Nasceu a 25mAIO1922, em Sassari
e morreu a 11jun1984, em Pádua/Veneto/Itália
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16maio1976
O Programa do PCI para as Eleições de Junho de 1976
(publicado em L'Unità, 16-5-1976. Extractos)
1. É necessária uma nova direcção política e moral
A Itália tem necessidade de uma nova direcção política e moral, assente sobre o entendimento entre todas as forças democráticas e populares e sobre a participarão qualificada de todas as componentes do movimento operário na direcção da vida nacional. É uma necessidade que se revela imperiosa com a experiência dos últimos anos. Esta é a primeira condição para fazer sair o país da crise económica, social, política e moral que o atormenta...2. Como sair da crise económica
Severidade e confiança
Às interrogações e preocupações que hoje assaltam os Italianos, nós, comunistas, respondemos falando a linguagem da verdade. Ocorre olhar de frente para a realidade. A situação é extremamente crítica. É preciso um esforço sério para sair desta situação. Não é possível prometer tempos fáceis. Quem o fizer, para ganhar o favor dos eleitores, é um demagogo. Quem encobrir ou quiser proteger as posições dos grupos privilegiados e das categorias que gozam de vantagens especiais é um irresponsável. Para fazer sair a economia e a sociedade italianas da crise que as assaltou, impõe-se uma viragem na orientação política governativa, mas também nos comportamentos dos indivíduos e dos diferentes grupos sociais que não correspondem ao efectivo saneamento e renovação dia vida nacional. Para assentar o desenvolvimento do país em novas e mais seguras bases é necessário um período de austeridade. Mas para seguir este caminho é necessário ter plena confiança nas possibilidades de relançamento da nossa economia e de solução efectiva dos nossos problemas. Dentro de alguns anos, no decurso da legislatura parlamentar que vai nascer com as eleições de 20 de Junho, pode-se fazer sair a Itália do túnel da crise, pode-se ver o início de um período novo e de autêntico progresso para o povo e para a nação.Justiça social e participação democrática
Poder-se-á pedir aos trabalhadores e às massas populares um esforço ainda maior se se garantir uma justiça cada vez maior na adopção das medidas necessárias e na distribuição da riqueza. A injustiça social ó inimiga da solidariedade nacional. Devem salvaguardar-se os interesses e melhorar decisivamente as condições das camadas mais pobres, das massas já obrigadas às mais duras renúncias. Sacrifícios apropriados devem ser impostos principalmente aos grupos privilegiados. Para pedir a todos que contribuam para o necessário empenhamento comum é necessário indicar uma perspectiva clara, fazer participar democraticamente largas massas de trabalhadores e de cidadãos na definição das opções que hoje se impõem. Não foi dada nenhuma destas garantias, nenhuma destas condições foi realizada pelos governos dirigidos pela DC. Os sacrifícios foram sempre e essencialmente pedidos às classes trabalhadoras.Em que campos é necessária firmeza
Em que campos e em que sentido se impõe actualmente grande severidade? É necessária severidade no campo da gestão da coisa pública, no campo da utilização dos recursos, na atitude doe indivíduos e das massas frente a algumas exigências fundamentais. É necessária firmeza na luta contra o esbanjamento, contra os rendimentos parasitários e especulativos, contra a corrupção; e na contenção dos rendimentos mais altos, na protecção dos rendimentos mais baixos. É necessária firmeza para preparar e levar à prática uma gradual superação da «floresta remunerativa», dos graves e injustificados desequilíbrios de tratamento que se verificam —em consequência sobretudo da política de clientelas da DC— entre as diversas categorias de trabalhadores e dentro de cada uma delas, sobretudo no sector público. É necessária decisão para evitar uma expansão incontrolada dos consumos individuais, incompatíveis com as actuais condições e exigências do país. É necessário um forte empenhamento dos empresários para reinvestir na Itália os lucros e concentrar todos os seus meios e as suas capacidades de iniciativa nos sectores produtivos. É necessário um rigoroso empenhamento de todos no trabalho, um rigoroso empenhamento dos jovens no estudo para adquirirem uma nova e mais elevada qualificação cultural e profissional.3. Governo da economia e participação dos trabalhadores
Sector económico público e empresas privadas
É opinião dos comunistas — como já dissemos repetidas vezes— que não se deve procurar uma extensão ulterior do sector público da economia mas uma reordenação e um empenhamento renovado deste sector actualmente suficientemente vasto — para se alcançarem os principais objectivos de desenvolvimento económico e social fixados pela instância de programação democrática. Deve-se procurar oferecer, através da programação, um quadro de referência para as opções das empresas privadas e orientar o seu desenvolvimento nas direcções consideradas prioritárias. Reconhece-se não só a particular função social das pequenas e médias empresas) mas a liberdade de iniciativa de todas as empresas privadas. Estas tendem a trabalhar na base das solicitações do mercado em ordem à obtenção do lucro. A política de programação deve procurar — sem ignorar o jogo dos mecanismos de mercado— criar novas conveniências para as decisões das empresas e empenhar as maiores empresas e as organizações patronais, através de meios adequados, na obtenção de determinados fins de interesse geral. O essencial é que o desenvolvimento do país deixe de ser condicionado —como aconteceu no passado, através de uma política que levou à profunda crise actual — pelos interesses e pelas decisões dos grandes grupos monopolistas.Participação dos trabalhadores
A validade e o sucesso de uma nova política de programação estão ligados a um mais amplo desenvolvimento da vida democrática a todos os níveis e, por conseguinte, à participação de todos os cidadãos na formação das opções e das decisões a adoptar, especialmente no campo da política económica. Assume especial relevância no quadro da programação a questão da relação com os sindicatos e da participação operária. A autonomia dos sindicatos deve ser plenamente respeitada, mesmo no âmbito dos trabalhos de programação: compete aos sindicatos decidir as formas do seu contributo na elaboração de cada um dos programas e das orientações gerais da programação e, sucessivamente, a partir do seu juízo, as formas do seu contributo para um positivo desenvolvimento da política de programação. A questão que está na ordem do dia — depois da conclusão dos novos contratos de trabalho para algumas categorias fundamentais da indústria— é a do pleno reconhecimento da função nacional da classe operária, do direito dos trabalhadores e dos seus representantes a aceder, nas maiores empresas, aos dados da gestão empresarial, a participar num debate empenhado sobre os programas de investimento e a exercer um controle sobre a sua actuação. O reconhecimento e o exercício — ao nível da grande empresa, como no plano territorial e à escala nacional — destes novos direitos de participação e de controle da classe operária, abrirão uma nova fase na política de programação, nas relações industriais e na gestão da economia.4. Para a renovação democrática do Estado
Uma nova política para as Forças Armadas
É necessária também uma nova política para as Forças Armadas com o fim de lhes aumentar a eficiência, em ordem à segurança e à independência da nação e para garantir as instituições da República. Na base de qualquer reforma neste campo deve estar uma inspiração democrática. Ocorre partir do princípio de que o soldado e o oficial são cidadãos, que cumprem um dever o que, como tais, devem ser respeitados e gozar de todos os direitos que competem ao cidadão. As Forças Armadas não devem ser um corpo à parte mas viver em estreita comunhão com o povo e com as instituições democráticas.As nossas propostas tendem, além do mais para: confirmar a validade do serviço militar obrigatório, que deve, porém, servir não apenas como treino militar, mas deve também procurar o aperfeiçoamento cultural e a preparação profissional dos soldados e dos oficiais e contribuir para o desenvolvimento da sua consciência cívica; garantir, no respeito de uma disciplina consciente, o exercício dos direitos civis e políticos de todos os elementos das Forças Armadas, estabelecer uma relação directa entre Forças Armadas e Parlamento.
5. Progresso cívico e sociedade nova
Liberdade religiosa, revisão da Concordata e Estado laico
O pleno respeito da liberdade, religiosa, da autonomia de todas as organizações religiosas e Igrejas, a clara reafirmação da soberania e independência do Estado italiano e da Igreja católica, exigem a solução do problema que, nos últimos anos, os governos dirigidos pela DC inadmissivelmente iludiram: a adequação, com o acordo de ambas as partes, da regulamentação das relações entre Estado e Igreja — actualmente baseados na Concordata de 1929 — à nova realidade do País.Mas não deve entender-se a laicidade do Estado apenas no sentido da independência da Igreja, mas mais amplamente, que não pode fazer sua uma ideologia particular ou privilegiar esta ou aquela corrente cultural, filosófica, cientifica, artística. Está-se longe ainda, nu Itália, de uma aplicação integral, coerente, deste princípio, desta concepção que, para nós, é válida, mesmo na perspectiva do socialismo.
Reconhecimento pleno das instâncias do movimento feminino
Nos anos passados — sob o impulso de um movimento de opinião cada vez mais amplo e com a contribuição autónoma e determinante do Partido Comunista —, em geral, avançou-se no caminho da extensão dos direitos cívicos e da participação democrática. Mas devem-se dar novos e substanciais passos sobretudo num mais amplo reconhecimento e acolhimento das instâncias do movimento de emancipação e libertação da mulher.O desenvolvimento sem precedentes deste movimento no decurso dos últimos anos representou um dos factos de maior relevância e significado na evolução recente da sociedade italiana.
Grandes massas femininas amadureceram urna nova consciência de si: é muito viva actualmente a procura por parte das mulheres de uma participação autónoma na vida social, cultural, política: cresce nelas a vontade de viver de modo novo as relações interpessoais, de modo a fundamentá-las cada vez mais nas grandes ideias da Igualdade, da dignidade, da plena expressão da personalidade de cada um. O desenrolar e o sucesso da batalha contra a derrogação da lei do divórcio deram o sinal do despertar e da maturação de largos estratos das massas femininas. Tudo isto exprime o desenvolvimento de uma grande e rica potencialidade democrática, representa uma solicitação poderosa para a renovação política, social e moral da nossa sociedade. A consolidação e o relançamento da democracia italiana passam também por uma capacidade efectiva de todas as forças políticas democráticas para oferecer a esta nova presença e interrogação das massas femininas novas respostas.
Uma política, que em todos os campos deve tender para remover todos os obstáculos à plena expressão da personalidade da mulher, deve ser acompanhada por um esforço para abolir das leis do pais e da prática quotidiana qualquer forma residual de discriminação relativamente à mulher, no plano das responsabilidades profissionais como no do tratamento previdencial e fiscal, no plano dos regulamentos escolares como no das eleições para as cooperativas de agricultores. São indispensáveis a vigilância e a iniciativa do Governo — até agora bastante omissas— para a aplicação integral dos importantes resultados já conseguidos no campo legislativo, mas são também indispensáveis novas intervenções de carácter legislativo, no quadro de uma multiforme acção geral com o objectivo de garantir à mulher plena igualdade e plena possibilidade de participar na vida social, económica e política.
Dentro deste quadro, a partir das experiências importantes que já se realizaram nos Concelhos e nas Regiões, nós, comunistas, apontamos a necessidade de criar um método de consulta das associações e movimentos femininos por parte do Governo e do Parlamento, sempre que se decidirem questões que se revistam de especial interesse para as massas femininas.
Linhas de uma nova sociedade
É possível começar já a entrever as linhas da nova sociedade da nova Itália., que nós cremos que possa vir a nascer da crise actual.Emergiram novos valores das experiências vividas nestes anos pela sociedade italiana: difíceis, contraditórias, mas ricas, como nunca, de fermento e de aquisições positivas.
Falemos antes de mais dos valores morais, porque é aqui que os falhanços podem vir a ser irreversíveis. Da solidariedade expressa nas lutas sociais à igualdade de direitos, solicitada na escola e no trabalho; das iniciativas para recuperar para a vida social os marginalizados e os excluídos à vontade de elevação da condição humana que se manifesta em reivindicar o direito à saúde e à instrução; do espírito de tolerância e de cívica confrontação afirmado na luta das ideias ao pluralismo criativo na cultura e na arte: tudo isto, experiências vividas por milhões de italianos, revela já tendência para o afirmar-se de uma nova moral que tenta opor-se ao egoísmo, ao privilégio, à segregação dos fracos, à decadência psíquica e física dos indivíduos, à violência e ao dogmatismo.
Falemos das experiências políticas. Está a amadurecer na vida sindical, nas experiências das administrações locais e regionais, no trabalho parlamentar de formulação de leis, uma possibilidade que nunca tinha existido na Itália e que tem bem poucos paralelos nos outros países, de colaboração entre diferentes forças, que, sem abandonarem as suas ideologias, antes considerando-as fértil campo de elaboração, se propõem objectivos políticos e sociais comuns a alcançar para o bem da, comunidade.
6. Posição internacional da Itália
O papel da Europa
Ao movimento operário e à esquerda europeia cabe um papel novo e decisivo, em sentido democrático, na renovação das sociedades europeias. A crise italiana é um aspecto da crise mais vasta da Europa e do Ocidente capitalista e, mais em geral, da ordem e da estrutura do mundo que saíram da Segunda Guerra Mundial. Daí a nossa escolha, clara e coerente. Ela nasce da convicção de que a actual crise do mundo capitalista ameaça não só a economia e o desenvolvimento democrático das sociedades europeias mas comporta o risco de um declínio histórico desta parte do mundo. Por isso, é interesse vital do movimento operário que a Europa ocidental e, em primeiro lugar, a Europa comunitária defenda e desenvolva o seu papel como entidade autónoma na cena mundial. Ao escolher, neste quadro, o caminho de um desenvolvimento da Itália para o socialismo, e que se realize na democracia, no pluralismo, na defesa e ampliação das liberdades cívicas e políticas, nós não nos estamos a disfarçar nem renunciamos a ser nós próprios. Pelo contrário, escolhemos o único caminho que, no Ocidente, pode permitir à classe operária assumir uma nova função directiva e só enquanto ela exercer a missão de defender e desenvolver todas as conquistas e todos os valores positivos que se afirmaram no passado através dum longo e duro desenvolvimento histórico da Europa. A. questão da colaboração entre as forças democráticas e populares põe-se, em toda a Europa ocidental, em termos novos. Está-se pela primeira vez, diante da possibilidade de empreender uma grande obra comum, a obra da unidade e da renovação da Europa, na qual cada componente não ofusca mas desenvolve plenamente as suas próprias características e os seus valores específicos e originais. É neste contesto que a Itália poderá vir a readquirir um grande peso internacional porque só neste contexto e nesta perspectiva tudo o que ela representa — o seu património de valores históricos, ideológicos, culturais — poderá realmente contar. Fora disto estará sempre condenada à marginalização e a tomar-se objecto das decisões de outrem. O assumir por parte do Partido Comunista de novas responsabilidades como força de governo não é um perigo mas uma garantia para a presença da Itália na Europa e no mundo.A exigência de uma política de desanuviamento, de coexistência pacífica, de redução equilibrada e controlada dos armamentos — simultaneamente com a exigência de uma unidade europeia efectiva — é actualmente reconhecida em Itália por um vasto leque de forças. Mas uma real, coerente e autorizada presença e iniciativa da Itália na cena internacional foi impedida pela persistência, no seio dos governos da DC, de preconceitos anti-comunistas, de mesquinhas preocupações de propaganda, de concepções subalternas e até de elementos de corrupção.
https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/pci/03.htm
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entrevista
Roma. — Já o apodaram de «Dubcek italiano». (O verdadeiro Dubcek, quem sabe onde estará. Berlinguer, esse, está aqui, à minha frente, no seu escritório da Botteghe Oscure(4). Às oito horas da tarde, depois de um dia de trabalho, parece mais velho do que nas fotografias e mostra todos os seus 54 anos. Rugas. Olheiras fundas. Barba comprida e quase branca. Tem uma voz débil e severa. Enfrenta a entrevista como um trabalho a fazer, com grande cuidado e muita atenção. Não é fácil ser o secretário do PCI; fora e até dentro do partido não faltam as armas apontadas. Quase três horas de conversa e, depois, uma avaliação pormenorizada de cada uma das respostas, linha por linha, palavra por palavra. Eis o resultado.
Que resultado eleitoral deseja para a esquerda? Que ultrapasse 50% dos votos?
Não gosto de exprimir desejos em números. Só desejo que a esquerda avance o mais possível: é uma das condições para tomar mais certa a formação do governo de ampla unidade democrática proposto pelo PCI.
O sentido da pergunta não era esse. Para a esquerda é melhor 55% ou 45%? O que é que muda com um resultado e não com o outro?
Percebi... Não creio que seja provável 55%. Repito: é importante que a esquerda, e sobretudo o PCI, avancem mas não me parece justo que se concentre toda a expectativa no facto de vir a existir o famoso 51%. Primeiro, porque é um dos argumentos de que a DC se serve para semear o medo. Em segundo lugar, porque, quaisquer que sejam os votos do PCI, a nossa perspectiva é a de um governo de acordo democrático, o mais amplo possível.
E para a DC, que é que deseja?
Que perca a favor dos partidos de esquerda. O redimensionamento da DC é outra das condições para ser possível um governo de unidade democrática e, mais simplesmente, para sair da ingovernabilidade do País. Mas desejo também que os partidos intermédios, a que a DC procura tirar votos, se aguentem. E espero que o 21 de Junho veja uma constelação de partidos democráticos em que a DC deixe de ser o partido dominante, uma DC que «está na origem dos bons e dos maus tempos». É isto exactamente o que a DC teme e aqui está a raiz do nervosismo dos seus chefes. Vêem o seu regime em discussão e querem prolongá-lo. Mas ele devia terminar. Quanto mais cedo acabar, melhor será. Se o predomínio da DC continuar por alguns anos, fará apodrecer toda a vida italiana.
Mas parece que se está a dar uma certa recuperação da DC
Há esse risco. O medo da mudança pode levar certos estratos do eleitorado a agarrarem-se mais uma vez à DC Seria um grande problema, mesmo para as forças que crêem sinceramente na renovação da DC.
Porquê?
O referendo sobre o divórcio e o 15 de Junho(5) foram uma salutar e forte sacudidela para a DC e deram alento às forças renovadoras daquele partido até ao congresso nacional. Depois, tudo voltou atrás e viu-se na formação das listas da DC e nos velhos tons de cruzada da sua campanha eleitoral. Mas essas forças existem. Se se quiser encorajá-las é preciso provocar um outro abalo na DC, em 20 de Junho. Isso poderia solidificar as tendências para a renovação. Se, pelo contrário, a DC for premiada e aumentar, então não se poderá esperar que mude.
Vós repetis permanentemente: «a DC tem de mudar.» Mas como?
Não pretendemos que se torne de esquerda. Só pedimos que ela seja aquilo que alguns dos seus dirigentes proclamam e que realmente não é: um partido verdadeiramente democrático, popular, antifascista. E também um pouco laico. E também porque se apresenta como um partido de inspiração cristã, com uma conduta mais conforme com as regras da ética cristã, ou mais simplesmente, da moral comum.
Em suma, para tomar possível o compromisso histórico a DC deveria ser como você a apresenta...
A estratégia do compromisso histórico não se pode reduzir a um acordo de governo. É algo de muito mais amplo. É o encontro, na sociedade e nas instituições, das grandes correntes populares, comunista, socialista e católica. Dentro deste processo são possíveis várias formas de governo.
Insiste sempre no encontro, no «estar em conjunto com os outros»...
É verdade. À esquerda há quem diga que a nossa paciência em procurar sempre a unidade é condescendência ou cedência. Mas não vêem que a DC e as forças mais conservadoras se encarniçam contra esta perspectiva de unidade? E encarniçam-se porque esta seria a maior novidade dos últimos trinta anos. Passar da divisão do país à unidade: não há novidade mais «nova» nem mais sólida do que esta! E não é por acaso que é exactamente contra ela que há resistências! É que é uma perspectiva real e não abstracta, como a perspectiva da esquerda unida, que, por si mesma, resolve todos os problemas. Se fôssemos exclusivamente sectários, seria o melhor presente que poderíamos fazer à DC e a quem se opõe à mudança.
Mas há muitos, e muitos daqueles que votaram em vós, em 15 de Junho, que hoje têm medo dessa vossa «proposta de mudar».
Compreendo que o passo a dar agora é muito mais importante do que o de 15 de Junho. Mas penso que o medo maior deveria ser que o mau governo continue e vá piorando progressivamente. De resto, antes ou depois, o PCI deveria vir a participar no governo.
Que significa «antes ou depois»?
Trata-se de saber se este facto se irá dar quando a situação se tiver precipitado de todos os pontos de vista (ruína económica, corrupção, desordem, ineficiência do Estado) ou então, hoje, em que a situação é gravíssima mas não irremediável. De resto, a nossa entrada para o governo é considerado por muitos, na Itália e no estrangeiro, inevitável. Para que serve atrasá-la? Há quem diga que «é prematura». Eu digo que está mais do que madura.
Em que sentido é inevitável?
No sentido de que não é possível pensar em evitar uma viragem reaccionária e endireitar a situação italiana prescindindo de uma força que representa um terço do eleitorado e, sobretudo, a maioria da classe operária ti dos trabalhadores, que são a parte mais vital do país. Já não se pode marginalizar esta força. As raízes que o PCI lançou na sociedade italiana são de tal ordem que ele está lá, firmemente. E não se pode dar ao país uma direcção com autoridade política e moral, de que ele tem necessidade, sem o contributo directo desta força.
Esta vossa força, porém, ainda tem conotações inquietantes. O pluralismo «coxo». Certos vestígios de intolerância. Uma atitude de superioridade em relação nos outros...
Não nego que algumas destas coisas, parcialmente, existam. Mas há também entre nós, e de há muitos anos a esta parte, uma luta constante para superar estes defeitos e para afirmar, nos nossos militantes, a atenção aos outros. E não apenas aos outros partidos mas às outras correntes ideológicas portadoras de valores que a nós Comunistas nos podem escapar e que devemos sempre saber acolher. Por exemplo, o cristão vê aspectos da vida e das relações humanas que podem escapar, em parte, ao marxista. Estamos abertos a reconhecer valores e verdades nos outros.
Não creio que o consigam sempre...
Certamente; não é um processo acabado e não depende apenas de nós. Mas deve compreender que não é fácil. Pense no homem proletário oprimido, explorado, marginalizado. Pense no jovem que não tem perspectivas e na sua carga de raiva. Connosco até eles procuram transformar-se numa força construtiva e tentam perceber que nos outros há também uma parte de verdade, Quero acrescentar, porém, que alguns dos nossos inimigos estão longe de serem campeões da tolerância, não são um bom exemplo certos dirigentes que pensam que o seu partido está à frente de tudo o resto.
Há uma outra coisa que provoca inquietação nesta vossa força: as ligações com a URSS
A nossa autonomia é total. O PCI decide de forma totalmente livre a sua política. E exprime juízos perfeitamente autónomos sobre as experiências socialistas de outros países, fazendo igualmente notar os aspectos gravemente limitativos das liberdades. Se, ao olharmos para o Leste, não vemos tudo negro, trata-se apenas de um «juízo» diferente de outros e não de um juízo «não autónomo».
Mas porque é que, ao notardes estes «aspectos», o fazeis sempre na última página do Unità? As vossas respostas ao Pravda e ao Izvestia sobre o pluralismo são frequentemente invisíveis...
Também fizemos afirmações solenes e publicámos artigos na primeira página, se é isto que lhe interessa, O facto é que são muitos os artigos de jornais e revista soviéticas que põem em questão o nosso pluralismo. E muitas, e repetidas e motivadas são as nossas respostas.
Pensa que na URSS consideram Berlinguer um herege quando fala de pluralismo?
Não sei como é que me consideram. A nós parece-nos que na URSS há quem esteja agarrado a uma concepção do marxismo como se se tratasse de um corpo fechado de princípios, cuja formulação literal poderia dar resposta a tudo...
Se Brezhnev o ouvisse que pensaria de si?
Não sou capaz de imaginar.
Posso escrever que não lhe importa sequer sabê-lo?
Bem, importa sempre saber o que os outros pensam. Mas posso dizer-lhe que, depois da minha intervenção no último Congresso do PCI, em que tinha reafirmado explicitamente a nossa linha, me encontrei com Brezhnev e não se falou sobre o meu discurso. Falámos de outras coisas, isto é, da situação internacional.
Voltemos ao pós-21 de Junho. A DC já revelou que não quer fazer governo com o PCI Vós replicastes: o PCI ou está no Governo ou na oposição, não há solução intermédia. Não estareis deste modo a colocar- vos numa situação irreparável?
O PCI não está certamente privado de flexibilidade. Mas o problema a resolver não é este. O País está em crise, não por falta de uma oposição democrática, mas porque lhe faltou um governo. Queremos pôr ao eleitor o problema na sua verdade nua e crua: hoje é preciso governar o País e governá-lo seriamente. Pertence aos outros demonstrarem se é possível fazê-los sem os comunistas. A experiência diz que não é possível. Tivemos e temos governos incapazes de fazer funcionar o Estado, até nos seus mecanismos mais elementares. Por isso é que insistimos na mudança do Executivo, não apenas na composição política mas também nos homens.
Quantos ministros perderam o contacto com a realidade! E as pessoas deixaram de ter confiança neles.
A vossa resposta, hoje, é por conseguinte uma só: O PCI «deve» participar no Governo...
Sim. Como partido convinha-nos mais esperar por uma Itália mais recuperada. Seria mais cómodo. E se houvesse uma possibilidade mínima de os partidos, que até agora governaram, sanearem um pouco a situação não pediríamos a nossa entrada. Mas não existe essa possibilidade). Sozinhos, esses partidos já não o conseguem. Por isso, e apesar de estarmos conscientes do peso que viria a recair também sobre nós, estamos prontos. Isso mudaria o clima do país. Regressaria a confiança, Existiria um entusiasmo tal que haveria de tornar menos árdua a missão de um governo novo
Não será um pouco ilusório esse quadro?
Não. Mesmo com o PCI no governo nem tudo se resolverá depressa e facilmente. As tarefas, são gigantescas. Mas não tenho dúvidas de que o país iria respirar um ar novo. E não seria uma novidade de somenos, não apenas para as classes trabalhadoras mas também para os empresários. De que é que se lamentam as empresas? Que não há orientações precisas, que não há certeza nas perspectivas.
O governo que propondes será capaz de conseguir do País os sacrifícios que parecem necessários?
Certamente, mas não esqueça que os Italianos já suportam sacrifícios há vários anos. E para que serviram?
Gostaria de saber algo mais. Falemos da proposta do governador do Banco de Itália, Baffi, de rever o mecanismo da escala móvel, que significa de facto uma redução para muitos salários.
Somos contra. São decisões que não podem ser tomadas de cima. Os sindicatos têm o direito de, primeiro, verificarem que sinais concretos, há de que se caminha numa direcção nova, isto é, para uma economia mais sólida e para uma ordem social mais justa. Depois serão os sindicatos a decidir, com toda a autonomia, como graduar as reivindicações e que posição deverão ter os salários nesta nova ordem social.
Por conseguinte nada de «pacto social» entre Governo e sindicatos.
Não, não está nas tradições italianas. A Itália não é a Grã-Bretanha. A nossa ideia é outra. Melhorar a condição operária não só nas fábricas como na sociedade; dispor de melhores escolas, de melhores transportes e hospitais, diminuir o elevado custo das casas, tudo isto é salário real que entra nos bolsos de quem trabalha. E isto pode levar a uma menor necessidade de exigências salariais em dinheiro.
Era todo o caso, corre-se o risco de agravar a inflação. Não lhe parece útil um acordo preventivo para moderar as exigências salariais?
Repito que somos contra esse modo de colocar o problema. Primeiro, deve haver novidades políticas e económicas concretas. Depois, os sindicatos verão como hão de agir. À parte certos rasgos corporativos, o movimento sindical tem uma alta maturidade e é capaz de ver qual é o interesse geral do país. Não percebo porque é que o salário é sempre o primeiro elemento a ser comprimido! Há tantos outros dados que podem variar e são tudo dados que contribuem para a inflação: as despesas públicas inúteis, o custo do dinheiro, o dos grandes intermediários e o da especulação. E você esquece o impulso inflacionário da máquina de clientes da Democracia-Cristã. Sobre estas coisas, porém, nunca se intervém. Recuso as prédicas que se fazem à classe operária, que é aquela que mais aguenta de pé o país; certas pessoas, que vêem só o custo do trabalho, não têm nenhuma autoridade moral para as fazer! Os trabalhadores estão prontos a empenhar-se para fazer sair o país da crise, mas é preciso começar a castigar os parasitas.
Haverá mudanças nas empresas privadas? Dizeis respeitar a existência delas e, ao mesmo tempo, pretendeis avançar no caminho do socialismo. Não é uma contradição ?
Não é uma contradição e vou tentar explicá-lo com um raciocínio esquemático. Primeiro: ao contrário do que previam os clássicos do marxismo, continuou a existir uma malha de pequenas e médias empresas industriais, artesanais, comerciais, rurais que, especialmente na Itália, são importantíssimas para o desenvolvimento e para o emprego. Segundo: nacionalizações totais (como na Checoslováquia dos anos 50, em que se nacionalizou tudo, até os barbeiros) mostraram-se prejudiciais. Terceiro: entre nós, o sector público já é muito vasto. Assim, formas mistas de empresas públicas e privadas podem existir também numa sociedade socialista. Mas ainda, num país industrializado como a Itália, é conveniente, de todos os pontos de vista, e não apenas do ponto de vista económico, manter a empresa privada. O elemento unificador vem da programação que estabelece o quadro de certezas dentro do qual trabalham tanto o sector privado como o sector público. Quero repetir aqui que socialismo, para nós, não significa socialização total dos meios de produção.
Mas o que está a esboçar é a social-democracia.
Não, porque as sociedades sociais-democráticas não avançam no sentido da superação do capitalismo. Não conseguem sequer libertar-se do elemento característico do capitalismo actual, a presença das grandes concentrações monopolísticas. E socialismo quer dizer também novos valores humanos que se afirmam. Nas sociedades sociais-democráticas, apesar dos progressos realizados no bem-estar material, existem todos os efeitos negativos do capitalismo, como a alienação...
Está certo de que não há alienação na URSS?
Nas sociedades socialistas talvez haja também uma forma de alienação. Lá os trabalhadores já não se sentem explorados mas dão-se conta de que ainda não se realizou a sua plena participação naquilo que fazem. De certo que na Rússia há crítica, há intervenção dos trabalhadores e dos cidadãos em diferentes graus da vida económica e social. Penso, porém, que o debate e a participação das massas nas grandes opções são insuficientes.
Muitos receiam que se o PCI entrar no Governo, mais tarde ou mais cedo, a participação nas grandes decisões será «insuficiente», cá como lá. Teme-se que acabeis por transferir para o país o sistema de governo interno do PCI, o centralismo democrático: poucos decidem e os outros obedecem.
Não creio. Uma coisa é o partido, em que o centralismo democrático é o sistema que garante mais eficiência e mais democracia; não creio que seja mais democrático o sistema baseado em tendências ou clientelas... Outra coisa é o pais. O sistema da sociedade italiana deve continuar a ser o definido pela Constituição: liberdade e direitos individuais, democracia representativa com o seu centro próprio no Parlamento, pluralidade de partidos, proporcionalidade, alternância dos partidos no Governo.
Fala como um «Dubcek italiano»...
Tenho muita consideração por Dubcek, mas creio «que não sou semelhante a ele. Ele tem o seu temperamento e eu tenho o meu.
Dubcek será diferente de si, mas também foi esmaltado pelos tanques soviéticos. Considera injusto o seu fim político?
Sim, foi certamente injusto.
Fez tudo para o ajudar?
Sim, mesmo depois. Nunca deixámos de criticar e de intervir. Infelizmente, tinha-se posto em movimento uma lógica imparável.
Não receia que Moscovo prepare para Berlinguer e para o seu eurocomunismo fim igual ao de Dubcek e do seu «socialismo de rosto humano»?
Não. Nós encontramo-nos situados numa outra área do mundo. E mesmo que se admitisse essa intenção, não há a mínima possibilidade de a nossa via para o socialismo poder ser barrada ou condicionada pela URSS Pode-se discutir se há vontade de hegemonia por parte da URSS sobre os países que são seus aliados. Mas não há um só acto que revele a intenção de a URSS ir além das fronteiras fixadas por Ialta.
Por conseguinte sente-se mais tranquilo exactamente porque está na área ocidental.
Eu sinto que, não pertencendo a Itália ao Pacto do Varsóvia, deste ponto de vista, há a certeza absoluta do que podemos avançar na via italiana para o socialismo sem qualquer condicionamento. Isto não quer dizer que no bloco ocidental não existam problemas; é tanto mais verdade quanto nós nos vemos obrigados a reinvindicar dentro do Pacto do Atlântico, pacto que não pomos em questão, o direito de a Itália decidir autonomamente o seu próprio destino.
Em suma, o Pacto do Atlântico pode também ser um escudo útil para construir o socialismo em liberdade...
Quero que a Itália não saia do Pacto do Atlântico «também» por esta razão, e não apenas porque a nossa saída transtornaria o equilíbrio internacional. Sinto-me mais seguro do lado de cá, mas há também tentativas sérias do lado de cá para limitar a nossa autonomia.
Em todo o caso, não crê que o socialismo em liberdade é mais possível de realização no sistema ocidental do que no oriental?
Certamente, o sistema ocidental oferece menos vincos. Mas preste atenção. No Leste gostariam, talvez, que nós construíssemos o socialismo à sua maneira. Do lado de cá, no Ocidente, alguns não quereriam sequer deixar-nos começar a fazê-lo, mesmo em liberdade. Reconheço que pode ser arriscado procurar um caminho que nem sempre agrada aos de cá e aos de lá. Esta é mais uma razão para esperar que, em 20 de Junho, os Italianos nos encorajem. O nosso caminho, que é diferente dos caminhos até agora seguidos, é aquele que melhor responde aos interesses profundos do país. E nós estamos convencidos de que existem condições para percorrê-lo com confiança.
Berlinguer: Conferência de Imprensa na TV
1976
Publicado em L'Unità, 16-6-1976. Extractos
BRUNO («Il Secolo XIX»)
O Governo de emergência assenta, como diz, numa grande convergência de partidos, não exclui a DC, não exclui qualquer partido, creio que nem sequer, pelo menos no papel, o PLI. Esse Governo, quantos anos deveria estar em funções? O senhor diz que durante alguns anos. O senador Chiaromonte referiu exactamente uma legislatura. Entretanto nós perguntamos: durante este tempo quem fará a oposição? E será possível, durante um período tão longo, governarem todos em conjunto, direita e esquerda, DC e PCI?
BERLINGUER
Começo pela última parte da sua pergunta, pela necessidade de existir oposição. Pensamos que em qualquer país democrático devem existir uma maioria e uma oposição com a consequente possibilidade da sua alternância. Mas qual tem sido, qual é o problema que emergiu da vida política italiana destes anos? Pode-se negar que tenha havido oposição? Não, houve oposição : a nossa, uma oposição crítica, uma oposição que denunciou os erros dos governantes demo-cristãos e uma oposição que, ao mesmo tempo, se esforçou -por apresentar propostas cada vez mais construtivas sobre todos os problemas da vida do Pais. Houve portanto oposição e ninguém pode contestá-lo. O que é que faltou? Faltou uma maioria s com um mínimo de homogeneidade e faltou sobretudo um governo com um mínimo de eficiência e operacionalidade. Graças ao contributo da maioria e ida oposição aprovaram-se boas leis durante esta legislatura,,, mas, depois faltou, a aplicação. É este o problema que é necessário resolver na Itália: renovar o Executivo, dar-lhe uma autoridade e uma operacionalidade, que até agora não teve, e fazer apelo à solidariedade nacional. Essa a razão por que nós propomos um governo com a mais larga coligação de todas as forças democráticas. Isto não quer dizer necessariamente que nesse governo devem estar presentes todos os partidos do leque constitucional, do PCI ao PLI. Trata-se de confrontar os, programas, de ver se estamos de acordo em certos métodos de governo. Não faltará oposição, mas não sublinhamos, neste momento, a forte exigência de dar ao país um governo, que ele não tem já há muito tempo. Caro Doutor Bruno, é este o problema central que é preciso resolver na vida política do nosso país: ter finalmente um governo digno deste nome.
PANSA («Il Corriere della Sera»)
Na Checoslováquia queriam um comunismo mais livre e tudo acabou com a intervenção soviética. O PCI pretende também, construir o socialismo em liberdade e há quem defenda que, para vós, será possível levar a bom termo o vosso projecto exactamente porque estais no Ocidente e o Pacto do Atlântico defende também O eurocomunismo de Berlinguer. É verdade que contais também com a NATO para manterdes a vossa autonomia frente a Moscovo, é verdade que vos sentis mais seguros nesta parte do mundo?
BERLINGUER
Parece-me um pouco paradoxal dizer que o Pacto do Atlântico defende aquilo a que se chama o eurocomunismo. Nós declarámos e repetimo-lo, que somos contra o abandono por parte da Itália do Pacto do Atlântico por razões que já explicámos várias vezes, Nós pensamos realmente que, tendo-se dado nos últimos anos um desanuviamento assente no equilíbrio de forças, a perturbação deste equilíbrio —que a saída de um ou outro pais do respectivo bloco provocaria— alteraria o processo geral do desanuviamento. Esta é a razão fundamental que nos leva a pensar que a Itália deve permanecer no Pacto do Atlântico. Nesta área do mundo, em que nós estamos e em que queremos, permanecer, isto é, na área da Europa ocidental, estamos conscientes de que não existem apenas tentativas de intervir na livre escolha do povo italiano ou de outros povos para construírem o seu próprio futuro — entre outras coisas recordo-lhe que este Pacto do Atlântico, que é apresentado como escudo de liberdade, é um pacto que tolerou, durante anos, a Grécia fascista e o Portugal fascista — mas pensamos também que, para construir o socialismo que nós pretendemos, o socialismo em liberdade que é a grande carta de toda a Europa ocidental para salvar-se da decadência — que é a grande esperança de grandes massas de trabalhadores, de mulheres e de jovens — é mais conveniente estar nesta área. Isso garante-nos um socialismo pluralista, mas naturalmente que é necessário lutar concretamente, mobilizando as massas trabalhadoras e todos aqueles que querem este socialismo, para que se venha a cumprir.
PANSA
Muitos receiam uma política hostil de Washington contra nós se se viesse a verificar o ingresso do PCI no Governo, uma política que podia concretizar-se na redução ou na abolição dos empréstimos e dos investimentos americanos no nosso país. Na sua opinião, isto poderia, vir a acontecer?
BERLINGUER
Alguns dirigentes americanos fizeram declarações em que esboçaram ameaças; muitos outros, mesmo autorizados representantes da vida política americana, entro os quais candidatos do Partido Democrático à presidência declararam que, embora não fosse do seu agrado – e é fácil de explicar — se deve considerar com relativa tranquilidade a possibilidade de o PCI se tomar uma força de governo. Quanto aos empréstimos e investimentos, todas as relações económicas do mundo ocidental assentam em vantagens recíprocas. Os empréstimos dão vantagens a quem os recebe e a quem os faz, porque recebe juros. Os investimentos acorrem onde há vantagens e nós pensamos que uma Itália politicamente mais estável e em recuperação económica atrairá investimentos estrangeiros em maior quantidade do que uma Itália economicamente arruinada e politicamente instável, como sucede actualmente. Recordo-lhe que exactamente há dias o New York Times, um dos mais autorizados; jornais americanos, revelou que algumas dessas declarações de dirigentes americanos foram solicitadas pelos dirigentes da DC.
UBOLDI («Epoca»)
Como sabe, em Itália não existe apenas a propriedade com P maiúsculo ou o chamado rendimento parasitário, mas também uma pequena propriedade fraccionada e extremamente espalhada, que é feita de investimentos de poupanças; quero referir-me ao pequeno rendimento imobiliário, inclusive só ao nível mais simples da primeira ou segunda casa, o pequeno rendimento fundiário, a poupança investida em acções, em pequenas empresas, inclusive numa oficina de quinze ou vinte operários. Ora também aqui a perspectiva dos comunistas no governo levanta dúvidas e receios. Que garantia temos de que este sector não será humilhado no quadro de uma visão estatista do poder?
BERLINGUER
Antes de mais, nós não temos uma visão estatista do poder. Nós temos uma visão em que, simultaneamente com o sector público da economia que, temo-lo repetido, em Itália é já suficientemente vasto e por conseguinte não é necessário alargá-lo ulteriormente, deve existir, mais, deve ser encorajado o sector da empresa privada. Quanto às questões que põe, creio que se trata de uma das mais infames mentiras — não lhas atribuo a si, naturalmente, porque o senhor é porta-voz de atitudes, de receios que circulam em determinados estratos da população — espalhadas por dirigentes da DCI para procurar atemorizar e refrear aquela parte dos Italianos que aspiram ao novo mas que também pensam: «que sucederá se se der o facto novo da participação do PCI no Governo?» A terra: e porque é que nós havíamos de atacar a propriedade da terra? Não terá sido talvez a política da DC a levar milhares, milhões de rurais a abandonar a terra? A casa construída com o suor do próprio trabalho, porquê? O problema é, mais do que nunca, dar casa àqueles que ainda não a têm, de reduzir as rendas. A poupança: e quem é que ameaça a poupança senão a política económica dos governos demo-cristãos devido ao processo de inflação galopante que provocou? São tantos os receios, bem o sei, e o senhor tem razão em apontá-los, porque também são tantas as calúnias que se tenta espalhar no espírito dos pobres que, trabalhando, suando, durante toda a vida, acumularam alguma riqueza, para tentar impedir que eles votem para que aconteça algo de novo, de mais vivo, mais limpo, de mais honesto para todos.
UBOLDI
Fala de entrar para o Governo. Se, por acaso, os resultados eleitorais não validarem esta vossa tese tendes soluções de alternativa? Exigis tudo ou nada ou estais dispostos a apoiar outras forças que entrem no Governo, representando-vos também a vós? Estais dispostos a uma oposição dinâmica, construtiva, colaborante?
Nós temos sido e continuamos a ser um partido maleável, capaz de adaptar a sua política às diferentes situações, mas nós hoje pomos aos eleitores — não podemos deixar de pô-lo, porque este é o dado de facto fundamental da vida do nosso país — o problema de fundo que é o de dar um novo governo, não apenas uma nova maioria, ao nosso país. Pensamos que enquanto não for resolvido o problema que nos parece central para a vida política italiana, da participação do conjunto das classes trabalhadoras e dos seus partidos na direcção do país, o nosso país não poderá sair, de modo duradoiro e seguro, da crise que atravessa. Esta é a posição sobre a qual queremos que os eleitores se pronunciem.
GILMOZZI («Il Popolo»)
Gostaria de sublinhar três pontos da sua introdução e de algumas das suas respostas. O primeiro é a afirmação de que a DC atribui a si própria um papel central, primário e de supremacia na política italiana. Isso não é exacto porque esse papel lhe foi atribuído constantemente, a partir de 46, pelo eleitorado. E será mais uma vez o eleitorado a determinar se há-de ser a DC a desempenhar esse papel primário na política italiana ou o PCI Se este último caso vier a acontecer, coerentemente com a sua posição democrática, a DC escolheu, não porque o disse B ou C, mas na sua unidade, passar à oposição, no quadro de uma correcta democracia ocidental. Em segundo lugar, atribui exclusivamente à DC a crise em que nos encontramos. Há dois anos, quando falávamos da crescente crise económica, que se estava a chegar ao limite do sistema, éramos acusados de provocar o terrorismo económico, a chantagem sobre a classe operária. Na realidade somos também vitimas de uma corresponsabilidade do PCI.... Em terceiro lugar, nega a corresponsabilidade do PCI em fazer explodir as denominadas contradições do sistema, que nos levou à situação em que nos encontramos.
BERLINGUER
Note: veremos, depois da votação o papel da DC Nós pensamos que deve ser redimensionado. Há de facto dirigentes da DC que afirmam que não pode haver democracia na Itália se a DC não for a sua arquitrave, o eixo que sustente o sistema político. Nós queremos que isso mude. Queremos que haja uma colaboração entre iguais, entre todos os partidos democráticos, isto é, queremos, em termos mais despojados, atingir a máquina do poder, Governo e governo-sombra, as clientelas da Democracia Cristã, que está a sufocar a vida política e económica do nosso país. Quanto às responsabilidades da crise económica nós autocriticamo-nos por atitudes que podem ter sido erradas. Mas não entramos no jogo habitual de colocar em pé de igualdade responsabilidade da Oposição e responsabilidade do Governo. E se o nosso país chegou a este ponto de ruína económica, financeira e, acrescento, moral, a responsabilidade principal, permita-me que o diga, é da DC. A DC teve um papel primordial na direcção do nosso país e, na nossa opinião, por tempo excessivo. Veja, falei menos tempo do que aquele que me foi atribuído.
GILMOZZI
Tinha uma série infinita de questões a pôr-lhe, mas não é possível pô-las agora. Passo ao terceiro ponto das minhas considerações, porque me interromperam. O senhor diz que há da nossa parte e da parte do País medo da novidade. Realmente parece-me uma intervenção de mau gasto porque o Governo de unidade nacional e de solidariedade democrática, proposto por Berlinguer, não é de modo nenhum novidade. Podia ser uma novidade — e era bastante inédita — a fórmula do compromisso histórico. Não o é o Governo de solidariedade nacional ou de unidade democrática porque, em todos os países do Leste, foi o primeiro passo obrigatório por onde passaram todos os regimes comunistas, na Alemanha do Leste como na Polónia e noutros lados. Governo de solidariedade democrática significa união mais ou menos forçada ou forçosa de partidos ditos homogéneos, com a formação de um núcleo predominante e, depois, com a expulsão dos outros partidos e passagem à ditadura do proletariado. São três passos obrigatórios, aplicados nos sete países e do Leste europeu. Não há nenhum...
BERLINGUER
Os elementos da DC, quando não têm argumentos, refugiam-se no estrangeiro.
GILMOZZI
Espero não ter de me ir refugiar realmente no estrangeiro, depois.
BERLINGUER
Nem pensar. Caro Dr. Gilmozzi, na Itália houve uma experiência de ampla unidade nacional, de 44 a 47, e creio que esses Governos actuaram bem, no sentido de guiar a luta do povo italiano contra o fascismo e contra o nazismo e encaminhar a reconstrução e elaborar os fundamentos do nosso Estado democrático. Hoje dizemos: estamos numa situação excepcional devido à gravidade da crise económica, política, moral, que atinge o nosso país. Unamo-nos, colaboremos. Tendes tão pouca confiança nas vossas forças que temeis que venham a dominar-vos? Um partido, num país como a Itália em colaboração, é fiador do outro e sobretudo, o quo é mais importante, é que todos os partidos garantam que o nosso país não se há-de arruinar, como vós, dirigente da DC, o estais a arruinar, pelo menos é vossa a principal responsabilidade.
https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/pci/02.htm#c2i2
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Enrico Berlinguer

1922-1984
Político comunista
italiano. Secretário-Geral (SG) das Juventudes Comunistas Italianas
(JCI) de 1949 a 1956, é a seguir director da escola central do partido
(1957) e entra para o Bureau Político do Partido Comunista Italiano
(PCI) em 1963. SG adjunto a partir de 1969, foi eleito SG do PCI em
Março de 1972.
Lançou a ideia de
“compromisso histórico” que associaria no mesmo governo os comunistas,
social-democratas, socialistas e democrata–cristãos.
Com o
“Eurocomunismo”, rompe com o conceito de ditadura do proletariado e de
Moscovo como centro de obediência ideológica. Condenou, junto com o PCI,
a intervenção soviética no Afeganistão, em 1979.
Faleceu na
sequência de uma hemorragia cerebral, em Pádua, aos 62 anos. Ao seu
funeral estima-se que compareceu mais de um milhão de pessoas.
Atualmente estão disponíveis em Português as seguintes obras:1976 - Mai | Relatório ao Comité Central |
1976 - Jun | Entrevista ao «Corriere Della Sera» |
1976 - Jun | Conferência de Imprensa na TV |