e o carácter para «resistir aos esbirros que o prenderam, maltrataram e torturaram sem claudicar perante os torturadores» e o facto de ter passado 17 anos nas prisões, «sem que o seu ânimo desfalecesse».
Para Jerónimo de Sousa, «o que dá aos militantes comunistas a força para uma tal coerência é qualquer coisa de muito profundo que distingue os comunistas e distingue a intervenção do PCP na vida nacional». E José Vitoriano era «um exemplo nobre do comunista que não o era para satisfazer ambições nem interesses pessoais, nem proventos ou privilégios, antes o comunista com um ideal libertador, com uma conduta revolucionária que sempre considerou até ao fim da vida a acção política como uma forma de servir os trabalhadores, servir o povo, servir o País».
Destacada pelo secretário-geral do PCP foi a dimensão humanista de José Vitoriano. «Dizia ele, porque não tinha inimigos pessoais, que não sabia se isso era uma qualidade ou um defeito. Mas era uma qualidade ímpar. O camarada Álvaro Cunhal no momento da comemoração do octogésimo aniversário do nosso José Vitoriano afirmou que se desejasse ser parecido com alguém desejaria ser como José Vitoriano», lembrou Jerónimo de Sousa. Para o secretário-geral, se o PCP é «uma grande força política nacional, se tem como tem tão profundas raízes no povo» isto deve-se à «luta, à dedicação, à conduta revolucionária de gerações e gerações de comunistas integrando nas suas fileiras militantes como José Vitoriano».
Olhando para o futuro, Jerónimo de Sousa mostrou-se confiante que «o Partido Comunista Português será sempre digno daqueles que por ele e com ele lutaram ao longo dos anos e lutam no presente». Como exemplo da determinação de José Vitoriano em prosseguir a luta e reforçar o Partido, Jerónimo de Sousa destacou o «último esforço» feito pelo histórico dirigente comunista em votar nas presidenciais do passado dia 22, quando já se encontrava muito debilitado.
Para o secretário-geral do PCP, uma coisa é certa: «O exemplo e o testemunho vivo do “Zé” Vitoriano há-de perdurar na nossa memória, mas, talvez não menos importante do que isso, há-de integrar o nosso projecto na construção do futuro».

Nota do Secretariado do CC
Breve biografia de uma vida cheia


Em comunicado do dia 3, o Secretariado do Comité Central do PCP informou, com «profunda mágoa e tristeza», do falecimento aos 88 anos, e após prolongada doença, de José Rodrigues Vitoriano, «destacado resistente antifascista e militante comunista, cuja longa vida se confunde com a luta dos trabalhadores e do Partido Comunista pela liberdade, a democracia e o socialismo».
Operário corticeiro, José Vitoriano aderiu ainda jovem ao Partido Comunista Português em 1941, tendo ingressado nos seus quadros de funcionários em 1951. Foi Presidente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Distrito de Faro, de 1945 a 1948, e pertenceu à Comissão Sindical Nacional do PCP de 1947 a 1948.
Preso a primeira vez pela PIDE em 1948, foi libertado em Maio de 1950, tendo passado à clandestinidade pouco tempo depois. Preso novamente em Janeiro de 1953, foi condenado a 4 anos e «Medidas de Segurança». José Vitoriano acabaria por ficar preso até Agosto de 1966.
Uma vez fora das prisões, ingressou novamente na clandestinidade, em Janeiro de 1967, situação em que se encontrava na altura do 25 de Abril. No total, José Vitoriano passou 17 anos nas cadeias fascistas.
Membro do Comité Central de 1967 a 2000, José Vitoriano integrou o Secretariado do CC entre 1968 e 1972, tendo sido membro da Comissão Política de 1976 a 1988. Entre este ano e o ano 2000 integrou a Comissão Central de Controlo.
Foi deputado à Assembleia da República de 1977 a 1987 e seu Vice-presidente até 1984.

CGTP homenageia

Também a CGTP-IN, através da Comissão Executiva, manifestou o seu pesar pela morte de José Vitoriano. «Profundamente identificado com os problemas dos trabalhadores, José Vitoriano lutou abnegadamente, durante toda a sua vida, pela emancipação da classe trabalhadora e pela melhoria das suas condições de vida», destaca a central sindical.
Afirmando que o comunista falecido foi «um importante precursor da luta sindical anti-corporativa», a Comissão Executiva da CGTP-IN recorda que foi pelas suas actividades sindicais e antifascistas que esteve preso durante 17 anos pelo fascismo. «Em reconhecimento do seu importante papel na luta contra a ditadura, pela conquista das liberdades no nosso país e do seu contributo para a causa do sindicalismo, a CGTP-IN decidiu homenagear José Vitoriano, integrando-o na Comissão de Honra do seu IV Congresso, realizado em Lisboa, em Março de 1983», realçou a Comissão Executiva.
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público.3fev2006
https://www.publico.pt/2006/02/03/politica/noticia/morreu-exdirigente-comunista-jose-vitoriano-1246776